Com o vento a favor

Os setores de atividade, ou indústrias, evoluem segundo quatro trajetórias distintas e os resultados das empresas podem ser ampliados se os gestores compreenderem a direção da mudança. Vamos analisar alguns casos de estratégia corporativa.

Essa afirmação é da especialista Anita McGahan, da Rotman School

Por que os executivos se enganam tanto quanto às oportunidades de lucro de suas empresas? Em muitos casos, o problema está na compreensão inadequada do setor de atividade em que atuam. Quem entende a natureza da mudança que afeta sua área consegue identificar as estratégias de êxito mais prováveis e também as mais sujeitas ao fracasso. Não se trata, contudo, de um conhecimento fácil de ser alcançado. Para entender realmente o rumo de seu setor, é preciso pensar no longo prazo.

Em minha pesquisa, descobri que os setores percorrem quatro caminhos distintos de mudança e que uma estratégia corporativa só é bem-sucedida se estiver em harmonia com os movimentos do setor. Muitas empresas perderam dinheiro porque tentaram inovar além desses limites.

Um dos exemplos mais famosos é o caso da Xerox, empresa conhecida pela aposta na inovação. Em meados da década de 1980, a empresa contava com um modelo de negócio que priorizava “produtos criativos”. A área dos microcomputadores ainda engatinhava e, embora fosse pioneira em itens como a interface gráfica e o mouse por meio de seu Palo Alto Research Center (PARC), a Xerox não conseguiu abrir caminho para entrar nesse borbulhante setor.

Quatro trajetórias

As quatro trajetórias descritas a seguir são definidas de acordo com dois tipos de ameaças de obsolescência. A primeira atinge as atividades centrais de um setor, ou seja, as atividades que historicamente geraram lucros. Elas se fragilizam quando, após o surgimento de uma alternativa, deixam de ser atraentes para clientes e fornecedores. No setor automobilístico, por exemplo, as concessionárias de veículos sentem menos procura desde que os consumidores ganharam acesso on-line a dados como características e preços dos modelos.

O segundo tipo de ameaça atinge os ativos centrais de um setor –recursos, conhecimento e capital de marca. Isso ocorre quando o valor gerado não é mais o mesmo, como acontece no setor farmacêutico, no qual muitos medicamentos são abalados com o vencimento de patentes e o desenvolvimento de novas substâncias.

1. Mudança radical

Trata-se da trajetória mais próxima do conceito de “mudança disruptiva”, definido por Clayton Christensen, especialista de Harvard. Ocorre quando os ativos e as atividades centrais são ameaçados de obsolescência. Nessa situação, tanto o conhecimento como o valor de marca são afetados, assim como o relacionamento com clientes e fornecedores.

Estima-se que, nas décadas de 1980 e 1990, cerca de 19% dos setores no mundo enfrentaram mudanças radicais. Um exemplo é a área de turismo: as agências de viagens sofreram forte abalo quando as empresas aéreas implantaram sistemas de reservas voltados para a concorrência direta de preços e também quando os passageiros passaram a recorrer a sites para consultar vôos e reservar passagens.

Mas a transformação radical de um setor é relativamente rara, em geral movida por fatores como o surgimento de novas tecnologias, reformas na regulamentação ou mudanças nas preferências dos consumidores.

Para alterar todo um setor, porém, é preciso tempo. A atividade das entregas expressas, por exemplo, atravessa agora as primeiras etapas de uma transformação radical que teve início há dez anos, com o surgimento da internet e do e-mail. No entanto, o setor continua próspero, pois a ameaça ainda não se consolidou. A boa notícia para as empresas nessa situação é que elas têm possibilidade de preservar a rentabilidade por um tempo. Além disso, podem desenvolver alternativas estratégicas para implementação futura, desde que identifiquem a tempo os rumos das mudanças.

A compra da Kinko’s, por exemplo, será útil para que a FedEx consiga aperfeiçoar seu relacionamento com empresas de pequeno e médio portes, que demandam serviços de armazenamento, gestão e distribuição de documentos.

No caso de uma transformação radical, o único enfoque razoável é concentrar-se no fim do jogo e nas conseqüências para a estratégia da empresa. Abandonar o setor de atividade não é a única alternativa num caso assim. Às vezes, os poucos sobreviventes conseguem manter uma situação rentável após a partida dos concorrentes. É o caso do setor de mainframes, que permanece bastante amplo, mesmo depois da chegada dos microcomputadores.

Para traçar a melhor estratégia quando um setor atravessa mudanças radicais, é preciso avaliar os índices de produtividade, o ritmo da transição e os custos que a mudança imporá aos consumidores.

Quem sai na frente leva vantagem: as empresas que se adiantam às demais têm a possibilidade de implementar uma estratégia escalonada, baseada em melhoras graduais das atividades e em experiências seletivas para desenvolver novos ativos.

Muitas organizações que passaram por mudanças setoriais radicais assumiram grande risco ao abandonar suas posições e partir para novas atuações. Foi o caso de vários fabricantes de máquinas de escrever. A IBM teve êxito nessa estratégia graças à experiência anterior em outras áreas relacionadas à informática. A decisão de reinvestir no mesmo setor também tem riscos, pois compromete a empresa em um rumo que pode se revelar pouco produtivo.

As organizações que enfrentam mudanças radicais precisam aceitar a inevitabilidade da mudança e procurar uma rota que amplie o retorno sem amarrar um compromisso com o setor em turbulência. Fácil na teoria, difícil na prática.

2. Mudança na intermediação

Essa mudança ocorre quando a obsolescência ameaça as atividades centrais, mas os ativos conservam a capacidade de gerar valor. A Sotheby, por exemplo, não deixou de ter qualidade como avaliadora de obras de arte, mas o papel de conectora entre compradores e vendedores perdeu valor com a tecnologia que permitiu a atuação da eBay. Nessa situação, o desafio está em conservar o conhecimento, o capital de marca e outros ativos valiosos, enquanto as relações com clientes e fornecedores são refeitas.

Nas décadas de 1980 e 1990, cerca de 32% dos setores no mundo passaram por transformações dessa categoria, em geral decorrentes do acesso dos consumidores e fornecedores a alternativas inéditas. Nessa trajetória de mudanças, as atividades centrais são ameaçadas, mas os ativos (conhecimento, capital de marca e patentes) mantêm a maior parte de seu valor, se forem usados de forma inovadora.

Por vários fatores, esse processo de mudança afetou as concessionárias. A internet reduziu a importância das atividades tradicionais da venda de veículos; os fabricantes de automóveis passaram a procurar relacionamentos mais estreitos com os clientes e o controle da gestão do estoque se enfraqueceu porque a tecnologia da informação e sofisticados sistemas financeiros criam economias de escala que só podem ser exploradas por organizações maiores.

A gestão de uma empresa que atravessa esse tipo de mudança é bastante difícil, sobretudo porque é preciso conservar os ativos valiosos e reestruturar os principais relacionamentos. Os executivos tendem a subestimar a ameaça a suas atividades centrais por achar que clientes antigos se mantêm satisfeitos e o relacionamento com fornecedores conserva a solidez habitual. No entanto, é bem provável que essas relações sejam mais frágeis.

Para enfrentar tais mudanças, as empresas precisam encontrar maneiras não convencionais de extrair valor de seus recursos centrais. Algumas opções são a diversificação ou o ingresso em novos negócios (e até em novos setores), ou a venda de ativos ou serviços a ex-concorrentes. No universo da música, por exemplo, as empresas fonográficas começam a vender seus serviços “à la carte” a artistas pouco conhecidos, em vez de investir fortunas em promoção para posicioná-los. O cliente e as atividades mudaram, mas o recurso central (a capacidade de impor novos artistas ao mercado) permanece valorizado. Ao reorganizar velhos ativos de outra maneira, as empresas encontram seu caminho.

3. Mudança criativa

Essa mudança ocorre quando a ameaça mira os ativos centrais, mas as atividades centrais permanecem estáveis. Para isso, é preciso encontrar o modo de restaurar os ativos e, ao mesmo tempo, resguardar o relacionamento com clientes e fornecedores. Cerca de 6% dos setores, em termos mundiais, atravessam uma etapa de mudanças criativas.

Um bom exemplo é a indústria cinematográfica: os grandes estúdios têm bom relacionamento com atores, agentes, proprietários de salas de cinema e executivos da TV a cabo. Com essa rede, podem produzir e distribuir novas produções.

A combinação de ativos instáveis (filmes novos) e relacionamentos estáveis (consumidores e fornecedores) permite um desempenho melhor no longo prazo.

Outro exemplo é o das empresas farmacêuticas, que investem em pesquisas, desenvolvimento e testes de novos medicamentos e depois usam seus recursos administrativos e de marketing para colocar os produtos no mercado. Mas, se um cenário de mudanças criativas for confundido com transformações radicais, as empresas podem descuidar de relacionamentos essenciais para sua rentabilidade.

Algumas empresas farmacêuticas se concentraram tanto em novos métodos de pesquisa, por exemplo, que limitaram os investimentos em outras áreas, como o desenvolvimento de forças de vendas adequadas aos novos mercados. Em um quadro de mudanças criativas, a inovação nunca pára.

As empresas farmacêuticas vêm testando novos métodos de desenvolvimento de medicamentos há uma década e meia –a liderança desse setor não pertence aos recém-chegados, mas sim às organizações que preservaram sua força ao capitalizar sua rede de relacionamentos.

Como obter retornos sólidos sobre o capital investido em um setor que passa por mudanças criativas? As empresas líderes tendem a diversificar o risco de desenvolvimento de novos projetos em um portfólio de iniciativas, o que resulta em retornos menos voláteis do que os de concorrentes menores. Outras táticas são a terceirização da gestão de projetos e das tarefas de desenvolvimento.

4. Mudança progressiva

Essa alteração se assemelha ao processo de mudança criativa, uma vez que tanto os consumidores e fornecedores como as empresas que lideram o setor têm estímulos para manter o status quo. A diferença está no fato de que, na mudança progressiva, os ativos centrais não são ameaçados de obsolescência. É o que acontece com as empresas aéreas. Há progressos e a tecnologia pode exercer um impacto imenso, mas dentro da estrutura existente. Além disso, com o tempo, os recursos centrais tendem a se valorizar em vez de perder importância.

A mudança progressiva não necessariamente envolve menos alterações ou ritmos mais suaves e pode resultar em transformações ou melhoras substanciais. Nos setores que passam por essa trajetória, as estratégias mais rentáveis se relacionam com a conquista de um posicionamento de destaque, seja em termos geográficos, técnicos ou de marketing. O objetivo está em desenvolver recursos e capacidades com solidez e de forma gradual. As empresas raramente entram em uma concorrência suicida ou precisam arriscar grandes somas de capital antes de saber se uma inovação criará valor. Na verdade, seu desempenho depende da velocidade de resposta ao feedback. A Southwest Airlines, por exemplo, testa novas rotas aéreas, mas não hesita em abandonar uma nova opção caso constate que os resultados não atendem às metas do plano de negócios.

ANTECIPAÇÃO

Para se manter livre das ameaças, sua empresa precisa compreender com clareza as implicações de longo prazo das mudanças no setor. Quais serão as conseqüências para o relacionamento entre compradores e vendedores? Será que ativos intangíveis, como o capital de marca e o conhecimento, conseguem realmente se adaptar?

O conhecimento das quatro trajetórias possíveis pode ajudar a antecipar a direção para a qual se encaminha seu setor de atuação, permitindo uma preparação adequada para o aproveitamento das oportunidades assim que elas se manifestam. O trabalho de análise sistemática do ambiente de negócios de seu setor não é fácil, mas a recompensa vale a pena: melhores condições para a tomada de decisões estratégicas.

Identifique a trajetória de seu setor

Para identificar com precisão a trajetória de mudanças que atinge um setor, é preciso fazer uma análise concentrada e sistemática. Sugiro os seguintes passos:

1. Mapeie seu setor.

A primeira medida pode ser a identificação das empresas de seu setor que contam com os mesmos consumidores e fornecedores. Muitos economistas usam a “regra dos 5%” para avaliar se esses fatores comuns bastam para caracterizar uma empresa como concorrente direto: se uma diferença de 5% nos preços de uma organização leva os clientes e fornecedores a optar por outra, as duas concorrem de forma direta. Quando um grupo de empresas disputa os mesmos compradores e depende dos mesmos fornecedores, há mais um sinal de que se trata de competidores frontais. Se as empresas utilizam tecnologias similares para criar valor, provavelmente também concorrem diretamente.

2. Identifique os ativos e as atividades centrais.

Uma maneira simples indica se algo é essencial: se for eliminado hoje, os lucros caem em um ano? No mundo dos leilões, por exemplo, a capacidade de avaliar obras de arte constitui uma atividade central. No setor de refrigerantes, a marca Coca-Cola é um ativo central. A eliminação de qualquer um desses fatores afetaria a rentabilidade de seus respectivos setores.

3. Avalie se os ativos e as atividades centrais estão ameaçados de obsolescência.

A ameaça é real quando há risco de que esses ativos e atividades se tornem irrelevantes para a rentabilidade. É preciso que a ameaça seja significativa o bastante para colocar em risco a sobrevivência de pelo menos um líder do setor, e generalizada a ponto de impactar todas as empresas do setor. Comprovada a existência de uma ameaça, torna-se possível identificar qual das quatro trajetórias define seu setor de atuação.

4. Avalie a fase da trajetória de mudança.

Em geral, a mudança se materializa depois de um tempo e após diversas etapas, e as alternativas para reagir se reduzem conforme essas etapas passam. É essencial lembrar que um setor em geral evolui ao longo de uma única trajetória de cada vez. Quase sempre, a transformação começa com mudanças progressivas ou criativas, porque, coletivamente, as empresas de um setor não conseguem captar valor sem um modelo claro de organização das atividades centrais. Com o tempo, o setor pode sentir pressão para mudá-las, em conseqüência das exigências dos consumidores ou do surgimento de novas tecnologias, por exemplo. É possível que a ameaça de obsolescência impulsione o setor para uma trajetória de mudanças radicais ou na intermediação. Conforme o setor reestrutura suas atividades e ativos centrais, essa ameaça pode se reduzir e abrir caminho para mudanças de natureza progressiva ou criativa. Algumas vezes, a empresa que sobrevive a essas transições continua rentável, embora quase sempre tenha de atuar em uma escala menor e com outro enfoque.


Fonte: Revista HSM Management, por Rotman Magazine.

A autora Anita McGahan é professora de gestão estratégica da Rotman School of Management, do Canadá, e atua como professora convidada na London Business School, do Reino Unido, e na Harvard Business School, dos Estados Unidos. Preside a divisão de política e estratégia de negócios da Academy of Management e escreveu How Industries Evolve: Principles for Achieving and Sustaining Superior Performance (ed. Harvard Business School Press).