Modelos de negócios Beta

Onipresente só Deus é. Foi o que aprendemos, pelo menos os não ateus nem agnósticos, na infância. Pois Onipresente também é o livro de Ricardo Cavallini, especialista em comunicação interativa, que contextualiza a transição atravessada pela atividade de marketing atualmente, ajudando os profissionais da área a entender –e a preparar- -se para– os possíveis cenários futuros. Onipresente é, na verdade, a internet na vida das pessoas, plugadas nela 24 horas por dia. Vamos analisar os modelos de negócios Beta.

E fato é que a onipresença está modificando o modus operandi das empresas ao lhes tirar a segurança dos modelos de negócio predefinidos e estáveis e substituí-los pela máxima “cada caso é um caso”. Se o especialista em tecnologia da informação e inovação Silvio Meira tem dito que o mundo do futuro será um eterno beta teste, Cavallini garante que o cotidiano das empresas será escolher entre vários modelos de negócio e testá-los.

Nessa entrevista, Cavallini conta como as empresas podem adaptar seus modelos de negócio aos quatro Es do mix de marketing, além de conceituar o modelo beta e ilustrá-lo com o case de seu livro, desenvolvido conforme preceitos da quinta e da sexta ondas da inovação.

Com 20 anos de experiência em interatividade, o que Cavallini fez foi adicionar ao slogan informal do Google, “always beta”, conceitos como o consumidor pós-consumo (sem tempo) de Seth Godin e o freemium de Chris Anderson e adaptá-los ao Brasil. Bem-humorado, resume: “Nada aqui é igual, né? Deus é onipresente, mas, em nenhum outro lugar, é brasileiro”.


Se saíssemos a perguntar no meio empresarial, muitos diriam que o que ocorre hoje nos mercados, especialmente nos de bens culturais, é uma bagunça, por conta da questão da distribuição gratuita e da produção democratizada de música, livros etc. Mas você parece navegar bem nesse caos, pois acaba de incorporá-lo a seu negócio como consultor ao produzir um livro nos preceitos 2.0. Como você ganha dinheiro? Pode explicar isso?

Meu livro mais recente, Onipresente, contou com recursos que se pode chamar de 2.0, sim, como beta teste, versão online gratuita, versão impressa com preço variável, e abertura do conteúdo para versões personalizadas. Sobre ganhar dinheiro, eu diria, um pouco como provocação, que a graça agora é que temos a opção de ganhar dinheiro ou não, cobrando ou não pelo produto. Nem sempre o mais interessante para o negócio é cobrar por um produto; é isso que precisamos entender. Eu posso escolher ganhar dinheiro com o livro, por exemplo, ou dando consultoria e fazendo palestras. No primeiro caso, o livro é o produto principal; no segundo, o livro é mídia, usada para divulgar o produto principal, que é meu negócio de consultor, professor e palestrante. O exemplo do livro talvez pareça um tanto óbvio, mas ele pode se estender a tudo. Na música, então, isso acontece há muito tempo: faz uns 200 anos [risos] que o artista tradicional ganha dinheiro mesmo com seus shows, e não com a venda de CD. O importante é que, nos dois casos, os dois modelos de negócio se tornaram viáveis: o de ganhar dinheiro com o show e o da receita gerada pelo CD, o da consultoria e o do livro. E outros tantos modelos poderiam ser esboçados e executados. Não se segue mais um modelo de negócio-padrão. Ou um modelo de receita-padrão. A realidade absoluta deixou de existir. Agora, o modelo de negócio é beta teste. O que precisamos fazer urgentemente é aprender a enxergar e a extrair as vantagens dessa bagunça. Para isso, precisamos olhar para o mix de marketing de forma diferente, como eu fiz.

Você concorda com a transformação dos 4 Ps em 4 Es do marketing, como propõe Peter Graves, da Ogilvy?

Eu gosto dos 4 Es: troca (exchange) em vez de preço; experiência em vez de produto; evangelismo –ou engajamento– em vez de promoção; onipresença (everyplace) em vez de praça. Olha aí a onipresença de novo. Para onde quer que se olhe, o conceito aparece. As empresas precisam ser onipresentes.

As empresas temem muito essa nova e brutal exposição ao público…

Não podem temer tanto, porque isso é só o comecinho. Vai ser bem maior. Pessoas quiseram me alertar: “Você vai deixar que critiquem seu livro?”. Não entenderam que a questão é outra: nesta era das redes sociais, vão criticar meu livro de qualquer maneira! E com megafone! Não necessitam da minha autorização para fazer isso. Daqui a alguns anos, você lerá meu livro no Kindle e comentários em tempo real de outros sobre ele aparecerão na tela.

Você pode contar o case de seu livro? Parece ser o específico que pode ser generalizado para outras áreas…

Como o livro fala da transição rumo a coisas feitas de modos diferentes, pensei em fazê-lo de modos diferentes também, para mostrar que isso é possível e deve ser feito na prática. Quis testar ainda se um livro assim, feito com os recursos e a lógica da mídia digital e das redes, teria sucesso maior do que os livros-padrão do mercado brasileiro. Devo dizer que sou uma pessoa que gosta de executar, o que facilitou tudo. Então, em vez de percorrer o caminho tradicional em que o autor escreve o livro, o editor edita, o revisor revisa o texto e um ou dois especialistas fazem uma revisão técnica mais apurada, fiz um beta teste.

Eu escrevi uma primeira versão do livro no final de 2008 e anunciei no meu blog [CoxaCreme] uma espécie de soft launching: “Vou fazer um beta teste, como o que se faz quando se vai lançar um software. Quem se interessar pode ler o livro antes de terminado, contanto que diga o que achou. Não quero que as pessoas opinem apenas se gostaram ou não; peço análise. São importantes os pontos de vista de profissionais tanto seniores como juniores, de dentro e de fora do meu mercado, amigos e desconhecidos”. Com a penetração atual dos blogs e do Twitter, a probabilidade de êxito em uma convocação assim é grande, bem maior do que era há seis anos. Eu o enviei para 225 pessoas. Dessas, 77 fizeram reviews realmente sérias, pegando detalhes como um parágrafo que não entendeu e uma palavra desconhecida e explicando por que discordavam dessa ou daquela visão. E vou dizer mais: das 77 reviews, no máximo meia dúzia não somou nada. A esmagadora maioria se mostrou útil.

Mas 225 pessoas somando não podem anarquizar um livro? E como coordenar isso?

Tomei o cuidado de não fazer aquele livro-frankenstein que muita gente constrói junto e que geralmente ostenta uma qualidade final ruim. O livro nunca deixou de ser autoral. Mantive o controle sobre tudo. Deu trabalho. A dificuldade maior foi ler com olhos nem 8 nem 80. Eu corria dois riscos. Um seria pensar: “Esse cara não domina o assunto como eu, então não vou levá-lo a sério quando ele diz que não entendeu ou que discorda”. E o outro seria aceitar tudo que falassem e retalhar o livro. Você não pode ter preconceito, mas, ao mesmo tempo, precisa ter uma linha de pensamento e mantê-la. A realização do beta teste não apenas melhorou muito a qualidade do livro; como efeito colateral, ganhei muitos leitores entre os testadores.

Experiência e evangelismo, dois dos novos Es do mix… Você disse que gosta de executar e eu pergunto: o modelo de negócio beta é o de aprender (e planejar) fazendo, como define Henry Mintzberg? Com o pensamento de design permanente, como diz David Kelley, da Ideo?

Sim, acho que é por aí.

E a distribuição do livro?

Sim, outra lógica 2.0 que usei foi a distribuição gratuita do livro online, que junta o everyplace e o exchange do novo mix da estratégia de marketing, dois dos quatro Es. A segunda edição do meu primeiro livro, O Marketing Depois de Amanhã, já podia ser baixada de graça na internet desde o final de setembro de 2008 e, com Onipresente, resolvi disponibilizar o download grátis como opção principal desde o início. Em relação ao livro anterior, recebi reclamações sobre o download gratuito: “Eu comprei o livro, paguei por ele, e agora você vai liberá-lo de graça?”. Alguns ainda não entenderam que, no caso dos livros, paga-se mais pelo papel e pela distribuição, os trabalhos da editora e da livraria (que ficam com 90% da receita), do que pelo conteúdo, que cabe ao autor (10%). Mas eles vão entender rápido, como aconteceu com a música, cuja separação de conteúdo e entrega já é bem compreendida pelo público graças à distribuição digital. Agora, deixei a possibilidade de comprarem Onipresente impresso também. Nesse caso, eu, como autor, investi em uma tiragem feita por uma pequena editora –as editoras tradicionais rejeitaram terminantemente a ideia de combinar o download grátis com a impressão, o que me levou a rejeitá-las. Em breve, ficará mais fácil ainda fazer isso, porque a impressão sob demanda deve se popularizar no Brasil. E tem mais: o leitor pode comprar a impressão em condições diferentes das usuais. Ela não tem um preço fixo; varia conforme, por exemplo, o preço da fotocópia na faculdade onde vou fazer palestra e vender o livro. No interior de São Paulo, já vendi o livro a R$ 6, que era o preço da fotocópia ali. E, se uma empresa comprar um lote de livros e quiser que eu, autor, vá entregá-los, autografá-los e bater um papo, cobro R$ 100 de taxa simbólica, mais o preço de cada livro. Tem a ver com o princípio da rede social; o autor se põe no mesmo patamar de seus leitores.

Quais foram seus trade-offs? Por exemplo, como preço alto manda a mensagem de produto bom, segundo a economia comportamental, no mínimo houve o risco de o livro não ter sua qualidade percebida…

Não me considerei perdendo o trabalho de divulgação da editora nem o de revisão. Hoje, no Brasil, é o autor que divulga os livros principalmente e eu paguei uma revisora para revisá-lo. Além disso, houve a edição e a revisão do beta teste, que eu poderia ter repetido para a versão final inclusive. Houve a perda do canal tradicional de venda, que é a livraria, que pode dar bastante visibilidade a um livro, isso sim, mas eu a aceitei em troca de uma fatia maior da receita, já que metade do valor do livro vai para a livraria normalmente –não que ela não o mereça. Não tive problema em relação à qualidade percebida também, talvez por ter já uma reputação nesse mercado e trabalhos anteriores, algo que quem for seguir esse caminho deve levar em consideração. E o fato de eu ter me exposto à crítica alheia já validou a qualidade.

E as versões personalizadas?

Exato, esse é o terceiro recurso 2.0 que estou usando: convidar formadores de opinião e professores para fazer sua versão do livro. E algumas empresas, agências de publicidade sobretudo, também têm me procurado para produzir uma versão dele com seus cases. O approach do P da promoção do marketing muda de figura assim: em vez de alguém recomendar o livro do Cavallini, recomenda o seu próprio. Percebem? Esse “coautor” não consegue alterar meu conteúdo, mas pode lhe fazer acréscimos e criticá-lo. Se antes de um capítulo ele quiser escrever “Pule as próximas páginas, que não são interessantes para nosso caso”, pode fazê-lo. Ele pode adicionar um prefácio, comentários, notas de rodapé, cases de negócios etc. Não estamos falando em personalização de forma mais –uma sobrecapa ou capa especial– e sim de conteúdo. Há ganho de qualidade potencial nisso, porque, quem faz a versão personalizada o está adaptando para um público que ele conhece realmente –e é uma pessoa selecionada por ser gabaritada. Além do mais, esse parceiro tem um interesse maior de divulgar meu livro também. Agora o modo de produzir pode passar a ser parte da estratégia de marketing e comunicação, se você assim o desejar.

Esse modelo de cocriação veio para ficar, em sua opinião?

Acho que sim, embora não seja “o” modelo definitivo, porque, como já dissemos, a realidade absoluta acabou. Falamos de um dos modelos possíveis, e com a vantagem –e também o apelo– de congregar vários dos princípios norteadores desta era da interatividade. Só tenho receio de usar os termos “cocriação” ou “inovação aberta” para nomear o processo porque, apesar da participação de muitas pessoas no beta teste e das versões personalizadas, em nenhum caso foram elas que produziram o livro. É melhor dizer que o espírito da inovação aberta assombra Onipresente e que talvez esse seja um caminho sem volta para livros e muitos outros produtos.

A possibilidade de escolher o modelo faz o criador voltar ao centro do processo produtivo?

É opcional. O criador pode voltar a ser o centro, mas não precisa sê-lo se não quiser. Meu quinto livro pode ter editora. De novo, agora temos vários modelos de negócio a que recorrer. Acabou o monopólio de modelo de negócio único. Quem lançou esse paradigma, aliás, foram o Google (always in beta) e a Apple. Eles são os bastiões dos modelos de negócio beta, não definitivos, sempre em teste.

E você é o Chris Anderson beta, brasileiro! [risos] Anderson também fez modelo de negócio beta com o livro dele, ao entregar o livro inteiro de graça, mas cobrar pelo resumido…

O Chris Anderson está cobrando pela facilidade oferecida. Ele faz isso também quando cobra pela versão em áudio do livro. Na verdade, eu acredito que ninguém comprará conteúdo daqui a pouco; a palavra “conteúdo” deveria ser abolida para os propósitos de negócios, aliás. Será comprada, e paga, uma de duas coisas: facilidade ou personalidade. Facilidade é você pagar a iTunes Store em vez de baixar música pirata para não ter de gastar tempo procurando seu arquivo, baixar um de qualidade ruim, ter de fazer backups e transportar para todo lugar (casa e trabalho) etc. Facilidade inclui personalização, algo sob medida para suas necessidades. Já personalidade tem a ver com a curadoria, a opinião e os diferenciais percebidos de um fornecedor de conteúdo, como são os “gurus” que aparecem na HSM Management.

Será que essa bagunça vai contaminar todo ambiente e tipo de negócio, indo além do conteúdo e de bens culturais?

Sim, facilidade e personalidade podem ser os critérios de cobrança em outras áreas de negócios também. E a distribuição online sempre será um modelo de negócio disponível no leque de opções. O meio digital impacta o modo de produzir e distribuir produtos, mesmo quando o produto não é digital, como um arquivo MP3 de música ou um PDF de livro. Assim como não precisamos dos Kindles da vida para mudar o mercado de livros –eu poder vender e divulgar meu livro online já o muda–, não precisamos de produtos e serviços digitais para transformar outros mercados. A mera existência da internet já transforma tudo, porque impõe competitividade inédita aos demais canais. Se quisesse vender online meu livro, eu teria ali uma margem muito superior à do modelo tradicional de distribuição, o que possibilitaria que eu, mesmo vendendo muito menos, conseguisse o mesmo lucro ou um até maior. E ainda correria o risco de vender tanto quanto ou mais que pela via tradicional por não ter travas de distribuição: entre vendidos e dados até hoje, já foram pelo menos 5.188 exemplares de Onipresente. As métricas são outras no mundo online: 2.768 baixados no site principal, 520 em uma das visualizações de slideshares, 400 que viram páginas no Google Books lidas online, mil de venda do autor e 500 estimados de venda da editora, fora distribuições não monitoradas. E foram 13.356 apenas na contabilidade online d’O Mar keting Depois de Amanhã. Estamos falando do conceito de cauda longa do Anderson, né?!

Como esse raciocínio da cauda longa se aplica no mercado de conteúdo exatamente? Os grandes jornais e grandes emissoras da TV aberta vão morrer? Eric Schmidt [CEO do Google] diz que negócios de larga escala ainda mandarão –e coexistirão com os de nicho…

Sim, haverá espaço para todos os modelos. Sobre quem vai morrer e quem vai viver, é o seguinte: quem continuar fazendo o que está fazendo, do jeito que está fazendo, vai virar commodity. Ou seja, estará entregando algo cuja diferença de valor não será percebida pelos consumidores e que terá muitos concorrentes no mercado, o que pode fazê-lo definhar lentamente. Os jornais, e talvez as grandes redes de TV também, vão morrer da maneira como os conhecemos hoje. Na verdade, a categoria será transformada. E, nessa metamorfose, alguns players quebrarão de fato.

Como os gestores vão conseguir acompanhar essa transformação sem quebrar? Como você faz para antecipar essas mudanças, por exemplo?

A única receita, acho eu, é não mais separar trabalho e hobby. Por exemplo, eu sempre gostei muito de tecnologia e games, como um bom geek. Comecei a brincar de desenvolvedor de software, inclusive. Essas coisas são meu hobby, me divertem e me ajudam a enxergar muita coisa, além de render alguns trocados. A tecnologia auxilia as pessoas a cultivar hobbies. O iPhone, como plataforma para desenvolver aplicativos, me facilitou muito isso e me deu acesso a um mercado mundial. A plataforma blog me permite ter um blog destinado a achar gadgets diferentes para consumo, o wishlist, algo engraçado que abre muitas janelas de ideias.

Isso de não separar dever e prazer tem relação, aparentemente, com o conceito de “presença” de Otto Scharmer e Peter Senge, que pressupõe pessoas que estejam inteiras naquilo que fazem, 100% dedicadas e comprometidas…

Não conheço a fundo esse conceito, mas parece ter a ver. Acho que o prazer leva ao foco, e o foco permite enxergar o que está apenas se insinuando, identificar padrões e conseguir navegar em um ambiente tão complexo e mutável.

Você falou em ganhar uns trocados. Isso precisa ser decorrência, não a motivação principal, porque senão já começa errado. Certo? Ou não?

Não tenho realmente pretensão de ganhar US$ 1 milhão em um aplicativo. Mas, se em dez anos eu tiver uma carteira de 50 aplicativos, que rendam entre R$ 100, R$ 50 e R$ 10 por mês, isso será uma aposentadoria. Agora, o prazer é o mais importante, vem em primeiro lugar. Outra coisa relevante que os gestores podem fazer é esquecer o termo “tecnologia”. Parece um palavrão, assusta e é desnecessário.

Explique isso, por favor…

Tudo é tecnologia: a imprensa é tecnologia, o rádio é tecnologia, a televisão é tecnologia; a única coisa é que a gente não os vê mais como tecnologias porque já estão muito presentes em nossa vida. Como diz Douglas Adams [autor da saga Mochileiro das Galáxias] “tecnologia é tudo o que não funciona direito ainda”. Ou tudo o que não existia quando você nasceu. Para quem nasce com internet, por exemplo, ela não é mais tecnologia. Então, façamos de conta que nós todos nascemos com a internet. Uma vez acompanhei um estudo sobre adoção tecnológica por jovens cujo resultado foi considerado muito estranho. Perguntavam aos entrevistados se eles gostavam de tecnologia e se a usavam no dia a dia e a resposta era “não”, apesar de ser nítido que toda a amostra usava celular e jogava video game. Refizeram o estudo sem o termo “tecnologia” e tudo se esclareceu. Então, digo: ignorem a palavra.

A mudança para o modelo beta terá cara própria no Brasil?

Talvez, por termos menos disposição para o risco que um empreendedor norte-americano e mais apego a reservas de mercado, soframos um pouco mais na adaptação –por exemplo, quando a realidade de setores que ainda têm Ebitda [resultados antes de juros, impostos, depreciação e amortizações, na sigla em inglês] alto mudar de repente. Vão ter de entender que a lucratividade caiu ou, no mínimo, mudou.

Como se desenvolve esse espírito empreendedor pró-riscos –na comunicação, no marketing, em tudo?

O risco tem de ser entendido de outra maneira. Em vez de ser analisado só pelo lado negativo, como é hoje, deve ser encarado como nos investimentos financeiros, também pelo aspecto positivo. Parece detalhe, mas isso muda tudo. Você aceita correr risco e pôr dinheiro em ações quando a alternativa é pôr dinheiro na poupança, não aceita? As empresas deviam fazer o mesmo. Elas só precisam conhecer o próprio perfil, como o investidor: ela é agressiva, moderada ou conservadora? De qualquer modo, com a internet, o custo da falha ficou muito menor, dá para arriscar mais arriscando menos.

Abraçar o risco é o pedágio para inovar, inclusive. E inovar permanentemente parece ser a nova moeda de troca. Mas… o que fazer com o obstáculo de nosso gap tecnológico para inovar?

Eu acho que, toda vez que a gente tem a entrada de uma tecnologia nova, a gente se distancia do restante do mundo, fica para trás, mas uma hora essa tecnologia chega aqui. E, na hora em que ela chega, a nossa distância para os outros países diminui muito. Também estamos um pouco atrasados em indústrias-chave agora, como a dos games. Mas não é só a tecnologia que conta para inovar, certo? Contam muito o envolvimento com a realidade e a motivação para inovar. Por exemplo, temos muitas oportunidades de inovar. Achar formas de matar a burocracia, como fez a Apple com o iPhone, é maneira segura de inovar.

O que significa “envolvimento com a realidade” nas empresas?

Significa gestores e funcionários não se distanciarem da vida real. Dou um exemplo quase bobo: quando as empresas proíbem seus funcionários de entrar em redes sociais como Twitter ou Facebook, passam este recado: “Não olhem o que está acontecendo lá fora, não falem com os outros”. E, se não se vê o que acontece, não se detectam oportunidades nem ameaças. O triste é que essa proibição tende a ter consequências mais graves para as empresas do Brasil que para as de outros países, porque aqui ainda não é comum as pessoas terem acesso a essas tecnologias em casa. É um erro também porque vivemos uma época em que o relacionamento social passou a ser fonte de vantagem competitiva.

Seu livro menciona a sexta onda da inovação no Brasil [veja quadro na página 30]. Ela o deixa otimista? Ou não?

Sou otimista. Temos de contar com o seguinte: nada aqui é igual ao que acontece no resto do mundo. Deus é onipresente, mas, em nenhum outro lugar, é brasileiro. [risos]

AS CINCO ONDAS BRASILEIRAS – E A SEXTA

Partindo do que escrevem Alvin Toffler e Joseph Schumpeter sobre as ondas de inovação, o livro Onipresente, de Ricardo Cavallini, explica as ondas de inovação em comunicação e no Brasil, de compreensão fundamental em um momento em que ganhar a atenção do consumidor mostra ser um imenso desafio para as empresas:

1ª onda. Chegada da imprensa, em 1808. “Os primeiros anúncios eram destinados principalmente à venda de medicamentos e escravos.”

2ª onda. Abolição do tráfico de escravos, a partir de 1850. Um novo “mercado consumidor, formado por trabalhadores imigrantes, cria um ambiente favorável ao marketing. Nascem as primeiras marcas e a publicidade cresce”.

3ª onda. Início do mercado como o conhecemos, na primeira metade do século 20. “Com as primeiras agências de publicidade, o cuidado estético nos anúncios e cartazes aumenta e as longas descrições são substituídas por textos publicitários […] O período entre as décadas de 1930 e 1950 fica conhecido como a Era de Ouro do Rádio.”

4ª onda. Proliferação dos veículos, a partir da década de 1960, com a televisão se sobrepondo aos demais, em parte devido à alta taxa de analfabetismo e de baixa renda. “A TV aumentou e melhorou a produção de conteúdo nacional… [mas] o resultado prático é terrível. A TV acabou sendo o único referencial de entretenimento, educação e cultura para a maioria dos cidadãos.” E limitou o marketing.

5ª onda. Transição do mercado analógico para o digital, com a internet como tecnologia de ruptura, cujos fatores determinantes são: fragmentação da mídia; surgimento da internet (que faz com que os cerca de 1,3 milhão de domínios registrados no Brasil sejam 1,3 milhão de veí culos de comunicação); mudança do consumidor (ele agora gera, distribui e consome conteúdo de outra maneira, em redes sociais inclusive, e é engajado); e avanço da tecnologia digital, que transforma todos em fornecedores de serviço e conteúdo, e que cria o marketing contextual (pela associação com palavras-chave nas ferramentas de busca).

Provável 6ª onda. Deve ser liderada pela internet como integradora de todas as mídias e também de objetos (“internet of things”, termo cunhado em 1997), o que é bem ilustrado pela geladeira que, com comunicação sem fio e pequenos sensores, avisa quando acabou certo produto. Já há tecnologias para isso (RFID, redes Mash, WiMax, Smart Dusts) e, em Nova York, Estados Unidos, um serviço chamado iKan já implanta leitor de códigos de barra em geladeiras para que informem o que é preciso comprar. É de imaginar que os anunciantes possam usá-lo para pesquisa no futuro e que novos modelos de negócio surjam daí.

SAIBA MAIS SOBRE O ENTREVISTADO: CAVALLINI

Geek assumido, Ricardo Cavallini se especializou em comunicação interativa desde antes de a internet se disseminar no Brasil; ele contabiliza mais de 20 anos de experiência no assunto. Atualmente é professor do curso de extensão de marketing direto da Associação Brasileira de Empresas de Marketing Direto (Abemd) e consultor de empresas tanto para a operação como para o modelo de negócio. Ele assessorou, por exemplo, a fusão de duas das agências digitais importantes do mercado brasileiro, a LOV e a SINC, que resultou na holding OON, com ênfase no design do novo modelo. Em 2006, Cavallini lançou o livro O Marketing Depois de Amanhã, que aborda as novas tecnologias disponíveis para o marketing das empresas –TV digital, mobile, novos displays com sensores etc.– e seu impacto sobre o comportamento do consumidor, e, em 2009, Onipresente – De Onde Viemos e para Onde Vamos. Foi diretor de mídia da F/Nazca Saatchi & Saatchi, diretor de operações da Euro RSCG 4D, diretor de planejamento da W/Brasil e sócio-diretor de engenharia da agência digital Organic inc. Mantém dois blogs: um de sua área, CoxaCreme, e www.wishlist.nu, que garimpa o consumo inusitado.


Fonte: Revista HSM MANAGEMENT – A entrevista é de Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM MANAGEMENT, e Jorge Carvalho, coordenador de projetos especiais online da HSM do Brasil.


5 PERGUNTAS A SETH GODIN

Autor de alguns dos livros de marketing mais vendidos da última década –Meatball Sundae, O Futuro Não é Mais o Mesmo e Todo Marqueteiro é Mentiroso! (ambos, ed. Campus/Elsevier)–, Seth Godin explica a seguir por que o mercado atual “castiga a média” e como chegar com eficácia ao “consumidor pós-consum

Você escreveu que estamos na era do “pós-consumo”. O que isso significa?

Nos últimos anos ficou claro que temos mais coisas do que necessitamos e que não temos tempo de desfrutá-las. Esse é o dilema do consumidor “pós-consumo”. Portanto, ele precisa, realmente, é de ajuda para aproveitar melhor o que já tem.

Em 2002, você afirmou que ser “uma vaca púrpura” ou “roxa” (quer dizer, diferenciar-se em seu setor) era o requisito para qualquer empresa que aspirasse ao sucesso. Produtos e serviços vêm comprovando isso?

Isso é expressão de um fato: se uma empresa quer crescer, tem de fazer alguma coisa sobre a qual as pessoas estejam dispostas a falar, porque a atenção já não pode ser comprada. As pessoas só prestam atenção em quem as conquista.

Qual é o melhor modo de ter a atenção dos consumidores?

Primeiro, as empresas têm de ir “até os extremos” para encontrar um pequeno grupo de pessoas interessadas naquilo que vendem. Segundo, é preciso tratar as pessoas com respeito. Falando por experiência própria, essa combinação gera resultados sobre os quais as pessoas decidem falar. Por fim, para vender é preciso descobrir quem está escutando e criar grandes histórias que essas pessoas queiram divulgar para os outros.

Que características deve conter uma grande história?

Antes de qualquer coisa, uma grande história tem de ser verdadeira, coerente e autêntica. Além disso, deve trazer implícita a promessa de diversão, dinheiro, segurança. Também deve ser confiável. E ninguém terá sucesso contando uma história a não ser que já tenha conquistado de antemão a credibilidade do consumidor.

As grandes histórias também são sutis: quanto menos dizem explicitamente, mais poderosas se tornam. É muito mais eficaz permitir que o consumidor tire suas próprias conclusões. As grandes histórias não só apelam para a lógica, como também para nossos sentidos –e raras vezes se dirigem a todo mundo. Se uma empresa amplia a abrangência de sua história para atrair vários públicos, acabará não atraindo ninguém. As melhores histórias não ensinam nada de novo, mas coincidem com a perspectiva do mundo e as crenças de um pequeno grupo, que se encarregará de difundi-las.

Você observou que o mercado atual “castiga a média”, como mostraria o fato de o Google, nas buscas, identificar apenas “a zona excepcional onde está o maior valor”. Quais são as conseqüências desse fenômeno para os negócios?

Se uma empresa ainda faz marketing de massa, ela procura chegar ao consumidor médio com produtos médios. O problema disso reside no fato de que as pessoas dispostas a prestar atenção estão nos extremos: são as insatisfeitas e não querem a média. Daí que nenhuma empresa média –quer dizer, que não se destaque– terá facilidade para crescer.


Entrevista publicada na revista HSM, por Rotman Magazine. Entrevista a K. Christensen