Aos olhos de um consumidor médio, produtos amigáveis ao meio ambiente são feios, caros e têm mau desempenho. As empresas precisam voltar às noções de economia para revitalizar o verde.
Era uma vez um grupo de transformadores que enxergou o excesso de pesca nos oceanos e antecipou o aumento dos preços das commodities e a redução das oportunidades baseadas em recursos naturais. Eles decidiram tomar providências, propondo novos produtos, novos processos e novos serviços que revertessem a decadência. Escreveram uma infinidade de livros e falaram em muitas palestras. Pressionaram por mudanças em todos os setores e pariram uma resposta unificada ao desafio: a “economia verde”.
Eu já fui uma transformadora.
“Fui” é a palavra crucial neste texto. Por mais de uma década, trabalhei com uma série de empresas em uma gama de riscos de sustentabilidade e escrevi artigos e livros sobre como transformá-los em oportunidades. Durante todos esses anos, foi um prazer e uma honra trabalhar em projetos que eram bastante profundos. Como muitos de vocês, assisti à ascensão de tudo o que era “verde” na mídia e participei de uma infinidade de eventos que pareciam sugerir que “verde” era o novo preto. As empresas eram corajosas, os projetos tinham impacto, as descobertas foram poderosas.
Só que, na maioria das organizações no mundo, eu nunca consegui ver de verdade uma mudança de mentalidade, de comportamento e de resultados. O verde, como resposta ao desafio do excesso de pesca nos oceanos, não estava funcionando. A conta simplesmente não fechava.
O que vem a sua cabeça, leitor, quando ouve falar em “produto verde”? Vamos tornar isso um pouco mais tangível: pense em um sapato ecológico. O que você imagina? Muito provavelmente, uma matéria-prima reciclável ou biodegradável, orgânica ou não tóxica. Esse produto seria bonito? Não sei você, mas, quando pergunto isso em conferências, a maioria das pessoas diz não. Quanto à funcionalidade, ele vai ter desempenho semelhante ao de um sapato normal? Mais uma vez, a maioria acredita que não. E o preço? Esse aspecto é consenso: todos esperam que produtos verdes custem mais caro.
Assim chegamos ao batom orgânico de preço indecente que some dos lábios em cinco minutos, ao carro verde que enfeia a garagem do dono, à maçã de aparência tristonha com o dobro do preço de sua colega convencional. Resumindo, aos olhos de um consumidor médio, produtos verdes são feios, têm mau desempenho e são caros.
Porém, ainda assim, os consumidores queriam fazer sua parte e o mito do mercado para o verde se espalhou como rastilho de pólvora. Lá em 2006, a pesquisa com consumidores feita pela National Consumers League e pela empresa de relações públicas Fleishman-Hillard nos Estados Unidos registrou a responsabilidade social de uma organização como o fator número um entre os determinantes de lealdade à marca, com 35% dos respondentes colocando-a no topo, bem à frente do preço do produto e da disponibilidade, cada um deles recebendo meros 20% dos votos.
Três anos depois, a consultoria Deloitte registrou que 95% dos consumidores norte-americanos tinham vontade de “comprar verde”, enquanto uma pesquisa da agência de branding sustentável BBMG combinava um levantamento nacional de 2 mil consumidores com entrevistas etnográficas apoiadas pelos achados da Deloitte e decretava: dois terços dos norte-americanos acreditavam que, mesmo em épocas econômicas difíceis, era importante comprar produtos com benefícios sociais e ambientais.
Em 2010, o relatório do Fórum Econômico Mundial sugeria que tal preocupação era tão forte nas economias maduras como nas emergentes – e até mais forte em algumas áreas emergentes específicas. Convincente, certo?
De quem é a culpa?
O problema no paraíso desses estudos era que os consumidores prometiam uma coisa e faziam outra. Pegue, por exemplo, os serviços públicos. Apesar do forte apoio à ideia de “energia verde” verificado em pesquisas com os consumidores, poucas utilities têm sido capazes de atrair significativa quantidade de clientes com esse tipo de oferta.
A história da companhia elétrica pública de Massachusetts, Estados Unidos, é exemplo perfeito desse fenômeno. A empresa ofereceu programas como o National Grid’s GreenUp, que permite aos clientes escolher energia limpa pagando um valor mais alto. Mas, mesmo com uma campanha de marketing ampla, que incluiu avisos nas contas, newsletters online, estandes em eventos e posts no Facebook para promover as opções, houve poucas adesões. Depois de quase uma década, só 6 mil do 1,2 milhão de clientes de Massachusetts (menos de 1%) tinham optado pelo GreenUp. As pessoas fazem o que fazem, não o que dizem.
A empresa de energia de Massachusetts não estava sozinha em sua descoberta dolorosa. Por vários anos, dados de mercado e pesquisa acadêmica demonstraram que a ideia reinante de verde está morta. Em um artigo da Forbes em 2011, Gregory Unruh afirma: “Clientes e público […] esperavam que a sustentabilidade fosse a condição básica do negócio. Eles não esperavam pagar por ela. […] Profissionais de marketing verde sabem disso há muito tempo. Os clientes dirão aos pesquisadores que pretendem pagar mais por produtos social e ambientalmente superiores, mas, quando estão sozinhos na frente da gôndola, raramente desembolsam mais pelo que é ‘verde’. […] Quando empresas estabelecidas acrescentam um produto sustentável ao portfólio, o que acontece é o questionamento do consumidor: ‘Bem, se esse novo produto é verde, o que dizer do resto da linha?’”. Essa reação é como um tapa na cara. Os executivos verdes estão, de certa maneira, sendo punidos por serem verdes.
Em 2010, quatro professores da Villanova University e Suny University em Albany descobriram que, embora os mercados financeiros estejam dispostos a punir os malfeitos em relação à sustentabilidade, esquivam-se de pagar mais por aquilo que é verde. Em outras palavras, quando uma empresa é excluída da lista de organizações com responsabilidade socioambiental, o mercado a pune com severidade – uma média de 1,2% de queda no preço da ação após a saída –, mas fazer parte da lista de empresas sustentáveis não melhora o preço das ações.
O site Trendwatching.com já anunciou a morte do verde como tendência, apresentando números:
• 40% dos consumidores dizem que desejam comprar produtos verdes, mas apenas 4% deles realmente fazem isso quando têm escolha;
• 58% dos consumidores globais acham que produtos ambientalmente amigáveis são caros demais, e 33% dizem que eles não funcionam bem;
• enquanto o volume de produtos verdes disponíveis para consumidores norte-americanos aumentou 73% entre 2009 e 2010, apenas 5% dos produtos não eram considerados “greenwashing”.
O greenwashing – a prática de traiçoeiramente maquiar dados para criar a percepção de uma empresa ambiental e socialmente amigável – tem sido solo fértil para a falta de confiança e aversão ao verde. Em 2012, uma manchete da Advertising Age dizia tudo: “À medida que mais marqueteiros se tornam verdes, menos consumidores querem pagar por isso”. A revista se referia aos resultados da pesquisa Green Gauge, da GfK: 93% dos consumidores entrevistados afirmaram que tinham pessoalmente mudado seu comportamento para serem mais favoráveis à preservação, mas estavam menos dispostos a pagar mais por produtos verdes.
Foi por isso que a Volkswagen decidiu não vender seu Golf TDI BlueMotion nos EUA, concentrando-o na Europa. Rodando 37 quilômetros com um litro de combustível, o carro é um marco de eficiência e sustentabilidade. Na Europa, as pessoas estão mais dispostas a pagar mais por eficiência porque os preços do combustível são o dobro dos EUA.
O que isso significa? O verde está morto?
Não há dúvida de que meu retrato da economia verde é extremamente simplificado, generalizado e até exagerado Também está claro que os desafios que a vasta maioria dos produtos verdes tenta abordar são bem reais, dignos e urgentes. No entanto, se “verde” se tornou sinônimo de preço alto demais, espuma demais e qualidade de menos, esse tipo de verde merece morrer. Não há mercado para produtos verdes malfeitos e, pior, essa abordagem mina a confiança do consumidor e mata as chances de qualquer êxito.
Os ambientalistas, que por muito tempo prestaram atenção à sustentabilidade ambiental à custa da sustentabilidade financeira, têm de aprender uma lição difícil: as duas são necessárias. O economista Gernot Wagner, integrante do Environmental Defense Fund, defendeu esse aprendizado: “Não pare de reciclar ou de comprar produtos locais, mas acrescente noções de economia básica à lista de afazeres. Nosso futuro depende de admitirmos a necessidade de acabar com o socialismo planetário”.
O caso dos tênis Vert no Brasil
Lançada em 2004, a Vert é uma marca de tênis com design em Paris e fabricação no Brasil, com matérias- -primas nacionais. Inicialmente, os empreendedores franceses François-Ghislain Morillion e Sébastien Kopp a comercializavam, com o nome “Veja”, só na Europa, onde os consumidores são mais conscientes em relação à sustentabilidade. Em 2014, começou a ser vendida no Brasil com o nome “Vert”.
Morillion e Kopp queriam fazer um tênis diferente e viajaram pelo mundo pesquisando projetos de sustentabilidade em busca de inspiração. A maioria era superficial – “não ia muito além de reciclagem de lixo ou economia de água”, como diz Morillion – e eles queriam uma operação realmente sustentável. Como, no Brasil, havia riqueza de matéria-prima, mão de obra qualificada e expertise em fazer calçados, acharam que aqui gerariam o impacto que procuravam. Morillion detalha esse impacto:
• Algodão
É cultivado sem insumo químico por associações e cooperativas de agricultores do sertão nordestino. São 700 famílias que seguem um modelo de desenvolvimento sustentável, sob o princípio da agroecologia. Com o apoio do Projeto Dom Helder Câmara, da Embrapa Algodão e do Escritório de Planejamento e Assessoria Rural (Esplar), elas comercializam algodão orgânico certificado, que, depois, é fiado e transformado no tecido usado nos tênis.
• Borracha
A matéria-prima é extraída de árvores da Floresta Amazônica por cerca de cem famílias de seringueiros da Cooperativa Chico Mendes, em parceria com o World Wildlife Fund (WWF) e o governo do Acre. Em um processo desenvolvido pelo professor Floriano Pastore, da Universidade de Brasília, os próprios produtores transformam o látex extraído em folhas de borracha, como um produto semiacabado. A Vert compra diretamente essas folhas, que são moldadas na fábrica e se tornam solas para os tênis.
• Couro
O controle é feito a partir da chegada ao curtume para tratamento, e a empresa garante que a matéria-prima não vem da Amazônia, onde o gado é um dos principais fatores de desmatamento. Todas as peles são curtidas em processo low-chrome, que reduz a poluição das águas residuais. O couro é curtido com extratos de acácia, um tanino natural não poluente.
• Sem intermediários
A Vert negocia diretamente com os representantes dos pequenos produtores, selando contratos de compra de longo prazo e preço garantido para a safra. Além disso, paga preços entre 30% e 60% acima do mercado, dependendo da matéria-prima, e mantém iniciativas como um prêmio coletivo anual que apoia projetos na comunidade dos produtores, para cultivar bons relacionamentos.
• Colaboradores
Em sua fábrica, no Vale dos Sinos (RS), com produção de cerca de 300 mil pares por ano, a Vert advoga o respeito aos direitos dos trabalhadores. As fábricas e os ateliês parceiros passam por auditorias sociais, realizadas todos os anos.
• Transparência
A empresa lista em seu site os limites do que faz pelo meio ambiente, usando a expressão “longe da perfeição”: informa que os cadarços não são de algodão orgânico; a espuma de sustentação ao cano dos tênis é sintética, feita à base de petróleo; a sola contém 30% a 40% de borracha nativa, e a palmilha, 5% – o que é necessário para garantir flexibilidade, resistência e conforto; os ilhoses, apesar de não conterem níquel, são de metal e sem controle de origem; falta um programa de reciclagem; e os pigmentos para tingir couro, borracha e algodão ainda são os convencionais, embora autorizados pelo selo ecológico Ecolabel.
O plano é atacar todas essas vulnerabilidades no futuro. Um projeto, já em andamento, diz respeito ao uso de tinturas vegetais não poluentes para obter as cores, e a prioridade é o maior controle da origem do couro, acompanhando desde a alimentação e as condições de vida do gado até o curtimento e seus efeitos sobre o meio ambiente. Isso não é simples, porém; requer trabalhar diretamente com os produtores de gado, sem intermediários, o que não ocorre hoje. Pelo menos, já há uma coleção chamada “ Veganos”, com tênis que não usam couro animal; foi desenvolvida para atender a uma demanda específica de consumidores.
Ao que tudo indica, a Vert está conseguindo, sim, ser menos superficial no compromisso com a sustentabilidade. Mas e quanto ao valor oferecido ao consumidor? Os preços dos tênis são os de mercado, variando de R$ 270 a R$ 670, conforme o modelo; a preocupação com o conforto fica evidente na opção pelo uso de um percentual de borracha obtida pelo método tradicional na sola e, no quesito estético, o design parisiense tem grande aceitação.
Então, será que a empresa está sendo premiada pelos consumidores por isso? Na Europa, a resposta é sim; os tênis já são distribuídos em mil lojas, um bom número para uma empresa de nicho. No Brasil, no entanto, só 50 lojas, aproximadamente, vendem a marca. O melhor sinal vem dos coworkings e eventos de startups de São Paulo, onde já se veem muitos millennials usando os tênis com o “V” na lateral. Morillion acredita, por isso, que a adoção crescerá. “Sustentabilidade é uma necessidade que, de tão necessária, virou moda!”
Fonte: Revista HSM Management, por Nadya Zhexembayeva. Ela é é professora de desenvolvimento sustentável do IEDC-Bled School of Management, na Eslovênia. Rotman School of Management, da University of Toronto.