Pesquisa mostra o perfil dos novos presidentes executivos

Os presidentes executivos de empresas no Brasil incorporaram tanto o personagem corporativo que parecem ter perdido a si mesmos, o que com freqüência se converte em razão de sofrimento.

É o que mostra este artigo baseado em pesquisa realizada pelos professores Mariá Giuliese e Léo Bruno, da Fundação Dom Cabral

Quem são, de fato, os presidentes de empresas do Brasil? O que pensam e sentem aqueles que alcançaram o degrau mais alto da carreira, modelo e inspiração de todos os gestores e leitores de revistas de management? Já conhecemos e acompanhamos muitos desses indivíduos no palco dos negócios, mas o que será que lhes acontece quando descem as cortinas e eles ficam sós?

A pesquisa Contexto dos Presidentes, que realizei em conjunto com o professor Léo Bruno para o Centro de Tecnologia Empresarial da Fundação Dom Cabral (CTE-FDC), veio responder a essas perguntas. Investigamos dirigentes de 40 das 500 maiores e melhores empresas do País de acordo com a revista Exame, buscando um escopo de informações suficientemente abrangente para construir seu verdadeiro perfil. Em vez de nos limitarmos a rastrear e mapear as práticas que dizem adotar na condução dos negócios, analisamos aspectos do indivíduo, tais como crenças, valores e modo de agir no que tange a trabalho, carreira, família, participação na sociedade e visão de mundo. Para tanto, mesclamos questionários auto-aplicados e entrevistas pessoais; realizamos ampla análise da literatura técnica na área de negócios e da exposição desses executivos na mídia impressa.

O alto preço que o sucesso lhes cobra foi o principal resultado: o sedentarismo apareceu no topo da lista dos efeitos mais nefastos de sua ascensão profissional sobre a vida pessoal (70% dos entrevistados o admitiram), seguido do adiamento dos projetos particulares (54%), outro grande motivo de frustração. Dificuldades de relacionamento familiar e comprometimento da saúde derivado de distúrbios do sono e instabilidade emocional também surgiram de modo expressivo. A declaração de um dos entrevistados sintetiza as expectativas desses CEOs: “Presidente tem a morte anunciada. Sabe que vai morrer, que o preço é alto e a pressão intensa. Em alguns casos, mesmo antes de começar, já sabe quando e como morrerá, resta só definir quanto receberá por isso”. E o que está por trás do fenômeno? Apenas excesso de trabalho e de cobrança? Acredito que não.

Personagem corporativo x eu

A verdadeira origem do problema é que muitos presidentes de empresas localizadas no Brasil incorporaram seus personagens. Evidência disso é que, na etapa dos questionários auto-aplicados, a maior parte dos entrevistados (80%) limitou-se a fornecer respostas ideais, em consonância com as principais linhas teóricas de gestão de negócios e de pessoas e, sobretudo, compatíveis com os preceitos do mercado e das organizações que esses executivos dirigem –respostas “by the book”. A performance continuou no início das entrevistas pessoais, quando os presidentes pareciam estar falando em teses gerenciais, não nas práticas reais do dia-a-dia. Abordavam assuntos da moda, como inovação, responsabilidade social, transparência, gestão por projetos e processos, foco nas pessoas e comprometimento, e alguns chegaram a expressar o desejo de serem os “melhores entrevistados”, como se estivessem em uma competição.

Algo acontecia, no entanto, à medida que as conversas evoluíam; os personagens davam vez às personalidades –não em todos os casos, naturalmente, mas em proporção sintomática. Se se tratasse da investigação de um crime por um detetive de literatura policial, dir-se-ia que a principal pista surgiu da incoerência entre duas respostas específicas. Cinqüenta e cinco por cento deles afirmaram que suas maiores conquistas na carreira foram as capacidades de relacionamento e de negociação. No entanto, 45% avaliaram que era o aprimoramento dessas capacidades o que mais tinham por conquistar. Os presidentes perceberam tanto a importância do relacionamento interpessoal como sua dificuldade em desenvolvê-lo. Por que a dificuldade? Eles estão longe de si mesmos. E, assim, não conseguem estar perto de ninguém. Ou seja, se não se relacionam consigo e se abandonam para atender à ideologia do mundo corporativo, naturalmente afastam-se dos outros. Concentrar-se no personagem faz o executivo se perder de si e ficar só.

Um depoimento ilustra o fenômeno. “Sempre achei que ia ser feliz com uma conta bancária polpuda, mas isso não é verdade. Tenho 42 anos, mais da metade da minha vida se passou, sou respeitado, mas não acho graça em nada. Passo o tempo todo fazendo performances e amarrando pontas. Nem eu sei quem sou. Parece que estou no vácuo.” Esse é o melhor dos casos, na verdade, porque já há uma conscientização do problema. A maioria ainda não tem consciência disso; apenas sente um desconforto inexplicável.

De quem é a responsabilidade pelo vácuo ou pelo desconforto? Não é só das empresas, embora elas usem um conjunto de “ferramentas” para manter seus profissionais quase 24 horas por dia sob seu controle (leia quadro na página 31); afinal, empresas não têm obrigação de gerar felicidade para ninguém, apenas devem oferecer um ambiente propício para seus funcionários crescerem e fazerem acontecer. A responsabilidade cabe também aos presidentes, que escolheram abrir mão de sua identidade em prol do personagem. Por não conseguirem, ao mesmo tempo, escrever sua história dentro da companhia e desenvolver a identidade pessoal, eles se concentraram no primeiro processo, como em um trade-off. Oitenta por cento sentem muito orgulho da posição que alcançaram, mas…

Se, um dia, são demitidos, percebem o que ocorreu, sentem culpa, entram em depressão, mas podem tentar consertar os erros. Contudo, se o sucesso se mantém, eles simplesmente ficam no vácuo ou sentem desconforto. Isso não ocorre apenas com os presidentes de empresas, é claro, e sim com todos os executivos, porém, com os ocupantes do cargo número um, atinge proporções maiores, pois alienam-se na ideologia do mundo corporativo e por conseguinte –inconscientemente– alienam seus colaboradores. Quando, enfim, entram em contato com a realidade, percebem-se ingênuos por terem acreditado na promessa do paraíso e culpados por passarem a promessa adiante.

Dilemas no ambiente empresarial

O que mais nos chamou a atenção na relação dos presidentes com o ambiente empresarial foi o fato de que eles parecem cada vez mais solitários e isolados. O medo de serem destituídos da posição que ocupam e de perderem o poder e a visibilidade que adquiriram funciona como fator de pressão e opressão permanente para que se mantenham reféns da situação e evitem, a qualquer custo, manifestar oposição ao establishment.

Sua interface com o conselho de administração constitui fonte de estresse particular. Os presidentes parecem ir ao board mais para dar satisfação do que para expor problemas e pedir ajuda para solucioná-los. Embora cerca de 80% dos entrevistados compartilhem a missão e discutam a cultura da empresa com o conselho, pelo menos 20% revelam forte dissonância entre os desejos e as decisões do board e o que é possível realizar, indicando que a mesma instância que pactua a missão solicita práticas incompatíveis com as diretrizes apontadas.

Na verdade, os fatores políticos têm exigido grande atenção dos presidentes, que afirmam utilizar a maior parte de seu tempo gerenciando “egos”, “administrando interesses e cuidando para não melindrar os interlocutores (pares, acionistas, fornecedores)”.

A globalização é percebida por eles como tendência inevitável, que interfere sobremaneira em sua privacidade, pois, em razão dos fusos horários mundo afora, exige que os canais de comunicação fiquem abertos a qualquer hora do dia ou da noite. Com isso, os profissionais acabam levando os negócios para casa e isso, automaticamente, interfere nas relações e nas rotinas familiares. É fato, também, que a globalização diminuiu o poder que esses executivos detinham, e tal esvaziamento contribui para o sentimento de frustração.

Gestão estratégica

Nesse quesito, fez-se uma descoberta interessante. Nota-se imensa preocupação nas respostas dos presidentes de empresas quando o assunto é gestão estratégica. Todos os entrevistados afirmaram compartilhar missão e visão com os colaboradores, 89% disseram que a visão e a missão de suas empresas são claras, 89% revelaram que elas são alcançadas com ações e práticas, 89% declararam que a cultura organizacional é discutida no planejamento e 85% garantiram que os principais gestores de suas organizações têm consciência da cultura em que operam.

Maturidade para a mudança

Embora 76% dos pesquisados considerem sua empresa no nível mais alto de maturidade organizacional, todos parecem temer que seja vista como conservadora ou estagnada, o que certamente deporia contra sua gestão. Esse aspecto pôde ser mais bem explorado nas entrevistas, e em alguns poucos casos foi relatado que a cultura da empresa dificulta as mudanças e a modernização necessárias.

Desafios da gestão

Observa-se que questões como adversidades, burocracia e ambiente global ainda não são percebidas como desafios da gestão de negócios para a maioria dos presidentes que participaram da pesquisa. Sua maior preocupação está associada aos concorrentes e stakeholders (acionistas, funcionários, fornecedores), com 31% cada um, e a inovações e mudanças do mercado, com 28%.

Tomada de decisão

Os fatores considerados mais importantes para a tomada de decisão estão relacionados principalmente com a ética (citada por 41% dos entrevistados), seguida de conhecimento, experiência e valores (28%) e bom senso (17%). Esses dados parecem refletir a crescente preocupação com o cuidado e correção na apresentação dos números e balanços à matriz e à opinião pública. O recurso mais importante para a tomada de decisão é a equipe gerencial, de acordo com 33% dos entrevistados.

O conselho de administração foi mencionado por 25% deles e os pares de outras empresas, por 16%, mais ou menos o mesmo número de consultores contratados externamente (18%). Isso parece indicar a necessidade de apresentar soluções prontas para o board.

Principais capacidades de gestão

Entre as capacidades mais importantes para a gestão dos negócios, os executivos apontaram:

  • habilidade de relacionamento interpessoal (72%),
  • habilidades estratégicas (41%),
  • habilidade de negociação (41%),
  • habilidade de execução (38%),
  • sensibilidade, flexibilidade e equilíbrio (21%),
  • conhecimento, inovação e criatividade (10%).

Entretanto, 80% dos presidentes consultados afirmaram que estão cansados de teorias, fórmulas, métricas e modelos de gestão que dizem exatamente como as coisas devem ser, mas não levam em conta como elas efetivamente são.

Formação de sucessores

No que se refere a preparar o sucessor, outro dado que caracteriza a maturidade pessoal e profissional, a maior parte dos entrevistados (55%) afirmou não ter dificuldade em fazê-lo, mas poucos (20%) demonstraram que efetivamente se preocupam com esse preparo ou o estão realizando. “Preparar sucessor? Não há tempo para isso. Além do mais, nós, presidentes, precisamos tratar de manter nossa posição pelo maior tempo possível e isso se faz cuidando da média gerência e não preparando sucessor.”

Dilemas na vida pessoal

Entre as razões para alcançar o posto de primeiro mandatário, 60% dos participantes da pesquisa apontaram os desejos de sucesso, poder e status social, e a razão por trás das razões, em 60% dos casos, foi uma infância limitada por dificuldades econômicas e a vontade de recompensar os pais pelo sacrifício de educá-los. No entanto, eles não parecem seguros de que seu sacrifício compensou. A maioria (70%) considerou o sedentarismo o preço mais alto pago na vida pessoal, mas as conseqüências relativas ao adiamento de projetos pessoais também têm importante papel no sofrimento admitido por pelo menos 54% dos presidentes –isso nos questionários auto-aplicados, respondidos by the book, o que nos leva a pensar que o número seja bem maior. Trata-se de uma frustração que acompanha o adiamento, por tempo indeterminado, de projetos e sonhos pessoais, ou seja, prevalece a priorização dos desejos da empresa em detrimento dos desejos pessoais de seu gestor.

Também foram conseqüências muito citadas as dificuldades de relacionamento familiar (39%) e o comprometimento da saúde (39%), decorrente de distúrbios do sono (31%) e instabilidade emocional (23%). Apesar das queixas, a melhora das condições físicas apareceu em apenas 10% das respostas sobre competências a serem adquiridas. Eles realmente não são a prioridade para si mesmos.

Outra questão que se evidenciou nas entrevistas diz respeito à falta de segurança. Pelo menos 30% dos executivos se referiram à falta de segurança como um dos fatores que vêm interferindo em sua qualidade de vida. Sentem-se reféns no carro, em casa e no escritório. Acham que precisam estar sempre alertas e desconfiar de tudo e de todos, pois a qualquer momento poderão ser alvo de algum ataque. Essa questão revela a insegurança em que vivem, o que os leva a estabelecer relacionamentos superficiais, formais e distantes, promovendo aumento de ansiedade e tensão.

Dilemas na carreira

Que características os tornaram executivos de tanto sucesso, em sua opinião? Determinação e motivação, com 30% das escolhas cada uma, seguidas de conhecimento, com 20%, conduziram-nos ao topo da carreira, segundo sua percepção. Mas os atributos que elegeram como fundamentais à carreira foram outros: ética, valores e princípios (59%), habilidade de relacionamento interpessoal (21%) e disciplina (10%).

Mas, se ética e habilidade de relacionamento interpessoal ganham importância, o autoconhecimento perde, lamentavelmente. Ele não apareceu em nenhuma das entrevistas como fator relevante para o desenvolvimento pessoal e profissional. Para o desenvolvimento da carreira, eles mencionaram apenas recursos externos, como cursos (feitos regularmente por 70% deles) e networking (prática comum em 55% dos casos). Vale observar, contudo, que estão descontentes com os recursos priorizados, principalmente com o networking feito de modo selvagem e utilitarista.

Que contexto é esse?

Nossa pesquisa mostra, sem dúvida, que a ênfase e os ideais do mundo corporativo levam o profissional a se distanciar de si mesmo, a postergar a concretização de seus projetos, a vivenciar a frustração e o sentimento de não ser suficientemente bom, a se defender por meio da alienação –privilegiando os desejos do outro e delegando ao outro a gestão de seu pensar. Assim, eles passam a usar uma máscara, a esconder- se atrás de um pano, em detrimento de si mesmos, e com boa dose de sofrimento, o que compromete seu papel de líder nas empresas.

Não é à toa que, para o psicanalista Otto Kernberg, das cinco características de um bom líder, as três últimas dependem do autoconhecimento, da proximidade consigo mesmo: ser realmente inteligente, gostar de gente de verdade, ser sincero consigo mesmo, ter paranóia saudável (o que significa saber ler as entrelinhas e se proteger daqueles que apenas fingem lhe dar apoio) e ter um narcisismo saudável (gostar muito de si e ter distanciamento da opinião alheia, para garantir autonomia). Se não tiverem o conjunto completo, os líderes empresariais dificilmente conseguirão cumprir seu papel diante dos liderados: orientar, ensinar e estimular. E é exatamente isso que está acontecendo. Eles despendem tanto tempo tratando da imagem pessoal e do networking e amarrando pontas do personagem corporativo que lhes sobra pouco tempo para ouvir e desenvolver os liderados, tarefa que delegam a profissionais de coaching –daí a febre do coaching a que estamos assistindo.

Haverá solução para a dor que os primeiros mandatários das empresas parecem estar sentindo?

Sim, autoconhecimento. Pode-se depreender de suas respostas à pesquisa a necessidade de aprimorá-lo, no desejo de terem alguém que os ouça e com que possam compartilhar suas experiências. Um ponto de partida para isso é que respondam a questões críticas como:

  • Quem sou eu?
  • Em que me transformei e para onde vou?
  • Como me sustentar nessa posição?
  • Como me preparar para futuros projetos?
  • Como resgatar os projetos pessoais?
  • Como cuidar da saúde e evitar que os prejuízos que causei a ela se agravem?
  • Como enfrentar a vulnerabilidade que acabo de descobrir em mim e na vida que construí?
  • Como aprimorar meu relacionamento interpessoal e minha comunicação com os superiores imediatos, com os pares e com os colaboradores?

Os presidentes de empresas do Brasil já perceberam que o adiamento dessas perguntas e respostas acaba gerando distúrbios do sono, problemas na família e assim por diante. No entanto, talvez lhes falte enxergar-se como seres humanos, com deveres e, também, com direitos.

É inegável que precisam descobrir-se. Se for necessário, que contratem um “detetive” para ajudá-los nessa aventura, como Hercule Poirot, personagem da escritora inglesa Agatha Christie, cuja obra-prima segundo a crítica internacional é o livro que dá título a este artigo. Um processo de fora para dentro não resolverá; eles têm de resgatar a si mesmos. Nunca é tarde demais. Que deixem o pano cair.

Fonte: O artigo foi publicado na revista HSM por Mariá Giuliese, com base em pesquisa realizada por ela e Léo Bruno entre 2006 e 2007.

Quem são os executivos pesquisados

Dos 40 participantes da pesquisa, 92% encontram-se casados e 85% têm filhos. Predominam os profissionais na faixa de 51 a 60 anos de idade (56%), 41% têm entre 41 e 50 anos e 3%, entre 31 e 40 anos. Todos possuem pós-graduação latu sensu, experiência internacional e inglês fluente, e 77% também se comunicam em espanhol. Na formação profissional básica, 54% são engenheiros.

A maioria dos executivos (51%) já atuou em, no mínimo, quatro empresas, registrando mais de oito anos na função de principal gestor. Entre as organizações que presidem atualmente, 65% são multinacionais e 35% de capital nacional –58% da área industrial, 25% do setor de serviços e 17% de outros ramos. Em 40% dos casos, as companhias apresentam vendas anuais superiores a US$ 1 bilhão; das restantes, metade fatura entre US$ 100 milhões e US$ 1 bilhão, e a outra metade, menos de US$ 100 milhões.

Ênfase no marketing pessoal

Dos presidentes entrevistados, 73% recorrem a outras pessoas para gerenciar sua carreira (consultores, pares etc.); 31% o fazem com freqüência mensal e 41%, de modo formal. Os que despendem uma hora de sua disputada agenda nesse tipo de aconselhamento de carreira somam 38%.

Um total de 69% afirma fazer gestão pessoal da própria imagem. Nota-se grande preocupação com a imagem projetada no mercado ao público externo, concorrentes, clientes e, principalmente, mídia. Para cuidar do assunto, 25% dizem contar com assessoria de imprensa e diretoria de comunicações e 20% afirmam que é preciso sempre atender a mídia, querem ser consultados freqüentemente e ficam muito aborrecidos quando um importante veículo fala de assunto de seu domínio e não toma seu depoimento. Mas a maioria (55%) se declara reservada e cuidadosa no relacionamento com jornalistas e repórteres.


Fonte: Revista HSM Management