Esta entrevista com Michael S. Dell, fundador e presidente da Dell Computer, mostra o empresário empreendedor que transformou uma pequena empresa em uma organização mundial em pouco mais de uma década, reinventando seu setor de atividades.
Todos conhecem a Dell Computer. É a fabricante norte-americana de computadores que vende sistemas sob medida para seus clientes por marketing direto. Ela tem um modelo empresarial único, que combina esses elementos com uma equipe de vendas agressiva, uma política rígida de estoques baixos e um relacionamento de longo prazo com os fornecedores.
Seu fundador, Michael S. Dell, montou-a há 14 anos, quando tinha apenas 19 anos de idade, no dormitório da universidade, no Texas. Hoje, ela tem faturamento anual de US$ 12,3 bilhões e lucro de US$ 944 milhões. Michael Dell fala nesta entrevista sobre os desafios de ser empresário neste final de século e sobre seu modelo operacional, entre outros assuntos. A entrevista foi feita por Joel Kurtzman, editor de The Art of Taking Charge e ex-editor executivo da Harvard Business Review.
O sr. é chairman, CEO e também o principal estrategista da Dell Computer. O que significa isso para uma empresa?
A nossa empresa tem a sorte de possuir uma estratégia monolítica que é executada mundialmente, e é uma estratégia forte, que pode ser aplicada com sucesso em qualquer mercado do planeta. Portanto, eu diria que somos bons em repetir a mesma estratégia inúmeras vezes. Quando a estratégia é forte e o mercado grande, é possível ser uma grande empresa. E é isso que a Dell Computer é.
Não somos um conglomerado de empresas. Não estamos inventando novos negócios ou novas categorias de produtos. Estamos executando uma estratégia –basicamente o modelo de vendas diretas. Ele foi inventado aqui, desenvolvido aqui, refinado aqui e continua a evoluir aqui. Falamos sobre isso em termos simples, mas na verdade é um modelo bastante complexo quando olhamos para os detalhes de gerenciamento de estoques e para a forma como eliminamos o ágio dos revendedores.
O sr. faz alguma diferenciação entre a estratégia corporativa e a estratégia de produto?
Nossa estratégia corporativa está relacionada com a compreensão da cadeia de valor do setor de informática. Procuramos descobrir que tipo de produto oferece a oportunidade de a Dell agregar valor e como podemos alavancar os recursos de nossos parceiros, empresas como a Intel e a Microsoft. Nossa estratégia corporativa dita como serão os nossos produtos.
A estratégia de produto para nós é, portanto, mais uma compreensão dos componentes tecnológicos e de seu mapeamento, o que significa selecionar o caminho certo em termos de parceiros e padrões de crescimento. Vamos optar por essa interface ou por aquela? Por esse sistema operacional ou por aquele? Oferecemos alguns opcionais ou não? Logo, o ponto de partida é o conhecimento do seu mercado, mais até do que o conhecimento dos produtos.
É um conhecimento dos clientes, do seu comportamento e de seus padrões de compra, combinando isso tudo com o grande ciclo tecnológico que existe nas áreas de semicondutores, software, comunicação etc. A grande mágica é conseguir chegar ao mix certo. O cliente não lhe diz “bom, eu quero baterias lítio-ionizadas”. O cliente não sabe o que é isso. O cliente diz: “Quero um computador do tipo notebook que fique um dia inteiro funcionando”.
Aí você tem de ir conversar com as empresas de eletroeletrônica que estão trabalhando com polímeros e íons e todas as novas tecnologias, pois elas serão capazes de avaliar quais tecnologias darão os resultados procurados. Não é preciso construir uma fábrica para produzir as tais baterias. O mais interessante desta época em que vivemos é que as empresas de sucesso não são aquelas integradas verticalmente.
As empresas que cresceram rapidamente nos últimos cinco ou dez anos são aquelas que se concentraram nas áreas em que realmente podem agregar valor. Fomos capazes de criar uma empresa muito maior em um período de tempo relativamente curto, pois nos concentramos nas coisas que nos permitem agregar valor e nisso também alavancamos os recursos de outras empresas.
O sr. mencionou que a empresa deve agregar valor. Que indicadores a Dell utiliza para definir seu sucesso ou fracasso?
Criamos medidas financeiras distintas e falamos muito a respeito delas, tanto dentro como fora da empresa. Quando olhamos para a rentabilidade, colocamos em foco as margens, as vendas e algo que chamamos de escalonamento. É o seguinte: se aumentamos o faturamento em 50%, não temos de aumentar as despesas em 50%. Se aumentarmos as despesas em só 25%, ampliamos nossa eficiência, nos tornamos mais competitivos, ganhamos participação de mercado e crescemos mais rápido. Logo, com o escalonamento, as margens brutas e outras despesas diminuem em efeito-cascata, enquanto as margens operacionais percentuais permanecem relativamente estáveis.
Na prática, como os objetivos, financeiros e não-financeiros, pesam na tomada de decisões?
Temos metas para cada área de negócios em termos de produtividade e de níveis de despesa. Também prestamos atenção na liquidez, ou fluxo de caixa, que, em minha opinião, é um excelente indicador de sucesso em qualquer negócio. Aliás, para um negócio cujas matérias-primas mudam de valor tão rapidamente, esse é um indicador particularmente importante.
O que o sr. entende por liquidez?
É o que chamamos de ciclo de conversão de caixa, que significa giro de estoques, contas para pagar, contas para receber e quanto caixa estamos gerando. Os estoques pesam muito. Detesto fazer comparações, mas, algum tempo atrás, um grande concorrente nosso anunciou ter estoque de nove semanas em seu canal de distribuição e estoque de seis semanas em suas próprias fábricas, o que perfaz um total de 15 semanas de estoque. Isso é muito tempo, a meu ver. Nós temos 12 dias de estoque (dado de 1997) e estamos tentando reduzir ainda mais esse tempo. É só comparar: 15 semanas de estoques contra os nossos 12 dias. A façanha de manter os estoques baixos é determinante no nosso modo de conduzir os negócios e é por isso que temos tido tanto sucesso. Também é algo que medimos a partir de vários ângulos. Nosso modelo empresarial foi projetado para otimizar o giro de estoque, pois o fato de eliminarmos o mercado de revendedores também significa que eliminamos os estoques do mercado de revenda. E, além do estoque, há as contas para pagar, as contas para receber e quanto caixa estamos gerando.
Então, quando o sr. fala sobre liquidez, está na verdade falando sobre o desenvolvimento de um modelo que reduza o capital de giro. Estou certo?
Sim. Houve um trimestre em 1996 em que geramos US$ 407 milhões em fluxo de caixa operacional, o que supera o valor de nossos estoques e representa quase o dobro do valor dos bens e equipamentos da empresa. Isso foi em só um trimestre. Claro que foi um trimestre excepcional, mas nosso balanço é bem interessante quando comparado com o de outras empresas, pois somos realmente capazes de otimizar a liquidez. Efetivamente, toda a nossa equipe de alta gerência, cerca de 600 pessoas, é avaliada de acordo com os retornos sobre o capital investido, que é, em essência, a rentabilidade, a liquidez e o crescimento.
É possível aumentar as taxas de retorno sobre o capital investido à medida que a empresa cresce?
Nosso retorno aumentou em 101% nesse trimestre de 1996 ao qual me referi. Isso é notável em qualquer setor da economia. Que fatores são responsáveis por essa alta taxa de retorno? Estou absolutamente convicto de que baixos estoques são um fator –baixos estoques representam altos lucros e altos estoques representam baixos lucros. Isso é bastante óbvio hoje, mas, três anos atrás, muitas pessoas do nosso setor de atividade teriam discordado disso. Outro fator óbvio é o crescimento das vendas.
Voltando aos indicadores de sucesso e fracasso… Ah, sim. Há os indicadores da qualidade, como defeitos por milhão. Também existem indicadores muito específicos, como a porcentagem de negócios que provêm de contas novas. Contas para receber sempre são um bom sinalizador, pois, quando aumentam, mostram que há problemas. Quando os clientes não querem pagar, algo está errado: pode ser que a peça não funcione ou o preço esteja muito alto ou alguma promessa não foi cumprida.
A Dell faz algum monitoramento, quantitativo ou qualitativo, desses indicadores?
Sim, qualitativo. Toda vez que temos reunião, o primeiro assunto na pauta é a qualidade. Ao colocar isso em primeiro lugar, todas as questões de qualidade na empresa são discutidas: o que está dando certo e o que não está. Isso também faz com que a qualidade seja vista como prioridade por todos.
A empresa realiza estudos comparativos de benchmarking do seu desempenho em relação ao desempenho da concorrência?
Sim. Fazemos o benchmarking de todas as nossas medidas-chave de desempenho, como os indicadores financeiros importantes aos quais temos acesso. Isso é feito principalmente com o intuito de entendermos melhor as estratégias de nossos concorrentes. O fato de conseguir entender a estratégia dos concorrentes não ajuda propriamente a criar sua própria estratégia, porque muitas vezes o concorrente não tem a resposta, mas ajuda a entender o cliente e o mercado e como os outros estão abordando essa clientela. A Dell tem uma cultura voltada para o desempenho.
Que medidas a Dell utiliza para avaliar o desempenho de sua equipe de alta gerência?
Os integrantes da equipe da alta gerência têm responsabilidade pelos próprios lucros e perdas de suas unidades de negócios, por seus balanços. Eles sabem, sem dúvida alguma, quais são os indicadores financeiros e sabem como definimos o sucesso. A maioria dos elementos que permitem aos altos gerentes ter sucesso ou fracassar está sob seu próprio controle. De certa forma, é um negócio simples, pois é fácil enxergar as alavancas, tais como a liquidez.
E as pessoas nos outros escalões da empresa?
Elas também sabem o que gera o sucesso do negócio? O conhecimento do que é necessário para ter sucesso no mercado é algo que permeia quase toda a empresa. Se você perguntar sobre esse conhecimento aos recémcontratados, terá como resposta um grande foco na liquidez, nos lucros, no conhecimento de nossa política de estoques e na orientação geral para o crescimento. As informações sobre isso encontram-se à disposição de todos os funcionários da empresa. De certa forma, gostamos de explicar detalhadamente o funcionamento das coisas a nosso pessoal, porque achamos que muitos entenderão e assimilarão. Eu continuo a me surpreender com a forma pela qual nossa empresa é capaz de focalizar algo em particular e ir atrás disso. Que mecanismos a Dell utiliza para manter o foco dos funcionários nos objetivos da Dell? A Dell tem outra ferramenta além do atrelamento da remuneração ao desempenho?
Creio que a forma pela qual nos comunicamos dentro da empresa é tão importante quanto os incentivos que oferecemos. Passamos grande parte do tempo falando sobre nossa estratégia. Explicamos como e por que funciona. Contamos às pessoas sobre as coisas que já fizemos. Explicamos a elas o que nossos concorrentes estão fazendo. E explicamos por que nosso modelo funciona melhor. Repassamos isso várias vezes. Por exemplo, produzimos um vídeo para explicar nosso plano de remuneração. O vídeo detalhava o funcionamento do plano, mas também mostrava como todos os funcionários exercem influência sobre nossos resultados gerais. Também explicamos essas coisas por um jornal interno, que é enviado à residência de nossos funcionários. Cada edição reforça os mesmos temas repetidas vezes.
O sistema de gestão foi capaz de acompanhar o forte crescimento vivido pela empresa?
Aprendemos a equilibrar nosso desejo de crescer com nossa infraestrutura e nossos recursos. Estamos numa situação vantajosa e estamos assim desde quando me lembre: temos mais oportunidades de negócios do que podemos aproveitar. Logo, o crescimento jamais foi um problema para nós. O desafio é termos força dentro da organização e infra-estrutura para lidar com esse crescimento. Devemos admitir que um crescimento de 50% é um grande desafio.
Como a Dell acompanha o crescimento do mercado?
Temos um ciclo de planejamento de três anos. Todos os anos o atualizamos de acordo com as previsões para o setor de um, dois e três anos à frente. Isso nos ajuda a pensar sobre nossos funcionários e sobre as necessidades da empresa. Nos últimos três anos também gastamos muito tempo no planejamento do nosso desenvolvimento organizacional e na preparação de um processo de sucessão. Se pensarmos no número de novos vice-presidentes que colocamos à frente dos negócios, é um dado impressionante.
A Dell vem crescendo a taxas de 40% a 50% ao ano. Por quanto tempo acha que esse ritmo poderá ser mantido?
Essa é uma boa pergunta; pensamos nisso constantemente. Estamos tentando entender até onde podemos levar a empresa. Nossa visão é de que os indicadores de crescimento são bastante bons. Em primeiro lugar, o nosso setor de atividade cresce a taxas de cerca de 15% a 20% ao ano. É um setor em expansão. Em segundo lugar, o nosso modelo de vendas diretas tem algumas vantagens econômicas muito atraentes.
Que vantagens são essas?
A primeira é que eliminamos o lucro do revendedor, que é de 5% a 7% sobre o preço de um microcomputador. Também trabalhamos diretamente com o cliente, o que traz todo tipo de benefício em termos de feedback quanto ao projeto dos produtos, à qualidade etc. Além disso, existe a vantagem proporcionada pelos baixos níveis de estoque que mantemos. Não precisamos fabricar de acordo com as previsões dos revendedores e não temos estoques nos canais de revenda. Nosso modelo feito sob medida de acordo com o pedido do cliente representa uma mentalidade diferente da do restante do mercado. Essas vantagens sustentam um deslocamento no mercado da distribuição indireta para a distribuição direta. Quando começamos a empresa há 14 anos, os canais diretos tinham zero do mercado. Hoje esses canais representam de 20% a 25% do mercado. Achamos que o canal direto possa atingir cerca de 30% ou até 40% do mercado.
Sua participação no mercado direto está aumentando?
Sim. Também existem segmentos de produtos e localizações geográficas nas quais somos relativamente novos ou em que o modelo de vendas diretas está somente começando a ser estabelecido. Estamos presentes no Leste Europeu há pouco mais de dez anos e continuamos a crescer lá. Começamos a expandir para a região Ásia-Pacífico nos últimos anos. O mercado da Dell é composto essencialmente por empresas de porte médio ou grande, e não por clientes de primeira compra.
O sr. tem certeza de que o crescimento da participação de mercado da Dell está ocorrendo nos segmentos certos?
Tenho. Segmentamos nossos negócios com grande clareza e definição e entendemos as várias porções de mercado do ponto de vista econômico. Estabelecemos como alvo as áreas mais ricas do mercado e evitamos aquelas que não seriam tão lucrativas para nós. Por exemplo, vejamos um de nossos grandes clientes, que é uma das principais indústrias automobilísticas dos EUA. Digamos que tenham 100 mil microcomputadores. Durante um período de dez anos, a empresa substituirá essas máquinas três vezes. Logo, a preservação de uma relação profissional como essa é de grande valia para nós. Em resultado, somos capazes de propiciar todo tipo de benefício econômico tangível para o cliente. Por fim, acho que o que temos é a forma mais eficiente de levar a tecnologia de ponta ao cliente.
Seu setor de atividade econômica é liderado por Intel e Microsoft. Como o sr. vê o relacionamento da Dell com essas empresas?
Não somos seus concorrentes nem reféns. Até certo ponto, contudo, temos de sair do caminho deles, pois a Intel e a Microsoft possuem capacidades imensas. Porém, se olharmos para as coisas que eles fazem e para aquilo que nós fazemos, eles, na verdade, são diferentes de nós. Nós todos combinamos muito bem. A Intel está abrindo os caminhos do setor de informática do ponto de vista dos microprocessadores. A Microsoft está fazendo o mesmo na área de software. O que a Microsoft e a Intel não estão fazendo, contudo, é criar uma rede de distribuição para levar as peças diretamente aos consumidores ou dar assistência técnica pós-venda, que é o que nós fazemos. São necessários muitos braços e muitas pernas para fazê-lo e nós somos excepcionalmente bons nisso.
Muitos fabricantes de computadores foram empurrados para fora do mercado porque achavam que deviam fazer algumas das mesmas coisas que a Intel. O que essas empresas descobriram é que, na verdade, não podem fazer o que faz a Intel e ainda obter um retorno com isso. Nós olhamos para todas as nossas empresas e dissemos a nós mesmos: “Certo, gastamos US$ 1 com pesquisa e desenvolvimento. O que obtivemos em retorno? Gastamos US$ 1 a troco de nada ou ganhamos US$ 10 com isso?” Também olhamos para os nossos programas de pesquisa e perguntamos se estamos fazendo algo que a Intel também esteja fazendo. Caso estejamos, é um esforço desnecessário; paramos imediatamente.
O sr. mencionou que a preservação de relacionamentos duradouros é de imenso valor. Como manter esses relacionamentos em um modelo de vendas diretas?
O que fizemos foi criar uma força de campo composta por gerentes de contas, engenheiros e consultores de sistemas que trabalham com nossos principais clientes pessoalmente. O exemplo mencionado anteriormente, da indústria automobilística serve aqui. Se você fosse para Dearborn, Michigan, encontraria oito pessoas da Dell trabalhando na sede deles. Nossos funcionários vivem lá. Em virtude do tamanho da conta, colocamos uma equipe para cuidar dela nas próprias instalações do cliente. Assim podemos cuidar do cliente.
Ao todo, temos cerca de 450 pessoas nos Estados Unidos que trabalham em campo junto com nossos clientes. Alguns cuidam exclusivamente de uma conta; outros se dedicam a duas ou três contas. Outros ainda administram dez contas, dependendo do tamanho. O que descobrimos é que esses grandes fabricantes preferem trabalhar diretamente com seu provedor.
O desenvolvimento de relacionamentos fortes com os fornecedores é tão crucial quanto o desenvolvimento de relacionamentos fortes com os clientes. Como a Dell escolhe seus fornecedores e como gerencia o relacionamento com eles?
O relacionamento com os fornecedores é importante porque confiamos neles para podermos manter os estoques baixos. Também dependemos dos nossos fornecedores de subcomponentes para trabalhos de design complicado. Em virtude da profundidade desses relacionamentos, gostamos de estabelecer contratos de longo prazo, levando em conta que teremos períodos com excesso de demanda e outros com excesso de fornecimento. Dizemos que, não obstante esse fato, compraremos US$ 7 bilhões do que tiverem para vender nos próximos dez anos; logo, temos de trabalhar juntos.
Devido aos nossos volumes, é possível encontrar formas de trabalhar com nossos fornecedores a longo prazo. Não gostamos de relacionamentos baseados em transações isoladas, nos quais tenhamos de perguntar quais os preços do dia. Portanto, se você puder encontrar o número certo de parceiros –em geral um número baixo– que tenham a tecnologia certa, que atuem no mundo todo e estejam dispostos a ouvi-lo e a atender às suas necessidades, eles poderão ser parceiros de longo prazo.
Que indicadores a Dell utiliza para escolher os fornecedores?
O que mais nos interessa é a tecnologia deles. Em muitos casos, os procuramos porque são especialistas em uma tecnologia particular –por exemplo, semicondutores. Levamos em conta sua flexibilidade e avaliamos a qualidade dos seus produtos. O nível da qualidade deles é muito importante para nós, em virtude do efeito que tem sobre nossos custos e sobre o custo de nossos clientes, o qual também temos a responsabilidade de reduzir. Um pequeno defeito no laboratório de engenharia de um fornecedor pode se tornar um enorme problema na manufatura do nosso cliente, um grande desastre.
Por isso, é essencial que se acertem todos os detalhes de início. Para determinar os méritos de um fornecedor, olhamos para a velocidade dos giros de estoque e os retornos sobre o capital investido –tanto por fornecedor como por componente. Também pesa bastante a capacidade dos fornecedores de estar próximos de nós –isso às vezes traz mais valor para nós do que os custos, pois estamos interessados na flexibilidade. Se a fábrica fica perto, isso ajudará nos momentos de aumento excepcional da demanda.
Ao usar esse tipo de medida, o sr. está exigindo que os fornecedores atendam a seus requisitos de desempenho?
Sim, é exatamente o que fazemos, e por motivos pragmáticos. Verificamos se os nossos fornecedores estão fazendo as coisas corretamente. Fazemos isso porque precisamos que nossos fornecedores tenham um bom modelo empresarial, que lhes permita continuar sendo fornecedores da Dell por longo prazo.
O sr. foi capaz de fazer a transição de fundador de uma empresa nova a chairman de uma multinacional bem-sucedida com administração profissionalizada, propiciando grandes retornos a seus acionistas. Poucos conseguem fazer isso. Como o sr. conseguiu?
Essa transição foi só uma das muitas que fizemos durante os 14 anos de história da empresa. Acreditamos que o sucesso da empresa é de suma importância e, portanto, estamos sempre tentando saber do que a empresa precisa, porque tudo flui a partir daí. As necessidades da empresa provêm da estratégia dela. Logo, o fato de corrigirmos e até mudarmos o rumo em curso resulta de uma abordagem pragmática. Sempre tentamos ver o que precisa ser ajustado, o que tem de ser melhorado. Temos a capacidade de olhar e dizer: “Erramos aqui. Não está certo e temos de consertar”. Temos a capacidade de admitir publicamente –dentro da empresa– que isso é o que temos de fazer e por quê. Isso faz parte da nossa cultura.
A Dell provou ser uma empresa de crescimento fenomenal, mas surgiram alguns problemas ao longo do caminho. A que podem ser atribuídos esses problemas?
O nosso caminho não foi particularmente linear. Tivemos uma série de desvios e cometemos muitos erros. Em 1993, tivemos um período de solavancos. O mesmo ocorreu em 1989. Aparentemente a cada quatro anos temos um período complicado. O que observei de positivo quanto a esses percalços é que, quando deparamos com tais situações, praticamente não tivemos dificuldade em determinar o que era problema e o atacamos de frente. Não perdemos muito tempo por aqui; consertamos nossos erros assim que eles se apresentam. Acho que nosso ponto forte tem sido o de aprendermos com nossos erros e realizarmos mudanças rapidamente de forma não-defensiva, abertos para novas idéias vindas de fora da empresa.
Também temos uma cultura que tolera os fracassos e erros, mas não a repetição deles. Se você erra uma vez ou talvez até duas vezes e é algo muito complicado, dizemos que está tudo bem. Na nossa cultura é assim, especialmente se se estiver disposto a admitir um fracasso e a se empenhar para consertá-lo. Contudo, se você continuar repetindo o mesmo erro, e ficar claro que você não está se esforçando para aprender com isso, consideramos essa uma atitude totalmente inaceitável. Toleramos os erros, mas não admitimos a complacência. Além disso, desconfiamos da crença de sabermos tudo. Não existe essa coisa de ter todas as respostas.
De onde vêm suas respostas? O sr. contrata consultores? Faz cursos? Lê muito?
Fiz alguns cursos, leio muito, principalmente literatura sobre o meu setor. Para dizer a verdade, esse tipo de leitura para mim é como estar no céu, extraio um grande volume de informações dela. Passamos muito tempo com os analistas que cobrem nosso setor. Utilizamos essas reuniões para entender sua visão sobre o nosso ramo e sobre os concorrentes. O fato de entender a estratégia do concorrente é incrivelmente importante.
Esta fase da empresa é tão empolgante quanto o início, quando o sr. estava só começando?
Diria que é tão emocionante quanto nos primeiros tempos, e até mais empolgante, de certa forma, devido à nossa dimensão. Agora, eu me empolgo por ir a um centro de operações no Japão ou em Cingapura, plantar uma idéia na mente das pessoas de lá e dizer: “Muito bem, agora vocês podem cuidar do resto”. Eu aperto a mão de todos e poso para fotos. Depois, volto dali a alguns meses e vejo como as pessoas desenvolveram aquela idéia inicial que semeei. É emocionante quando percebo que levaram a idéia além daquilo que eu pensara ser possível. É uma ótima sensação essa de vê-los crescer.
Saiba mais sobre a Dell Computer
O sucesso da Dell Computer se baseia em seu modelo empresarial diferenciado, que a transformou em uma organização com presença em 120 países, 9,7 mil funcionários e faturamento de US$ 12,3 bilhões no ano fiscal encerrado em março de 1998. Mas seu caminho nem sempre foi tão fácil. Em 1993, a empresa passou por percalços. Perdeu seu diretor financeiro, que fazia parte da equipe da alta liderança. Atrapalhou-se no lançamento de uma linha de computadores do tipo notebook. Descobriu que sua infra-estrutura e seu modelo de gestão não estavam acompanhando o crescimento da empresa.
Além disso, registrou prejuízo de US$ 36 milhões em 1994 –seu único ano no vermelho–, mesmo com um grande aumento de vendas. Em grande parte, isso se deveu à venda por canais de varejo que foi posteriormente eliminada. A Dell agiu rapidamente, com a contratação do experiente executivo Mort Topfer, vindo da Motorola, para liderar as operações e ocupar a vice-presidência. Os problemas foram identificados e sanados.
Saiba mais sobre Michael Dell
Michael S. Dell é o presidente do conselho de administração e presidente executivo da Dell Computer Corporation. Fundou a empresa em 1984 aos 19 anos e hoje, aos 33, já é uma das maiores lendas empresariais dos Estados Unidos. Ele ainda estudava na University of Texas, em Austin, quando decidiu investir US$ 1 mil do próprio bolso em publicidade nas revistas de informática para começar a vender componentes de computador pelo correio, os quais fabricava no dormitório da faculdade. Contou com o investimento de seus pais quando as vendas aumentaram e logo ficou ocupado demais para ir pessoalmente até a agência do correio para enviar os componentes para os clientes. Foi quando alugou um espaço e começou a contratar pessoas.
Da área de componentes para o projeto e a montagem de computadores foi um pulo, e ele acabou largando a faculdade, para desgosto do pai. Michael Dell poderia ser apenas mais um caso de gênio da informática com novos conceitos arrojados que montou uma empresa. Mas ele conseguiu se diferenciar ao evoluir de visionário para administrador. Quando o negócio enfrentou dificuldades, entre 1993 e 1994, soube contratar um executivo de fora, Mort Topfer, para dividir com ele o comando das operações e ser verdadeiramente seu parceiro na direção da empresa. Um dos motivos do sucesso de Michael, aliás, foi a capacidade de montar toda uma equipe de executivos altamente experientes, todos mais velhos do que ele.
Fonte: Revista HSM Management, com direitos de © The Hendrick & Struggles Leadership Journal