O momento decisivo da Tesla em 2024

Elon Musk precisa convencer os investidores de que a Tesla ainda é mais do que uma montadora de carros. O valor de suas ações depende disso. Confira esse artigo publicado na revista Barron’s em outubro de 2024. 

A Tesla já foi o centro de inovação automobilística, mas agora parece correr o risco de ser apenas mais uma fabricante de automóveis. O próximo evento Robotaxi Day pode ser a última chance de Elon Musk convencer os investidores de que a Tesla ainda tem algo especial a oferecer.

O crescimento da Tesla foi impulsionado pela visão de Musk, que sempre pareceu estar à frente da concorrência. A empresa estava construindo veículos elétricos quando poucos acreditavam que eles teriam sucesso nos Estados Unidos. Musk também convenceu os investidores de que a Tesla poderia ser a “Apple” dos automóveis, com um ecossistema próprio que venderia desde tecnologia de direção autônoma até painéis solares e baterias de armazenamento de energia, tendo Musk como seu “Steve Jobs”. Em 2021, a Tesla chegou a valer um trilhão de dólares, um ano antes de a Nvidia alcançar o mesmo marco.

Porém, a liderança da Tesla no mercado de veículos elétricos diminuiu, assim como sua aura de inevitabilidade. Empresas como Ford e General Motors nos Estados Unidos, Volkswagen e BMW na Europa, e BYD, NIO, Toyota e Hyundai na Ásia produzem veículos elétricos, incluindo híbridos – uma opção cada vez mais popular que a Tesla se recusa a adotar.

Ao mesmo tempo, muitos dos recursos tecnológicos oferecidos por um Tesla, como telas modernas, aplicativos e aceleração impressionante, estão disponíveis em carros que vão desde os luxuosos Mercedes EQE, da Mercedes-Benz, até o mais acessível Chevy Equinox. Até mesmo a inovação em direção autônoma, que foi o grande foco dos investidores da Tesla, parece estar vindo de concorrentes como Waymo, unidade da Alphabet. Com o crescimento global dos veículos elétricos desacelerando, as ações da Tesla estão cerca de 40% abaixo de seu pico histórico.

Ainda assim, a Tesla mantém uma avaliação premium, sendo negociada a quase 90 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, colocando-a no mesmo nível de empresas de tecnologia como Palantir e Snowflake. O futuro do preço de suas ações, seja voltando aos níveis mais altos ou afundando, depende de Musk, que se prepara para apresentar o Robotaxi Day em Hollywood, Califórnia, no dia 10 de outubro. Oficialmente, o evento será para destacar a tecnologia de direção autônoma que poderia permitir à Tesla competir com empresas como Waymo e Cruise, da GM. Musk precisa convencer os investidores de que a Tesla ainda é um centro de inovação e merece ser vista como uma empresa de tecnologia ao lado de Apple, Amazon ou Alphabet.

“Oportunidades como essa não surgem com frequência”, diz Emmanuel Rosner, analista da Wolfe Research. “A oportunidade é enorme, mas ainda há muito a provar.”

A escolha de Musk pelos robo-táxis pode parecer estranha, considerando seu histórico. Sua primeira previsão sobre direção autônoma aconteceu em 2016, quando afirmou que a Tesla faria uma viagem autônoma de costa a costa nos EUA em 2017. Desde então, ele promete que a direção autônoma completa está a apenas um ano de distância, todos os anos. Até o próprio Musk admite ser excessivamente otimista.

Enquanto isso, a direção autônoma está se tornando realidade – pelo menos para os concorrentes da Tesla. A Waymo realiza mais de 100 mil viagens semanais sem motoristas. A Uber está adicionando táxis autônomos da Cruise, além de firmar parcerias com a Waymo e investir na startup de direção automatizada Wayve, apoiada pela Nvidia. Por outro lado, a Tesla segue um caminho próprio, lançando melhorias incrementais em seu produto de assistência ao motorista chamado Full Self Driving (FSD). Musk sugeriu que outras montadoras estão interessadas na tecnologia da Tesla, mas até agora nenhum acordo concreto foi anunciado.

No evento de 10 de outubro, Musk terá que convencer os investidores. Enquanto os concorrentes utilizam uma combinação de radares a laser, ultrassom e câmeras ópticas em seus veículos autônomos, Musk acredita que apenas câmeras e uma rede neural – ou seja, “olhos e um grande cérebro” – são suficientes. Os computadores de inteligência artificial da Tesla agem como instrutores de direção, desenvolvendo códigos enquanto recebem dados dos veículos da Tesla em circulação.

A abordagem da Waymo já resultou em uma redução de cerca de 75% em lesões causadas por acidentes, segundo a empresa. Com mais de 22 milhões de milhas percorridas sem motoristas, a Waymo registrou 46 acidentes a menos do que seria esperado com motoristas humanos em São Francisco e Phoenix.

A Tesla, por outro lado, não divulga estatísticas de segurança comparáveis, mas os usuários de seu produto de assistência ao motorista podem enviar dados para ferramentas de monitoramento de desempenho. O FSD Tracker é uma dessas ferramentas, permitindo que investidores vejam o desempenho de cada versão do software FSD da Tesla. Os dados mostram que o FSD completa cerca de 90% das viagens sozinho, com os motoristas precisando assumir o controle a cada 100 milhas, em média.

“Está longe de ser aceitável”, diz Dan O’Dowd, fundador da Green Hills Software e crítico de longa data da abordagem da Tesla em relação à direção autônoma. O’Dowd afirma que o desempenho atual equivale a bater na traseira de outro carro uma vez por mês e acredita que a Tesla está longe de resolver a questão da autonomia veicular. “Gosto de pensar na corrida por veículos autônomos como o Tour de France, e Elon está em um triciclo”, acrescenta. A Tesla apresenta estatísticas de segurança que indicam que o uso de sua tecnologia de assistência ao motorista reduz significativamente os índices de acidentes. No entanto, essa tecnologia exige que os motoristas permaneçam 100% atentos o tempo todo.

Mesmo assim, os investidores podem esperar que Musk demonstre confiança de que sua tecnologia irá funcionar, mesmo sendo diferente da usada pelos concorrentes. “Recomendo que qualquer pessoa que não acredite que a Tesla vá resolver a autonomia veicular não mantenha ações da Tesla”, disse Musk em julho. Não seria surpresa ouvir algo semelhante dele na quinta-feira.

A tecnologia da Tesla pode ser diferente da maioria dos concorrentes americanos, que utilizam múltiplos sensores, mas não é tão incomum assim. Edison Yu, analista do Deutsche Bank, observa que, na China, onde a concorrência é acirrada e as atualizações são rápidas, muitas empresas estão adotando a mesma abordagem que a Tesla. “Não sei quais serão as respostas finais… mas muitas pessoas com muito dinheiro estão seguindo essa direção”, ele diz.

Em certa medida, o debate sobre a abordagem perde o ponto principal. Nenhuma montadora pode se declarar vitoriosa apenas ativando a tecnologia de direção autônoma não supervisionada em todos os seus carros. Na Califórnia, onde a Waymo opera, é necessário um pedido formal para implantar veículos autônomos. Embora o documento tenha apenas três páginas, a seção três exige que os solicitantes provem que seus carros podem dirigir de forma segura. “O DMV revisa minuciosamente todas as informações para garantir sua precisão antes de emitir uma permissão para operar um veículo autônomo nas estradas públicas da Califórnia”, diz um porta-voz do Departamento de Veículos Motorizados da Califórnia.

Atualmente, apenas três entidades possuem licença para operar carros sem motorista na Califórnia: Waymo, a startup Nuro e a Mercedes-Benz, que oferece um produto que permite aos motoristas parar de prestar atenção em rodovias e vias expressas a velocidades inferiores a 40 milhas por hora em condições ideais de direção. No ano passado, a Cruise teve sua licença suspensa após um acidente. A Tesla, junto com Mobileye Global, Nissan e até Nvidia, tem permissão apenas para testar carros autônomos no estado.

As expectativas ainda são altíssimas. Na semana anterior ao evento, as ações da Tesla haviam subido quase 50% desde o anúncio do Robotaxi Day, em 5 de abril, ajudando a conter uma queda prolongada. No entanto, o desempenho histórico da Tesla em eventos desse tipo é misto. Embora tenha havido apresentações bem-sucedidas, como o lançamento do Model 3 em março de 2016, que fez as ações subirem 12% nos dias seguintes, outros eventos resultaram em decepções. As ações da Tesla caíram 16% após o evento de IA de 2022, que incluiu um protótipo funcional de um robô humanoide, e o evento de 2021 apresentou uma pessoa dançando em um traje de robô.

“Não ficaria surpreso e espero totalmente que as ações caiam após o evento”, diz Jed Dorsheimer, analista da William Blair, que recomenda a compra de ações da Tesla. “A tendência para os grandes anúncios da Tesla é que as ações sobem com as expectativas… mas depois há decepções.”

O sucesso ou o fracasso dependerá, em grande parte, de Musk. Os críticos acreditam que ele está distraindo os investidores de problemas maiores, como queda nas vendas, aumento da concorrência e declínio na lucratividade dos veículos elétricos. Já os defensores acreditam que ele está mostrando progresso na tecnologia de direção autônoma baseada em IA, reforçando a narrativa de que a Tesla é mais do que uma fabricante de automóveis. Para eles, Musk, que também lidera SpaceX, xAI e outras empresas, está novamente totalmente engajado.

Com toda a atenção voltada para Musk e para o que pode ser revelado no Robotaxi Day, é fácil esquecer que a Tesla é uma empresa de grande porte. Ela possui a maior rede de estações e postos de recarga rápida na América do Norte. A empresa também tem uma unidade significativa e em crescimento de armazenamento de energia, oferecendo soluções para residências e grandes “megapacks” para concessionárias, que aumentam a utilidade de geradores de energia solar e eólica. Além disso, centenas de milhares de pessoas pagam US$ 99 por mês pela tecnologia de assistência ao motorista, que realiza diversas tarefas, mas ainda não transforma um Tesla em um carro totalmente autônomo. A empresa também possui um crescente negócio de IA, com robôs treinados em computadores fabricados pela própria Tesla. Musk até sugeriu a criação de um negócio semelhante ao Amazon Web Services, utilizando o poder computacional dos carros e servidores da Tesla.

A Tesla também tem uma ação muito cara.

Quando esse artigo foi publicado em outubro de 2024, as ações da Tesla já valiam  US$ 240 por ação, o que representava que a empresa negociava a 88 vezes os lucros projetados para os próximos 12 meses, um múltiplo maior do que o de qualquer uma das outras seis empresas do chamado “Mag Seven”, bem diferente dos múltiplos de um dígito das montadoras americanas tradicionais.

No final de novembro de 2024, as ações tinham subido ainda mais, passando os US$ 332,00 no dia 28 de novembro, quinta feira. Confira no link abaixo o valor atualizado em tempo real:

Essa avaliação sugere que os investidores acreditam que a Tesla tem muito mais a oferecer do que apenas carros.

Uma forma mais eficaz de avaliar o valor da Tesla seria como a soma de suas partes, atribuindo valor a cada unidade de negócio separadamente e somando-as no final. A venda de carros elétricos deveria ser o componente mais direto de calcular. Porém, não é. As estimativas variam enormemente, com analistas avaliando o negócio automotivo da Tesla entre US$ 40 bilhões e US$ 660 bilhões. A verdade provavelmente está em algum ponto intermediário. A Tesla poderia vender cinco milhões de veículos elétricos até 2030, adicionando alguns modelos de menor custo e, talvez, uma derivação da sua picape Cybertruck em tamanho completo. As margens de lucro operacional provavelmente seriam um pouco melhores que a média da indústria, considerando a rede de supercarregadores de propriedade da Tesla e os recursos de assistência ao motorista, pelos quais alguns consumidores pagam mensalmente para acessar.

Nessas condições, o negócio automotivo poderia gerar cerca de US$ 5 por ação em 2030. Se a Tesla fosse negociada a 40 vezes os lucros—aproximadamente o dobro do múltiplo do S&P 500, mas menos da metade do que ela é negociada atualmente—o negócio automotivo valeria cerca de US$ 600 bilhões até o final da década. Isso é aproximadamente o dobro do valor da Toyota hoje para uma empresa que seria metade do tamanho, mas que cresce mais rapidamente.

O armazenamento de energia é o único negócio não automotivo que atualmente gera vendas significativas. Jed Dorsheimer, da William Blair, projeta que ele gere lucros por ação de US$ 2,35 até 2028, um salto em relação aos estimados 14 centavos em 2024. Se o crescimento continuar nesse ritmo até o final da década, o armazenamento de energia poderá igualar os lucros do negócio automotivo em 2030. Com uma avaliação semelhante, isso significaria mais US$ 600 bilhões em valor de mercado. “Vemos a Tesla Energy como o componente mais subestimado da história da Tesla”, diz Dorsheimer.

Isso totaliza US$ 1,2 trilhão em valor de negócios até 2030. Qual seria esse valor hoje? Gary Black usa uma taxa de desconto de cerca de 15% para avaliar as ações da Tesla, essencialmente o retorno justo que ele considera para uma ação como a Tesla. Convenientemente, obter 15% ao ano por cerca de cinco anos equivale a reduzir pela metade o valor futuro para calcular o valor presente. Assim, os negócios de carros e energia da Tesla valeriam cerca de US$ 600 bilhões, ou um pouco menos de US$ 200 por ação.

Depois, há os outros potenciais negócios que podem, ou não, ser significativos. O mercado de táxis-robô tem potencial para ser grande, se concretizado. Tom Narayan, analista da RBC, estima que ele poderia valer até US$ 400 bilhões. A Uber, que se baseia na ideia de que as pessoas pagarão mais do que o custo de operar um carro pela conveniência de não precisar dirigir, tem um valor de mercado de US$ 153 bilhões—mais do que GM, Ford e Stellantis juntas, que somam US$ 133 bilhões. O emergente negócio de robôs humanoides da Tesla poderia valer US$ 22 por ação, ou US$ 70 bilhões, se a empresa vender 200.000 robôs por ano ao preço de US$ 50.000 cada até 2035, segundo Edison Yu, do Deutsche Bank.

É difícil avaliar negócios que ainda não existem. Ninguém possui um robô pessoal ainda. Mesmo assim, os investidores precisam considerar as aplicações de IA para entender o valor das ações da Tesla. “Para que a Tesla seja uma das ‘Mag Seven’, sim, algo relacionado à IA precisa funcionar”, afirma Yu.

É mais seguro focar no que está funcionando hoje. Pagar US$ 200 por ação da Tesla é defensável enquanto os negócios de veículos elétricos e armazenamento de energia continuarem a crescer. Qualquer valor acima de US$ 200 por ação reflete uma aposta em Musk.

Historicamente, essa tem sido uma boa aposta. Agora cabe a ele provar que ainda é.

Artigo publicado na revista Barron’s em outubro de 2024. Autor: AL ROOT