Consumidores globais, concorrentes chineses e indianos, a guerra de preços, o mercado informal e a pirataria são, ao lado de estratégias de preços antiquadas, os grandes desafios atuais da definição de preços no Brasil (Pricing) e também as grandes barreiras aos lucros. O especialista Frederico Zornig avisa que, por conta disso, muitas vezes as empresas brasileiras cobram menos do que deveriam.
Os artigos já publicados sobre as boas regras da precificação invariavelmente mandam que os preços sejam formados a partir da percepção que os clientes têm em relação aos produtos ou serviços em questão. No entanto, quase ninguém pratica isso. É realmente possível?
Preços deveriam, sim, ser formados a partir do valor percebido pelo cliente, em conjunto com sua disposição e disponibilidade de recursos para comprar (“willingness to pay”). Como sabemos que cada cliente possui determinada percepção de valor de um produto ou serviço, assim como cada um sabe quanto de recursos tem disponível para a compra, os preços idealmente deveriam ser individuais ou seja, para cada pessoa, um preço diferente.
Entretanto, por vários motivos, tais como economias de escala, controles, estratégias de marketing etc, oferecer preços diferentes para cada cliente se torna pouco prático na verdade, quase impossível. Mas já existem práticas no mercado que levam isso em conta.
O fato é que as duas estratégias de formação de preços mais difundidas hoje no mercado ficam muito aquém da possibilidade de otimização de lucros. A primeira delas é a precificação baseada em um target [alvo] de lucro em que a empresa simplesmente adota um percentual de mark-up sobre os custos. Por exemplo, a indústria moveleira aplica normalmente o custo de produção multiplicado por sete para determinar seus preços no varejo. Sem levar em conta o valor percebido pelo cliente, é natural que algumas linhas se esgotem rapidamente e outras fiquem em estoque por meses até que os fabricantes sejam obrigados a oferecer descontos de até 70% para vender os produtos que não caíram no gosto do consumidor.
Qual seria, então, a maneira correta e, ao mesmo tempo, factível de a indústria moveleira definir seus preços?
A maneira correta seria alguns itens terem preços 20, 30 vezes maiores que o custo, enquanto nos itens que, por antecipação, o fabricante soubesse que possuem atributos não tão valorizados pelo consumidor esse fator deveria ser três ou quatro vezes o custo, por exemplo.
O custo não deve contar mesmo?
O custo é irrelevante para a determinação do preço; serve apenas para conhecermos o nível de lucratividade de cada produto. Mas infelizmente ainda há muitas empresas que estabelecem preço em cima de custo.
E qual é a outra prática comum de formação de preços?
A outra prática muito utilizada, especialmente pelas empresas que não são líderes ou que estão entrando em um novo mercado, é a de simplesmente posicionar seu produto um pouco abaixo do concorrente, sem levar em conta o valor oferecido por seu produto.
Um exemplo disso que, a meu ver, um erro foi o preço do primeiro iPhone, da Apple, nos EUA. Até um mês antes de ser lançado o iPhone 1, um telefone que combinava serviço de e-mail, agenda e celular (por exemplo, o BlackBerry, da Motorola) era vendido por US$ 399. Quando lançaram o iPhone por US$ 499 com muito mais recursos e um valor percebido pelos clientes muito maior, a Apple iniciou uma guerra de preços sem perceber. Imediatamente, seus concorrentes foram obrigados a baixar os preços dos seus produtos. Um mês depois de o iPhone estar no mercado, já era possível encontrar ofertas do Blackberry por US$ 149! Muitas vezes as empresas iniciam uma guerra de preços sem saber.
Provavelmente, os executivos da Apple devem estar reclamando da atitude agressiva do concorrente em baixar tanto os preços, mas, na verdade, quem começou a guerra foi a própria Apple, no momento em que não cobrou mais por entregar muito mais valor percebido pelos clientes. Ou seja, provavelmente, poderia estar ganhando muito mais dinheiro se tivesse lançado o iPhone por US$ 999, vendendo quase a mesma quantidade e talvez sem forçar seus concorrentes a baixar tanto seus preços.
Esse caso da Apple é ótimo, mas queria explorar também um caso mais próximo geograficamente. O que explica, em São Paulo, por exemplo, vermos muitos produtos que são mais caros do que em outros lugares do Brasil e outros tantos são muito mais baratos?
O que ocorre em São Paulo, onde alguns produtos inexplicavelmente são mais caros do que outros, está ligado, em muitos casos, às práticas de preços que acabei de mencionar. Ou o preço foi estabelecido em cima de um custo e esse custo pode ter sido maior ou menor em São Paulo ou o preço foi definido a partir do preço do concorrente, e a diferença em relação à concorrência para determinado produto em São Paulo pode ser maior ou menor que em outro estado.
O que fazer, então?
Idealmente, as empresas deveriam buscar entender quanto de valor seus produtos ou serviços entregam para seus clientes, avaliar se esse valor está sendo percebido o que decorre de sua estratégia de comunicação, garantias, serviços etc. e buscar uma estratégia de preços que, pelo menos, segmente seus produtos e clientes de forma coerente com o objetivo de alcançar a maior lucratividade possível.
Isso não vale apenas para produtos premium, então, como muitos pensam, mas também para produtos que competem na linha dos preços baixos. É isso?
Sim, para definir preços, a empresa sempre tem de saber responder estrategicamente que mercado ela vai servir, tem de encontrar seu segmento de mercado. Se for vender a preços baixos, tudo o que fizer terá de ser alinhado a essa estratégia. Controle de custos e eficiência de processos tornam-se fundamentais para que a empresa prospere nessa situação. Um bom exemplo de comoditização está no transporte aéreo brasileiro.
Vamos analisar o fenômeno da GOL. Sua proposta no início foi ser uma linha aérea simples, sem alguns serviços oferecidos pelas outras empresas (cartão de fidelidade, marcação de assento, refeições quentes etc.), mas com o menor preço do mercado. Encontrou seu segmento de mercado e, aliado a uma execução brilhante do plano, vem alcançando crescimento sustentável e lucrativo.
As empresas estão enfrentando a severa concorrência dos produtos chineses, no mundo inteiro. No Brasil, as têxteis e outras respondem a isso pedindo ao governo que aumente as tarifas de importação (e o governo as está atendendo). Mas norteamericanos e europeus também costumam ter essa atitude protecionista, diga-se de passagem. Haveria outra solução?
Com relação à concorrência chinesa e indiana, não adianta o empresário pedir subsídios para o governo. Essa prática é um artifício temporário que não solucionará a questão no longo prazo. Ou alguém duvida que os chineses, com a economia de escala que possuem, curva de aprendizado na produção e ganhos de produtividade, não serão capazes de reduzir seus preços ainda mais?
Cabe a nossas empresas entenderem melhor quais segmentos de mercado servir e adequar sua estratégia e preços a uma nova realidade. Acredito que muitos empresários sempre optam por baixar os preços, deixando a competição apenas nessa área. Pecam ao ignorar possíveis vantagens competitivas, como, por exemplo, a velocidade de reposição de estoque. Uma empresa têxtil do interior de São Paulo deveria levar menos tempo para atender a um pedido do que uma baseada na China. Com um pouco mais de agilidade, poderia melhorar o fluxo de caixa dos clientes. [Alguns empresários] ignoram também a possibilidade de pequenas diferenciações nos produtos, difíceis de ser imitadas por um fornecedor distante do consumidor nacional, entre outras tantas iniciativas mais inteligentes do que simplesmente baixar preços.
Por outro lado, volto a insistir que, se a idéia é a competição por preços, então que a empresa se prepare para o mercado de volume global. Quem vai sobreviver nessa área são os grandes fabricantes com volume de escala e nível de competitividade mundial. Um bom exemplo brasileiro? Temos vários: Gerdau, AmBev, Vale do Rio Doce…
Agora, como fica o pricing diante do mercado informal, dos camelôs, dos sacoleiros do Paraguai, da pirataria? Muitas empresas se queixam disso no Brasil, não?
Esse é um mercado que somos obrigados a aturar. Sonegação de impostos, desrespeito a marcas e patentes, desvios de cargas são práticas inaceitáveis para uma nação que respeite as leis, mas, no Brasil, apesar de existirem as leis, infelizmente, essa situação é uma realidade.
Nos meus projetos de consultoria em pricing levo essa realidade em consideração, mas normalmente o melhor a fazer é precificar para o mercado formal. Ainda mais nas grandes empresas onde trabalho, tentar lutar por participação de mercado nesse segmento é um suicídio para a estratégia de diferenciação e agregação de serviços.
O que normalmente fazemos é sugerir a diferenciação de produtos para proteger ao máximo cada segmento de mercado. Além disso, se a empresa atuar em diversos países, utilizamos uma estratégia chamada “price bands” para tentar minimizar ao máximo o risco de mercadorias destinadas a um país de poder aquisitivo menor serem revendidas em outro país com poder aquisitivo maior. Ilustrei um caso desse em um artigo publicado no The Pricing Journal, publicação especializada dos EUA, sob o título “Using price to stop grey markets”.
Quais são os grey markets enfrentados pelas companhias brasileiras?
São todos e quaisquer mercados negros, estabelecidos seja por contrabando, roubo, falsificação ou até exportação/importação legal mas indesejada de um país para outro. Por sua natureza, trata-se de mercados difíceis de ser mensurados, mas, se você passar por qualquer camelô em São Paulo, pode ter uma idéia de quanto dinheiro corre por esse segmento informal.
Muitas vezes esses mercados são criados pelas próprias empresas, ao errarem em suas políticas de preços, por exemplo, por ignorarem questões fiscais diferentes em cada estado. Sei do caso de um fabricante de baterias que sabe que seus distribuidores do Nordeste revendem baterias no mercado de São Paulo por menos que os grandes clientes paulistas… Como? Talvez por se beneficiarem de um ICMS menor.
Outras razões podem ser a falta de um controle maior de seus distribuidores, roubo de carga etc. Cada caso é um caso e depende de muita análise para chegarmos a alguma conclusão. A tarefa das empresas é criar estratégias de preços e controles de processos que minimizem os riscos.
Como fazer isso? Parece tão complicado…
A primeira decisão é escolher quais clientes a empresa quer servir, como eu já disse. Depois, avaliar o que esses clientes esperam da empresa e quais os atributos dos produtos e serviços que mais valorizam. Daí para frente é muita pesquisa, análise, segmentação, comunicação, treinamento da força de vendas e, é claro, cobrança do preço justo pelo que oferecem. O fato é que muitas vezes as empresas brasileiras cobram menos do que deveriam!
Sempre consigo mostrar caminhos para uma empresa aumentar seus lucros por meio de uma gestão estratégica de preços.
Devemos enterrar os preços baseados em custo e mark-up ou aqueles que simplesmente acompanham a concorrência. Administrar preços de forma estratégica é a melhor maneira para aumentar os lucros. Em uma pesquisa feita com as 1,2 mil maiores empresas globais, a consultoria McKinsey identificou que uma melhora de 1% em preços gerava em média 11% de aumento em lucro. O mesmo ganho de 1% em volume não trazia mais do que 3,5% e uma redução de custos fixos da ordem de 1% melhorava os lucros em pouco mais de 2%. Ou seja, qual dessas variáveis sua empresa deveria focar? Sempre sugiro pricing!
Você pode dar exemplos de empresas brasileiras que enfrentaram esse problema e encontraram soluções?
Infelizmente, uma das cláusulas da minha consultoria é o sigilo total. Nenhuma empresa gosta de ir para a mídia por saber gerenciar preços de forma estratégica. Ainda temos uma barreira cultural no Brasil de que muito lucro é ruim e prejudica a imagem. É uma pena. O capitalismo e a sociedade só prosperam com lucro.
Você aplica o 6-Sigma no pricing. Pode nos explicar como funciona isso?
Na prática, ao utilizarmos o rigor estatístico e o passo-a-passo de um projeto 6- Sigma com a abordagem DMAIIC [sigla em inglês de Define, Measure, Analyze, Innovative Improvement, Control, ou definir, medir, analisar, melhorar de modo inovador, controlar], garantimos que todas as etapas do processo de pricing sejam devidamente apoiadas por fatos. Alterar preços não é uma tarefa fácil e, quanto mais consciente for a decisão, maiores as chances de uma nova estratégia funcionar e gerar resultados positivos na lucratividade. Numa conferência de pricing realizada em 2006 em Las Vegas, Estados Unidos, apresentei um case de uma empresa que adotou a metodologia 6-Sigma nos processos da gestão de preços com muito sucesso. Observamos o volume de vendas manter-se quase inalterado e ganhos de preços significativos, resultando em um crescimento sustentável das vendas e, principalmente, dos lucros. O 6-Sigma pode ser aplicado com sucesso em processos de vendas e marketing. A metodologia contribui para a redução da variabilidade no resultado do processo.
Imagine a situação de uma empresa que define um preço de venda para o mercado e sua equipe de vendas tem poder para negociar descontos. Em um mês seus produtos serão vendidos por todos os níveis de preço autorizados aos vendedores. Se tiverem autonomia de dar descontos de até 50%, os preços vão variar desde o preço de lista até 50% de desconto com um volume maior nos preços mais baixos. Entretanto, ao comparar esses preços praticados com volume de vendas comprado ou tipo de cliente, provavelmente não existirá nenhuma correlação. Por outro lado, encontrando o preço certo para o cliente certo, por meio de uma segmentação baseada em atributos oferecidos e valor percebido pelo cliente, e reduzindo as margens de negociação dos vendedores, evitaremos descontos desnecessários. Estabelecendo segmentos de clientes e oferecendo uma combinação de produto e serviço que satisfaça cada segmento, podemos preestabelecer preços que serão aceitos pelos clientes que se encaixam no perfil definido.
Descreva, por favor, o que é um trabalho de consultoria em pricing da Quantiz…
Após a análise de dados completa, com rigor estatístico e metodológico, e a identificação de oportunidades de melhorias, adicionamos os principais conceitos e as melhores práticas na gestão de preços para encontrarmos soluções eficazes para nossos clientes. Normalmente, nossos projetos envolvem novas segmentações de clientes e produtos, estabelecimento de políticas de preços e de descontos (menus de preços), plano de comunicação para clientes e funcionários (é importante fornecer o racional dos preços e garantir a transparência, facilitando a compreensão e a adoção da nova estratégia), alteração na remuneração da equipe de vendedores etc. Além disso, acompanhamos toda a implementação do novo processo, inclusive treinamentos para a força de vendas em como vender e negociar valor. Para finalizar, definimos métricas para auxiliar o controle do processo, para que a empresa possa seguir gerenciando seus preços sem a necessidade dos nossos consultores.
Quem é Frederico Zornig
O consultor especialista em pricing Frederico Zornig é fundador e presidente da Quantiz Informática e Consultoria e autor de dois livros: Decidindo o Caminho, que aborda liderança e Preço Certo. Graduado em engenharia química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com MBA pela University of Illinois, dos Estados Unidos, Zornig foi executivo de várias empresas, entre elas Johnson & Johnson e Souza Cruz. Certificado como Black-Belt em 6-Sigma, é reconhecido como um dos pioneiros na utilização dessa metodologia em processos de marketing e vendas. Membro e palestrante da Professional Pricing Society desde 2001, também publicou artigos no The Pricing Journal.
Fonte: Entrevista por Adriana Salles Gomes, publicada na revista HSM Management.