Gerenciamento das ideias

Esta reportagem de Tim Stevens, publicada primeiramente na revista Industry Week, mostra as experiências de gerenciamento de inovação e ideias de empresas como Motorola, Monsanto, Chrysler e Sony, entre outras, e relaciona quais são as cinco características comuns às organizações mais inovadoras. Alerta ainda para o risco de sobrecarregar os profissionais inovadores envolvendo-os em muitos projetos ao mesmo tempo.

Grandes empresas administram a inovação de forma estratégica

Muitas empresas já perceberam que não basta estimular a inovação aqui e ali; é preciso criar uma estrutura que a sustente – dando autonomia aos funcionários e trabalhando com unidades de negócios menores orientadas para o cliente e apoiadas por grupos de pesquisa e desenvolvimento. Também é necessário gerenciar a inovação permanentemente – cuidando, por exemplo, que 20% do tempo dos pesquisadores seja reservado para projetos alternativos.

O químico Steven Kuznicki riu por último. O catalisador que inventou para a indústria petrolífera não deu certo, mas fez furor no mercado de aparelhos de ar condicionado. Em outra época ou outro lugar, seu projeto teria morrido na gaveta com o fracasso inicial. Mas na Engelhard, onde trabalha, prevalece uma cultura de boas pazes com o risco – ou uma cultura de “gerenciamento de resultados”, como prefere Orin Smith, CEO da companhia –, que incentiva os pesquisadores a gastar 20% de seu tempo em projetos alternativos.

O tempo extra permitiu a Kuznicki explorar uma característica especial de seu invento: a facilidade de absorção e eliminação de umidade em grandes quantidades. Resultado: a Engelhard, de Nova Jersey, EUA – empresa especializada no desenvolvimento de produtos químicos e tecnologia ambiental –, formou uma joint venture com a ICC Technologies, da Filadélfia, e hoje é fabricante de um sistema pioneiro de ar condicionado com controle independente de resfriamento e desumidificação.

As vendas de seu invento atingiram, em 1996, US$ 30 milhões e, em 1997, perto de US$ 80 milhões. E ainda estão sendo estudadas novas aplicações para o catalisador de Kuznicki. Segundo Don LaTorre, diretor da Engelhard, as ondas de reestruturação e reengenharia praticamente obrigaram as empresas a conceder autonomia a seus funcionários, o que fez com que eles, por sua vez, passassem a correr mais riscos. “O catalisador, por exemplo, era um óbvio avanço tecnológico”, diz LaTorre, “mas sem nenhuma relação com os negócios da empresa. Nosso funcionário correu o risco e teve sucesso, e nós resolvemos a incompatibilidade de negócios com uma joint venture.”

Como a Engelhard, muitas grandes empresas vêm aprendendo a explorar a inovação estrategicamente, operando a partir de unidades de negócios menores, orientadas para o cliente e apoiadas por grupos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico mais afinados com a estratégia da empresa.

A Monsanto, por exemplo, sob a inspiração do novo CEO, Robert Shapiro, dividiu recentemente suas quatro megadivisões em 13 empresas diferentes, unidas pelo slogan “Small and Connected” (“Pequenas e Ligadas”).

A Motorola foi descentralizada faz tempo, e empresas como a Engelhard, a Hewlett-Packard e a Corning já patrocinam pequenos grupos de pesquisa tecnológica de longo prazo que transformam idéias em produtos para o consumidor final.

O Dodge Viper, um dos automóveis mais sensacionais produzidos em Detroit nos últimos anos, aparece como um bom exemplo do prodígio que é dividir uma organização em unidades menores.

No final dos anos 80, um protótipo da Chrysler demorava, em média, cinco anos e meio para chegar ao mercado – menos por incapacidade produtiva e mais pela imobilidade de suas divisões estruturais: projeto, engenharia, compras (de suprimentos) e vendas. “Tudo era muito lento, caro e conflituoso”, lembra François Castaing, vice-presidente executivo de Engenharia de Veículos, que remodelou a companhia no início dos anos 90.

Ele desmobilizou setores como carroçaria, chassis, mecânica e elétrica e deslocou os engenheiros para equipes autônomas encarregadas de projetar automóveis inteiros, em vez de partes, para cada uma das plataformas de veículos da empresa.

dodge viper

A primeira façanha da nova formação foi o Viper, construído em três anos por 75 projetistas. “Dissemos ao pessoal nas plataformas: ‘Agora vocês são uma montadora pequena’”, conta Castaing. “A criatividade apareceu e o sucesso do Viper deu fôlego às mudanças.”

Hoje existem cinco plataformas de veículos na Chrysler: carros grandes, pequenos, jipes, minivans e caminhões. A engenharia está espalhada pelos cinco andares do Centro Técnico da empresa – um para cada plataforma. Depois do Viper, a empresa já lançou o Neon, o LHS e outros carros de sucesso sob o signo das plataformas independentes. “A Chrysler era famosa por estourar seus orçamentos em metódicos 20%”, diz Castaing, “hoje sempre fecha abaixo do planejado”.

A inovação insuflada pelos altos escalões e grupos de trabalho enxutos e independentes foi a fórmula vitoriosa adotada pela Sony. “Nossos executivos se interessam por descobrir de onde vêm as idéias”, diz Brian Bakoglu, vicepresidente sênior dos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento da empresa em San José, na Califórnia. “Eles se informam do processo, frequentam por algum tempo os grupos de trabalho e acabam participando da criação.”

Em termos estruturais, a Sony prefere incentivar a formação de pequenos grupos de trabalho independentes, com muita autonomia para projetos arriscados. O processo de formação desses grupos é, no mínimo, sui generis. “É preciso dar tempo para que as pessoas comprem um projeto. A adesão deve ser natural, como em um processo de venda, com seus avanços e recuos. Você pode recrutar um empregado para fazer um serviço”, diz Bakoglu, “mas, se quiser formar um time, vai precisar de pessoas que incorporem o espírito de equipe.” Isso não quer dizer que as novidades na Sony brotem espontaneamente. Existem indicadores de percurso. Mas eles não explicam como a empresa consegue fazer emplacar um sucesso atrás do outro.

É possível que o segredo resida na coragem de fazer o que outras empresas não fazem: testar novas tecnologias no mercado. A Sony experimenta quase tudo que produz, mesmo correndo o risco de amargar alguns fracassos. “Às vezes pareceria mais conveniente selecionar dois ou três itens sobre os quais você está 100% seguro, mas isso deixaria de fora muitos produtos inovadores”, diz Bakoglu. “Se você não arriscar, nunca vai saber.

sony walkman

O walkman da Sony é uma prova disso.” O gerenciamento do processo de inovação – presente, embora não muito visível, na Sony – pode ser de grande valia. Empresas como a Du Pont, 3M e Eastman Chemical, entre outras, acompanham as fases de maturação de seus projetos fazendo-os passar por uma série de “portas” que podem abrir ou permanecer trancadas.

Em cada “porta”, uma equipe de gerenciamento interfuncional responde a perguntas específicas sobre a situação do projeto, potencial de criação de benefícios, capacidade de fabricação etc. Se o projeto é aprovado, a “porta” abre e ele é transferido para a sala seguinte e assim sucessivamente, até que o projeto esteja pronto para ser convertido em produto.

Foi esse sistema de “portas” que ajudou a AT&T Paradyne – fabricante de modems e dispositivos de acesso de multimídia – a aumentar a produtividade de seu processo de inovação com produtos. “Fazemos esse acompanhamento mensalmente e para todos os produtos desde 1991”, diz Lee Beaumont, chefe do departamento dedicado à melhoria do processo de inovação na empresa. “Centenas, se não milhares, de defasagens podem ser corrigidas quando você percebe quanto tempo está gastando em cada fase de um projeto.”

Os resultados do acompanhamento são apresentados aos executivos em relatórios mensais. Para evitar que a operação se torne excessivamente mecânica, a última pergunta para ser respondida em cada “porta” é: “Sua intuição lhe diz para continuar?” Desde o início das avaliações, em 1991, o tempo de chegada dos produtos da Paradyne ao mercado foi reduzido em 50%. Um dos principais desafios do gerenciamento da inovação é a distribuição de recursos – a arte de administrar uma grande quantidade de projetos com uma quantidade limitada de fundos.

A unidade da TRW em Redondo Beach, na Califórnia, distribui recursos para a pesquisa de tecnologias eletrônicas levando em conta tanto seu potencial de alavancagem de produtos e/ou processos novos como seu grau de sinergia com produtos já existentes. “A eletrônica está em muitos de nossos produtos, e estes são usados em diferentes programas e linhas de negócios”, diz Dugan O’Keefe, diretor de Planejamento de Tecnologia e Alocação de Recursos. “Portanto, avaliar seu impacto no mercado não é tarefa fácil.” A alavancagem – que, em linhas gerais, significa a importância de uma tecnologia – é medida em uma escala de seis pontos, desde “absolutamente essencial para nossa posição competitiva” até “pode ser conseguido em outro lugar”.

A sinergia – quantidade de aplicações diferentes que essa tecnologia pode abranger – ajuda a calcular o risco. “Confrontamos o potencial de alavancagem e o grau de sinergia dos novos produtos para assegurar seu alinhamento estratégico com os principais programas e áreas de negócios”, diz O’Keefe. “Os programas de alta sinergia geralmente têm menos alavancagem, pois são aplicados em uma ampla gama de produtos.

Os programas de maior alavancagem são mais específicos, realizações isoladas que estamos empreendendo para vencer a concorrência.” Na sede da Motorola, em Schaumburg, Illinois, a distribuição de recursos é decidida de forma “cartográfica”.

Verdadeiros “mapas rodoviários” acompanham o desenvolvimento das novas tecnologias que serão utilizadas na confecção de novos produtos. “Tanto no serviço de telefonia como na área de infra-estrutura celular, as tecnologias que utilizamos – como codificação de voz – já constavam desses mapas muito antes de as aproveitarmos”, diz Neil Hagglund, vice-presidente e diretor de Planejamento Tecnológico da companhia. “Assim conseguimos garantir que nossos engenheiros as deixem disponíveis para novos produtos no momento certo.”

Às vezes a prioridade de um projeto da Motorola é postergada em até cinco anos para incorporar as novidades tecnológicas, mas o valor estratégico do produto acaba compensando a perda de alguns dólares nas vendas do período. A decisão da empresa de investir no sistema de sinais com base nos satélites de irídio, antecipando uma forma complementamente nova de se comunicar, faz parte dessa política.

O perfil das ideias inovadoras

Um levantamento feito com 12 empresas pela especialista em criatividade Karen Anne Zien detectou cinco características comuns às organizações mais dinâmicas e inovadoras:

  1. A inovação é generalizada. Todos, sem exceção – do porteiro ao presidente –, sentem-se comprometidos com o processo de inovação. Não existe um grupo específico encarregado de zelar pela criatividade e novas ideias.
  2. A inovação é estimulada. O clima de inovação é instaurado pelo dirigente da empresa, embora ele não seja necessariamente um inventor. Todas as  ideias são bem vindas e a criatividade e a ousadia são recompensadas.
  3. A inovação não tem limites. Os experimentos estão por toda parte. Não se restringem à área tecnológica.
  4. A inovação é cultuada. As conversas nas empresas inovadoras são pródigas em histórias e lendas de pessoas que introduziram novidades, às vezes até quebrando regras.
  5. A inovação é interativa. Existem vários canais de comunicação abertos para garantir uma autêntica interação entre a direção e os funcionários, os técnicos e os vendedores, a empresa e os clientes. Essas ricas e profusas redes não são rigidamente controladas.

PROJETOS DEMAIS ATRAPALHAM

Estudos conjuntos feitos pela Harvard Business School e pela Sloan Business School do MIT revelam que a diluição de esforços em vários projetos é um dos principais obstáculos à inovação. Segundo Clayton Christensen, professor de Tecnologia e Operações de Harvard, a taxa de valor agregado chega a 70% quando um engenheiro trabalha em dois projetos, cai para 40% quando os projetos são três e é de apenas 15% se ele desenvolve sete projetos ao mesmo tempo. “O valor agregado diz respeito ao tempo empregado em trabalho efetivo ou em reuniões produtivas, que fazem um projeto avançar”, diz Christensen. “O tempo que não agrega valor são as horas gastas com trabalho refeito, reuniões para atualizar as pessoas que perderam as reuniões anteriores, viagens para participar de reuniões.”


Fonte: Revista HSM Management, com direitos de © Industry Week