O CEO da Canada Goose fala sobre criar uma nova marca de luxo canadense

Depois de trabalhar por alguns anos na empresa de fabricação de casacos de sua família, o autor desse artigo percebeu que casacos de alta qualidade feitos no Canadá poderiam se tornar um produto de luxo no mercado global. Mirando primeiro os consumidores europeus, ele introduziu a marca e depois a promoveu de formas inovadoras, incluindo o fornecimento de roupas para exploradores polares e equipes de TV e cinema que filmavam em locais remotos de clima frio. Talvez o mais importante tenha sido o compromisso com a fabricação doméstica, com a abertura de fábricas em todo o Canadá e centros de treinamento para costureiros. Isso abriu caminho para um crescimento fenomenal e um IPO bem-sucedido. Em 2019 a empresa já possuía lojas em 12 cidades ao redor do mundo e administrava um negócio internacional de comércio eletrônico. No início de 2025 a rede já contava com 70 lojas em todo mundo, após a inauguração em Macau, na China. O foco em oferecer uma experiência excepcional inspirou a criação de “salas frias” nas lojas, onde os clientes podem testar os produtos em temperaturas de até –25 graus Celsius antes de comprar. À medida que a Canada Goose expande organicamente e por meio de aquisições, Reiss afirma que a empresa continuará fabricando seus casacos no Canadá e outros produtos onde conseguir a mais alta qualidade na escala necessária.

Lembro-me claramente do dia exato, em 2001, quando decidi que a Canada Goose, o pequeno negócio familiar que eu havia assumido recentemente dos meus pais, se comprometeria a sempre fabricar nossos parkas icônicos no Canadá. Eu estava sentado à minha mesa, no andar de cima da nossa fábrica em Toronto (a única que tínhamos na época), lendo as manchetes do jornal daquela manhã, e vi que duas empresas norte-americanas de vestuário estavam transferindo sua produção para o exterior. Seus líderes deram duas razões: primeiro, o alto custo da mão de obra doméstica estava comprimindo suas margens, então era simplesmente um bom negócio buscar lucros maiores em outros lugares. Segundo, eles não acreditavam que os clientes se importassem onde os produtos eram fabricados, contanto que a marca e a qualidade permanecessem as mesmas.

Pensei comigo mesmo: eles estão errados.

Acreditei, como ainda acredito hoje, que alcançar uma distribuição em massa competindo por preço não é o caminho para o sucesso; é assim que se constroem marcas de commodities. Eu sabia que, para criar um negócio global sustentável, teríamos que crescer a partir de uma base de valores fundamentais inegociáveis que priorizassem a qualidade em vez da quantidade.

Também aprendi, desde os meus primeiros dias em feiras internacionais, que muitos clientes na Europa e na Ásia realmente se importam com o local de fabricação dos produtos, especialmente os de alto valor. Vi de perto que eles tinham uma paixão por roupas autênticas, de alta qualidade e feitas no Canadá (afinal, quem entende mais de frio do que os canadenses?), e suspeitava que, com o tempo, as pessoas se preocupariam ainda mais com a procedência. Se o “Fabricado no Canadá” se tornasse importante e nós permanecêssemos enquanto todas essas outras empresas saíssem, acabaríamos tendo uma enorme vantagem competitiva.

Hoje, a Canada Goose é, sem dúvida, uma das marcas de vestuário mais conhecidas do país, vendendo uma variedade de roupas de alta qualidade e outros itens com preços que variam de 295 a 1.695 dólares em nossas próprias lojas, canais de comércio eletrônico e com parceiros de varejo em todo o mundo. Com três fábricas em Winnipeg, três em Toronto e outras duas em Quebec, além de escolas de treinamento para costureiros em cada uma dessas cidades, também somos reconhecidos como líderes na construção e reconstrução da infraestrutura de fabricação de vestuário do Canadá. Com a recente aquisição da Baffin, uma respeitada fabricante canadense de calçados, estamos agora dobrando a aposta que fiz anos atrás: a de que uma empresa “Fabricada no Canadá” poderia se tornar um negócio global de luxo.

Uma empresa familiar

Em 1957, meu avô materno, um imigrante polonês, fundou a empresa que eventualmente se tornaria a Canada Goose. Sua Metro Sportswear era uma pequena fábrica de roupas industriais com um punhado de funcionários, alguns dos quais ainda trabalham conosco hoje. (Eles gostam tanto de estar aqui que não querem se aposentar.)

Na década de 1970, meu pai se envolveu no negócio e logo se tornou presidente. Ele inventou uma máquina de enchimento de plumas, o que nos permitiu ser mais eficientes e expandir nossa linha de produtos, e criou a marca própria, Snow Goose, que fornecia casacos para unidades táticas em toda a província de Ontário e desenvolveu um culto de seguidores no alto Ártico por seu calor extremo. Mas a maior parte de nossa receita na época vinha de encomendas de marcas privadas: fabricávamos roupas nas quais outras empresas colocavam seus nomes.

Essas relações podiam ser imprevisíveis. Os pedidos nem sempre eram tão grandes ou frequentes quanto meus pais gostariam, mas eles queriam manter seus trabalhadores empregados o ano todo. Então, às vezes, aceitavam encomendas menos lucrativas para manter a fábrica funcionando. Não era uma carreira que eles queriam que eu seguisse:

“Você deveria ser um profissional e ter uma renda previsível”, eles me diziam. “Gerenciar uma fábrica é difícil demais.”

Eu concordava plenamente. Não tinha nenhum interesse no negócio nem em ter um emprego que as pessoas achassem que meus pais haviam me dado. No entanto, não segui exatamente o conselho deles de uma carreira “profissional e previsível”: me formei em literatura inglesa e pretendia ser escritor de contos. Mas, antes, queria viajar um pouco depois de me formar em 1996.

Isso significava que eu precisava ganhar algum dinheiro, então perguntei se poderia trabalhar na fábrica por três meses, ganhando 12 dólares por hora. Eu não tinha nenhuma intenção de ficar e, com certeza, não achava que acabaria assumindo isso como o trabalho da minha vida. Mas gostei de ganhar um salário, e mais tarde percebi que isso não era apenas um “negócio de parkas” — estávamos fazendo algo real. Nossos produtos tinham um significado que ressoava com os clientes.

Enquanto trabalhava na empresa, também tive algumas ideias de como o negócio poderia ser melhorado. Por exemplo, naquela época, o e-mail e a internet ainda eram novidades, e nós não usávamos nenhum dos dois — então criei uma conta de e-mail e construí o primeiro site da empresa. Minha estadia de três meses virou seis meses e depois alguns anos; já se passaram mais de duas décadas desde que comecei.

Já em 1998, comecei a participar de feiras comerciais ao redor do mundo. Descobri que no Japão e na Europa, onde usávamos o nome Canada Goose (porque Snow Goose já era uma marca registrada), nossa pequena marca própria realmente significava algo. Os consumidores reconheciam que as pessoas que viviam e trabalhavam nos lugares mais frios do mundo usavam nossos casacos. Percebi que nossa reputação autêntica era a base para uma marca icônica.

Se quiséssemos construir sobre essa base, teríamos que sair do negócio de marcas próprias, eliminar o nome Snow Goose e focar exclusivamente na Canada Goose.

Construindo a marca

Em 2001, disse aos meus pais que estava pronto para dirigir a empresa se eles estivessem dispostos a me deixar, o que significava fazer algumas grandes mudanças. Meu pai era um cara da indústria, mas ele entendeu o impulso de marca que eu queria fazer. Ele também pode ter achado irônico, porque quando criança, eu odiava etiquetas a ponto de cortar os jacarés das minhas camisas Lacoste. Para seu crédito, ele me deixou assumir o comando e seguir minha própria visão do que a Canada Goose poderia se tornar.

Lenta, mas seguramente, saímos dos contratos de marca própria e focamos exclusivamente na marca Canada Goose. Continuei a viajar extensivamente pela Europa e Ásia para entender melhor o que os consumidores valorizavam. A qualidade, é claro, era fundamental. As pessoas queriam um casaco bem construído, perfeitamente costurado, excepcionalmente quente e feito com os melhores materiais. Isso é outra coisa que aprendi com meus pais. Eles sempre economizavam para investir em produtos de alta qualidade que duravam muito tempo, em vez de comprar coisas mais baratas e descartáveis. Nosso país de origem também era fundamental. Para muitas pessoas, possuir um casaco da Canada Goose é como possuir um pedacinho do Canadá, e por isso estão dispostas a pagar um valor premium.

Não podíamos nos dar ao luxo de fazer campanhas publicitárias glamorosas, então focamos no boca a boca.

Essa foi outra parte do que me convenceu a me comprometer a ser uma marca “Fabricada no Canadá”, mesmo quando outras empresas estavam saindo do país. Percebi que, embora não pudéssemos sustentar o custo da fabricação doméstica em um mundo onde as pessoas compravam um casaco de 299 dólares e o mantinham por uma década, poderíamos fazê-lo em um novo ambiente onde roupas de inverno eram tratadas como luxo, cobiçadas e colecionadas, assim como relógios ou carros de alta gama. Os suíços tinham a Rolex, os britânicos tinham a Range Rover — o Canadá poderia ter a Canada Goose.

Como ainda éramos uma empresa pequena, não podíamos pagar por campanhas publicitárias chamativas para aumentar a conscientização ou a demanda dos consumidores, então focamos em um tipo diferente e, possivelmente, mais poderoso de marketing: o boca a boca e a contação de histórias reais. Quando uma equipe de expedição viajou ao Polo Norte e apareceu na National Geographic, garantimos que os membros da equipe estivessem usando nossos casacos. Também equipamos equipes de TV e cinema que filmavam em locais remotos e frios, onde as temperaturas podiam cair muito abaixo de zero. Protegíamos pessoas que viviam e trabalhavam nos ambientes mais frios da Terra e, em seguida, compartilhávamos suas histórias.

Criando uma nova força de trabalho

À medida que a conscientização crescia e as vendas começavam a disparar, precisávamos aumentar a capacidade de produção. Mudamos para uma instalação de fabricação muito maior em Toronto e, mais tarde, expandimos para as oito fábricas que possuímos atualmente.

Também precisávamos de um maior número de talentos. Para surpresa de muitos, uma enorme quantidade de trabalho manual continua a ser empregada em cada uma de nossas peças. Enquanto gerações anteriores de canadenses, especialmente imigrantes no nosso país, incluíam muitos costureiros experientes, essas habilidades são muito mais difíceis de encontrar no mercado de trabalho atual. Então, o que você pode fazer quando a força de trabalho de que você precisa não existe? Você pode construir a sua própria. Em nossas escolas de treinamento, as pessoas aprendem a operar uma máquina de costura industrial, colocar um zíper e muito mais. Em Winnipeg, fizemos parcerias com o governo local e agências de emprego que encaminham estudantes para nossos programas: ensinamos e contratamos mais de 770 pessoas em Manitoba no ano passado, somando-se à força de trabalho já existente de 1.250 em Winnipeg. Em todo o país, agora empregamos mais de 3.500 pessoas.

Nossa herança canadense e o compromisso de fabricar nossos parkas no país estão no coração do nosso negócio e da nossa marca. Muitas empresas do nosso setor terceirizam para fabricantes no exterior, mas continuaremos investindo agressivamente na produção de produtos premium no Canadá, o país de onde tiramos nossa inspiração. Os salários no Canadá são até cinco vezes mais altos do que nas fábricas do exterior, e acreditamos que nossas instalações de produção e artesãos nos diferenciam no cenário internacional e na mente de nossos clientes.

À medida que adicionamos novas categorias de vestuário, no entanto, escolhemos fabricá-las onde pudermos obter os produtos da mais alta qualidade na escala necessária, independentemente dos custos de mão de obra; não estamos perseguindo margens. Quando introduzimos as malhas — nossa primeira categoria fora dos casacos — decidimos, após extensa pesquisa, fabricar na Itália e na Romênia. Construir nossa capacidade e infraestrutura para atender à demanda global enquanto mantemos nosso compromisso de fabricar todos os nossos produtos de plumas no solo canadense tem sido facilmente um dos nossos melhores investimentos.

Nadando contra a corrente

Durante muitos anos, sonhei em abrir nossa própria loja. Embora tenhamos a sorte de trabalhar com alguns dos melhores varejistas do mundo, queríamos criar um lugar onde pudéssemos mostrar nossa herança e toda a linha de produtos e realmente imergir os clientes na história da Canada Goose, sem filtros.

Em 2016, esse sonho se tornou realidade quando abrimos nossas primeiras lojas em Toronto e Nova York. Já havíamos lançado o comércio eletrônico na América do Norte naquela época, então a transição de fabricante puro para varejista não era nova. Mas nossa expansão para lojas físicas, especialmente em um momento em que tantas outras empresas as estavam fechando, nos levou a repensar o negócio e suas operações em todos os departamentos. Hoje temos lojas da Canada Goose em 12 cidades ao redor do mundo e administramos um negócio internacional de comércio eletrônico.

Nosso foco em função em primeiro lugar e em proporcionar uma experiência excepcional recentemente nos inspirou a criar “salas frias” em nossas lojas, onde os clientes podem testar nossos produtos em temperaturas de até –25 graus Celsius antes de efetuarem a compra. É uma forma criativa — e autêntica — de ajudarmos a garantir que o cliente compre o casaco perfeito.

Em 2017, abrimos o capital da empresa, o que vi como outra oportunidade de contar nossa história — talvez a maior de todas. Essa foi uma chance para pessoas de todo o mundo possuírem uma parte da Canada Goose e se juntarem a nós em nossa jornada. Muitas pessoas me alertaram que ser uma empresa de capital aberto nos mudaria, colocando pressão sobre a empresa para fazer o que fosse necessário para manter os investidores satisfeitos. Mas essa não é uma fórmula que funciona para nós, e deixamos isso muito claro desde o primeiro dia. Continuo a conduzir este negócio com a mesma visão de longo prazo que eu tinha quando me tornei CEO.

Durante a turnê de apresentação do IPO, recebemos perguntas sobre se a Canada Goose era uma moda passageira e se estávamos preocupados em nos tornarmos populares demais. Já ouvi esse tipo de pergunta praticamente todos os anos desde que estou na empresa, e ainda assim elas me fazem sorrir. Nossa marca tem mais de 60 anos e temos crescido a cada ano, pelo menos nos últimos 15 anos, mas de muitas maneiras estamos apenas começando. Ouço histórias regularmente de pessoas que estão nos descobrindo agora e contam o quanto amam nossos produtos. Jovens, idosos, locais, internacionais, exploradores ao ar livre ou fashionistas, todos eles respondem ao nosso compromisso com a qualidade, a autenticidade e a fidelidade ao nosso DNA. É assim que permanecemos relevantes enquanto crescemos e construímos uma marca duradoura.

E, à medida que fazemos isso, deixei claro que um aspecto do nosso negócio é inegociável. A Canada Goose sempre será uma defensora do “Fabricado no Canadá”. Simplesmente não existe maneira melhor de permanecermos atemporais.


Fonte:

Uma versão deste artigo foi publicada na edição de setembro–outubro de 2019 da Harvard Business Review.

Autor:

Dani Reiss é o CEO da Canada Goose.