A arquitetura da Marca

Nessa entrevista, David Aaker sugere que as empresas associem marcas e estratégia. David A. Aaker é um consagrado especialista em marca e professor renomado de Marketing e Estratégia da Haas School of Business, escola de Administração de Empresas da University of California de Berkeley, na Califórnia, EUA. Segundo ele, o sucesso pode ser identificado por uma arquitetura da marca.

Nada de foco ou posicionamento. O que importa é a arquitetura da marca e tudo que dela deriva. Essa é a proposta de David Aaker, renomado especialista de marketing da University of California de Berkeley, autor de Criando e Administrando Marcas de Sucesso (ed. Futura), que contraria grandes autoridades dessa área.

O que significa arquitetura de marca? “Significa articular todas as marcas da empresa de tal maneira que funcionem juntas e gerem mensagens claras, sinergia e impacto”, explica Aaker, em entrevista exclusiva a HSM Management.

Em outras palavras, isso implica saber usar submarcas e marcas associadas e harmonizar isso com a estratégia geral da empresa. Além de detalhar esses e outros conceitos, o especialista diz como aplicá-los no dia-a-dia.

Oito anos depois de publicar Managing Brand Equity, o sr. acredita que os quatro fatores-chave descritos no livro como determinantes do valor de uma marca –lealdade, reconhecimento, qualidade percebida e conjunto de associações– ainda funcionam?

Esses quatro fatores continuam tendo a mesma relevância na construção e no valor de uma marca. Aliás, constituem a base a partir da qual é possível mensurar o valor de uma marca. Três anos atrás, em 1996, mostrei um sistema de mensuração baseado nesses quatro fatores, publicado em Criando e Administrando Marcas de Sucesso. São eles que nos permitem avaliar de forma cabal a força de uma marca.

propaganda mercedes marca

O que faz com que Kodak, American Express, Mercedes, Ford, IBM sejam marcas fortes? O que é uma marca fraca? A idéia foi responder a essas perguntas suplantando o interesse meramente teórico. Busquei respostas práticas.

As outras formas de avaliação não buscam respostas práticas?

A maioria das empresas que medem valor de marca se detém nos resultados diretamente relacionados com o produto e o mercado que lhes interessa. Nós, diferentemente, achamos que expandir essa perspectiva para várias classes de produtos e diversos mercados agrega valor à análise.

Permite, por exemplo, fazer um ótimo benchmarking (comparação com as práticas de outras empresas), não restrito à categoria do produto ou serviço avaliado. Afinal, com relação à qualidade percebida pelo cliente, uma empresa de serviços financeiros pode preferir comparar-se à Disney do que a outra empresa de seu setor de atividade.

Além disso, a avaliação da marca da forma proposta por nós cria ferramentas para a empresa lidar com uma carteira de marcas. A GrandMet, citando um exemplo do Reino Unido, possui marcas de diversas categorias em todo o mundo, como JB, Bailey’s, Smirnoff, Pillsbury, Green Giant, Häagen-Dazs, Burger King. Se elas não forem tratadas como um todo coeso, é possível que algumas decisões estratégicas beneficiem uma marca e prejudiquem o rendimento global da empresa.

Então, a mensuração do valor com base nesses quatro fatores é uma novidade em si para o processo de construção de uma marca…

Sim, exatamente.

Que outras mudanças conceituais ou mercadológicas o sr. destacaria como influências importantes na hora de construir uma marca neste final de década e de século?

Antes de mais nada, eu destacaria a arquitetura da marca. Quando comecei a trabalhar nessa área, o principal debate era sobre estender ou não uma marca para outras categorias de produtos ou serviços. Hoje a preocupação central tem a ver com a arquitetura da marca.

Isso significa articular todas as marcas da empresa de tal maneira que funcionem juntas e que em conjunto gerem mensagens claras, sinergia e impacto. E isso é muito mais abrangente e sofisticado do que a questão da extensão de marca.

Em segundo lugar eu apontaria a publicidade como fator crucial dos dias atuais, porque está mudando muito. À medida que a Internet, os patrocínios e as técnicas de marketing direto se tornam mais importantes, a pergunta que surge é: como essas novas ferramentas afetarão a construção da marca? E, como a implementação dessas ferramentas é diferente, é preciso encontrar novas vias para ter acesso a elas e, ao mesmo tempo, descobrir a maneira de coordená-las.

Obviamente, não posso deixar de mencionar a globalização econômica, um fenômeno que afeta diretamente a estratégia de marca de uma empresa. É de vital importância ter uma clara visão de como gerenciar a marca de forma globalizada e como fazer com que ela chegue aos mercados de mais valor para a empresa, mercados premium.

Como ficam as associações das marcas a idéias nesse ambiente globalizado e interativo?

Depende do contexto. Na área de serviços, por exemplo, o fator crítico é o contato que o cliente tem com a marca, seja pessoalmente, seja pelo telefone ou pela Internet. As experiências resultantes desse contato dependem geralmente da cultura, dos valores, das políticas e dos programas que a empresa tem. Elas devem refletir tudo que a marca significa, incluindo a qualidade do serviço. A imagem visual, nesses casos, incumbe-se de reforçar a identidade criada.

Se falarmos de produtos embalados, no entanto, a embalagem em si é vital, o visual é vital. Eu diria que influi em 80% no reconhecimento da marca.

Se as marcas se relacionam tanto com as características e os objetivos da empresa, de que maneira elas influem no planejamento estratégico?

Elas influem decisivamente. Muitas empresas já estão usando o desenvolvimento de identidade e a estratégia de marca para projetar a estratégia geral do negócio. Eu acho, além disso, que a identidade de marca também contribui para criar a cultura da empresa. Por isso, a marca deve comunicar-se tanto com o público externo como com o interno.

O tipo de influência, no entanto, depende do tipo de empresa. Para a empresa que tem uma estratégia de negócio definida, uma cultura bem estabelecida e valores muito fortes, a identidade de marca servirá como ferramenta-chave para implementar a estratégia e fortalecer a cultura corporativa. Para uma empresa diferente, impulsionará o desenvolvimento e o “desenho” da estratégia, ajudando a administrar a cultura corporativa.

Hoje em dia, logo se pensa em flexibilidade na hora de definir uma estratégia. Mas serão flexíveis os sistemas de marcas? Como eles conseguem se adaptar a um mundo em constante mudança?

Há um conflito entre visão estratégica e oportunismo estratégico; e, sem dúvida, é uma das questões de mais difícil solução de todos os tempos. Por um lado, é necessário ser coerente ao longo do tempo porque, caso contrário, nunca se conseguirá a força necessária para vencer. Por outro lado, há circunstâncias em que é preciso mudar. Quando essas circunstâncias são reais, a identidade de marca também deve mudar, mas para isso é preciso um planejamento adequado. Já houve muitos casos de mudanças precipitadas.

É importante ser paciente. Antes de optar pela mudança é preciso entender as forças que a impulsionam. Às vezes as empresas com estratégias e marcas fortes pagam um preço alto por ir atrás no trem da mudança. Mas existem outras que, na ânsia de ser a locomotiva do trem, fazem algo diferente todo ano e sempre saem perdendo.

Então, como mexer com as marcas nas circunstâncias atuais?

Nada melhor do que observar um setor de atividade que muda constantemente e tem ciclos cada vez mais curtos. A tecnologia de ponta, por exemplo. O conceito de arquitetura de marca é especialmente poderoso nesse tipo de contexto (de mudança constante). Não se trata de mudar a marca; ela deve permanecer estável. A flexibilidade deve ficar por conta das submarcas e marcas associadas.

logomarca intel leap ahead

Um bom exemplo é a Intel, que debaixo do guarda-chuva Intel Inside desenvolveu submarcas com diversos objetivos. Portanto, a arquitetura de marca se torna um instrumento importante, pois confere à empresa flexibilidade e capacidade de adaptação à mudança.

Se a marca deve ser estável e, portanto, atemporal, para ser forte, como fazer para que incorpore elementos contemporâneos sem se enfraquecer?

Quando uma empresa me contrata para desenvolver a identidade de sua marca, deparo, em geral, com expectativas de que ela represente sete, dez e até doze idéias importantes. E sei que é importante que a marca tenha flexibilidade para incluir essas idéias em seu sistema, porque senão será uma marca incompleta. Então, eu separo essas idéias nas de core identity (identidade essencial) e nas de extended identity (identidade ampliada) e as trabalho de forma diferente e com profundidade diferente.

A diferença entre o sistema que eu adoto para construir uma marca e o modelo utilizado por uma agência de publicidade, por exemplo, é que a agência ficaria satisfeita em encontrar uma frase de três palavras com força suficiente. E pronto.

O problema é que muitas empresas jogam o trabalho de criar a identidade de uma marca na mão da agência sem lhe dar informações de apoio. A empresa pode largar essa responsabilidade na mão da agência, em sua opinião?

Toda a estratégia de construção e divulgação da marca é de responsabilidade dos executivos da empresa. Só eles sabem o que querem dizer e fazer. Além disso, numa época com tantos meios de comunicação disponíveis, a empresa não tem outra opção a não ser manter um executivo responsável por toda a parte de comunicação.

Como evitar o risco de que apelos emocionais e culturais que são parte da identidade essencial de uma marca se convertam em meros slogans publicitários?

A marca deve refletir-se em tudo. Depois de “formatar” sua identidade, a empresa deve passar da estratégia para a implementação do programa de comunicação de forma coerente. Para conseguir isso, nós trabalhamos com “imperativos estratégicos”. O exercício consiste em formular a seguinte pergunta: se esta é a minha identidade de marca, que investimentos estratégicos e que planos de ação devo implementar para transformá-la em realidade?

Entre as respostas aparecem, seguramente, campanha publicitária e esforço promocional. Também, e com mais frequência do que se imagina, surgem pesquisa e desenvolvimento, novos produtos, algumas mudanças no sistema de distribuição e nas condições do serviço prestado ao cliente. Essa pergunta, por si só, faz com que o peso da publicidade na gestão integral da divulgação da marca se torne relativo. E, assim, os apelos emocionais reais não se tornam meros slogans publicitários.

Imaginemos uma marca cujo conceito se subdivida em sete submarcas. Como gerenciar a relação e a sinergia entre elas?

Esse é outro problema difícil, que deve ser resolvido caso a caso. Ainda não é possível falar de um modelo que se aplique a todas as situações. Neste momento, estamos trabalhando justamente em um modelo que descreva esse tipo de relação entre as marcas. A idéia é poder cobrir todas as possibilidades existentes.

O modelo visa responder a esta questão: o que deve fazer uma empresa que fabrica uma gama ampla de produtos, de eletrodomésticos a lamparinas? Ela pode construir seu sistema arquitetônico com base em uma só marca. Pode construí-lo com base em tantas quantas forem suas linhas de produtos.

E há mais uma dezena de possibilidades entre um extremo e outro, incluindo submarcas, marcas associadas ou o uso da marca endossante, representada pelo típico “um produto de” em letras pequenas. Cada combinação tem a sua força.

Bem analisadas e avaliadas, todas as opções permitirão projetar uma arquitetura que seja clara, gere sinergia entre as marcas e tenha o impacto desejado no mercado. Importante é escolher o sistema que funcione a longo prazo.

O caso do Saturn, carro da General Motors, é um bom exemplo de sinergia dentro de um sistema de arquitetura de marca? O Saturn conseguiu se posicionar fortemente como marca, não há dúvida, mas as outras marcas da empresa capitalizaram esse impulso? Ou, a seu ver, não era esse o objetivo?

Havia um objetivo organizacional no caso da marca Saturn. Serviu como aprendizagem para o trabalho com as marcas Oldsmobile e Chevrolet nos EUA. Assim, trouxe lucros e experiência como contribuição para a General Motors. Com relação a seu posicionamento como marca, embora seja forte e independente, todos sabem que o Saturn é um automóvel da General Motors.

A GM é o que chamamos de “endossante na sombra” porque é conhecido mas não explícito. Tendo a concordar, no entanto, que a General Motors talvez pudesse ter capitalizado mais o êxito da marca Saturn com outra arquitetura, transferindo esse êxito para outras marcas suas. Nada impede que ela faça isso no futuro.

Vídeo com David Aaker

Em 2010, David Aaker participou do encontro de executivos Brand ManageCamp. David palestrou sobre como diferenciar sua marca dos concorrentes, e no vídeo (em inglês) ele destaca 5 aspectos sobre a diferenciação entre marcas.

Se voce fala inglês, vale a pena assistir a esse vídeo.Se voce fala inglês, vale a pena assistir a esse vídeo.


Fontes: Youtube e Revista HSM Management, com a entrevista de Graziela Biondo e Andrea Cajaraville.