Inovação, o segredo do crescimento das empresas no século 21

O único jeito de crescer de modo significativo é pela inovação. O combustível de todo tipo de crescimento hoje no mundo corporativo é a inovação. Sem ela, não há crescimento sustentável a longo prazo.

Como crescer o negócio e as receitas?

Nos últimos cinco anos, o professor e consultor Rowan Gibson, autor do livro Inovação, Prioridade Número 1, vem fazendo palestras para líderes e empresários pelo mundo afora, respondendo a esta pergunta com uma só mensagem: inovação deve ser a prioridade número I.

Este é o título do seu livro em português, lançado no Brasil recentemente pela Editora Campus/Elsevier (Innovation to the Core, publicado originalmente pela Harvard Business Publishing em 2008), que reúne suas ideias e descobertas feitas a partir do estudo de casos de inovação em 200 empresas diferentes ao redor do mundo.

Hoje, diz Gibson, muitas empresas já entenderam que não e por meio de corte de custos, de downsizing, da adoção de sistemas de gestão consagrados como Seis Sigmas ou de programas e metas de eficiência que vão se destacar entre as outras perante o mercado, os clientes e os consumidores.

O único jeito de crescer de modo significativo e pela inovação. “O combustível de todo tipo de crescimento hoje no mundo corporativo é a inovação. Sem ela, não há crescimento sustentável a longo prazo”, afirma o professor.

O caso da fabricante americana de softwares, computadores e gadgets eletrônicos Apple é exemplar. Em 1997, quando seu fundador, Steve Jobs, voltou à empresa depois de um longo período de afastamento, ela estava cheia de problemas, desacreditada pelo mercado — sua imagem era de uma companhia praticamente falida. Desde que Jobs reassumiu o controle, portanto em apenas 12 anos, o valor de mercado da Apple cresceu tanto que 10 anos depois era nada menos que três vezes o da Nokia — US$ 35 bilhões.

A valorização das ações da Apple foi ainda mais impressionante: 2.300% em uma década. De onde veio todo esse crescimento? Não foi tentando desenvolver o laptop mais barato do mundo, investindo em programas de eficiência ou fazendo downsizing e perdendo talentos que Jobs conseguiu essa proeza.

Não havia nada de errado com a eficiência da Apple, ao contrário. Seus produtos são desenvolvidos na Califórnia, porém montados na China, como vários outros eletrônicos.

Mas não é esse o diferencial da Apple. Então, como Jobs fez isso? Não foi com certeza ficando sentado em uma cadeira no escritório na sede da empresa. Foi inovando, revolucionando o mundo dos computadores pessoais com o iMac, revolucionando o mundo da música com o lançamento do iPod e do iTunes e o mundo dos telefones celulares e smartphones com o iPhone e a Apple Store.

São produtos mais caros que os concorrentes, mas que não deixaram de vender nem durante a crise. Isso é inovação. Esta é a mensagem que a Apple vem passando ao mercado na última década. Mensagem que também todas as grandes empresas mundo afora vêm assimilando: a de que inovação é a prioridade número 1.

“No entanto, algo novo e nada agradável aconteceu no ano passado com a economia global — e de repente não estávamos mais falando em crescer, mas apenas em como salvar o negócio”, diz Gibson. De fato, o mundo nunca antes havia assistido a uma mudança tão rápida das condições do mercado e das prioridades dos consumidores em tão pouco tempo.

Foi como despencar de um penhasco. Em um ambiente hostil e adverso como esse, qual a mensagem que um consultor deve passar as empresas? O consultor está convencido de que, mais do que nunca, também e principalmente nessas horas, inovação deve ser a prioridade número 1. Por quê? – “Porque em uma recessão só há um jeito de sobreviver e crescer: inovando.”

Quando as pessoas estão economizando, como fazê-las voltar a gastar dinheiro? Inovando. Inovação é a única alternativa para transformar crise em oportunidade.

O WalMart, por exemplo, começou a pedir aos seus colaboradores para inovarem, sugerindo ideias sobre como cortar custos e sobreviver a crise. Em dois meses, a rede de supermercados reduziu seus custos em US$ 38 milhões. No Natal do ano passado, todas as luzes das árvores montadas em cada loja da cadeia foram alimentadas por luz solar.

Foi o que fez também a fabricante de automóveis coreana Hyundai. As vendas nos Estados Unidos estavam caindo desde outubro — 31% naquele mês, 40% em novembro e 48% em dezembro. Ao contrário de se acomodar à crise, a empresa foi à luta. Encomendou uma pesquisa e descobriu que metade das pessoas estava deixando de trocar o carro por um novo para economizar, com medo de perder o emprego e não poder mais pagar as prestações — lá todo mundo compra carro financiado a longo prazo. A montadora, então, decidiu dar certeza em tempos de incerteza, oferecendo segurodesemprego, que garantia a recompra do carro caso o consumidor perdesse o emprego ou a renda no ano seguinte. O impacto foi fabuloso: ao eliminar o medo da equação, em vez de simplesmente fazer propaganda das qualidades do seu automóvel, obteve um aumento das vendas de 14% em Janeiro, em relação ao mesmo mês de 2007, mais 25% em fevereiro e 33% em março. Com isso, a participação de mercado da montadora nos EUA subiu de 2,7% para 4,3% em três meses. Foi essa inovação — analisando o modelo de negócios a luz da nova realidade, pesquisando a demanda e dando aos consumidores o que eles precisavam — que levou as pessoas de volta aos showrooms da marca em plena recessão. A Hyundai é hoje considerada a marca de automóvel de maior sucesso nos EUA.

Para o presidente da Intel, Paul Otellini, “dar ao consumidor novas razões para comprar” é a melhor resposta a recessão. Ele não está sozinho. Pesquisa recente realizada pela Boston Consulting Group descobriu que 25% das companhias afirmam que inovação é prioridade número 1; 64% dos executivos seniores dizem que inovação é uma das três prioridades estratégicas; e 58% dos executivos planejam aumentar seus investimentos em inovação em 2009. A pesquisa foi feita no pior momento da recessão, mostrando que as empresas finalmente sentem a importância da inovação, que estão gastando mais dinheiro em inovação. Até o presidente Barack Obama acredita nisso. Recentemente, ele disse a nação americana: “Agora que conseguimos nos afastar do pior, o desafio é descobrir como crescer de forma sustentável”. A resposta, diz Gibson, é inovação.

Resposta errada

No entanto, a maioria das empresas que declaram que inovação e sua prioridade número 1 está trilhando caminhos errados. Apesar de muitas terem investido bastante em inovação nos últimos 30 anos, tem crescido pouco. Este é um dos quebra-cabeças mais difíceis de entender — como aquele cubo mágico colorido que surgiu há 30 anos e até hoje muita gente tenta e não consegue solucionar.

E quais as razões desse fracasso, no caso das companhias? “Bem, primeiro porque, para muitas delas, inovação tem relação direta e exclusiva com pesquisa e desenvolvimento (P&D); elas confiam que isso será capaz de resolver todos os problemas”, afirma Gibson. O consultor cita a General Motors como a empresa que mais investiu em P&D nos últimos 30 anos. “Mas onde todo esse dinheiro foi parar?”, pergunta. Para ele, investir bilhões em P&D não é a resposta. Quando a Apple lançou o Macintosh, no começo dos anos 80, a sua concorrente IBM gastava pelo menos cem vezes mais em P&D.

Assim como foco em P&D, confiar apenas em fundos de venture capital também não é a solução. Muitas empresas acreditam que o único jeito de inovar é terceirizar o desenvolvimento de novas ideias. Contratar fabricantes na Ásia, por exemplo, é muito perigoso — de repente a empresa dona da ideia descobre que o terceirizado na Ásia conhece mais os seus clientes do que ela mesma. Além disso, o mesmo terceirizado presta serviços para diferentes fabricantes. Por isso todos os celulares hoje parecem iguais. Algumas terceirizam o desenvolvimento do design dos seus produtos, fazendo parcerias com empresas mais poderosas e inovadoras que elas — mas, de novo, uma empresa não constrói novas capacidades terceirizando o desenvolvimento de novas ideias e entregando a responsabilidade para gente de fora.

Colocar as pessoas para pensar e conectá-las em rede para gerar novas ideias e outra coisa que já se provou não ser eficiente — ao menos não na maioria dos casos.

A Xerox que o diga. Nos anos 80, a empresa criou um centro de recursos e desenvolveu vários produtos maravilhosos no começo — mas não vendeu nada. Outras investem em brainstorms — reúnem as melhores cabeças da empresa, ficam fora dois ou três dias colocando suas ideias no papel, e depois descobrem que a maioria é lixo. Ou, então, incentivam as pessoas a colaborar com ideias em caixas de sugestões. O problema aqui é que, quando você solicita sugestões das pessoas, elas já têm as ideias no seu bolso por anos e apenas estão esperando uma oportunidade para vendê-las. E isso não significa ideias novas, mas coisas já prontas, não pensadas naquele momento para resolver problemas da empresa naquele momento de mercado. Isso é muito mais difícil.

Na sua essência, todas essas opções não têm nada de errado em si, cada uma tem seu valor, mas não representam inovação de fato, fora do convencional.

Muitas empresas pensam que basta falar sobre inovação, fazer propaganda disso, escrever em cartazes e colocar em seus documentos e relatórios: “Nós prosperamos pela inovação”, “Estamos comprometidos com o crescimento através da inovação”, “Temos um grande compromisso com a inovação”. E por aí vai o blá-blá-blá.

Por que há tamanha disparidade entre discurso e prática? Segundo Gibson, é porque os administradores não estão nem aí para a prática, satisfazem-se em usar as expressões da moda. E o maior assassino da inovação é quem ocupa a gerência média na organização. As respostas são sempre desanimadoras: “Se a ideia é boa, por que ninguém teve antes? A ideia não é minha, então não é boa! Se eu apoiar você nisso e não der certo, posso perder meu emprego. Não temos tempo, não temos dinheiro”. A maioria dos gerentes acomoda-se naquela santíssima trindade da gerência: cumprir prazos, ficar dentro do orçamento e não cometer erros, diz o consultor. “E assim que se recebem promoções. Querem gente que assuma riscos, mas não promovem quem assume riscos. Só recebe promoção quem não erra.” Por isso, continua o professor, talvez no fundo os gerentes não acreditem em inovação, mas apenas em números e dados financeiros. Só entendem a inovação como departamentos, não como um sistema.

“Mas é preciso fazer da inovação uma capacidade sistêmica na organização. Muito poucos executivos no mundo têm uma ideia precisa disso. Poucos entendem inovação como parte do DNA da empresa. Para funcionar, a inovação precisa envolver todo mundo da organização, todo santo dia, toda hora, em todo lugar. É isso que precisa mudar”, ensina.

Mudança de qualidade

Se alguém perguntasse à Chrysler, à GM ou à Ford, 30 anos atrás, se elas desejavam aumentar a qualidade da sua produção, todas diriam sim. Se perguntasse como, nenhuma delas saberia responder. “Ninguém tinha a menor ideia por onde começar. Porque naquela época era difícil encontrar empresas que soubessem algo além de controle estatístico de processos, análise de Pareto, círculos de qualidade, disciplinas PDCA, Seis Sigmas. Pensavam que a qualidade era um departamento. Tinham um inspetor de qualidade no final da linha de produção para dizer se tal coisa cumpria os requisitos ou não.

“Quando as empresas japonesas começaram a falar em qualidade total, no Ocidente ninguém entendia direito o que era isso; achavam que os japoneses se reuniam para tomar chá verde e conversar sobre qualidade”, brinca Gibson. Mas a realidade era quase isso mesmo: as empresas aqui instituíam grupos de qualidade, sentavam todos juntos toda sexta-feira à tarde e, se não tomavam chá verde, tomavam café e comiam rosquinhas, enquanto discutiam o que havia acontecido com a qualidade — que sempre diminuía, diminuía… Porque não se trata disso, diz Gibson: melhorar a qualidade implica integrar competências. O mesmo vale para a inovação, que requer a adoção de novos valores, novos processos, novas métricas, novos sistemas de gestão, novas soluções de TI.

Foi o que empresas como Shell, GE, Roche, Microsoft, IBM, Whirlpool, Nokia, Best Buy, Procter & Gamble, Google, Apple e Gore entenderam nos últimos anos. “Elas sabem que a inovação só acontece como um sistema. São uma nova raça de inovadores, campeões da inovação”, diz o consultor. Da mesma maneira que as empresas passaram dez anos integrando qualidade como uma capacidade sistêmica, o que os líderes dessas organizações de ponta estão tentando desesperadamente fazer e transformar a inovação em uma capacidade corporativa. “Esta é a próxima grande onda em negócios.”

O foco até agora estava errado, porque a maioria focava na fronteira final da inovação — R&D, criatividade, novas ideias. Mas não se trata apenas disso. É como uma vela de motor de carro: sozinha não é nada, mas integrada ao motor e uma peça indispensável, uma grande invenção. O problema é que a maioria das pessoas não sabe como pôr ou tirar uma vela de ignição no motor sem um manual de instruções.

A inovação é um sistema de engrenagens — e requer um guia que ensine a construir a engrenagem. Esta é a proposta do livro de Gibson. Na sua visão, a estrutura da inovação é feita de quatro engrenagens interligadas: liderança e estrutura; ferramentas e processos; pessoas e padrões, cultura e valores. “Uma leva a outra, que leva a outra — de modo que a última é consequência das três primeiras”, explica.

No caso da inovação, algumas empresas começam do final, declarando: “Vamos construir uma cultura de inovação”. Não funciona. O melhor caminho a seguir e começar pelo começo, trabalhar nas três primeiras engrenagens — assim, a engrenagem da cultura começará a girar junto com as outras, como consequência natural.

Liderança

O presidente da General Electric (GE) nos últimos dez anos Jeff lmelt, tem declarado que a única resposta para as empresas hoje e inovação. A GE tentou de tudo — Seis Sigmas, fusões e aquisições, corte de custos, todas as estratégias consagradas de administração de empresa em seus mais de cem anos. Mas Imelt diz agora que esta é uma nova era, e só a inovação pode nos dar todas as respostas. E ele parece estar correto. Afinal, a GE vem aumentando seu valor em US$ 15 bilhões todos os anos. Este é simplesmente o valor de mercado da Nike — que a empresa demorou 40 anos para acumular.

A GE conseguiu essa proeza muito mais rapidamente usando o motor da inovação. Uma das maneiras que Imelt encontrou foi incentivar cada Iíder de cada área da empresa a apresentar todos os anos pelo menos três ideias revolucionárias. E o que, na GE, foi batizado como Imagination Breakthroug (o mesmo que imaginação revolucionária, em inglês).

A IBM é outro bom exemplo. Todas as estradas levam a inovação, diz Sam Palmisiano, seu presidente. Ele acredita que, de qualquer ponto de vista, seja do crescimento das receitas, da economia de custos, da revisão das estratégias… todos eles levam uma empresa de volta a rota da inovação.

A IBM criou unidades para novas oportunidades de negocios chamadas Emerging Business Opportunities (EBO), para lidar com o que não combinava com o modelo de negócios da IBM. Foram criadas 25 unidades — seis delas faliram, mas a grande maioria prosperou. A empresa também lançou um programa batizado de Innovation Jam — ou inovação aberta. Por três dias, todos os anos, a empresa convida gente do mundo todo a colaborar com ideias novas online. Mais de 60 mil pessoas participam, ajudando a descobrir novas oportunidades de uso para as tecnologias da IBM.

Em outra grande companhia, a Procter & Gamble (P&G), a decisão foi ainda mais longe. Eles não queriam inovação apenas nos produtos, mas em todo o espectro da organização: no modo de comercializar, de produzir, de distribuir. A primeira coisa que fizeram foi derrubar as paredes entre os diversos silos que havia lá dentro, convidando as áreas e seus funcionários a trocar idéias. É o que se chama de inovação 360 graus. E criaram três equipes para olhar o que havia de melhor em cada unidade e juntar tudo.

Um dos produtos que surgiram dessa estrutura foi a White Strips — fitas adesivas que branqueiam os dentes com o uso uma vez por dia por alguns minutos, durante duas semanas, ajudando a economizar com longos e caros tratamentos dentários convencionais. São US$ 30, para fazer em casa em duas semanas, em vez de gastar US$ 30 mil com dentistas. O produto foi resultado da união de descobertas do departamento de produtos de limpeza com o de cosméticos. No primeiro ano, o produto vendeu US$ 200 milhões, com participação de mercado acima de 90% — foi o lançamento de maior sucesso da P&G em 20 anos. O programa de inovação aberta reconhece que ha gente brilhante dentro dos seus laboratórios — e decidiram combinar com sugestões de gente de fora, clientes no mundo inteiro.

Em 2001, o presidente decidiu que queria metade das inovações vindo de fora da empresa. Com isso, os gastos com pesquisas em inovação caíram 20%. Um dos resultados dessa combinação foi a escova com pasta de dentes integrada e fio dental acoplado, a um custo muito mais baixo do que o do concorrente, usando um motorzinho simples, que na época fazia parte de um pirulito que girava na boca, de uma pequena empresa chamada Spin Pock, fazendo a alegria da criançada. A escova tradicional com motor custava US$ 200 e essa outra com motor de pirulito, descartável, dez vezes menos.

É isso, segundo Rowan, o que acontece quando se trabalha com inovação aberta. “Quero inovação em todo lugar, o tempo todo, na empresa.” Com essa frase, Dave Whitwam, ex-presidente da Whirlpool, determinou em 1999 a estratégia para crescimento da empresa para os cinco anos seguintes. Whitwam criou uma infraestrutura dedicada a gestão da inovação — com presidente, vice, gerentes e unidades para todo tipo de inovação possível, distribuindo a responsabilidade pela inovação pela empresa ao redor do mundo. Ele optou por ter um departamento de inovação, e não um de P&D. Quantos tipos de inovação podem vir de um laboratório? Os cientistas ali estão lidando com microscópios e não estão ligados ao que o mercado deseja. Com nada menos do que 1,2 mil mentores para incentivar e treinar pessoas a inovar e 50 consultores, na Whirlpool os inovadores não vão direto ao seu chefe de departamento para sugerir alguma coisa — vão procurar seu mentor.

Quatro lentes

De onde vem a inovação? Para começar, é preciso mudar a maneira de enxergar o mundo. Gibson recomenda o uso de “lentes” para obter essa nova visão. “Os maiores inovadores de nosso tempo não descobriram nada sentados em suas mesas de escritório, mas olhando para o mundo corn lentes novas”, afirma. Para Gibson, quatro lentes — ou focos — são necessárias: desafiar a ortodoxia, aproveitar tendências, alavancar recursos e entender necessidades e desejos do consumidor não atendido.

Um dos melhores exemplos para ilustrar como é possível desafiar dogmas é o da empresa que criou as melancias quadradas. Por que elas tem de ser redondas? Porque sempre foram, desde o começo dos tempos? Mas essa forma é totalmente contraproducente — dificulta o manuseio, transporte, corte e armazenagem. Não foi preciso nenhuma pesquisa genética para transformá-las em quadradas — apenas criar formas para que elas crescessem quadradas. Foi o que fizeram produtores japoneses, com muito sucesso. Por isso, esses produtores podem cobrar um preço mais alto pelas suas melancias diferenciadas. Apesar de mais caras, por serem mais úteis, fizeram muito sucesso entre os consumidores.

Foi seguindo o mesmo princípio que a fabricante de computadores Dell criou seu sistema de distribuição próprio, que não depende de rede de distribuidores. E a Toyota também, ao decidir que não era racional obrigar o consumidor a escolher entre limusines caras ou carros baratos e mal acabados. O mesmo fez a Apple, desafiando o jeito como o consumidor vinha usando computadores e celulares, ouvindo e comprando música. Alias, no caso de celulares, a revolução é geral: hoje apenas 3% dos aparelhos são dedicados a fazer ligações, o resto e para ouvir música, jogar videogames, tirar fotos…

A montadora Indiana Tata, por exemplo, criou o Nano — um carro de US$ 2 mil, desafiando a ideia de que um carro deveria custar no mínimo US$ 30 mil. O automóvel Nano custa o mesmo que uma bolsa Louis Vuitton.

A Nintendo desafiou a forma convencional de jogar videogames — não mais apenas mexendo os dedos das mãos. O seu Wii deu ao controle remoto a verdadeira sensação emocional de estar no controle, com movimentos reais — numa brincadeira para toda a família, até para os avós, que assim podem até ganhar dos netos. Agora a Nintendo tem um produto que vende mais que o Xbox da Microsoft e o Playstation da Sony.

Por que um banco não pode funcionar 24 horas? Para quem trabalha geralmente e difícil conciliar seu horário com o dos bancos. O Commercebank, nos EUA, entendeu que isso não fazia nenhum sentido. O banco e do grupo Burger King, especializado no setor de serviços. E o primeiro do mundo a funcionar em tempo integral. A lanchonete entrou no setor bancário com sucesso desafiando a ortodoxia.

Jogos online são outra tendência importante, e as empresas de TI descobriram que ela estava sendo incentivada pela explosão das redes sociais. Uma empresa indiana desenvolveu um jogo de palavras cruzadas para ser jogado online com gente de todo o mundo a qualquer hora para o site de relacionamentos sociais Facebook. E um típico exemplo de uma empresa que soube identificar tendências e aproveitá-las para alavancar receitas. O que dizer dessa tendência? A mais nova febre é o Twitter, que cresce exponencialmente seu número de usuários, que passou de 1,6 milhão em 2008 para 32,1 milhões na metade de 2009.

A Mini, montadora inglesa dona do Mini Cooper, inventou um uso interessante para o RFID (identificador de radiofrequência, um código de barras inteligente com retransmissor), que virou rapidamente sinônimo de really fun interactive devices (dispositivos interativos realmente divertidos), ao colocar um chip no carro e outro nos outdoors de Londres. Quando o dono do carro passa por um desses outdoors, eles reconhecem o carro e enviam mensagens personalizadas como Be/o dia para usar sua capota conversível, Kate!

Inovação é como você a dirige, diz Gibson. É aproveitar tendências e transformá-las em oportunidades. Há vários tipos de tendências: demográficas, sociais, regulatórias, ecológicas. Para tirar o melhor proveito delas, é preciso perguntar se podemos aproveitar determinados ativos estratégicos em novas formas de trazer um novo valor para os clientes.

Mas poucas são as empresas preparadas para surfar nessas ondas — a maioria fica parada e acaba se afogando no tsunami. “Em uma onda, ou se está por cima, ou por baixo.”

A Disney, por exemplo, não é mais uma mera produtora de filmes, mas a maior empresa mundial de entretenimento 3D — essa e sua competência essencial. Esse entendimento permitiu a empresa criar novos valores e ser mais lucrativa. Os consumidores querem as roupas, os objetos dos filmes, as histórias viram peças de teatro, musicais de sucesso…

Usando o exemplo da Disney, toda empresa deveria se perguntar quais as competências essenciais que pode transferir para novas oportunidades e quais ativos estratégicos podem gerar novas formas de trazer um novo valor para os clientes.

Assim fez também o McDonalds. Para aproveitar o imenso espaço do estacionamento de algumas de suas lojas, a lanchonete decidiu instalar quiosques de conveniência para vender produtos como escova de dentes, chicletes, pilhas e leite e alugar DVDs. Percebendo que a demanda era grande por esse último item, eles criaram a rede RedBox, que hoje já desafia a Blockbuster.

As empresas inovadoras, portanto, podem ser definidas também como aquelas mais antenadas as necessidades não satisfeitas dos seus clientes. Isso, ao contrário do que possa parecer, não e uma coisa simples, meramente instintiva — é preciso cavar profundamente para descobrir. São coisas latentes, não explícitas. Ninguém pediu ao Google para criar um sistema de buscas, nem a Apple para inventar uma loja para vender músicas online. Mas hoje quase ninguém mais vive sem essas invenções.

A Ilkone, uma empresa de tecnologia, desenvolveu um celular sob medida para os muçulmanos — seus usuários podem encontrar o Alcorão completo, em árabe e em inglês, acionar um despertador que indica a hora certa de rezar e um GPS que mostra onde esta Meca, indicando para onde ele tem de se ajoelhar na hora de rezar.

A fabricante chinesa de eletrodomésticos Haier, a quarta maior do mundo, descobriu que em muitas cidades as máquinas de lavar roupas estavam sendo usadas de um jeito totalmente inusitado: para lavar vegetais — e até para fazer leite de cabra. E o que a empresa fez? Não inibiu a demanda, não publicou nem divulgou alertas, avisando que a máquina não era para este fim. Ao contrário, fez algumas modificações no produto e colocou um adesivo ensinando a fazer leite de cabra com suas maquinas e como lavar vegetais. As vendas, claro, aumentaram. Isso que é entender a necessidade dos clientes.

Mas nem todas são assim. Muitas empresas dizem para os funcionários: quero que você pense fora da caixa. E onde as empresas os colocam? Em uma caixa. Os escritórios são inibidores de criatividade. É preciso tempo e espaço para criar, e preciso criar um mercado livre para a inovação.

Na Shell, por exemplo, não é preciso ir ao chefe propor algo novo. Existe um espaço online, chamado GameChanger, que filtra e seleciona ideias inovadoras, que podem receber uma verba inicial de US$ 25 mil em menos de uma semana para começar uma experiência. Os candidatos — não apenas funcionários — tem 30 dias para validar as hipóteses mais críticas da sua ideia. Se achar que a experiência está no caminho certo, a Shell concede mais US$ 50 mil e mais 90 dias ao candidato, chegando a algo entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão por um ano. Se não der certo, o.k.

A empresa já perdeu dinheiro incentivando ideias sem futuro, claro; mas quando aparece uma grande idéia, ela ganha muito. Uma vez a Shell estava em busca de um jeito de evitar a entrada de água do mar seus oleodutos submarinos. Certa vez, viajando para a Ásia, um funcionário da empresa encontrou um dinossauro de brinquedo, feito de borracha compacta expansível, comprou para seu filho (por um US$ 1) e, quando o colocou na água, ele cresceu cem vezes o seu tamanho inicial. A criança ao ver aquilo levou um susto, claro, e começou a chorar; mas o pai gritou “Eureka!”. E criou um sistema usando o material do qual era feito o brinquedo. Quando instalado dentro dos oleodutos, se expandia automaticamente, vedando o tubo e evitando a mistura da água do mar no óleo quando esse entrasse por uma fresta qualquer. O produto foi batizado de SwellFlex, e deu origem a um negócio totalmente novo para a Shell.

Inovadores

O que Gibson não entende e por que demorou tanto para as empresas perceberem que devem envolver todos da corporação em inovação. “Há mais de 30 anos, a resposta para a busca da qualidade foi envolver pessoas comuns nessa busca.” Mas esse entendimento hoje já é uma realidade cada dia mais presente nas empresas — ao menos nas grandes, de classe internacional, líderes em seus setores. A Toyota recebe e avalia sugestões vindas de todas as partes, que já somam um milhão de novas idéias todo ano. Mas nem todos são como a Shell, a Toyota e as empresas de tecnologia.

A maior revendedora de produtos eletrônicos do mundo, a BestBuy, tem uma história exemplar nesse sentido. Uma das lojas da rede, em Manhattan, Nova York, sacou que tinha uma grande comunidade de brasileiros morando nas redondezas. Nenhum concorrente seu na região estava entregando algo que satisfizesse as necessidades desse público. Por que não contratar gente que falasse português para atendê-los? Descobriram que todo domingo um cruzeiro chegava do Brasil a Nova York — e essa gente toda chegava bem no dia em que tudo estava fechado. A BestBuy decidiu fazer de uma visita a loja local parte do programa dos turistas. Como resultado, conta Gibson, as vendas triplicaram. E essa foi uma idéia que não veio dos diretores, mas sim da linha de frente, dos vendedores, de gente que está nas lojas, próxima aos clientes, e que entende suas necessidades.

Como encontrar gente criativa e estimulá-las a ser assim a favor da empresa? É preciso ter um esquema que permita a emergência desses talentos. “Hoje em dia, o que fazem as pessoas comuns quando chegam a noite em casa? Há milhares de ferramentas e softwares interessantíssimos, que permitem escrever blogs, fazer discotecagem online, fazer filmes, todas essas coisas criativas… E sabe o que fazem quando chegam na empresa pela manhã? Deixam a criatividade do lado de fora da porta”, observa Gibson.

Entre outras coisas, criar esse ambiente depende também de mudar o Departamento de Recursos Humanos (RH): é preciso estabelecer um sistema de recompensa e remuneração baseado em inovação. Salários, bônus, planos de incentivo de longo prazo, tudo deve estar integrado a estratégia de inovação da empresa. Enfim, o RH deve ajudar a construir na empresa a capacidade de inovação.

Outra tarefa que deve ser responsabilidade do RH é estabelecer um centro de treinamento da inovação. Na Whirlpool, 30 mil empregados já foram treinados nas habilidades e ferramentas de inovação.

O que acontece, porem, na maioria das companhias ainda é bem diferente disso — elas tendem a frustrar e não facilitar a inovação e a experimentação. Os valores adotados são incompatíveis com o ambiente cultural. As empresas dizem que a inovação e prioridade, mas criam uma cultura que a inibe — apesar de toda a retórica, elas ainda acreditam em procedimentos operacionais-padrão, e não em criatividade, em quebrar regras, em correr riscos.

O professor ensina que há três precondições culturais para deixar a inovação acontecer: tempo e espaço para a inovação; diversidade de pensamento; conexão e conversação.

O Google, por exemplo, tem como política deixar os funcionários dedicarem 20% do seu tempo a inovações — os maiores produtos e serviços da empresa nasceram assim. Muita gente quer o privilégio de ter sua idéia no meio da lista de um milhão enviadas para análise dos sócios criadores da empresa. Eles colocaram o apelido de Googlette — uma criança de fraldas, que representa as ideias. Quando crescerem, serão como o Google.

Outra empresa, a Gore, estava experimentando novos usos para teflon em transplantes, para evitar rejeição. O dono da empresa tinha o ciclismo como hobby. Um dia pedalando pensou: “E se usássemos o teflon para revestir cabos dos freios de bicicletas?”. Funcionou: assim nasceu o rides on. Mais tarde, descobriu que podia fazer cordas de violão revestidas com teflon também. Hoje, a Elixir é a corda de violão mais vendida nos EUA, com 35% do mercado. Foi inovação em um campo onde nada havia aparecido de novo por décadas.

A segunda precondição para criar uma cultura de inovação é o estímulo à diversidade dentro da empresa. É preciso ter gente jovem, novos funcionários sendo contratados e a colaboração de gente de fora. Além de diversidade étnica e de gênero, que são muito importantes, Gibson afirma que a principal é a diversidade de pensamento. “Na maioria das empresas temos sempre as mesmas velhas pessoas, a mesma velha direção, sem diversidade nenhuma.” A criatividade brota fácil em cidades como São Paulo, Nova York e São Francisco, devido a grande diversidade cultural.

A terceira precondição é estabelecer e incentivar conexões e diálogo — este é o princípio por trás do modelo da internet, que dá certo no mundo de hoje. Às vezes, nem é preciso inventar nada — apenas juntar ideias, habilidades, domínios e ativos em uma nova combinação. Este é o exemplo do eBay — o site de leilões online mais movimentado do mundo.

O que é o eBay senão um mercado de pulgas, baseado na idéia pré-histórica de escambo. Só a maneira de fazer é nova.

Para fazer essas combinações, porém, é preciso tempo. E quanto tempo é preciso para conversar com gente de outros departamentos da empresa, até mesmo com clientes? Estar sempre falando com as mesmas pessoas não ajuda a ter novas ideias. É fundamental aumentar as conexões.

“Tudo isso tem a ver com sincronicidade, ou seja, os valores que pregamos devem ser consistentes com o ambiente que criamos”, ensina Gibson. Para ele, e preciso tornar a inovação uma habilidade permanente, onipresente, uma nova forma de viver corporativa. E assim que construímos esse motor, ele vai propulsionar o aumento das receitas e a renovação estratégica para o futuro da empresa. “Tornar a inovação uma habilidade corporativa leva tempo — não será em duas semanas. Mas não existe plano B”, conclui.


Fonte: Harvard Business Review Brasil, suplemento Inovação, por Léa de Luca