Implantar sistemas de planejamento de recursos empresariais (ERP) é uma tarefa bastante complexa. Mas pode funcionar, no prazo e dentro do orçamento.
ERP (Enterprise Resource Planning, da sigla em inglês) é mais do que uma sigla que vem sendo muito comentada no meio empresarial. Trata-se de um software de planejamento dos recursos empresariais, que integra as diferentes funções da empresa para criar operações mais eficientes em áreas como montagem ou entrega de produtos.
No entanto, embora esteja “na moda”, sua implementação tem sido considerada problemática em todo o mundo: leva muito tempo, é cara e aparentemente não traz os benefícios de competitividade e redução de custos que promete. Isso é motivo para descartar o sistema logo de saída? Não, afirmam os três autores deste artigo, ocupantes de cargos de cúpula da firma de consultoria Booz-Allen.
Segundo eles, se feitos os ajustes, o ERP pode melhorar significativamente a vida corporativa. O primeiro passo, portanto, é identificar por que a implementação é tão difícil. Há duas razões principais, dizem os especialistas: a empresa não faz antes as escolhas estratégicas necessárias para configurar os sistemas e os processos; o processo de implementação escapa ao controle da empresa.
Este artigo sugere ainda, com base em estudos e casos reais, um modo prático de resolver o problema, levantando duas questões que toda empresa deve enfrentar antes da implementação, e três iniciativas que cabem exclusivamente ao presidente (o CEO) para que esse processo funcione.
A implementação de sistemas de planejamento dos recursos empresariais –ERP (Enterprise Resource Planning, da sigla em inglês), um conjunto de programas de computador que integra as diferentes funções da empresa para criar operações mais eficientes em áreas como montagem ou entrega de produtos– é problemática em todo o mundo. Leva muito tempo, é cara e não traz os benefícios de competitividade e redução de custos que promete.
As estatísticas mostram que em mais de 70% dos casos não se atingem as metas corporativas estabelecidas. O Standish Group, empresa de pesquisa de mercado especializada em software e comércio eletrônico, analisou a implementação do ERP em empresas com faturamento acima de US$ 500 milhões. O estudo revelou que, quando comparados às expectativas originais, os custos foram em média 178% mais altos; os cronogramas de implementação sofreram atrasos de 230%; e a queda média em melhorias funcionais atingiu um déficit de 59%. Mas o ERP funcionou em algumas empresas.
Por exemplo: o uso de um desses sistemas ajudou a Chevron Corporation a reduzir seus custos de compras em 15% e promete mais 10% no futuro próximo. A International Business Machines Storage Products reduziu o tempo necessário para atualizar seus cálculos de preços, que chegava a vários dias, para apenas cinco minutos. Só em reduções de estoque a Autodesk Inc. economizou o suficiente para pagar toda a implementação de seu sistema.
Então, qual é o problema com o sistema ERP?
Nossa experiência mostra que as dificuldades com o ERP têm origem em duas questões:
- A empresa não fez as escolhas estratégicas necessárias para configurar os sistemas e os processos.
- O processo de implementação escapa ao controle da empresa naturalmente. Isso é inerente ao processo de implementação do ERP.
Questão número 1: Como fazer as escolhas estratégicas.
O sistema ERP integra os dados chave e a comunicação entre as áreas de planejamento, programação, compras, previsão e finanças das empresas entre regiões, produtos, divisões e funções. Também pode englobar vendas, marketing, recursos humanos e outras funções. O sistema é capaz de fornecer informações detalhadas sobre as operações da empresa. Por exemplo: o ERP pode informar o nível de estoque disponível de matériasprimas, quanto custa fabricar cada produto e a localização exata de todas as encomendas na fábrica.
Mas deve fazer isso? Olhando o sistema ERP de fora –e analisando a informação, a comunicação e as funções de controle que ele pode executar–, fica claro que o nível de controle das operações de uma empresa que o sistema ERP deve proporcionar depende do projeto de fluxo de produtos e serviços nela existente.
Um fluxo complexo exige um nível muito alto de controle por parte do sistema. Uma cadeia de valor bem elaborada pode embutir muitos controles e outras funções nos processos da empresa de forma muito mais simples e bem mais barata do que o ERP. Os processos existentes, que estão sendo substituídos por necessidade, carregam grande parte dos mecanismos de comunicação e controle da empresa, e anos de aprendizado tornaram tais processos bastante eficientes e eficazes. Na maioria das vezes, a implementação do ERP não reconhece, e portanto não capta, essa eficiência organizacional.
Os sistemas de produção enxuta oferecem baixo custo, custos gerais indiretos baixos e comunicação e controle altamente eficazes. Como? Por exemplo, quando um processo de produção que utiliza os controles visuais do kan-ban precisa de mais matéria-prima de certo fornecedor, os trabalhadores da linha de produção pegam um cartão e o encaminham ao fornecedor. Sem necessidade de computadores, pedidos ou custos gerais indiretos. A comunicação e o controle foram embutidos no projeto do processo.
O que pode sair errado? Em uma empresa, a equipe de implementação instalou o módulo de planejamento detalhado da capacidade do sistema ERP partindo da suposição de que precisava compreender e controlar a capacidade em seus mínimos detalhes.
No ambiente existente, o planejamento detalhado da capacidade não era uma opção, porque o sistema era incapaz de executá-lo. Quando necessário, a gerência da fábrica utilizava o planejamento da capacidade agregada nas decisões sobre pessoal e capital, que eram tomadas anual ou trimestralmente. Depois de implantados, os processos de planejamento detalhado da capacidade geraram aumento dos custos gerais indiretos, e isso para executar tarefas não necessárias antes.
Era impossível atingir o nível de detalhamento dos dados –por exemplo, tempos de preparação e de funcionamento das máquinas detalhados e precisos, motivos para sucateamento, paradas de máquinas– necessário para preparar estimativas pormenorizadas da capacidade, tornando inúteis os perfis de capacidade que foram criados. Ninguém se deu ao trabalho de perguntar se a empresa precisava mesmo do planejamento detalhado da capacidade, e a diretoria só analisou a decisão quando já era tarde demais.
A realidade é que o sistema ERP “aprisiona” os princípios e processos operacionais da empresa. Depois de instalado, as probabilidades de a empresa poder –ou estar disposta a– pagar pelas modificações são quase inexistentes. O custo, a complexidade, o investimento em tempo e pessoal, as implicações e as políticas de um investimento desse tipo são muito altos. Por isso, é importante que o sistema ERP seja implementado de maneira racional e econômica desde o início.
A diretoria precisa transmitir a estratégia da empresa e as principais vantagens competitivas futuras para essa implementação. Com frequência, isso exige ações nãosistêmicas para desenvolver os recursos físicos ou ações empresariais para dar apoio às necessidades mais simples do sistema. Felizmente, apenas um número limitado de decisões críticas para a empresa exige o envolvimento direto e contínuo da diretoria. Numa indústria, por exemplo, a diretoria só precisa se concentrar em oito áreas para definir que ações devem estar dentro ou fora do sistema.
Questão número 2: Como impedir que o processo de implementação escape ao controle?
O projeto empresarial para implementar um sistema ERP é invariavelmente montado com o objetivo de reduzir custos e melhorar as capacidades. As economias baseiam-se nos custos menores da tecnologia da informação herdada e também nos custos mais baixos da mão-de-obra direta/indireta e do estoque.
O aumento de capacidade geralmente inclui processos de padrão internacional, controle rígido e tempo de ciclo menor. Depois de terminado o projeto, as empresas concentram-se no software e não nos objetivos empresariais, com o pressuposto implícito de que os benefícios virão. Nesse ponto, os diretores acabam transferindo muita responsabilidade aos técnicos. Erroneamente, eles encaram a empreitada como um projeto de tecnologia da informação e não como um projeto empresarial. Quando a diretoria abdica de sua responsabilidade pelo controle, a equipe de trabalho é que toma as decisões cruciais. Nesse cenário, não demora muito para que a implementação comece a sair dos trilhos.
Percebendo que os orçamentos rapidamente vão superar as estimativas originais, os gerentes de projeto procuram retomar as rédeas eliminando o redesenho de certos processos empresariais e físicos. As equipes de implementação se apressam a personalizar o novo software para adaptá-lo às práticas atuais da empresa. E é raro que isso funcione.
Tendo perdido de vista qualquer objetivo empresarial, a companhia implementa um sistema mutilado ou sobrecarregado de funções desnecessárias. A empresa tem um problema para resolver. Acontece que os processos tanto de upgrading como de modificação de um sistema não são só caros; sua implementação pode ser bastante complicada. Dado o investimento necessário para implementar o sistema ERP, por que a direção da empresa não se envolve mais no processo? Nossa experiência indica que o CEO e os diretores simplesmente não têm certeza do papel que devem desempenhar.
Diretores prestam atenção em objetivos, enquanto especialistas em sistemas se concentram em processos. Nenhum dos lados consegue fazer as perguntas certas para o outro. O envolvimento do CEO em um pequeno conjunto de questões aumenta bastante a probabilidade de que a implementação seja feita dentro do orçamento e do cronograma e com êxito.
O CEO deve se envolver de três maneiras:
- resumindo claramente as prioridades estratégicas da organização;
- envolvendo a organização no nível adequado;
- vinculando os controles e os incentivos para os executivos ao sucesso do projeto.
Ação número 1 do CEO:
Resumir as prioridades estratégicas
O CEO precisa assumir o comando da etapa de planejamento do sistema ERP. É a mais importante –e a mais negligenciada. Sem uma conexão estratégica, o sistema executa o que os técnicos acham que deve executar, não necessariamente o que é melhor para a empresa. O segredo é traduzir a visão da empresa e sua estratégia para as pessoas e depois definir exatamente como o ERP ajudará a empresa a cumprir algumas de suas prioridades.
Quais são? Como se enquadram na evolução do setor? Como resolvem as questões competitivas? Que aspectos do desempenho operacional a empresa espera melhorar e em que prazo? Esse processo inicial consome muito tempo e, em certos aspectos, é irritante para muitos executivos que querem dar andamento à implementação. Mas, sem ele, nenhum sistema ERP funciona. Em uma bem-sucedida implementação do ERP, por exemplo, a Bay Networks formulou quatro objetivos estratégicos:
Crescimento. O crescimento futuro da empresa não será prejudicado pela capacidade do sistema de informação.
Administração globalizada de encomendas. Processar as encomendas de clientes de qualquer lugar em um sistema; definir as datas de embarque de produtos em estoque em tempo real; programar as datas dos embarques futuros para os produtos fora de estoque; e controlar o andamento das encomendas.
Relatório financeiro. Ter capacidade para emitir relatórios de lucros e perdas a qualquer momento, em qualquer dia.
Redesenho de processos. Concentrar os esforços de reengenharia nos processos que garantem a vantagem competitiva da Bay. O segredo é manter o foco nas prioridades. Em outras duas muito bemsucedidas implementações –na Owens Corning e na Compaq Computer–, os diretores tomaram a decisão de modificar o software básico do ERP para adequá-lo a suas metas estratégicas. As duas empresas dedicaram tempo e dinheiro para embutir no software as capacidades- chave que lhes davam vantagem competitiva.
Ação número 2 do CEO:
Envolver a organização
Ninguém espera que um CEO desenvolva telas de entrada de dados ou que um criador de software defina como a empresa deve enfrentar o mercado. Mas, por estranho que pareça, a abordagem de muitas empresas ao implementar o ERP aparentemente exige isso. As empresas precisam estabelecer orientações para o envolvimento dos vários níveis da organização, de forma que os membros da equipe compreendam como e em que áreas suas habilidades serão utilizadas e, mais importante ainda, que problemas deverão resolver e quais levarão para um nível gerencial superior. Em muitos casos, essas regras não são claramente estabelecidas. Por isso, é comum que importantes decisões estratégicas sejam tomadas pelos membros da equipe de implementação, os menos preparados para isso.
O CEO coordena as inevitáveis trade-offs (compensações) entre prioridades estratégicas. A diretoria de operações é responsável pelas trade-offs operacionais/táticas. As equipes de implementação coordenam as trade-offs entre projeto detalhado e execução. Em uma empresa com várias divisões que produziam diferentes subsistemas para aviões, uma das estratégias corporativas de crescimento era ampliar a base tradicional de clientes fabricantes de equipamentos originais para penetrar nos segmentos de serviços e de manutenção. Isso exigia que as divisões trabalhassem juntas e de outras maneiras para que os novos clientes tivessem uma imagem única da empresa.
O sinal verde para implementar o ERP seria dado por uma divisão, mas o CEO achou que a implementação do ERP por uma divisão local complicaria o atendimento aos novos mercados. Portanto, decidiu que a implementação nas divisões de subsistemas para aviões seria feita juntamente com a nova estratégia de serviços. Essa resolução transferiu as decisões sobre as trade-offs operacionais/ táticas para a diretoria de operações, e as decisões sobre projeto de telas, estruturas de dados e etapas de detalhamento para as equipes de implementação.
Em nossa abordagem, vários níveis da organização participam de uma série de diálogos, e isso ajuda a levar o processo adiante ao mesmo tempo que o harmoniza com as prioridades estratégicas e operacionais da empresa. A série de discussões precisa começar no topo da pirâmide, com o CEO e a diretoria.
As conversas devem se concentrar nas questões de implementação que afetam o cumprimento das metas estratégicas. O CEO garante que a equipe de diretores compreenda as prioridades estratégicas de maneira bem concreta. Eles discutem o impacto de todas as trocas em curto e longo prazos e monitoram continuamente como cada uma delas afeta a maneira pela qual a empresa cumpre suas prioridades. Essas discussões incluem apenas questões críticas.
Com uma compreensão melhor da visão da empresa, a diretoria de operacionais que harmonizem os processos e o sistema ERP com as metas. Da mesma maneira que mantém um diálogo permanente com o CEO, a diretoria de operações conduz discussões com as equipes de implementação sobre as alternativas operacionais e táticas, com o objetivo de regular tanto os processos físicos e empresariais como os papéis do sistema.
Em geral, dessas discussões surge a decisão sobre como posicionar um novo processo ou controle, dentro ou fora do sistema. Por exemplo, o controle do estoque de matérias-primas pode estar nos processos ou no sistema. Os prós e contras de cada alternativa precisam ser avaliados em relação às prioridades da empresa, e os diretores são as pessoas mais bem preparadas para fazer essas trocas.
Eles compreendem tanto os detalhes operacionais de determinada unidade de negócios como as prioridades estratégicas da empresa como um todo. Por exemplo, se minimizar o estoque de matériaprima for uma prioridade estratégica, talvez o controle detalhado compense o custo mais alto. A troca custo/benefício deve ser feita especificamente pelas pessoas mais qualificadas para tomar essa decisão, não por implementadores de sistemas. Então, munidos dessa estrutura abrangente, as equipes de implementação e os técnicos definem os detalhes do projeto.
Ação número 3 do CEO:
Vincular os controles e os incentivos ao sucesso do projeto
O CEO pode controlar a implementação vinculando de forma clara os sistemas-chave de controle, as medições de desempenho e os incentivos às prioridades estratégicas. Desse modo, a empresa: evita as falsas declarações de sucesso (os critérios específicos são estabelecidos com antecedência); ajuda as equipes de implementação a resistir à “marcha lenta do escopo” e a se concentrar na obtenção de resultados; equilibra os sistemas em relação aos processos empresariais e físicos, o que ajuda a empresa a otimizar seu desempenho global.
Na bem-sucedida implementação do ERP da Autodesk, por exemplo, 10% das gratificações aos diretores e 20% do salário dos integrantes da equipe de implementação estavam vinculados ao sucesso do projeto. Como saber se sua empresa está no caminho certo Depois de se comprometer com o investimento no ERP, a empresa gasta tempo e esforço consideráveis para confirmar se a implementação está funcionando ou não.
As questões abaixo poderão lhe dar uma boa indicação do sucesso ou insucesso de uma implementação:
-
A diretoria compreende suficientemente bem a conexão entre implementação do sistema e realização de metas estratégicas?
-
Consegue descrever as prioridades do sistema estrategicamente?
-
O plano de implementação é coerente, abrangente e está vinculado a objetivos corporativos e capacidades não relacionadas com o sistema?
-
O processo inclui o diálogo e a discussão sobre as difíceis escolhas que precisam ser feitas entre sistemas e outras fontes de controle?
-
Os comentários via “radiopeão” indicam que a organização está entendendo, e aceitando, a vinculação entre estratégia e implementação do sistema?
Esses indicadores chave o ajudarão a avaliar se o ERP conseguirá criar um sistema que funcione como um maravilhoso sonho ou como um terrível pesadelo em sua empresa. Scott Buckhout é sócio da Booz-Allen & Hamilton de São Francisco, Califórnia, EUA, especializado em ajudar empresas a desenvolver estratégias empresariais e aumentar sua capacidade de produção.
Os autores:
Edward Frey é vice-presidente da Booz-Allen de São Francisco, especializado em melhorar as capacidades de inovação e produção de clientes que fabricam produtos aeroespaciais e outros produtos sofisticados.
Joseph Nemec Jr. é vice-presidente sênior da Booz-Allen e líder do grupo internacional de tecnologia da informação. Durante seus 29 anos na Booz-Allen, ele ajuda multinacionais a desenvolver estratégias e administrar mudanças nas áreas de organização, processos, cultura e sistemas. Revisão de termos técnicos: Heinar Maracy
Fonte: Revista HSM Management, por Scott Buckhout, Edward Frey e Joseph Nemec Jr.