Nessa entrevista, Bernd Schmitt afirma que o sucesso do Novo Fusca da Volkswagen (New Beetle) deve-se à experiência proporcional. Por isso, a montadora conseguiu fixar o preço de venda ao consumidor em um patamar bem superior ao dos outros veículos de sua categoria.
Uma experiência com um produto ou serviço pode ser percebê-lo, servi-lo, pensar nele, agir ou relacionar-se com ele. E não é preciso ser um produto sofisticado; até sabão em pó lucra com isso. É urgente reavaliar o marketing praticado com os clientes, garante Bernd Schmitt.
A urgência se deve a três fatores:
- às transformações que a tecnologia da informação –a Internet em particular– produz no mercado;
- ao fato de que quase todos os produtos se parecem funcional e qualitativamente e;
- à força que as marcas têm hoje.
Trata-se, segundo Schmitt, de adaptar os princípios tradicionais de marketing ainda vigentes a um novo paradigma e, talvez ainda mais, a um novo consumidor. E o modelo das experiências responde bem a isso, segundo ele. A entrevista é de Andrea Cajaraville.
O sr. tem dito que a onipresença da tecnologia da informação (TI), a supremacia da marca e a ubiquidade das comunicações e do entretenimento são os três fenômenos que definem um enfoque de marketing completamente novo. A que o sr. se refere? Qual é esse novo enfoque?
Quando me refiro à TI, falo dos meios que experimentamos no dia-a-dia, como celulares, laptops e, é claro, a Internet. O resultado é que as pessoas podem enviar e receber informações a qualquer momento. Isso muda o modo de selecionarmos, compararmos e comprarmos produtos; agora é o cliente quem inicia o processo de seleção, e ele pretende informar-se de maneira simples e imediata. Portanto, é preciso criar uma experiência para as compras on-line e outra para os locais de venda, onde já não basta exibir os produtos.
No início da década de 1990, iniciou-se a revolução das marcas e o marketing compreendeu que muitas decisões dos clientes são bastante simples. Ninguém mais presta muita atenção às características e benefícios funcionais dos produtos. Os consumidores confiam nas principais marcas e assim tomam suas decisões. Isso não se ajusta aos princípios do marketing tradicional, que descreve clientes racionais, que processam toda a informação que recebem. Agora, a ubiquidade da mídia e do entretenimento, que antes era um traço característico da cultura norte-americana, ocorre em escala mundial.
Um bom exemplo é a CNN, uma rede de notícias muito diferente das demais, com seções bem projetadas e uma marca por trás de todas elas. Há ali uma interação entre informação e entretenimento, e isso se manifesta também em muitos outros mercados. Os clientes não atentam nos pequenos detalhes, mas se perguntam como um programa os faz se sentir e se o produto e o ambiente lhes são agradáveis. Precisamos de um novo enfoque que dê ênfase à experiência do cliente.
Pode-se aplicar esse enfoque a todo tipo de produto?
Identifiquei a tendência nos setores de produtos de consumo e de serviços, mas ele é utilizado em muitos outros. Em meu livro Experiential Marketing, cito casos de empresas de alta tecnologia e firmas de consultoria, e até exemplos de marcas de componentes, como “Intel inside”, cujo logotipo evoca a marca e proporciona segurança, o que constitui uma experiência.
É aplicável a qualquer público ou somente a determinados segmentos de compradores?
As características e benefícios funcionais, o valor e o preço continuam sendo importantes para os consumidores maduros e para os de baixa renda, mas não para o público em massa. Hoje muitos produtos são equivalentes em qualidade, e a concorrência geralmente iguala o preço. Então, o que se sente com relação a eles adquire importância.
Até que ponto as técnicas de marketing influenciam os consumidores atuais, muito mais informados que os de antes?
As tendências mudaram, mas os princípios básicos do marketing, criados nos anos 50 e 60, continuam vigorando. Uma das premissas mais importantes é a de que os clientes são seres racionais que compram características e benefícios funcionais e de que as metodologias devem ser analíticas, verbais e quantitativas; essas técnicas já não dão resultado. O marketing tradicional deve, no mínimo, ser complementado com o que denomino“marketing de experiências”, um novo paradigma para a Era das Marcas, da Informação e da Tecnologia. Muitos conceitos estratégicos ainda são válidos, mas alguns precisam se ajustar ao novo ambiente. Falo de segmentação, posicionamento e dos quatro Ps –produtos, preço, praça e publicidade. Na Internet, por exemplo, estamos vendo uma fixação de preços dinâmica, segmentos cada vez menores e adaptação do produto ao cliente individual. Mas os velhos princípios estratégicos, tanto quanto as ferramentas de implantação, são úteis para o marketing de experiências. Por exemplo, um segmento de clientes pode se preocupar com a experiência sensorial; outro, com os sentimentos; e um terceiro, com o estilo de vida.
Se pensarmos que o marketing é um processo completo, como esse novo paradigma se aplica às vendas, especialmente quando o comprador pode se ver tentado por centenas de marcas?
O marketing de experiências é útil em cada passo do processo. Para atrair a atenção do cliente, já não basta dizer que “nossos lenços descartáveis são mais resistentes e absorventes”, porque todos são parecidos. É preciso fazer algo mais; por exemplo, desenhar uma embalagem criativa ou fazer uma campanha de marketing muito original. Depois, deve-se pensar: se o processo concreto de compra for pela Internet, será fácil? Rápido? Será que nos sentiremos seguros ao iniciá-lo? Nas lojas reais, a questão é criar o tipo de ambiente que induz a comprar. E consumir o produto também deve gerar uma experiência. Por isso, algumas propagandas de automóvel afirmam que, quando dirige tal veículo, a pessoa se sente diferente. Mas o que acontece quando um produto comprado on-line não funciona direito? É fácil devolvê-lo ou substituir peças? O tratamento recebido convida o cliente a voltar a comprar da empresa? Esse enfoque se aplica a todo o processo de marketing e também a temas mais amplos de gerenciamento. Hoje as empresas criam uma imagem de si mesmas que se deve transformar, de alguma maneira, numa experiência. Por exemplo: ao lidar com uma empresa, queremos ver um rosto. E se ela se posiciona como marca amigável e interativa, que estabelece boas relações com seus clientes, os funcionários devem transformar essa promessa numa experiência positiva.
O que o sr. acha de lojas como a Niketown ou Toys’R’Us, nas quais se pode experimentar o produto, mas os preços são mais altos do que em qualquer outro lugar?
A Niketown, a Starbucks e as livrarias Barnes & Noble, entre outras, oferecem uma experiência em suas lojas, nas quais criaram um ambiente. Do ponto de vista comercial tradicional, o pavilhão Atmosphere, que exibe na Niketown o dinamismo e o rendimento dos produtos Nike, é um desperdício de espaço e, consequentemente, de vendas. Entretanto, do ponto de vista do marketing de experiências, representa inovação: quem vai lá está disposto a pagar mais porque também aprende. O mesmo acontece com a Starbucks. Não se trata apenas da qualidade do café, mas de sentar-se e conversar com amigos ou com a pessoa que nos atende. É uma experiência nova e, na verdade, pode-se cobrar por ela.
O sr. poderia comentar os cinco tipos de experiências que descreve em seu livro, ou seja, perceber, servir, pensar, agir e relacionar-se?
Distingo cinco tipos de experiências, baseando-me em pesquisa de psicologia cognitiva, biologia evolutiva e marketing:
- Se a questão for criar experiências para o cliente, perceber é uma experiência sensorial –por exemplo, oferecer algo bonito e excitante para os sentidos.
- Sentir envolve estados de espírito, emoções e outros sentimentos.
- Pensar significa criar um desafio intelectual interessante para o cliente, como a proposta de uma nova forma de consumo de um produto.
- Agir está ligado a comportamentos e estilos de vida.
- Relacionar-se tem a ver com experiências de relacionamento, tais como fazer o cliente sentir- se orgulhoso por estar consumindo um bom produto fabricado em seu país.
Para planejar uma campanha publicitária, um site da Internet, uma embalagem ou uma marca, é preciso trabalhar a experiência que se deseja oferecer. Quando se quer que uma publicidade gere entusiasmo, pode-se escolher a percepção e fazer um comercial vertiginoso de 10 ou 20 segundos de duração, com música frenética. Para se apoiar nos sentimentos, será preciso contar uma história em um minuto e produzi-la como se fosse um filme. Os anúncios que apelam para o raciocínio, como fizeram a Merryl Lynch e a Microsoft, podem começar com uma pergunta profunda, como, por exemplo, “O que é a felicidade?” Também é possível combinar todos os modelos e criar experiências holísticas.
As experiências que o sr. menciona são as do primeiro contato do produto com o consumidor, mas o que acontece com a segunda ou a terceira compra?
Com o tempo, a experiência deverá ser ampliada e renovada. Se é um produto da moda, é preciso criar novas experiências o tempo todo, embora não necessariamente pular da percepção ao sentimento ou ao pensamento. A Nike descuidou da criação de enfoques interessantes e sua participação no mercado caiu, suas vendas já não foram tão boas e agora a Adidas é a marca da moda. Mas se o que se estiver criando for uma imagem mais clássica, com uma marca estável, num mercado maduro, não será preciso atualizar constantemente a experiência, mas sim melhorá-la e fortalecê-la. Tudo depende do objetivo estratégico: não se pode deixar de perguntar onde a marca está e de que tipo de marca se trata. É um mercado da moda ou estável? Preciso de novos produtos e experiências para meus clientes ou eles esperam o mesmo tipo de experiência? Por exemplo, nos bancos comerciais, a segurança e a atenção personalizada eram uma experiência muito importante há 20 ou 25 anos, mas agora o primordial é chegar rapidamente ao dinheiro, pelo caixa eletrônico.
O sr. chama os cinco tipos de experiências de “módulos estratégicos de experiência” porque cada experiência tem uma estrutura e princípios de gestão próprios. O que quer dizer com isso?
Vou dar um exemplo. Quando falamos de percepção, um dos princípios mais importantes é incorporar ao produto a sensação de beleza ou atração. Para consegui-lo é preciso cuidar das comunicações da empresa, da publicidade às embalagens e ao site da Internet, o que exige trabalhar com as respectivas agências e firmas de consultoria. Nas grandes empresas é o gerente de marca ou de marketing quem se relaciona com todas essas firmas, mas às vezes são vários os que tratam com os fornecedores externos, e a imagem corporativa não é homogênea. A empresa deve determinar a estética que deseja e criar uma experiência central. O marketing tradicional supõe que isso acontecerá por si só, como um efeito da marca.
O relacionamento das pessoas com os produtos e serviços sempre teve componentes sensoriais e afetivos. O que há de novo?
O marketing tradicional só se ocupa da teoria das funções e dos benefícios, mas sem conceitos nem pontos de referência para administrá-los. Empresas como a McKinsey ou a Booz Allen fazem marketing num nível muito geral da estratégia corporativa, dos segmentos de clientes e dos novos mercados. Suas pesquisas baseiam-se em medições de posicionamento ou em análises conjuntas para determinar o perfil adequado, o preço ou o intercâmbio, mas não existem metodologias nem pontos de referência para abordar os efeitos da imagem e da marca de forma sistemática. É claro que as empresas sempre recorreram às emoções e às imagens bonitas, mas é típico dizerem que “tudo funciona intuitivamente”. Em meu livro, ofereço aos gerentes uma linguagem, um ponto de referência, conceitos e ferramentas para lidar com esses temas. E isso é novo.
Como o marketing de experiências se aplica às seguintes situações: reconstruir uma marca em decadência; diferenciar um produto; criar uma imagem e uma identidade; promover inovações; induzir a provar o produto e fomentar a fidelidade? Poderia dar exemplos?
Uma marca está em decadência quando a empresa entra na maturidade e, embora compreenda que a qualidade já não é um fator de diferenciação, continua utilizando o jogo de características funcionais e benefícios. Nesses casos, o marketing de experiências pode trazer um pouco de incentivo à marca e diferenciá-la de um produto da concorrência por meio de experiências. Por exemplo, construindo ambientes diferentes nos locais de venda e criando uma imagem e uma identidade para a empresa. A palavra “inovação” costuma trazer à mente avanços tecnológicos, mas existem inovações em habilidades como marketing e gestão; o marketing de experiências se enquadra nessa categoria. Há muitos exemplos de marcas: o McDonald’s atravessa um período de decadência nos Estados Unidos; as pessoas gostam da Sony porque é sinônimo de boa tecnologia, mas a empresa ainda não criou uma experiência, e sua imagem é muito técnica.
O sr. diz que o marketing tradicional não seria capaz de explicar casos bem-sucedidos, como o do iMac. Por quê?
Tecnicamente, o iMac não é um produto vencedor e, no entanto, renovou e salvou a Apple da bancarrota porque é um produto superior do ponto de vista de suas características técnicas e com inovação real em algo bastante simples, como a cor e o desenho. Tivesse o marketing tradicional falado em reposicionar o produto, agregar funções adicionais e mudar o preço, a esta altura a empresa já teria quebrado. Mas salvou-se graças a um enfoque de marketing de experiências.
Para explicar como se cria uma “experiência holística” –que inclui intensidade, amplitude, profundidade e vínculos entre as experiências– o senhor cita o caso do Novo Fusca da Volkswagen. Poderia comentá-lo?
O caso do Novo Fusca (da Volkswagen) se parece um pouco com o do iMac, porque está num setor repleto de produtos similares, coisa que não ocorria 15 anos atrás, quando os carros norte americanos não eram tão bons quanto os japoneses ou alguns europeus, até que chegou a revolução dos programas de qualidade total. O Novo Fusca é um automóvel avançado, mas tecnologicamente não supera seus similares, que custam um terço ou metade. Custa mais porque cria uma experiência diferente, pela forma, pelas cores e pela publicidade. O enfoque é holístico porque, além disso, chega ao sentimento. Muita gente sorri quando o vê e as crianças dizem que é o carro que queriam dirigir. Também aparece o enfoque do pensamento: a campanha de publicidade, por exemplo, debocha dos anúncios dos anos 60. E estão presentes as atitudes referentes ao estilo de vida: é o carro dos fins de semana. Finalmente, contempla as relações com o grupo de referência cultural, que é parte da imagem. É uma marca holística porque todos os temas estratégicos estão relacionados com experiências holísticas. A intensidade, a amplitude, a profundidade e os vínculos são temas estratégicos independentes. Conseguiram a intensidade certa, sem exageros, e o alcance adequado ao oferecer tipos diferentes de experiências simultaneamente. E esse enfoque também foi implementado na publicidade, bem como em seu site.
O sr. diz que, em situações de consumo, as interações face a face são a causa mais importante dos sentimentos fortes. O que acontece com o comércio eletrônico, no qual está ausente esse tipo de interação?
É verdade que podem ocorrer sentimentos muito fortes quando se vê o rosto de uma pessoa, escuta-se sua voz ou se divide a casa com ela. Isso não significa que não possamos experimentar um sentimento intenso na Internet; as salas de bate-papo são um exemplo. Mas aí o enfoque é relação–sentimentos, não puramente sentimentos. O desafiochave para qualquer vendedor na Internet é redefinir a experiência quando não existe a interação face a face. A revolução da Internet mal está começando; quando for mais fácil baixar vídeo e áudio, estaremos on-line permanentemente. No Japão, os adolescentes utilizam um dispositivo menor que um telefone celular, chamado Docoma, para se conectar à rede enquanto caminham. Hoje, o encontro face a face gera os sentimentos mais intensos, mas no futuro as comunicações que vão gerar sentimentos mais fortes serão outras. Teremos de nos adaptar.
Se o marketing tradicional enfatiza “características e benefícios” de um produto ou serviço; e o marketing de experiências, a “experiência do cliente”, como seriam feitas ambas as campanhas de marketing de um sabão em pó para lavar roupas, por exemplo?
Um produto desse tipo tem de despertar experiências sensoriais? Parece razoável quando se trata de um automóvel. Mas um sabão para lavar roupas… Quando o produto é mais complexo, aumentam as oportunidades de criar experiências, é claro. Entretanto, pode-se conseguir isso também com um produto simples: é uma questão de criatividade. Por exemplo, a campanha publicitária bem-sucedida do sabão Tide, da Procter & Gamble, nos EUA –nela se vêem montanhas cobertas de neve ou de verde. O foco não está direcionado para o produto que limpa melhor, mas sim para o perfume que deixa na roupa. Outro exemplo é o sabonete Dove, em cujo site há conselhos para tomar banho e relaxar. Em ambos os casos, falamos de ampliar o conceito de marca para a situação de consumo: banhar-se, cuidar-se, preparar-se de manhã e situações semelhantes. Para fazer isso, é preciso entender que lugar o produto ocupa na situação mais ampla de consumo.
Historicamente, a publicidade apelou para as emoções: rostos sorridentes, bebês que choram. Qual a diferença entre essas táticas e os princípios do marketing de experiências?
Sim, tudo isso foi muito usado, mas o que tem a ver um pôr-do-sol com um medicamento ou com uma apólice de seguro? A publicidade tradicional sustenta que uma imagem emocional provoca automaticamente um efeito positivo, mas frequentemente não é assim, por não ter importância para o produto. No marketing de experiências, é preciso entender, em primeiro lugar, qual é a experiência que as pessoas procuram. Uma experiência intelectual? De relacionamento? A campanha é elaborada levando sempre em conta o cliente. A mensagem do marketing tradicional também afirmava isso, mas, quando vemos os conceitos e como são colocados em prática, tudo termina com um rosto sorridente que cria uma experiência cínica e sarcástica, que não é a desejada. Há uma dimensão na gestão do marketing de experiências que abrange a criatividade e as pessoas que pertencem à empresa, além dos clientes. É parte de um novo conceito de gerenciamento que aborda, também, a transformação da empresa digital em outra orientada para o comércio eletrônico, que agrade aos clientes, que os motive e que permita que sejam criativos.
Fonte: Revista HSM Management