Marketing de luxo versus marketing tradicional: exemplos brasileiros

Elevação da renda, globalização, desenvolvimento e expansão de novas tecnologias, mudanças em culturas de consumo e até mesmo crises financeiras em países desenvolvidos são fatores que impulsionaram o negócio e o marketing de luxo para novos consumidores em diferentes países, incluindo o Brasil.

A Bain & Company, em pesquisa, estima que o faturamento global do setor de luxo foi de € 191 bilhões em 2012, 10 por cento maior que no ano anterior, com previsões de crescimento entre 7 por cento a 9 por cento até 2015. A pesquisa afirma ainda que, atualmente, 30 por cento desse montante é proveniente dos mercados emergentes, fatia que tende a aumentar ao longo dos anos. Entre os países emergentes, a China é o destaque, com rápida expansão do consumo de produtos de luxo. Segundo pesquisa da BCG, ela será o maior país consumidor até 2015. O Brasil não está de fora desse movimento.

Segundo pesquisa da MCF Consultoria e da GfK Customer Research Brasil, de 2006 a 2009 o setor apresentou um crescimento acumulado em faturamento de 59,7 por cento. Em 2011, o setor faturou R$ 18,8 bilhões, um crescimento de 20 por cento em relação ao ano anterior.

Para 2012, a previsão é que o setor cresça no país por volta de 20 por cento. Fazer parte desse universo em franca expansão é o que muitas empresas desejam. Diante dessa realidade, a palavra “luxo” se banalizou: todo mundo quer oferecer ao mercado uma oferta luxuosa, uma vez que o conceito de luxo é atrativo e parece vender mais.

Há marcas de produtos de massa que oferecem versões deluxe, premium, ou que qualificam suas experiências como luxo, apenas como um adjetivo para tornar a oferta mais “especial”. Ainda, marcas de luxo tradicionais, em busca de aumentar suas receitas, também diversificaram seu portfólio de produtos, de modo a tornarem-se acessíveis para mais pessoas.

Esses dois movimentos, chamados por alguns autores de “premiunização” e democratização do luxo, respectivamente, contribuíram para a diluição do conceito de luxo e da clara distinção entre o que é e o que não é luxo. Primeiro, é importante diferenciar produto de luxo e marca de luxo. Um produto de luxo pode existir sem uma marca — como um diamante ou uma obra de arte —, mas uma marca pode trazer associações emocionais e simbólicas, além do bem em si.

logotipo joalheria tiffany

Atualmente, mesmo no universo do luxo, as marcas são importantes e elevam o valor percebido, como um diamante Tiffany & Co. ou a coleção Hearts on Fire da DeBeers. Para os pesquisadores Kapferer e Bastien (2009), a gestão de marcas de luxo altera a natureza do marketing tradicional, ou seja, do marketing realizado para produtos de massa.

A marca de luxo deve valorizar sua identidade de marca. No marketing tradicional, uma “proposição única de valor” deve ser buscada em relação à concorrência.

Já o marketing para uma marca de luxo sugere que ela não deve se comparar, deve ser o que ela é. Portanto, toda marca de luxo precisa de uma história própria, real (como Chanel) ou inventada (como a Tod’s), mas que conte como ela formou sua identidade, não devendo ser alterada ao longo do tempo. A marca de luxo não deve se avaliar em relação à concorrência, deve ser a melhor no que faz, a referência.

Para os autores Kapferer e Bastien (2009), existem alguns exemplos de marcas de luxo no mercado brasileiro. O hotel Copacabana Palace é um desses exemplos. Inaugurado em 1923, é um dos mais famosos hotéis brasileiros e referência de luxo no país. Até hoje só teve dois donos: a família Guinle e o grupo Orient Express (desde 1989).

hotel copacabana palace

Ao longo de sua existência, “o Copa”, como é chamado pelos cariocas, integrou a vida de alto padrão da sociedade brasileira. Fred Astaire e Ginger Rogers dançando no filme Flying down to Rio (Voando para o Rio), de 1933, e tendo o hotel como principal cenário, ajudaram o hotel a ter e a se tornar conhecido internacionalmente.

O Copacabana Palace já hospedou membros de realezas, astros da música, teatro e cinema, políticos, empresários e famílias nobres. Com sua fachada bela e suntuosa, até hoje o hotel busca sempre se renovar internamente para permanecer como sinônimo de requinte e sofisticação, qualidades conquistadas e preservadas ao longo de sua história.

A questão da busca pela perfeição também é posta em xeque: perfeição absoluta ou relativa? Os autores reconhecem que a marca de luxo deve ser atrelada a produtos de qualidade extrema, mas isso não significa que não tenham defeitos.

Em muitos casos, o defeito como consequência do trabalho manual é valorizado e até mesmo considerado prova de autenticidade, como os relógios Patek Philippe, que, por serem feitos à mão, atrasam dois minutos a cada ano — trata-se de um defeito ou de um charme para a marca?

moveis etel

A ETEL, marca brasileira de móveis de luxo, é outro exemplo. Intitulando-se “a alta costura” do mobiliário, a empresa trabalha com uma fórmula simples: móveis feitos à mão, desenhos exclusivos assinados por designers famosos, matéria-prima de qualidade e técnicas milenares de marcenaria.

Cada peça é única e carrega consigo um detalhe: o seu “DNA”, que é uma sequência de números e letras impressas que identificam designer, artesão, ano da concepção da peça, ano da produção, número da peça, a madeira e sua origem e também seu destino, ou seja, quem foi o cliente.

Para os autores, a marca de luxo deve criar um sentimento de conquista em relação ao seu consumo. Quanto mais um produto parecer inacessível, mais desejável tenderá a ser.

Enquanto a lógica do marketing tradicional prega a facilidade do acesso, a gestão de luxo deve sempre criar obstáculos, seja ele financeiro (preços), de acesso (localização das lojas), de tempo (fila de espera pelo produto) ou mesmo cultural (no sentido de que é preciso conhecer algo para admirar e consumir).

O Brasil é o segundo maior mercado de aviação executiva, atrás apenas dos Estados Unidos. Assim como outros mercados, o setor de aviação executiva possui desde aeronaves mais simples e acessíveis até as mais luxuosas.

embraer lineage

A Embraer é uma representante do mercado de luxo brasileiro reconhecida mundialmente. Foi a partir de 2000 que a empresa se iniciou no mercado de aviação executiva e, atualmente, por meio de seu portfólio, atende diversos setores, inclusive o exigente mercado de luxo, com jatos executivos de alto padrão, como o Lineage 1000. Esse jato, que leva quatro meses para ser construído, custa cerca de US$ 50 milhões e a manutenção mensal pode chegar a US$ 400 mil.

Além da tecnologia de ponta, há a preocupação com o conforto interno, além de preocupações mais particulares, como o fato de permitir que os clientes personalizem sistemas e materiais da sua aeronave com o auxílio de especialistas.

Em julho de 2012, a Embraer anunciou a contratação de um designer de interiores com experiência no setor automotivo e aeroespacial para assegurar a exclusividade e qualidade de seus modelos.

O marketing tradicional recomenda o uso de programas de relacionamento para criar intimidade e transferir poder aos clientes. O marketing para marcas de luxo não deve permitir isso sob o risco de perder seu prestígio perante os consumidores.

A marca de luxo deve ser superior e dominar a relação. Isso não significa faltar com o respeito: os pais dominam seus filhos e mesmo assim não os desrespeitam.

Segundo Kapferer e Bastien (2009), essa é a relação que a marca de luxo deve ter com seus consumidores.

Uma marca brasileira que soube se desenvolver a partir desse princípio foi a Daslu. Foi a partir dos anos 1980, com Eliana Tranchesi assumindo o controle da marca, que a Daslu se desenvolveu para o que conhecemos hoje. Inicialmente, a marca trazia roupas de estilistas estrangeiros para serem compradas pela alta classe paulistana, mas Eliana logo percebeu a possibilidade de investir em uma marca própria.

Sabendo valorizar a relação com suas clientes, Eliana conseguiu transformar a Daslu em grife de luxo com coleção 100 por cento nacional. Hoje, a marca foi comprada por um grupo empreendedor e possui duas lojas no país, uma flagship em São Paulo, no Shopping Cidade Jardim, com 3.500 m² e toda a coleção — Daslu Couture, Daslu Homem, Daslu Casa, Daslu Boys&Girls e Daslu Bebê —; e outra no Shopping Fashion Mall no Rio de Janeiro.

Também iniciou vendas pela Internet e planeja abertura de mais lojas, mais uma em São Paulo e as primeiras em Brasília e no interior de São Paulo.

O papel da comunicação para marcas de luxo é o de recriar o sonho e fortalecer as associações com a marca.

Portanto, a efetividade da campanha de uma marca de luxo nunca deve ser mensurada pelas vendas antes e depois de sua divulgação, como é comum em empresas de produtos de massa; é provável que o impacto em vendas seja mínimo.

A comunicação deve ser direcionada para o “público não alvo”, ao contrário do que sugere o marketing tradicional. A comunicação deve ensinar à população em geral sobre o valor de luxo de determinada marca, pois é somente desse modo que um consumidor poderá receber a distinção social procurada quando consome um produto de luxo.

O nível de conhecimento de uma marca de luxo deve ser bem mais amplo que apenas seu público-alvo.

propaganda h-stern

No Brasil, a H. Stern é marca referência de luxo para qualquer classe social. Isso acontece porque a marca sabe planejar bem sua divulgação em mídia. Hoje, as campanhas de comunicação da H. Stern são iguais no mundo todo.

No Brasil, a marca investe altos volumes em mídia impressa e nas revistas de maior tiragem do país. Artistas nacionais e estrangeiros que aparecem com joias H. Stern em grandes eventos também ajudam a gerar buzz para a marca.

Estrelas de Hollywood já passaram pelo tapete vermelho na cerimônia do Oscar usando joias da marca; também foi bastante comentada a aparição de Jennifer Lopez no carnaval do Rio em 2012 utilizando cinco anéis H. Stern.

Na era atual de rápida evolução e mudança constante, uma correta compreensão do universo do luxo e uma gestão consistente de produtos é a diferença entre o sucesso ou fracasso de uma marca de luxo. Entender essa nuance específica do marketing para o setor é fundamental.

O luxo deve ser entendido como uma cultura que deve ser aprendida e compreendida para que seja possível ao consumidor seguir as regras do consumo de modo espontâneo, sem violar seus próprios valores.


Fonte: Artigo escrito por Ana Akemi Ikeda e Camila Assis Martins e publicado no livro Administração de Marketing, por Philip Kotler.

Fontes: ALENCAR, V. A beleza interior dos jatos executivos. Veja SP Online. 23 nov. 2011. Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-2244a/decoracaoda-cabine-ganha-cada-vez-mais-importancia-nos-jatos>. Acesso em: 10 ago. 2012; BAIN & COMPANY. Luxury Goods Worldwide Market Study. Milão, maio 2012. 28 p. Apresentação em pdf. Disponível em: <http://goo.gl/839zO>. Acesso em: 1º jul. 2012; BCG — BOSTON CONSULTING GROUP. Luxe redux: raising the bar for selling luxuries, jun. 2012, 23 p. Relatório em pdf. Disponível em: <https://www.bcgperspectives.com/ content/articles/consumer_products_automotive_luxe_redux/>. Acesso em: 1º jul. 2012; COPACABANA PALACE. Disponível em: <www.copacabanapalace.com.br>. Acesso em: 8 ago. 2012; DASLU. Disponível em: <www.daslu.com.br>. Acesso em: 8 ago. 2012; EMBRAER. Disponível em: <www.embraer.com>. Acesso em: 10 ago. 2012; ETEL. Disponível em: <www.etelinteriores.com.br>. Acesso em: 8 ago. 2012; JLO na Sapucaí com joias H. Stern. Fashion Tour Brasil. Disponível em: <http://www. fashiontourbrasil.com/2012/03/jlo-na-sapucai-com-joias-hstern.html>. Acesso em: 8 ago. 2012; KAPFERER, J. N.; BASTIEN, V. The specificity of luxury management: turning marketing upside down. Journal of Brand Management, v. 16, n. 5/6, p. 311322, 2009; MCF CONSULTORIA E CONHECIMENTO; GFK CUSTOMER RESEARCH BRASIL. O mercado do luxo no Brasil, ano V, São Paulo, 2011. 50 p. Apresentação em pdf; ROCHA, R. Luxo movimentará mais de R$ 20 bilhões em 2012. Meio e Mensagem, 24 jul. 2012. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/ noticias/2012/07/24/Luxo-movimentara-mais-de-20-bilhoes-de-reais-em-2012. html>. Acesso em: 31 jul. 2012.
Ana Akemi Ikeda é professora de Marketing da FEA/USP e vice-coordenadora do MBA em Marketing da FIA (anaikeda@usp.br). Camila Assis Martins é mestranda em Administração com ênfase em Marketing pela Universidade de São Paulo — FEA/USP.