Os novos limites da empresa

O ambiente no qual os executivos devem elaborar suas estratégias sofreu uma grande mudança de paradigma. Não se trata simplesmente da globalização no mundo industrial se transformando no mundo da informação. São também as linhas de fronteiras nacionais se apagando ou ficando permeáveis a capital, informações, produtos e serviços, empresas e clientes. São ainda as organizações em forma de pirâmide dando lugar a modelos achatados.

No século XIX a riqueza era criada a partir de minerais, quantidade de terra, colônias etc.; hoje, nasce no mercado, a partir do valor agregado às informações, ou seja, da inteligência. Antes, os empregos na indústria eram os mais importantes; hoje 75% da força de trabalho norte-americana e 65% da japonesa estão no setor de serviços. Antes, o papel dos governos era o de proteger indústrias e regiões nacionais mais fracas; hoje, nos países mais prósperos, é justamente o oposto, ou seja, o de convidar grandes empresas mundiais para atuar em seu país e se tornar mero anfitrião. A tecnologia da informação multimídia está “reformatando” o panorama dos negócios.

Os mercados financeiros são cada vez mais importantes. E os consumidores em todo o mundo tendem a ter gostos semelhantes. Quem aponta essas mudanças é o lendário estrategista Kenichi Ohmae, que, neste artigo, mostra o caminho estratégico que as empresas devem procurar no novo cenário.

O texto a seguir reúne os highlights de sua apresentação na Conferência Internacional de Liderança Estratégica, em Washington, da qual HSM Management participou. A palestra de Ohmae teve grande repercussão no pensamento a respeito do futuro da empresa.

Uma estratégia organizacional pode ser definida como uma forma de maximizar seus ganhos de maneira sustentável, oferecendo aos clientes um valor maior do que o proposto pelos concorrentes. Como um planejador deve traçar a estratégia de sua empresa, diante de todas as mudanças em andamento?

Análise do risco dos países

Antes de mais nada, os estrategistas terão de analisar o risco dos países em que se encontram e com que negociam. Mas precisarão verificar se possuem realmente os melhores métodos para essa análise, já que um país não é mais um país. O que é a China, por exemplo? Ou a Índia? O risco será exatamente o mesmo em todos os pontos de seu território? Não. Neles será preciso atentar para os riscos regionais e não para o risco do país inteiro.

Na China, tendo a acreditar que, mesmo que alguma coisa acontecesse a Pequim, em Dalian estaria tudo bem. Se você me perguntar por quê, eu não posso explicar exatamente, mas eu trabalhei naquela parte do mundo e tenho essa intuição. O mesmo raciocínio valerá para países que vivem algumas divisões regionais, como os conflitos norte-sul em países como Itália ou México e as disputas leste-oeste (entre região litorânea e interior) que têm sido observadas no Canadá.

O risco no norte é um e no sul outro; no leste é um e no oeste outro. Em países como os Estados Unidos, haverá a questão das cidades versus periferias. Olhando para o sul da Califórnia, por exemplo, vemos um fenômeno que, pelo formato, poderia se chamar “donut”, ou seja, o esvaziamento dos centros das cidades em favor da periferia – cerca de 280 empresas japonesas que estavam antigamente no centro de Los Angeles hoje funcionam no Orange County. Também as macrorregiões se destacarão em cada país. Será cada vez mais difícil dizer se a Espanha, por exemplo, é um bom lugar para investir, mas ficará fácil analisar a Catalunha ou a Andaluzia.

E os blocos econômicos também deverão ser analisados por sub-regiões: o Leste Europeu pode ser um mau risco, mas a República Tcheca, a Hungria e a Polônia formam um bom risco. Por fim, haverá países cujo risco simplesmente não será possível avaliar, como a Rússia. Com esses dados em mente, o estrategista deve rever a terminologia de “risco do país” e a forma de avaliá-lo, pois agora são as regiões que importam.

Tecnologias

O segundo ponto em que o estrategista deverá se concentrar é nas tecnologias cibernéticas. Existe uma experiência muito interessante ocorrendo atualmente na Malásia. O governo malaio está tentando criar um país digital dentro do país, em uma região ao sul de Kuala Lumpur, daqui a cinco anos, aplicando uma nova legislação chamada de Lei Cibernética. Se tiverem sucesso, os malaios aplicarão a legislação a mais duas regiões e, nos cinco anos seguintes, se tudo der certo, expandirão o país cibernético para todo o país, até o ano 2010.

A meta é que a Malásia seja um país do século XXI até o ano 2020. É impressionante a atenção que as grandes empresas mundiais têm dado a esse programa específico.

A Microsoft, por exemplo, decidiu colocar o seu escritório asiático neste lugar e 20 outras empresas também expressaram sua intenção de avaliar a iniciativa da “Cyber Jaya”. Essa transformação de uma sociedade do século XX no que eu chamo de “Estado de Direito Cibernético” exigirá a mudança de quase toda a legislação existente, não só no que diz respeito à tecnologia da informação propriamente dita, mas também a medicina, educação, empresas etc., para que possamos começar a tirar partido das possíveis aplicações disso tudo. Sem isso, atrasaríamos a evolução potencial da multimídia.

Deixe-me dar exemplos do Japão. Lá temos uma legislação educacional que obriga os professores a estar com os alunos na mesma sala, o que limita o aprendizado a distância. A legislação médica afirma que o médico não pode cobrar pela consulta se não estiver no mesmo cômodo do paciente. A legislação de empresas determina que as reuniões do conselho só podem ocorrer com 50% dos diretores do conselho fisicamente presentes no local.

Formato de empresa e cadeia de valor

O estrategista deverá examinar os novos limites da empresa. O que ela é? Sua cadeia de valor terá de mudar? A tendência é realmente apagar não só as fronteiras dos países, mas também as fronteiras das empresas. Devemos questionar os conceitos comumente aceitos nas áreas de tomada de decisão, alianças estratégicas, joint ventures, integração vertical e sinergia (horizontal). Além disso, temos de antecipar certos formatos novos de empresa, porque ter uma imagem do formato será muito útil. As fronteiras tradicionais eram muito claras.

As empresas norte-americanas se impulsionavam pelo senso de propriedade, por exemplo, as japonesas pelos relacionamentos e as alemãs pelo contrato social. As primeiras tinham como principal interesse maximizar os lucros dos acionistas. As segundas visavam a participação das pessoas e a harmonia familiar. As terceiras se mostravam conscientes de sua responsabilidade social e também com o meio ambiente; eram integradoras. Esses foram os grandes modelos empresariais tradicionais e todos estão mudando para a nova sociedade ligada em rede. Agora quero abrir um parêntese para o que Michael Porter chama de cadeia de valor, pois ela terá de ser necessariamente desafiada nessa busca do novo formato da empresa.

Por exemplo, a cadeia de valor formada por pesquisa e desenvolvimento, engenharia, produção, marketing e vendas, finanças e atendimento ao cliente está sendo desafiada quase todos os dias. O próprio circuito direto proporcionado pela Internet faz com que isso aconteça.

Um bom exemplo é a Amazon, que se tornou líder do mercado de livrarias em apenas um ano: ela não tem instalações, existe apenas na World Wide Web. A cadeia de valor também é desafiada pelo desaparecimento de algumas funções tradicionais. Fiquei extremamente surpreso com essa coisa chamada “advogado de família”.

É um aplicativo produzido pela Intuit e vem na forma de CD-ROM. Basta escrever o nome de meu filho, onde estão os meus bens, esse tipo de informação, digitar algumas palavras-chave e, em alguns minutos, meu testamento está redigido. Eles até sugerem no CD-ROM duas ou três maneiras de escrever o testamento. Custa apenas US$ 98 nos EUA e é possível fazer todas essas coisas que podem ser necessárias na vida de uma pessoa: o divórcio, o contrato de aluguel, um empréstimo aos amigos.

Outro exemplo de cadeia de valor desafiada: em uma fazenda isolada de Dakota do Sul, uma empresa sem revendedores, pontos-de-venda ou equipe de vendas chamada Gateway 2000 já está operando há dez anos. Fatura US$ 6 bilhões por ano, com 3,5 mil “operadores de telemarketing”. Quando um deles pega um pedido, ele se torna vendedor e, depois, assistente técnico. É a mesma pessoa cuidando do mesmo cliente do começo ao fim. Essa empresa contornou grande parte da cadeia de valor, e assim fecho esse parêntese.

O ritmo de mudança será tão rápido que alterará regras básicas da carreira nas empresas. Os executivos internos poderão ter mais dificuldades do que pessoas de fora para subir até o topo da pirâmide – porque a empresa precisará de um novo olhar em vez do velho olhar de quem a conhece tão bem. Isso provocará uma crise de direção na maior parte das empresas e, ao mesmo tempo, dará lugar a oportunidades de negócios atraentes para os empreendedores mais velozes e aqueles que apreciam riscos.

Os chefes não mais saberão todas as respostas, porque todas as pessoas da empresa terão uma oportunidade igual de contribuir e se tornarão emissoras e receptoras de informações. Isso implica uma mudança de papel muito interessante para os estrategistas. Eles se tornarão os catalisadores desse processo, em vez de ser aqueles que juntam todas as informações, fazem todas as análises e dizem como a empresa deve agir.

Outro grande desafio será equilibrar as funções, porque os negócios horizontais estão sempre em desequilíbrio. Por exemplo, se você tem uma área de produção muito potente, talvez não tenha uma força de vendas da mesma intensidade e, nesse caso, estará perdendo oportunidades de venda. E vice-versa. As cadeias de valor horizontais têm de ser constantemente avaliadas para ver se os elementos externos podem ajudar a maximizar a contribuição para custos de vendas, marketing, posicionamento de marca, rede de assistência técnica, pesquisa e desenvolvimento e produção. O papel do estrategista será justamente maximizar a contribuição para esses custos fixos e, a longo prazo, fazer com que ele se torne um custo variável. Para ilustrar, a cadeia de valor de uma empresa do século XXI pode ser algo mais ou menos assim: a engenharia é feita em Bangalore, na Índia; a produção, no Vietnã ou Dalian, na China; e a área de vendas, embora permaneça na sede por fazer parte das capacidades centrais, pode estar também na Internet – e o pagamento com cartão de crédito, é claro, exigiria a participação ativa das empresas telefônicas.

Por fim, o centro de pesquisa e desenvolvimento poderia ser no Vale do Silício, também de forma terceirizada. Muitas das funções básicas podem ser terceirizadas. A capacidade central da empresa será administrar as funções espalhadas de forma harmoniosa. Já temos hoje muitos fornecedores SoHo (abreviatura de Small Office, Home Office, que significa pequenos escritórios e escritórios em casa), uma diversificação do modelo de empresa integrado verticalmente. Certamente nos primeiros sete anos do século XXI vamos ter de administrar empresas com esse formato. Será preciso uma compreensão muito diferente dos mercados estrangeiros, não só em termos de vendas, mas também em termos de aquisições e procura de especialistas. Eu diria, portanto, que o formato de empresa do século XXI tende a ser conectado em rede e terceirizado, com a terceirização colocada nas mãos dos melhores produtores e não dos mais baratos, reduzindo os custos fixos em relação à concorrência. A empresa manterá apenas as capacidades centrais e gerenciará o novo sistema.

Equação de lucro especial

Com o novo formato de empresa, os estrategistas deverão transformar a equação de lucro tradicional em uma equação especial, brincando com as variáveis. A equação tradicional é “valor de vendas – custo variável – custo fixo = lucro”, e a forma tradicional de maximizar o lucro é aumentar as vendas ou reduzir o custo variável, ou ainda diminuir o custo fixo ao longo do tempo. Mas, com os novos elementos do mundo digital e da economia globalizada sem fronteiras, a equação se torna especial: alguns custos fixos podem ser transferidos para agentes externos, alguns custos variáveis podem ser diminuídos pela metade e as vendas podem aumentar assustadoramente.

Padrão mundial

Outra tendência que será observada pelos planejadores estratégicos é a do padrão mundial, algo que tem cada vez mais importância hoje em dia. Antigamente, em algumas áreas, você podia ter seu formato específico, seus clientes e viver muito bem, protegido do mundo. Hoje, porém, esse tipo de comportamento não dura muito tempo. Portanto, vale a pena pensar a respeito da compatibilidade com o resto do mundo.

Por exemplo, o novo DVD. Um grupo de empresas multinacionais, como Toshiba, Philips e Sony, se reúne, define o formato e pronto: você tem de seguir ou estará fora do mercado. Até as normas de construção de casas pré-fabricadas, por exemplo, estão ganhando padrão mundial. Já é possível vender casas feitas nos Estados Unidos ou no Canadá para o Japão. Desse modo, reduz-se o custo de construção até pela metade. Nas áreas de dinheiro eletrônico, transações cibernéticas e assinaturas digitais, também existem padrões estabelecidos por empresas como MasterCard, Visa e American Express. Essas são as tendências que eu vejo.

Impacto do satélite digital

Os planejadores deverão se preparar para o impacto do satélite digital sobre os meios de comunicação. Ele mudará tudo. É claro que o conteúdo transmitido (programação) continuará sendo importante, mas o conteúdo insosso também passará a interessar, porque o custo será muito baixo e a quantidade de canais imensa – no Japão, por exemplo, serão 450 canais vindos do céu ou da Terra dentro dos próximos três ou quatro anos.

Imaginemos um casal de 65 anos, aposentado, sem nada para fazer, com dinheiro, em casa. Você poderá lhes oferecer uma televisão-aquário – uma câmera parada focalizando o aquário de Osaka. Os peixes nadarão na grande tela digital, que se comportará quase como um papel de parede, a não ser pelo fato de que se move. Aí você cobra do casal US$ 5 por ano. Eles pagariam? Claro que sim. A câmera parada em uma savana africana, com leões e girafas galopando – você não precisa ter pessoas tirando fotografias, como no Discovery Channel.

Em outras palavras, você pode ter um conteúdo relativamente insosso e ganhar dinheiro mesmo assim, porque um canal será tão barato e as pessoas não vão realmente buscar um conteúdo pesado – elas preferirão algo insosso o tempo todo, a não ser naquelas horas em que estão mais ativas. É por isso que a guerra não será ganha por aqueles que controlam atualmente canais como CNN, ABC e CBS.

Acho que isso é muito importante. Aliás, se você quiser anunciar seus produtos, uma maneira muito boa de fazer isso, em vez de usar os canais comerciais estabelecidos, é monopolizar um canal e transmitir as savanas africanas durante 55 minutos e, nos últimos 5 minutos, colocar o anúncio de sua empresa. Será muito mais barato do que anunciar em outros meios de comunicação.

Compreender a concorrência

Por fim, os planejadores estratégicos também deverão definir a concorrência. Os rivais tradicionais poderão ser fáceis, porém concorrentes vindos de áreas totalmente diferentes causarão grandes surpresas e serão difíceis de contra-atacar.

Saiba mais sobre o autor Kenichi Ohmae

O especialista japonês em estratégia Kenichi Ohmae é autor de mais de 20 livros enfocando negócios e análises sociopolíticas, entre os quais O Fim do Estado-Nação (ed. Campus), O Poder da Tríade – A Emergência da Concorrência Global, Além das Fronteiras Nacionais e O Estrategista em Ação (os três, ed. Pioneira). Atuou 23 anos como sócio da firma de consultoria McKinsey & Company e hoje preside a Ohmae Associates, firma de consultoria sediada em Tóquio, Japão. Ohmae trabalha na formulação de estratégias criativas e na elaboração de conceitos organizacionais para implementar essas estratégias. No início de carreira, notabilizou-se por participar do desenvolvimento de vários produtos eletrônicos inventados pelos japoneses, entre os quais o computador laptop. Atualmente coloca as economias regionais entre seus assuntos favoritos.


Fonte: Revista HSM Management – Por Kenichi Ohmae