Riscos políticos e ambientais exigem mudanças sistemáticas nas operações mundiais das empresas globalizadas. A cadeia de suprimento (supply chain management) tem um papel crucial para superar desafios.
Hau L. Lee é titular da cátedra Thoma Professor of Operations, Information, and Tecnology na Standford Graduate School of Business e diretor do Standford Global Supply Chain Management Fórum. É membro do conselho da Esquel, uma das empresas citadas nesse artigo.
Sediada em Hong Kong, a Esquel — uma das maiores fabricantes de camisetas de algodão nobre do mundo — enfrentou um dilema no inicio de 2000.
Clientes como a Nike e a varejista Marks & Spencer tinham começado a sondar a empresa sobre seu desempenho ambiental e social. Seus dirigentes calcularam que outros clientes fariam o mesmo, já que crescia o número daqueles que exigiam que uma parcela maior do algodão usado nas camisetas fosse orgânico. Só que o cultivo do algodão exige muita água e agrotóxicos, especialmente em países pobres e em rápido desenvolvimento, onde era cultivado e processado o algodão da Esquel.
Embora quisessem reforçar o já sério compromisso da empresa com a sustentabilidade social e ambiental, os executivos da Esquel perceberam que não daria simplesmente para exigir que os fornecedores de algodão de fibra extralonga passassem a usar menos água, fertilizantes e pesticidas. Uma exigência dessas podia ser catastrófica para o agricultor e a comunidade.
A maioria do algodão da Esquel vinha de Xinjiang, uma Arida província no nordeste da China que depende basicamente de fontes subterrâneas de água. Lá, o método tradicional de irrigação era a inundação periódica dos campos — abordagem ineficiente que criava um caldo de cultura perfeito para insetos e doenças. O uso pesado de agrotóxicos era uma necessidade.
Havia também, a questão da produtividade: a mudança para o algodão orgânico poderia derrubar em até 50% o rendimento da cultura. Ainda que o provável efeito da crescente demanda de algodão orgânico fosse a alta no preço, a Esquel não podia esperar que subisse o suficiente para compensar os produtores pela safra menor. Aliás, fabricantes de vestuário e varejistas tinham deixado bem claro que não aceitariam pagar muito mais por roupas feitas de algodão orgânico.
Para complicar a situação, a fibra do algodão orgânico é menos resistente que a do algodão convencional e tem características físicas distintas. Exigiria mais processamento, deixaria uma parcela maior de restos na produção do tecido e exigiria produtos químicos e corantes mais nocivos ao meio ambiente e mais caros do que os empregados no algodão convencional.
Tudo isso agregaria aos custos e anularia parte dos benefícios ambientais do algodão orgânico. Qual a saída para a fabricante de camisetas fornecer o produto que a clientela pedia, tocar a empresa de forma social e ambientalmente responsável na China e proteger a margem de lucro?
Em vários setores, empresas de alto a baixo na cadeia de suprimento enfrentam o mesmo desafio: ainda que bem‐intencionada, uma ação ou exigência isolada para tornar a empresa mais verde pode criar uma longa série de consequências imprevistas que, juntas, ofuscam os benefícios.
A crescente pressão para a condução dos negócios de forma sustentável vem de várias partes interessadas — clientes, acionistas, conselhos, trabalhadores, governos e ONGs. A maioria das empresas responde de forma reativa, fragmentada. Exige que o fornecedor passe a trabalhar com matéria‐prima ambientalmente correta. Pede que o fornecedor transfira a produção para mais perto do mercado final, para reduzir a pegada de carbono na hora do transporte. E promove ajustes nas próprias operações, trocando lâmpadas comuns por fluorescentes, reciclando um volu‐me maior de material, recauchutando e reutilizando produtos, usando equipamentos de maior eficiência energética, e por aí vai.
Esse tipo de medida é o que chamo de substituição: trocar um insumo, fornecedor, lugar, etapa de produção ou modo de transporte por outro. Embora cada mudança dessas aparentemente valha a pena, quando computadas as consequências involuntárias isso tudo pode acabar elevando custos financeiros, sociais ou ambientais e criar uma cadeia de suprimento que não é, digamos, sustentável.
Em vez disso, toda empresa — de qualquer lugar da cadeia de suprimento, não são do final — deveria ter uma abordagem holística a sustentabilidade e promover mudanças estruturais maiores do que costuma fazer. Isso pode incluir inovações radicais em processos de produção, o estabelecimento de relações fundamentalmente distintas com parceiros de negócios (relações que possam evoluir para novos modelos de serviço) e até a colaboração com várias empresas para criar novas estruturas no setor.
Essa é uma das conclusões mais importantes de um projeto de pesquisa que dirijo na Stanford Graduate School of Business. Nos últimos sete anos, eu e colegas estudamos a cadeia de suprimento de sete setores: agricultura, vestuário, automotivo, aparelhos eletrônicos, alta tecnologia, varejo e indústrias de base (como mineração, siderurgia e cimento). Alem da Esquel, analisamos Adidas, Cemex, European Recycling Platform, Flextronics, Hewlett‐Packard, Li & Fung, Netafim, Nike, Posco, Rio Tinto Iron Ore, Safeway, Smart Car, Starbucks, Toyota, Walmart e outras.
Nosso foco foi, em particular, a responsabilidade ambiental e social em mercados em desenvolvimento. Essas economias abrigam as maiores oportunidades para a proteção do meio ambiente, mas também os maiores riscos. Dois episódios comentadíssimos de recall — o de ração contaminada para cães e gatos e o de brinquedos e cintos infantis da China cuja tinta continha chumbo — e o suicídio de trabalhadores numa fabricante de aparelhos eletrônicos em Shenzhen deixaram bem claro que o público, cada vez mais, responsabiliza a empresa por atos de seus parceiros na cadeia de suprimento. Dado o tremendo dano ambiental que a explosão industrial esta causando na China, empresas que se abastecem ali devem esperar um exame mais intenso das credenciais verdes (ou falta delas) de seus fornecedores.
Nitidamente, a questão da sustentabilidade esta adicionando complexidade e risco ao já árduo desafio de administrar uma cadeia de suprimento global. Isso sugere que é preciso promover mudanças estruturais muito antes do que a maioria das empresas hoje promove. Medidas tomadas pela Esquel e pela siderúrgica sul‐coreana Posco são bons exemplos do que quero dizer com mudança estrutural.
O caso da Esquel
Para chegar a um bom termo entre sustentabilidade ambiental, responsabilidade social e desempenho empresarial, a Esquel ajudou agricultores independentes e áreas de cultivo da própria empresa em Xinjiang a testar técnicas agrícolas sustentáveis. Ajudou, por exemplo, na adoção da irrigação por gotejamento para diminuir o uso de água e no estabelecimento de programas naturais de controle de pragas e doenças, como a criação de variedades de algodão resistentes a pragas para reduzir o uso de agrotóxicos (esse novo algodoeiro também produz uma fibra mais forte, o que significa menos perdas na fabricação do tecido do que com o algodão convencional).
A Esquel também promoveu técnicas distintas de colheita. Até então, o agricultor usava desfolhantes químicos para induzir a queda das folhas e facilitar a colheita do algodão pelas máquinas. Em vez disso, a fabricante de camisetas sugeriu a colheita manual. Ainda que a princípio fosse dar mais trabalho, isso garantiria uma colheita mais limpa, eliminaria a necessidade de remoção de sujeira e impurezas mais tarde e reduziria perdas.
Além disso, a Esquel mexeu na relação de fornecedor‐cliente com produtores agrícolas independentes para que se parecesse mais a uma parceria. Para que o agricultor pudesse investir nas novas técnicas, por exemplo, fez um acordo com o Standard Chartered Bank para liberar microcrédito. E, para derrubar o risco do produtor, passou a fazer o pedido quando o algodão era plantado e a garantir o pagamento de um mínimo definido pela empresa ou o preço de mercado — o valor que fosse mais alto na hora da colheita.
Como resultado dessas iniciativas, o rendimento de culturas orgânicas em Xinjiang que abastecem a Esquel mais do que dobrou de 2005 para 2007; hoje, supera o de qualquer outro tipo de cotonicuitura na China. A renda do agricultor subiu 30% desde 2005. E, num momento em que a demanda de algodão orgânico no mundo todo dispara, a Esquel tem uma fonte grande e segura do produto.
A empresa também melhorou a manufatura. Desenvolveu novos processes de lavagem, descaroçamento e fiação da fibra do algodão orgânico; criou corantes a base de produtos químicos mais sustentáveis do que os usados para tingir a fibra de algodao convencional; e reduziu o uso de outros produtos químicos na produção de tecido.
Graças a coordenação de todas as fases de produção de tecidos e camisetas, a fabricante chinesa Esquel derrubou o consumo de energia em 26,4% e o de água em 33,7% nos últimos 5 anos.
O caso da Posco
A Companhia de Aço e Ferro Pohang, ou POSCO, acrônimo, da língua inglesa, para Pohang Iron and Steel Company, baseada em Pohang (Coréia do Sul), é a terceira maior produtora de aço do mundo. Juntamente com a Samsung Electronics, a POSCO é vista por muitos coreanos como um símbolo de orgulho nacional e como o espírito de que “tudo se pode naquilo que se crê”. Com a indústria automobilística e a de construção naval dependentes do aço da POSCO, ela tem sido a pedra fundamental do desenvolvimento industrial da Coréia por mais do que 40 anos.
Na tentativa de tornar seu processo de produção de aço menos nocivo ao planeta, a Posco vinha tomando há anos uma série de medidas isoladas para conservar e reciclar água, reduzir o consumo de energia e controlar a poluição. Adotou, por exemplo, o lingotamento continuo, para que o aço pudesse ser conformado no perfil desejado ainda quente, o que derrubou o consumo de energia em cerca de 10%. Criou técnicas de gestão e reuso da água que permitiram a empresa produzir uma tonelada de aço com apenas 3,8 metros cúbicos de água. E reciclou a escória não ferrosa — um subproduto da siderurgia — com a venda do produto a fabricantes de cimento e outros materiais de construção.
Os gerentes da Posco achavam que estavam fazendo todo o possível para serem verdes. Até que um novo desafio fez com que mudassem de idéia. A voraz demanda de aço pela China levou a uma alta drástica nos preços mundiais do minério de ferro de alta qualidade na década de 1990 e começo da de 2000. Para piorar, o preço do petróleo também disparou, aumentando consideravelmente o custo do transporte do minério de minas distantes. Essas tendências levaram a Posco a unir forcas com seu fornecedor de equipamentos, a Siemens VAI: as duas decidiram criar uma tecnologia radicalmente nova que reduziria custos e emissões de carbono graças ao uso de um minério de ferro mais barato, de qualidade inferior, oriundo de minas bem mais próximas de usinas da Posco.
O processo siderúrgico Finex e a solução achada pelas duas. Com ele, é possível usar o carvão betuminoso, mais barato, e pó de minério de ferro comum; não há necessidade de formação de coque e sinterização; e, na comparação com o processo convencional, o consumo de energia e a emissão de gases do efeito estufa e outros poluentes são bem menores. O novo processo derrubou o custo de construção de uma nova usina siderúrgica entre 6% e 17% e reduziu o custo operacional em 15%. A Posco já usou a tecnologia com sucesso na Coréia e chegou a um acordo com o governo da Índia para erguer uma usina Finex em Orissa.
Achar um jeito de promover mudanças estruturais e administrar os trade‐offs pode parecer uma tarefa dificílima, mas não precisa ser. É possível abordá‐la de forma sistemática. No restante do artigo, darei certas diretrizes e melhores práticas.
Gestão da sustentabilidade como questão operacional central
A única saída para a empresa reconhecer e enfrentar trade‐offs ou conflitos em sua cadeia de suprimento é tratar a sustentabilidade como parte integrante das operações. E algo que deve ser considerado ao lado de questões como estoque, duração de ciclos, qualidade e custo de insumos, produção e logística.
Ciente disso, a Nike atribuiu aos gerentes de sua cadeia de suprimento — e não a um grupo separado de RSE — a responsabilidade por identificar possíveis avanços na sustentabilidade, implementá‐los e monitorar seu desempenho. Na China, onde a empresa recorre aos ser vices de cerca de 150 fábricas, esses gerentes avaliam regularmente a conformidade de industrias contratadas — atuais e potenciais ‐ com requisitos operacionais, ambientais e sociais. Como parte desse exercício, os gerentes consultam um banco de dados de poluidores mantido pela entidade sem fins lucrativos Institute of Public and Environmental Affairs (IPE) — algo que muitas multinacionais não fazem, diz Ma Jun, fundador do IPE. Ao trabalhar com fornecedores para melhorar seu desempenho operacional, a Nike também da orientação para que melhorem o desempenho ambiental e social.
Para fazer isso tudo em sua empresa, comece por mapear operações internas da cadeia de suprimento. Veja onde há problemas ou oportunidades ambientais e de responsabilidade social. Avalie saídas alternativas para promover avanços — saídas que possam exigir trade‐offs entre os dois tipos de desempenho. Ao pesar suas opções, considere o potencial impacto social. Depois de eleger e implementar iniciativas, avalie continuamente seu desempenho para garantir que tenha atingido o equilíbrio certo entre considerações ambientais, sociais e operacionais convencionais.
Com esse tipo de abordagem, a Esquel melhorou muito tanto a sustentabilidade como o desempenho operacional global da empresa, que e verticalmente integrada e inclui propriedades cotonicultoras, fábricas de fiação, operações de tecelagem e de montagem final. Cada área reduziu o consumo de energia graças a processos melhores, a reciclagem e a construção de usinas térmicas; aumentou o uso de algodão orgânico; e reduziu o uso de produtos químicos no tingimento. Essas iniciativas ambientais também produziram avanços operacionais: menos perdas, menor custo, produção mais estável e menos interrupções na produção e atrasos em entregas a clientes.
Muitas vezes, a empresa não pensa em mudar radicalmente seus processos de produção para se tornar mais verde. Mas foi o que fizeram a Posco e a Siemens VAI, sua fornecedora. Criaram um método novo de produção de aço que não só derrubou o consumo de energia e a emissão de poluentes, mas também reduziu o custo de construção de uma usina em até 17% e custos operacionais em 15%.
Coordenação com operações adjacentes
Muitas vezes, é limitado o avanço em sustentabilidade que uma operação interna pode obter por si só. A adoção de um novo insumo, componente ou tecnologia pode exigir mudanças em unidades adjacentes. De sua parte, operações de clientes muitas vezes limitam a extensão dos ajustes na própria empresa. Se um cliente exige a entrega uma vez ao dia, por exemplo, talvez não de para encher um caminhão, ainda que a carga fracionada desperdice energia.
Para iniciar o trabalho de coordenação, identifique todas as atividades sobrepostas. Em seguida, ao lado das demais partes, explore melhorias a serem feitas em conjunto — e que transcendam o que qualquer um dos envolvidos poderia alcançar sozinho. Já que as prioridades podem ser distintas, os critérios usados para monitorar o progresso terão de ser amplos o suficiente para cobrir os interesses de todas as operações.
Quando aplicou essa abordagem, a Esquel descobriu que suas unidades operacionais em geral não trabalhavam juntas para ficar mais verdes e, portanto, tinham perdido certas oportunidades. Na produção de tecidos, por exemplo, um amaciante e agentes químicos usados para aumentar a resistência da costura e evitar o deslizamento de fios foram adicionados para dar ao tecido um toque padrão. Só que parte desses químicos estava indo para o ralo durante o processo de lavagem das roupas. Em resposta, a Esquel criou uma nova fórmula que reduzia a quantidade de amaciante e agentes antideslizamento, mas garantia o mesmo toque. A empresa poupou mais de 1 milhão de iuanes por ano e reduziu consideravelmente os resíduos produzidos na lavagem das peças.
Parceiros da cadeia de suprimento precisam colaborar até em iniciativas de sustentabilidade aparentemente banais, como descobriu a rede de supermercados americana Safeway ao buscar reduzir a pegada de carbono de materiais usados no transporte de produtos despachados por fabricantes.
A Safeway analisou o material usado (caixas, paletes, embalagens) e avaliou alternativas, incluindo vários tipos de paletes e slip sheets. Ao quantificar o impacto ambiental de cada um com uma ferramenta muito usada de avaliação do cicio de vida, a Safeway descobriu que a frequência da entrega, o uso de distintos centros de distribuição e o sortimento de produtos no caminhão tinham de ser alterados para cada meio desses.
O passo seguinte foi trabalhar com fabricantes de peso como Procter & Gamble, Kimberly‐Clark e General Mills para implementar as mudanças.
A Safeway e as parceiras tiveram de adotar uma ampla série de medidas e metas ambientais para monitorar o progresso na redução de emissões, no consumo de energia e na produção de resíduos sólidos, além de parâmetros de custos operacionais padrões.
Exame da cadeia de suprimento estendida
Finda a busca de oportunidades com operações internas adjacentes e clientes e fornecedores diretos, não pare. Volte a atenção aos fornecedores de seus fornecedores e aos clientes de seus clientes — ou seja, a cadeia de suprimento estendida. E um passo crucial, não só para identificar mudanças estruturais mais ambiciosas capazes de dar frutos ainda maiores, mas também para administrar melhor os riscos.
Foi o que a Mattel aprendeu a duras penas em 2007, quando a descoberta de tinta a base de chumbo nos brinquedos da empresa abalou a marca e a obrigou a fazer um caro recall. Segundo um órgão do governo chinês, a fonte do problema foi um fornecedor de terceiro nível que vendera um lote de pigmento amarelo com chumbo a uma fabricante de tintas e apresentara um atestado falso de que não continha o metal. A fabricante, por sua vez, vendeu a tinta a Lee Der Industrial Company, que há muito fabricava brinquedos para a empresa americana. A ignorância sobre a cadeia de suprimento estendida deixara a Mattel vulnerável a uma única falha cadeia acima.
Para evitar o calvário da Mattel, mapeie os integrantes de sua rede de suprimento toda e feche o foco em riscos e oportunidades ligados a sustentabilidade. Determine que indicadores de desempenho devem ser monitorados para garantir que todos cumpram normas e metas estipuladas.
Esta patente, por exemplo, que a Mattel precisa ter pleno acesso a detalhes de especificações da matéria‐prima usada nos brinquedos (incluindo o teor de chumbo da tinta), ao nível de iniciativas de controle de qualidade e a resultados de inspeções em toda a cadeia de supri‐mento estendida. Complemente sua auditoria com a consulta a órgãos públicos e ONGs que fiscalizam o desempenho social e ambiental de empresas.
Tendo identificado pontos vulneráveis na cadeia de suprimento estendida, é hora de colaborar com seus integrantes para fazer melhorias. Para evitar a repetição do fiasco da tinta com chumbo, a Mattel talvez tenha de trabalhar com fornecedores de primeiro e segundo níveis para detectar problemas logo cedo e treinar fornecedores de terceiro nível para impedir a ocorrência de problemas em primeiro lugar.
Isso posto, tal diálogo com membros da rede de suprimento maior pode ser extremamente difícil — sobretudo se estiverem varies níveis abaixo da empresa, distantes dela, situados em países em desenvolvimento, onde a falta de transparência não raro e a norma. Muitas empresas relutam em dividir informações sobre seu desempenho operacional e ambiental com integrantes da cadeia de suprimento estendida por medo de que possam ser usadas contra elas na negociação de contratos ou vazar para concorrentes ou órgãos reguladores. Logo, em geral será preciso explicar a esses membros o porquê da transparência e como as informações serão usadas.
Para promover grandes mudanças estruturais, as partes devem alinhar seus incentivos. Isso pode envolver a adoção de novos sistemas de pagamento ou outros tipos de incentivo — dar ajuda direta na forma de treinamento ou subsídios, por exemplo — para que todos os parceiros acreditem que ganharão com a colaboração.
Esse alinhamento e a chave para a sustentabilidade de iniciativas de sustentabilidade, como descobriu o Walmart. Em 2005, quando começou a convocar sua imensa rede de fornecedores a se juntar a empresa na jornada para se tornar mais ambientalmente responsável, a varejista deu metas agressivas aos fornecedores — metas de redução do consumo de energia e do impacto ambiental negativo de seus processos de produção. Com medo de que as medidas elevariam seus custos sem aumentar necessariamente a receita gerada pelo Walmart, muitos fornecedores de pequeno e médio portes na China pouco ou nada fizeram. O Walmart tentou, então, mitigar riscos e aumentar as vantagens da adesão: investiu em treinamento, cocriou processos de entrega que reduziriam seu custo e o de fornecedores e deu garantias do volume que compraria de fornecedores a médio prazo. O incentivo funcionou. Numa auditoria em 2009 de mais de cem fabricas chinesas que atendem ao Walmart, a entidade sem fins lucrativos Business for Social Responsibility descobriu que a eficiência energética dessa turma subira 5% no primeiro ano do programa.
Outro bom exemplo é o programa Starbucks Coffee and Farmer Equity (CAFE). Devido ao interesse do consumidor em produtos alimentícios ecologicamente corretos, a Starbucks adotou a meta de convencer agricultores a cultivar o produto de forma mais sustentável para “esverdear” o café. Só que a empresa não interagia diretamente com agricultores; sempre comprara o café de intermediários (cooperativas agrícolas, processadores de alimentos, exportadores e importadores). Precisava, portanto, envolver no esforço atores ao longo de toda a cadeia de supri‐mento estendida, incluindo produtores de café.
O programa CAFE dá diretrizes para a promoção da responsabilidade social e ambiental em toda a cadeia de suprimento do café: praticas de cultivo e processamento que protegem o solo e a biodiversidade e conservam água e energia; remuneração do trabalhador por um salário igual ou superior ao mínimo na região da lavoura; condições adequadas de saúde, segurança e vida para o trabalhador; proibição do trabalho infantil; e limites ao uso de agroquímicos. Além disso, promove a transparência ao exigir que todo fornecedor comprove quanto do dinheiro que a Starbucks desembolsa pelo café realmente chega ao produtor, em geral um pequeno agricultor na America Latina, África ou Ásia.
A classificação é feita por avaliadores independentes — em geral de uma ONG como a Rainforest Alliance — que se pautam pelos critérios da Starbucks. O fornecedor precisa atingir uma pontuação mínima para receber o selo CAFE.
Na hora de comprar, a Starbucks dá preferência a agricultores e fornecedores certificados e paga um preço maior a quem tem nota superior e aos que mostram avanços contínuos (em 2009, o café desses fornecedores respondeu por 81% dos grãos adquiridos pela Starbucks, acima dos 77% de 2008 e dos 25% de 2005).
Por meio do programa CAFE, a Starbucks oferece crédito a agricultores que tentam atingir altas pontuações e dá treinamento e apoio aqueles que estão penando para fazê‐lo. Esses incentivos ajudaram a empresa a garantir fornecedores de alta qualidade ambiental e socialmente responsáveis. Já que o giro de fornecedores é menor, a empresa conseguiu derrubar os custos de aquisição a longo prazo e reduzir o risco da cadeia de suprimento. Para o cafeicultor, o CAFE garante um mercado constante para grãos cujo preço de venda é mais elevado. Com isso, o produ‐tor em países pobres e em desenvolvimento pode ter uma renda mais estável e se proteger da volatilidade dos preços mundiais do café.
Não se limite as redes de sua empresa
Às vezes, o desafio de sustentabilidade é grande demais para ser enfrentado pela cadeia de suprimento de uma única empresa. Peguemos a reciclagem. Sozinha, uma empresa pode não ter escala para garantir a coleta e o processamento eficientes. Nesse caso, a melhor solução é trabalhar com a cadeia de suprimento de outras — ate de concorrentes. Quando várias cadeias de suprimento usam os mesmos materiais, consomem os mesmos recursos ou enfrentam as mesmas ameaças, a colaboração pode trazer soluções inovadoras, de bom custo‐benefício.
Naturalmente, isso requer planejamento e execução meticulosos. As empresas nas cadeias de suprimento devem ter certos objetivos e interesses em comum. Devem ser capazes de partilhar recursos (capacidade de processamento, mão‐de‐obra ou materiais) para obter economias de escala. Terão de definir o modelo de negócios — incluindo se será criada uma nova entidade independente ou joint venture, ou se a atividade será terceirizada. Por último, os resultados da colaboração devem ser transparentes para os participantes — que, de sua parte, devem estar dispostos a dividir o conhecimento e a experiência adquiridos.
No começo da década de 1990, muitos países europeus criaram sistemas ineficientes para coletar computadores, monitores, televisores, eletrodomésticos e outros aparelhos eletrônicos descartados; reciclar o máximo possível; e eliminar de forma segura o resto. Em cada país, uma empresa estatal cuidava de tudo e repassava a conta aos fabricantes.
Salgada, essa conta levou quatro empresas — Hewlett‐Packard, Electrolux, Sony e Braun — a criar uma alternativa melhor: a joint venture European Recycling Platform (ERP). Surgida como uma empresa independente em dezembro de 2002, a ERP já recolheu e reciclou lixo eletrônico para 34 empresas em 11 países. O alcance pan‐europeu permite que atinja economias de escala muito maiores do que cada estatal sozinha poderia. Além disso, a competição fez a ERP implementar processos enxutos e tornar‐se supereficiente.
Para a HP, por exemplo, o custo de reciclar uma câmera digital e de apenas 1 ou 2 centavos de euro na Áustria, Alemanha e Espanha, onde a ERP atua, e de 7 centavos de euro a € 1,24 em cinco países onde uma estatal ainda goza do monopólio. A reciclagem de um laptop custa a HP de 7 a 39 centavos de euro nos três países onde há concorrência é de 88 centavos a € 6 nos outros cinco.
Nos lugares em que a ERP opera, custos de reciclagem e eliminação de fabricantes caíram entre 10% e 35%. A ERP ampliou sem parar o escopo dos produtos abrangidos e os membros da rede hoje incluem Apple, Dell, Microsoft, Nike e Nokia.
A sustentabilidade não é mais um assunto secundário. Virou questão de concorrência e assim deve ser tratada. Executivos a cargo da cadeia de suprimento — e não uma equipe periférica de RSE — devem se responsabilizar pela questão e abordá‐la com a mesma determinação aplicada a custos, qualidade, agilidade e confiabilidade. Devem envolver a cadeia de suprimento inteira na tentativa de inovar e de minimizar riscos. Empresas que adotam essa abordagem holística passarão a frente de concorrentes que apenas reagem. Serão sustentadas.
A cadeia de suprimento transparente
Antigamente, a origem dos produtos de uma empresa era envolta em mistério. Tirando os envolvidos na cadeia de suprimento, quase ninguém se importava. Obviamente, isso mudou. Consumidores, governos e empresas hoje exigem detalhes sobre sistemas de entrega e fontes de mercadorias. Estão preocupados com a qualidade, a segurança, a ética e o impacto ambiental. Organizações com visão estão enfrentando diretamente novas ameaças e oportunidades trazidas pela pergunta “De onde vem essa mercadoria?”. Vejamos o problema que uma cadeia de suprimento opaca pode causar. Embora a maioria dos proprietários de um iPhone provavelmente nem pense na origem do aparelho, o suicídio de trabalhadores da Foxconn, uma das principais fornecedoras chinesas da Apple, obrigou a empresa a deixar a vista parte da cadeia de suprimento em 2009 — para refutar a acusação de que a mão de obra que usava trabalhava em condições degradantes. Outro caso de grande visibilidade, o “escândalo do drywall tóxico”, levou a ações coletivas na Justiça americana. O produto em questão entrou nos Estados Unidos sem qualquer outra informação sobre a procedência além do rótulo “Made in China”. E, poucos anos antes, a fabricante de brinquedos Mattel enfrentou uma avalanche de relatos da presença de chumbo em brinquedos, o que levantou dúvidas sobre o grau de controle que tinha da cadeia de suprimento.
Na mão inversa, muitas empresas fazem da procedência uma virtude. A loja de roupas H&M, que tem uma rede internacional, se declara empenhada em melhorar práticas de trabalho e minimizar efeitos ambientais negativos não só de seus fornecedores, mas também de fornecedores dos fornecedores, ao longo de toda a cadeia. Compromissos similares — no passado assumidos por um punhado de varejistas de nicho — hoje são muito comuns. Mas, até recentemente, o cliente tinha uma visão limitada da cadeia de suprimento. Em geral, nem a empresa em si estava interessada em questionar muito a origem e o caminho percorrido por mercadorias que comprava.
Para muitos produtos, a origem é um aspecto essencial daquilo que o cliente compra — ainda que seja uma qualidade intangível ou difícil de verificar. É impossível distinguir uma comida halal, kosher ou orgânica das outras; embora a distinção seja importante para certos consumidores, num teste cego a maioria não teria como dizer qual é qual. Pouca gente saberia apontar a diferença entre um Rolex ou uma bolsa Louis Vuitton autênticos e uma imitação de primeira. A falsificação é um problemaço porque, no final das contas, uma camisa feita dentro de padrões éticos tem a mesma aparência e o mesmo toque da versão feita numa fabriqueta qualquer. Mas o fato de que o consumidor se importa com a ética e a autenticidade é indiscutível: a procedência já pesa muito — e vai pesar cada vez mais.
Tecnologias reveladoras
Movidas pelo crescente chamado da transparência, empresas como Walmart, Tesco e Kroger estão começando a usar novas tecnologias para dar dados da procedência ao mercado. Com o tempo, o acesso fácil a esse tipo de informação vai virar a norma para o cliente. Revelar a origem será um passo essencial para a empresa conquistar confiança e garantir sua reputação.
Embora não sejam fundamentalmente novas, tecnologias cruciais estão evoluindo e se combinando para desencadear novas oportunidades — e também ameaças. A rotulagem de produtos foi transformada por dispositivos eletrônicos microscópicos, marcadores genéticos para produtos agrícolas e uma nova geração de código de barras que pode ser lido por um celular comum. Se a esses desdobramentos juntarmos o alcance da internet e a capacidade praticamente ilimitada de armazenagem de dados, a empresa hoje pode contemplar formas mais sofisticadas de monitorar — e revelar — a trajetória da manufatura de seus produtos.
Etiquetas de identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês), já populares na gestão de estoques e outras áreas, estão cada vez menores, mais baratas e flexíveis. Novas gerações — como o “mu‐chip” da Hitachi, do tamanho de um grão de areia — podem ser usadas, por exemplo, para identificar discretamente uma jóia. Podem até ser incorporadas a papel e plástico, inserindo dados de procedência do produto no material propriamente dito. Etiquetas menores — exoticamente rotuladas de “pó de rádio” — já estão em desenvolvimento.
Assim como um rotulo de papel, a etiqueta eletrônica pode ser usada de duas maneiras. Pode guardar os dados diretamente — em certos casos, pode até ser atualizada à medida que o artigo for percorrendo a cadeia de suprimento. Ou, então, apenas conter um identificador único, que direciona o interessado a um grande volume de dados de apoio na internet. A onipresença desses dispositivos móveis significa que o consumidor pode acessar facilmente essa “internet de coisas”, obtendo informações sobre a procedência não só no nível genérico da categoria ou do tipo de artigo, mas também para o item especifico em questão. Se estiver interessado em, digamos, segurança alimentar, a tecnologia me dará informações não só sobre um certo tipo de frango, mas até mesmo sobre aquele frango específico.
O novo marketing
Com o cliente cada vez mais interessado na origem e na autenticidade daquilo que compra, muni‐lo de instrumentos para rastrear a procedência será parte importante do mix de marketing e clara a fabricantes e varejistas novas formas de capitalizar o valor da marca. Uma consideração crucial e que volume de dados disponibilizar publicamente, e em que grau de detalhe. Muitas empresas já deram declarações contundentes sobre a seriedade com que gerenciam a cadeia de suprimento. Transparência, num nível granular, da credibilidade a tais declarações.
Gigantes do varejo como Tesco e Walmart já adotaram um serviço inovador da Historic Futures, uma empresa do Reino Unido que presta serviços de cadeia de suprimento. O sistema permite a indústria têxtil coletar e apresentar informações sobre produtos feitos de algodão com o intuito de garantir que não seja usado algodão do Uzbequistao colhido com trabalho infantil. Esses dados são usados internamente, dando mais confiança ao varejista na hora de propagandear o caráter ético de seus produtos.
O website da Asda — braço britânico do Walmart — transmite feeds ao vivo de webcams posicionadas num punhado de fornecedores de alimentos e vestuário da rede. A suíça Switcher, do ramo têxtil, rotula cada um de seus produtos com um código que o consumidor pode digitar no website Respect‐code.org para obter informações sobre empresas e fabricas integrantes da cadeia de suprimento, bem como sobre o certificado de desempenho ambiental ISO 14000. Outra empresa de vestuário, a Anvil, usa o sistema TrackMyT.com para fornecer informações multimídia sobre a trajetória de cada produto, da matéria‐prima ao artigo acabado. E vinhos da vinícola Blankiet Estate, no Vale do Napa, na Califórnia, trazem um código que, quando digitado num website, pode atestar sua autenticidade.
Dar ao consumidor um código que possa ser verificado na internet é um jeito bastante simples de tornar a cadeia de suprimento transparente, embora o esforço exigido possa inibir a adoção generalizada. Novas alternativas simplificam radicalmente o trabalho do consumidor e obrigam a empresa a repensar a função de rótulos e etiquetas. Fabricantes de celular estão criando um tipo de leitor de RFID que, alem de permitir que a pessoa simplesmente passe o aparelho sobre uma etiqueta para pagar por algo, daria acesso a dados sobre origem do produto, certificados e trajetória pela cadeia.
Tecnologias de leitura visual para smartphones já são bem populares. O aplicativo ShopSavvy, por exemplo, permite ao consumidor fazer comparações de preços; já um aplicativo de reconhecimento de imagem do iPhone, o SnapTell, permite que o usuário fotografe capas de livros e DVDs, por exemplo, e receba, em seguida, criticas do produto, comparação de preços e links para um sem‐fim de outras informações — tudo em segundos.
A última geração de leitores móveis, compatíveis com o novo formato QR (“quick response”) e códigos Microsoft Tag, pode “linkar” o celular do consumidor diretamente a qualquer dado — em qualquer quantidade — disponibilizado pelo fabricante na internet. Novos formatos trazem muito mais dados do que o código de barras convencional.
Cadeia fortalecida
Naturalmente, a procedência é relevante tanto cadeia acima como cadeia abaixo. Assim como enriquecem a relação da empresa com clientes, tecnologias de rastreamento também ditam o que a empresa espera de fornecedores. O consumidor final pode estar preocupado com a autenticidade e a ética daquilo que compra, mas a empresa também quer garantias em relação aos bens que adquire. Novas tecnologias de procedência serão tão importantes para operações da cadeia de suprimento quanto para o marketing. Em cada elo da cadeia, surgem mais dados — dados que podem ser transmitidos, a custo baixo, a fase seguinte.
Para setores nos quais a segurança e um fator crítico, garantir a procedência já é o padrão — apesar do custo e da complexidade. Há sistemas sofisticados e regulados para atestar o “pedigree” de componentes aeroespaciais, insumos farmacêuticos e aparelhos médicos. Mas as novas tecnologias também estão mexendo na matemática do rastreamento, com a análise por lote e item se tornando viável em mais setores e para mais finalidades.
Primeiro, o rastreamento pode ajudar a garantir que o fornecedor não use alternativas inferiores a fontes aprovadas de insumos. No caso da Mattel, por exemplo, um parceiro usou um fornecedor não aprovado para superar a escassez temporária de um material. Segundo, a rastreabilidade é essencial para empresas que, como a Tesco, buscam medir o impacto ambiental de seus produtos. Por último, a transparência é uma proteção contra a entrada de componentes e materiais falsificados na cadeia de suprimento.
Embora com o rastreamento convencional por lote a empresa possa recuar na cadeia e chegar à fonte do problema, novos recursos de rastreamento permitem a inserção de todo detalhe do processo de produção na “ficha” de um item. Esses dados podem, então, ser usados para analisar qualidade, segurança, durabilidade e confiabilidade, entre outras coisas. Dados de procedência e rastreabilidade são uma mina de ouro que a empresa pode explorar para melhorar cada vez mais. Além disso, etiquetas e rótulos seguros (que empreguem, por exemplo, a nova tecnologia de tinta com DNA) podem inibir a falsificação de produtos. Quando integrada a sistemas de ERP, a rotulagem item por item permite que a contabilidade e o custeio sejam ajustados de forma mais precisa do que nunca.
Até aqui, iniciativas de proteção da cadeia inteira não surtiram efeito devido a barreiras logísticas e financeiras a visão que transcenda o primeiro nível de suprimento. Embora muitas empresas tenham promovido iniciativas enormes e louváveis para auditar e certificar seus fornecedores imediatos, os verdadeiros riscos operacionais e a reputação podem estar mais acima na cadeia. Cada vez mais, a empresa vai exigir rastreabilidade de seus fornecedores. Em cada elo da cadeia, valera uma nova regra: só serão aceitos produtos de procedência clara e abrangente.
Preveja os riscos
Novas tecnologias permitirão uma visibilidade sem precedentes do sistema industrial. Ainda que a empresa opte por manter dados de procedência sob sigilo, nada garantira que ativistas e grupos de interesses — ou até concorrentes — terão a mesma discrição. A explosão da comunicação eletrônica global da poder a quem quer manchar a reputação da empresa — e, a empresa, a oportunidade de conquistar confiança.
Naturalmente, o acesso de quem e de fora aos dados seria mais limitado do que o da própria empresa, mas provavelmente não o suficiente para que esta se sinta totalmente segura. YouTube, Twitter e outras mídias sociais já transformaram o modo como ativistas lançam campanhas contra práticas da cadeia de suprimento.
É só ver a recente denuncia, pelo Greenpeace, de um fornecedor de óleo de palma da Nestlé cujas praticas estavam prejudicando a floresta tropical na Indonésia. Webcams são baratas. É fácil criar aplicativos para o iPhone. Se a empresa não soltar ela mesma informações sobre a procedência, outros o farão em seu lugar. A mera leitura do código, o cliente será capaz de ver, ao vivo, a fabriqueta, a granja industrial ou as insalubres condições de trabalho.
Certas empresas conquistaram a reputação de práticas éticas numa arena — certas fabricantes de roupas, por exemplo, celebram as condições de trabalho em seus fornecedores de primeiro nível. Mas toda empresa vai descobrir que o interesse do consumidor pode avançar cadeia acima. Como aprenderam Tesco e Walmart, de nada vale alardear as excelentes condições em que o jeans é fabricado se faltar ética na colheita do algodão. A empresa sem dúvida deve explorar oportunidades operacionais e de marketing abertas por um rastreamento sofisticado, mas seria bom que revelasse aquilo que descobre antes que terceiros o façam.
Fabricar no próprio país pode ser mais barato
Na hora de tomar decisões sobre a cadeia de suprimento — onde no mundo instalar a fábrica nova, usar um fornecedor estrangeiro ou nacional —, a maioria dos executivos usa o modelo do fluxo de caixa descontado (FCD) para avaliar cada alternativa. O problema dessa abordagem é que o FCD em geral subestima o valor da flexibilidade. O resultado é que a empresa pode acabar com uma cadeia de suprimento enxuta e de baixo custo desde que tudo corra conforme o planejado — mas terrivelmente onerosa em caso de imprevisto.
Uma saída para evitar essa cilada e complementar a analise do FCD com uma avaliação de opções reais, o que permite a atribuição de um valor monetário à flexibilidade na cadeia de suprimento. Foi o que fez a suíça Flexcell, uma inovadora fabricante de painéis solares leves para toda uma gama de aplicações.
Fundada em 2000, a pequena Flexcell queria expandir as operações depois que um investidor alemão virou seu maior acionista, em 2006. A exemplo de muitas empresas, tinha uma escolha difícil a fazer: onde instalar a nova fábrica? Três alternativas foram consideradas: China, Alemanha Oriental (a preferida do novo investidor) e um local próximo a sede. A opção chinesa foi logo descartada, pois teria limitado a capacidade da Flexcell de customizar seus produtos; além disso, o desafio de fazer uma fábrica longe dali assimilar um processo de produção que envolvia novas tecnologias foi considerado grande demais.
Decidir entre Suíça e Alemanha era mais difícil. Uma fábrica na Alemanha Oriental seria próxima o suficiente para permitir um volume razoável de customização e teria reduzido o custo unitário da produção em 15%. Mas a equipe de gestão da Flexcell achava que era mais importante instalar a fábrica em casa.
O presidente da empresa, Alexandre Closset, teceu um argumento triunfal em favor da Suíça ao expor duas vantagens cruciais da produção no próprio país: a flexibilidade na definição de cronogramas de produção e a capacidade de administrar diretamente eventuais problemas. Para tanto, teve de olhar alem do modelo tradicional do FCD.
Closset decidiu tratar a flexibilidade do cronograma como uma opção de adiamento: se a fábrica fosse na Suíça, poderia postergar compromissos e investimentos de produção por meses — e, no meio‐tempo, obter informações cruciais sobre a demanda. Essa decisão permitiu que usasse o modelo de avaliação de opções reais, que por sua vez permitiu que atribuísse um valor monetário a flexibilidade. O modelo de opções reais também permitiu que desse um valor à capacidade de administrar problemas de produção diretamente, e não de longe. Vejamos como o método de opções reais pode ajudá‐lo a tomar boas decisões na cadeia de suprimento.
Calcule o valor da flexibilidade
Com o modelo do FCD, a pessoa projeta a demanda (em geral, tirando a média do melhor e do pior cenários de vendas esperados), multiplica o resultado pelo preço unitário, subtrai custos de produção, ajusta a cifra resultante para obter uma estimativa dos fluxos de caixa futuros e aplica uma taxa de desconto a tais fluxos para computar o risco, valendo‐se do clássico modelo de precificação de ativos de capital. Mantidos todos os demais fatores, a decisão sobre onde fabricar será determinada basicamente pelo custo.
Mas, e se todos os demais fatores não forem iguais? Digamos que a operação em outro país exija um pedido de produção firme com bastante antecedência, enquanto a produção em casa permita a espera ate que se saiba qual a verdadeira demanda.
Vejamos primeiro o efeito de fabricar em outro país. Ao fazer com antecedência um pedido de produção em volume inferior a demanda máxima potencial, a empresa esta, basicamente, impondo um teto as vendas e eliminando a possibilidade de se beneficiar caso a demanda seja maior do que o projetado. Isso reduz o nível de vendas e a receita esperados. A perda de flexibilidade derruba, portanto, o valor presente líquido da opção de produzir em outro país.
E como a flexibilidade afeta o valor da opção de produzir em casa? Adiar a ordem de produção ate que se tenha uma estimativa melhor da demanda reduz o risco tanto da falta de estoques quanto da produção em excesso. O uso correto do modelo do FCD para avaliar o valor com isso obtido requer o ajuste da taxa de desconto para refletir o fato de que a maioria do risco que se corria agora foi eliminado. E definir uma taxa de desconto adequada pode ser um exercício de adivinhação.
É aqui que a teoria de opções reais ajuda. Num modelo de avaliação de opções reais, a taxa de desconto relevante se torna a taxa livre de risco com um simples ajuste na probabilidade da demanda final. E obter valores para essa variável não exige uma série de estimativas separadas; os valores surgem naturalmente no calculo de opções reais (veja um exemplo [em inglês] de calculo no apêndice “Valuing Postponement in Supply Chain Operations”, no endereço hbr.org/manufacture‐at‐home).
Na Flexcell, Closset conseguiu mostrar ao conselho que o valor da opção de adiamento garantido pela produção na Suíça mais do que compensava os 15% de redução no custo por unidade que poderiam ser obtidos na Alemanha Oriental. E a decisão de fabricar na Suíça está ajudando muito na atual conjuntura econômica, que causou considerável oscilação na demanda e aumentou o valor da flexibilidade. Já que pode rapidamente ajustar o nível de produção, a Flexcell não tem nem estoque encalhado nem produtos em falta.
O valor do controle direto
Voltemos agora ao segundo fator citado por Closset em defesa da produção no próprio país: a vantagem do controle físico direto. Quem investe no mercado de commodities entende bem essa vantagem. O controle físico direto reduz a exposição ao risco. O mau tempo e outros imprevistos podem, por exemplo, tomar uma commodity como o petróleo e o trigo indisponíveis, independentemente do estipulado no contrato de fornecimento. O investidor paga, portanto, um premio pelo controle físico direto.
A vantagem assim obtida, a chamada taxa de conveniência (“convenience yield”), e análoga ao dividendo pago no mercado financeiro ao investidor que possui ações em vez da mera opção de comprá‐las. É possível determinar o convenience yield de uma commodity comparando os preços nos mercados de derivativos e spot; e simplesmente a diferença entre o valor de ter a mercadoria e o valor de ter a opção de comprá‐la.
É mais difícil calcular o valor do controle direto no caso de distintos locais de produção. Uma via indireta e comparar os custos de distúrbios inesperados em cadeias de suprimento internacionais e nacionais. A diferença é a taxa de conveniência da instalação interna, que pode ser computada ao calculo do valor projetado com o uso do modelo de opções reais.
Foi o que Closset fez na Flexcell, mostrando ao conselho que os custos decorrentes de distúrbios numa fábrica na Suíça seriam muito menores do que os resultantes de abalos em instalações na Alemanha Oriental. No caso de problema com a configuração de um novo produto na fabrica local, por exemplo, o pessoal de engenharia poderia estar cuidando do assunto em minutos. Já levar os engenheiros ate a Alemanha Oriental poderia interromper a produção por um par de dias. Incluir a convenience yield da fábrica local nos cálculos ajudou a mostrar o valor maior da instalação na Suíça.
Nesse quesito, a decisão de produzir na Suíça também esta compensando. Embora tenha enfrentado certa dificuldade na hora de aumentar a produção, a Flexcell conseguiu honrar o compromisso de entrega de milhares de unidades pré‐vendidas em 2008 e 2009 — isso porque engenheiros de projeto e pessoal de produção estavam no local. Além disso, a proximidade entre o desenvolvimento de produtos e a produção ajudou a empresa a tirar pleno partido de recursos de inovação, permitindo um ajuste cada vez mais exato as necessidades de clientes. Essa capacidade maior de reação e customização da uma forte vantagem competitiva.
Um pouco de tudo
O uso do método de opções reais na avaliação de projetos da cadeia de suprimento acabara com a viabilidade de cadeias de suprimento globais? De jeito nenhum. Nem sempre é preciso flexibilidade em toda a cadeia de suprimento, como demonstrou a fabricante italiana de roupas Benetton na década de 1960.
A Benetton percebeu que muitas roupas eram diferenciadas pela cor, não pela forma ou pelo modelo. O que fez, então, foi contratar mulheres em cidadezinhas do norte da Itália para produzir roupas em tons neutros e enviar as peças à sede. Lá seriam tingidas, no ultimo minuto, na cor indicada pelas ultimas tendências da moda. Ao adiar apenas o tingimento, a Benetton reduziu drasticamente os riscos gerais da produção. O resto do processo ainda podia ser definido com bastante antecedência.
Uma simples intuição bastou para dar a Benetton uma vantagem competitiva importante. Já quando a escolha envolve mais sutilezas, a avaliação de opções reais pode ajudar quem traça a estratégia da cadeia de suprimento a tomar decisões bem mais embasadas sobre onde situar cada elo dessa cadeia.
Nosso foco foi atribuir um valor monetário a flexibilidade trazida pela produção perto de casa. Naturalmente, há outras maneiras de aumentar a flexibilidade — investindo em capacidade ou estoques adicionais, por exemplo. Avaliar cada decisão dessas com a abordagem de opções reais também pode ajudar a empresa a entender em que pontos de uma cadeia de suprimento enxuta e globalmente dispersa — como manda a moda — haveria custos ocultos.
Fonte: Harvard Business Review Brasil – Autores: Hau L. Lee, Peter Senge, Suzanne de Treville e Lenos Trigeorgis