Agências de comunicação – e não de publicidade

Em entrevista à Revista HSM Management, o especialista em estratégia de marketing e em publicidade Ivan Pinto analisa a mudança da publicidade no mundo e no Brasil e desenha o provável futuro dessa área.  

Existe hoje uma grande discussão sobre o futuro da publicidade, nesta era de extrema preocupação com a dita “eficiência de custos”, nesta era de consumidores mais ativos no zapping, nesta era de grande segmentação de canais. A comunicação de massa, ou publicidade, ainda tem espaço?

É fato que a tecnologia e a evolução da cultura e da sociedade disponibilizaram outros canais de comunicação com o consumidor que já absorveram bem mais da metade dos investimentos em comunicação das empresas, em detrimento dos investimentos no canal “mídia de massa”, ou publicidade.

A capacidade de armazenamento e processamento dos computadores tornou possíveis bancos de dados sobre consumidores atuais e potenciais cada vez maiores e mais precisos. A correspondência permitida pela eficiência dos correios, o telefone (hoje ubíquo), a Internet, as concentrações de pessoas em shoppings e supermercados e eventos são exemplos de oportunidades de contatos muito mais personalizados -e, portanto, potencialmente mais eficazes- com consumidores do que por meio da impessoal mídia de massa. Diante disso, as agências de publicidade precisam mudar.

  • E como elas devem mudar?

As agências têm de se tornar provedoras de serviços de comunicação e não apenas de publicidade, para sobreviver e crescer. As empresas precisam desses serviços e a agência ainda é a instituição, dados sua longa história e o fato de já vir lidando com as emoções do consumidor, mais capaz de fornecê-los. Ela é a mais capaz de vir a ser parceira no plano estratégico do gerenciamento de marcas e não apenas na implementação da ferramenta publicidade. Ela é a mais capaz de oferecer a visão generalista.

  • O gerenciamento estratégico das marcas é, então, o grande objetivo?

A revolução que vem ocorrendo no marketing, decorrente do liberalismo político e econômico e da democratização da tecnologia, tem levado cada vez mais empresas a “recompreender” sua gestão de marketing como gestão de marcas. E as tem levado a perceber que a cômoda simplicidade dos “4 Ps”(produto, preço, promoção, praça) -muito adequada quando Jerome McCarthy a concebeu em 1962- se transformou num complexo processo com muito mais ramificações.

Muitas empresas, no entanto, mesmo conscientes da renovada importância das marcas, ainda não perceberam que, para geri-las, visando conferir-lhes identidades adequadas a suas estratégias, sua perpetuação e o aumento de seu valor patrimonial, é necessário repensar suas estruturas e processos para adequá-los à nova realidade.

  • As agências já estão entendendo esse novo papel?

Sim, muitas agências já foram nessa direção. No entanto, noto que ainda falta aos grupos que se diversificaram uma solução para a coordenação de todas as especialidades num todo integrado em torno da identidade da marca a ser comunicada. É essa integração que tornará as agências verdadeiras provedoras de serviços de comunicação.

  • Mas a publicidade continua existindo, certo? Medir o desempenho da publicidade seria uma forma de garantir seu espaço?

O desempenho da publicidade -que continua sendo muito importante, é claronão é mensurável peça a peça ou inserção a inserção: o efeito esperado da publicidade não é fazer com que o consumidor se levante da poltrona e corra para o supermercado. Essa eventual decisão de comprar a marca anunciada é a somatória de um conjunto de influências, não só da publicidade. O que a publicidade faz é influenciar as atitudes do consumidor para que, ao longo do tempo, isso tenha efeito em seu comportamento, favorável à marca anunciada. O melhor que se pode fazer é pesquisar se a peça publicitária estimula as atitudes na direção desejada. Como em toda situação que envolve intangíveis e fatores fora do nosso controle, a medição precisa dos efeitos da publicidade é impossível. Mas isso é próprio de muitas áreas da administração que, não importa o que digam alguns gurus, não é uma ciência exata.

  • Como a Internet, especificamente, está sendo incorporada pelas agências de publicidade no Brasil?
  • Quais são os prognósticos dessa mídia por aqui?

A Internet já foi incorporada por muitas agências. O problema é que ninguém sabe muito bem qual a forma mais eficaz de utilizá-la para falar com o consumidor. Os vencedores nessa área, por enquanto, são as lojas virtuais, que estão crescendo graças a uma paulatina conquista da confiança dos consumidores -infelizmente, ainda poucosque têm acesso à Internet.

HSM Management publicou um artigo do professor David Aaker que prega a construção de marcas fortes com mídia alternativa. Mais recentemente, também publicou um dossiê sobre o marketing epidêmico, ou marketing viral. Em ambos os casos, a idéia é usar poucos recursos (muita assessoria de imprensa e relações públicas) para “plantar” uma idéia na mente dos consumidores. Isso vem acontecendo nas empresas brasileiras? O sr. acha que isso contribui mesmo para construir marcas fortes? E realmente substitui a publicidade nos meios de comunicação de massa?

Graças aos fatores relacionados ao cenário mencionado acima, que promovem grandes concentrações de pessoas com perfis socioeconômicos ou atitudinais semelhantes -em shoppings, supermercados, eventos-, e à possibilidade de contatos diretos com o consumidor, o marketing viral ou boca a boca funciona muito bem: a recomendação de um consumidor satisfeito é o melhor endosso que uma empresa pode almejar. Daí a crescente consciência da importância da gestão do relacionamento com o cliente (CRM) e da comunicação e motivação internas, incluindo a “culturalização” das marcas entre os colaboradores da empresa, já que colaborador insatisfeito, desmotivado ou desinformado faz mais mal às marcas da empresa do que um consumidor satisfeito faz bem.

Infelizmente, o Brasil ainda engatinha nessa área. A boa notícia é que várias empresas com mais visão estão ativas na construção de bons relacionamentos com seus consumidores e colaboradores. É inevitável que, no ambiente competitivo em que vivemos, o exemplo acabe pegando.

E, já que falamos em medição de resultados, pense no problemão que é avaliar o resultado do marketing viral.

  • O “stealth marketing”, ou “surrepticious marketing”, que traduzimos como propaganda subliminar em artigo publicado na HSM Management nº 48, já está sendo utilizado no Brasil?

Há muita lenda em torno do marketing sub-reptício. Algumas das práticas mencionadas neste artigo são patentemente desonestas, outras são de ética duvidosa. Mas elas podem ser simplesmente episódicas, sem sinalizar tendências.

Não tenho conhecimento de tentativas de uso de recursos sub-reptícios no Brasil. E, se alguém tiver, denuncie ao Conar (Conselho Nacional de Auto- Regulamentação Publicitária). Seria um bom foro para chegar a um consenso sobre o que é ético nessa discutível questão.

Agora, devo dizer que discordo da tradução “propaganda subliminar”, porque essa expressão já foi utilizada para se referir a outra prática. Tratou-se de uma farsa criada, em 1957, por um pesquisador americano, James Vicary, que alegou ter projetado imagens de duração de milésimos de segundo, portanto abaixo (sub) do limiar (limen) da consciência dos espectadores, para aumentar as vendas de refrigerante e pipoca durante sessões de cinema. Vicary alegou que seu experimento durou seis semanas e forneceu dados muito precisos sobre os aumentos de venda.

O medo da possibilidade de que alguém pudesse controlar nossas ações sem nosso conhecimento provocou um rebuliço político nos EUA. Mas os estudos do governo americano, dos psicólogos e dos pesquisadores universitários logo mostraram que isso era impossível. Não se conhecem mais do que duas ou três tentativas de uso da técnica. Mesmo porque ela não pode ser reproduzida na TV, em que a duração mínima de um quadro é umas cem vezes maior do que a empregada pelo taquistoscópio, o aparelho alegadamente empregado por Vicary, que projetava imagens de 3 milésimos de segundo.

As empresas, seja pela ética, seja por perceberem que a subliminaridadenão funcionava, não se interessaram pelo assunto. A empresa de Vicary fracassou. Finalmente, em 1962, ele mesmo admitiu, numa entrevista à revista Advertising Age, que mentira e se desculpou pelo que fizera. O problema é que era uma farsa atraente que, como tantas outras, entrou para o rol das conspirações que persistem.

  • Falando no Conar e no aspecto ético, a instituição está conseguindo lidar com os novos desafios que não param de aparecer? Qual foi o impacto do caso Pagodinho – cervejas no setor?

Há evidências de que o episódio Pagodinho foi muito malvisto pelo consumidor e impactou negativamente a percepção da publicidade. O comercial que infringia o contrato de exclusividade do cantor foi sustado por uma decisão do Conar e a empresa envolvida condenada na Justiça.

Como membro do Conselho Superior do Conar e seu ex-presidente, posso afirmar que essa valiosíssima instituição está se desincumbindo -e muito bem- das suas funções. O número de processos cresceu bastante nos últimos anos, foi criada uma sexta câmara de ética, e vários aperfeiçoamentos do código foram introduzidos.

  • A publicidade brasileira continua sendo considerada uma das mais criativas do mundo. Em quais aspectos a publicidade e o marketing brasileiros são excelentes e em quais deixam a desejar e devem ser melhorados?

O marketing no Brasil se ressentia da falta de competitividade do mercado. É preciso um cenário de concorrência ferrenha para que as empresas e os profissionais se aperfeiçoem. O estudo é importante, porém a vivência é crítica. Com a abertura das fronteiras e a liberalização da economia, isso começou a mudar -e, creio, a mudança está se acelerando.

Sei, por exemplo, de empresas que estão aplicando técnicas complexas de mensuração dos efeitos da variação de centavos de preço nas vendas e de outras que criaram processos e estruturas de distribuição multidisciplinares muito sofisticados, para compensar o potencial domínio do consumidor pelo grande varejo.

Quanto à publicidade, somos, sim, muito criativos, mas nem sempre criativos na direção de fortalecer a identidade da marca anunciada. Às vezes, ainda vale a criatividade pelo mero impacto que causa, sem levar em conta os objetivos da marca. É preciso que os publicitários se acostumem com a idéia de que as marcas são, hoje, um patrimônio enorme, inevitavelmente subordinadas, em conseqüência, à estratégia empresarial. Já está passando o tempo em que o gerador da diferenciação da marca era o publicitário. Hoje, é uma equipe, idealmente multidisciplinar, liderada pelo gestor da marca. Outra forma de ser criativo é participar dessas equipes e ajudar a gerar identidades de marca singulares.

  • É possível dar um panorama de como estão as relações entre agências e anunciantes hoje?

A pressão em cima das agências é enorme. Não é fácil para uma agência passar de principal provedora de comunicação para membro de uma equipe multidisciplinar subordinada a uma estratégia para a qual nem sempre está preparada para contribuir. É uma fase difícil de transição.

Mas as agências já viveram outras fases difíceis, quando deixaram de ser meras corretoras dos veículos de comunicação, ainda no século 19, e se transformaram em criadoras de publicidade e planejadoras de mídia; ou quando assumiram a necessidade de incorporar a pesquisa e o planejamento; ou quando começaram a perceber que os sistemas de remuneração estavam obsoletos; ou, agora mesmo, quando passaram a diversificar os serviços de comunicação prestados para se tornarem provedoras de comunicação de marketing, e não apenas de publicidade.

Por seu lado, as empresas anunciantes precisam das agências mas não é incomum que não saibam lidar com elas de uma forma que lhes garanta o melhor resultado desse relacionamento. Regra geral, o executivo de marketing (já nem digo o de finanças ou de produção!) tem um perfil muito diferente daquele do executivo de agência (já nem digo o profissional de criação!). O diálogo entre as duas partes é difícil e ambas deveriam se esforçar para compreender uma à outra um pouco melhor. Já tive oportunidade de conduzir seminários sobre assunto e é freqüente a surpresa dos participantes quando se colocam as soluções com clareza.

Esses desafios, de parte a parte, têm levado a naturais desacertos e muitas trocas de agências. Porém as agências têm um papel importante a desempenhar e do qual os anunciantes não podem prescindir. É uma questão de tempo para que os dois lados se compreendam mutuamente e se organizem para tirar o melhor dessa importante relação.

  • Por fim, como o sr. é especialista em construção de marcas, queremos lhe perguntar: como está a marca Brasil, em nível doméstico e mundial? Como ela poderia ser mais bem trabalhada?

Como toda marca, a marca Brasil é resultado de muitos elementos formadores de sua identidade. Essa identidade depende do que a marca Brasil queira significar. Se for um pólo turístico, vivam o Carnaval e o Cristo Redentor, o Pantanal, a Amazônia e as lindas praias de areia branca. Mas, se for o fortalecimento da economia, é melhor valorizar a qualidade da nossa produção, nosso agronegócio, nossa tecnologia -talvez ainda incipiente, mas promissora. E o empreendedorismo dos muitos brasileros já vitoriosos lá fora e a qualidade dos nossos produtos, cada vez mais reconhecida.

Fonte: Entrevista publicada no Brasil pela Revista HSM Management Update nº19


Sobre o entrevistado: Ivan Pinto é consultor de comunicações de marketing e coordenador dos cursos de pós-graduação em comunicação da ESPM, de São Paulo. Na ESPM, é professor das disciplinas de gerenciamento de marcas e de comunicação como fator estratégico da empresa e diretor de sua central de cases. Presidiu duas das instituições mais importantes do marketing brasileiro: o Conselho Superior do Conselho Nacional de Auto- Regulamentação Publicitária (Conar), organização não governamental que visa impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor e às empresas, e a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap). Foi presidente da MPM Lintas e de agências do Grupo Interpublic, além de diretor de marketing da Divisão Lever da Unilever no Brasil, gerente-geral de propaganda da mesma empresa e gerente de marketing da Lever Bros. em Nova York. Foi membro do board mundial da Lowe, Marschalk. Campbell-Ewald, do Grupo Interpublic.