Gestão baseada em evidências

Volta e meia o executivo administra à empresa falsas poções mágicas: panacéias sem nenhuma credibilidade, soluções parciais, curas miraculosas ainda não provadas. Em muitos casos, já há fatos indicando o que funciona e o que não. Por que, então, o gerente ignora a verdade? Não devemos ignorar as evidências.

Um conceito novo, audaz, tomou de assalto a comunidade médica na última década: a idéia de que toda decisão tomada pelo médico deveria ser fundada nas melhores e mais recentes informações sobre aquilo que realmente funciona.

Indivíduo mais associado à medicina baseada em evidências, o médico David Sackett a define como “o uso consciente, explícito e judicioso da melhor evidência disponível para a tomada de decisões sobre o tratamento do paciente”. Sackett, seus colegas na McMaster University, em Ontário, no Canadá, e o crescente número de médicos que aderem ao movimento estão empenhados em identificar, disseminar e, antes de tudo, aplicar pesquisas conduzidas com rigor e clinicamente relevantes.

Se isso tudo soa absurdo aos ouvidos do leitor – afinal, o que mais além dos fatos nortearia as decisões do médico? -, sua ignorância sobre como a classe médica costuma praticar o oficio é profunda. Há pesquisa, sim – milhares de estudos realizados todo ano sobre práticas e produtos médicos.

Infelizmente, poucos deles são usados pelo médico. Estudos recentes revelam que 15% apenas de suas decisões são tomadas com base em evidências. Em geral, o médico se vale, isso sim, do seguinte: conhecimento obsoleto adquirido na faculdade, tradições arraigadas mas nunca comprovadas, padrões tirados da experiência, métodos nos quais crê e é perito em aplicar – e informações de levas de empresas com produtos e serviços a desovar.

O mesmo comportamento é registrado entre gestores que tentam curar os males de uma organização. Aliás, diríamos que o executivo ignora muito mais do que o médico que tratamentos seriam mais confiáveis – e que está menos disposto a investigar.

Se todo médico praticasse a medicina como muitas empresas praticam a gestão, subiria o número de mortes ou enfermidades evitáveis entre os pacientes e haveria muito mais médicos na cadeia ou pagando outra penalidade por negligência médica.

É hora de iniciar um movimento baseado em evidências para a classe administrativa. É verdade que, de certo modo, o desafio aqui é maior do que na medicina (veja o texto “Por que é difícil se basear em evidências?”). A evidência é menos sólida, quase qualquer um pode se proclamar um mestre da gestão (o que comumente ocorre) e um manancial desnorteante de fontes – Shakespeare, Billy Graham, Jack Welch, Tony Soprano, pilotos de guerra, Papai Noel, Átila, o Huno – é usado para produzir conselhos de gestão.

O gestor em busca das melhores evidências enfrenta, também, um problema mais árduo do que o médico: tamanha é a variação de empresa em porte, forma e idade (em comparação com seres humanos), que é muito mais arriscado nos negócios, supor que uma “cura” infalível surgida em uma organização surtirá efeito em outras.

Ainda assim, é razoável supor que quando o gerente se vale de lógica e evidências melhores sua empresa vai bater a concorrência. Daí termos dedicado toda nossa carreira na pesquisa, sobretudo nos últimos cinco anos, a desenvolver e a expor a melhor evidência disponível sobre como uma empresa deve ser tocada – e a difundir entre administradores a mentalidade e os métodos certos para prática da gestão baseada em evidências. Assim como a medicina, a administração é – e provavelmente sempre será – uma arte só dominada com a prática e a experiência. Acreditamos, contudo, que o gerente (bem como o médico) pode ser mais eficaz no oficio se for guiado a todo instante pela melhor lógica e a melhor evidência – e se buscar incessantemente informações e descobertas novas tanto dentro como fora da empresa, para manter atualizados suas hipóteses, seu conhecimento e sua capacitação. Ainda não chegamos lá, mas estamos avançando. Gerentes e empresas que mais se aproximam desse ideal já exibem uma acentuada vantagem competitiva.

O uso e a defesa de opções de ações como método de remuneração parece se enquadrar no caso de crença que atropela qualquer evidência, em prejuízo da empresa.

O que passa por verdade

Se um médico ou um executivo toma uma decisão sem respaldo na melhor evidência atual sobre o que surtiria efeito, qual é a explicação? É tentador pensar logo no pior. Burrice. Preguiça. Puro engodo. A verdadeira resposta, porém, é a mais benigna. Às vezes, um profissional tarimbado não vai atrás de novas evidências por confiar na própria experiência clinica mais do que em pesquisas. A maioria até admitiria que a pequena amostra de pacientes que caracteriza sua observação direta representa um problema – mas, ainda assim, a informação obtida em primeira mão em geral soa mais rica e próxima do verdadeiro conhecimento do que palavra e dados num artigo de revista. Na mesma veia, muitos gestores deixam a empresa em apuros ao importar, sem uma suficiente ponderação, práticas de mensuração e gestão de desempenho de experiências prévias. Vimos um exemplo disso numa pequena fabricante de software cujo cabeça do comitê de remuneração, um executivo de sucesso, inteligente, sugeriu diretrizes iguais às que usara na antiga empresa. O fato de que as duas tinham porte totalmente distinto, vendiam um software distinto, usavam modelo de distribuição distinto e visavam mercados e clientes distintos não pareceu incomodar nem ele, nem muitos dos colegas de comitê.

Outra alternativa a usar evidências é tomar decisões que capitalizem pontos fortes do profissional. É um problema particularmente com especialistas, que vivem recorrendo a tratamentos nos quais têm maior experiência e habilidades. Cirurgiões são notórios por agir assim (um médico-escritor, Melvin Konner, cita uma piada comum entre os colegas: “Se quiser ser operado, pergunte a um cirurgião se você precisa de uma operação”.) Se sua empresa precisa, por exemplo, angariar mais clientes potenciais, seu planejador de eventos provavelmente vai sugerir um evento. Já o pessoal de marketing direto provavelmente vai propor uma mala-direta. Um velho ditado – “Para um martelo, tudo parece um prego” – em geral explica o que acaba sendo feito.

Naturalmente, a publicidade e o marketing também têm influência sobre a informação que chega a um profissional atribulado. Médicos lidam com um exército infindável de vendedores, que turvam as águas ao exagerar o beneficio e minimizar o risco do uso de medicamentos e outros produtos de sua linha. Na outra mão, certas soluções de fato eficazes não possuem ninguém para defendê-las. Durante anos, clínicos gerais indicavam pacientes com verruga plantar a especialistas na área para procedimentos cirúrgicos caros, dolorosos. Há pouco veio à luz que a velha fita adesiva tem efeito tão eficaz quanto.

Uma série de outras decisões é movida por dogmas ou crenças. Quando a influência ideológica é exagerada, a pessoa muitas vezes não questiona se aquilo que vai fazer surtirá efeito – já que a coisa toda condiz tanto com aquilo que “sabe” sobre o que motivo os indivíduos e organizações. Nos negócios, o uso e a defesa de opções de ações como método de remuneração parece se enquadrar nesse caso de crença que atropela qualquer evidência, em prejuízo da empresa. Muitos executivos afirmam que o esquema de opções produz uma cultura de posse que estimula a pessoa a trabalhar 80 horas por semana, a ser austera com o dinheiro da empresa, a fazer sacrifícios pessoais em nome da geração de valor. T.J. Rodgers, presidente da Cypress Semiconductor, encarna essa mentalidade. Em entrevista ao San Francisco Chronicle, disse que, sem opções, “já não teria funcionários-acionistas, mas meros funcionários”. Na verdade, há pouca evidência de que deter parte da empresa como forma de incentivo, incluindo opções de ações, acentua o desempenho organizacional. Um exame recente de mais de 220 estudos compilados por Dan R. Dalton e colegas da Indiana University conlcuiu que a posse de ações não tinha nenhum efeito consistente sobre o desempenho financeiro.

Também se atribui a ideologia a persistência do mito da vantagem de quem age primeira, de quem é pioneiro. Estudos de Lisa Bolton, da Wharton, demonstram que a maioria das pessoas – com ou sem experiência em negócios – acredita que a primeira empresa a entrar no setor ou mercado levará grande vantagem sobre as rivais. Contudo, a evidência empírica sobre a existência dessa vantagem é bastante desencontrada e muitos “caos de sucesso” relatados para amparar a tese carecem de qualquer fundamento (a Amazon.com, por exemplo, não foi a primeira a vender livros pela internet). Na cultura ocidental reina a crença de que “Deus ajuda quem cedo madruga”, mas essa é uma meia-verdade. Como diz o futurista Paul Saffo, a grande verdade é que o segundo (ou terceiro, ou quarto) rato em geral é quem leva o queijo. Infelizmente, a crença na vantagem de ser o primeiro e o mais rápido em tudo o que se faz é tão arraigada que nem evidências contraditórias derrubam esse mito da força do pioneirismo. Noções fincadas na ideologia ou em valores culturais são “aderentes”, resistem a refutação e insistem em influenciar decisões e escolhas, sejam ou não verdadeiras.

Há, por último, o problema da imitação acrítica e seu equivalente nos negócios: o benchmarking informal. Tanto médicos como gerentes buscar imitar o comportamento de quem é considerado o melhor em seu campo. Não fazemos aqui, uma critica generalizada do benchmarking, que pose ser um instrumento valioso, eficiente em termos de custo (veja texto “O benchmarking pode gerar evidências?”). É bom lembrar, contudo, que quem se limita a imitar o que outras pessoas ou empresas fazem será, no máximo, uma cópia perfeita. Logo, o máximo que pode esperar é uma atuação tão boa quanto, mas nunca melhor, do que a desses exemplos do alto desempenho – e, quando a imitação por fim ocorre, o imitado já deu um passo à frente. Não é necessariamente, uma prática ruim, pois quem aprende com a experiência dos outros – dentro e fora do setor – pode poupar tempo e dinheiro. E quem aplica melhores práticas reiteradamente melhor do que os adversários acaba batendo a concorrência.

O benchmarking, porém, é mais nocivo à saúde da organização, quando usado de modo “informal” – quando mal se explora a lógica por trás daquilo que funciona para quem tem desempenho alto, por que funciona e o que funcionaria em outras circunstancias. Vejamos um exemplo rápido. Em 1994, quando quis competir com a Southwest no mercado da Califórnia, a United Airlines decidiu imitar a adversária. A United criou um novo serviço, o Shuttle by United, com tripulação e aviões próprios (todos Boeings 737). Pessoal nos guichês e comissários de bordo usavam traje informal. Não havia serviço de bordo. Na tentativa de reproduzir a lendária agilidade e maior produtividade da rival, a Shuttle by United aumentou a freqüência de vôos e cortou o tempo de permanência de aeronaves em solo. Nada disso, porém, reproduziu a essência da vantagem da Southwest – a cultura e a filosofia de gestão da empresa, além da prioridade dada aos funcionários. A Southwest acabou com uma fatia ainda maior do mercado na Califórnia com o lançamento da concorrente da United, que o final suspendeu a nova operação.

Acabamos de enumerar nada menos do que seis substitutos que o gerente, a exemplo de médicos, costuma usar em vez da melhor evidência disponível: conhecimento obsoleto, experiência própria, especialização especifica, publicidade, dogma e imitação inconseqüente de quem tem desempenho elevado. Logo, talvez seja fácil ver por que a tomada de decisão com base em evidências é algo tão raro. Ao mesmo tempo, deveria estar claro que adotar qualquer uma das seis táticas acima não é a melhor maneira de poderar distintas práticas ou se decidir por uma delas. Daqui a pouco iremos descrever como a gestão baseada em evidências toma forma nas empresas que a adotam. Primeiro, porém, seria útil darmos um exemplo do tipo de problema que a empresa pode enfrentar com evidências melhores.

Por que é difícil se basear em evidências?

É possível que o leitor esteja tentando tomar decisões com base em boas evidências. Você segue o noticiário especializado, compra livros de gestão, contrata consultores e freqüenta seminários para ouvir especialista. Ainda assim, é difícil aplicar a gestão baseada em evidências. Eis os entraves.

  • Há evidências demais.

Com centenas de revistas e outras publicações especializadas em negócios e administração, dezenas de jornais de negócios, cerca de 30 mil livros sobre o tema em catálogo e outros milhares publicados a cada ano (e isso só em língua inglesa), além da contínua proliferação de websites dedicados à gestão (de versões online de veículos como Fortune e The Wall Street Journal a sites especializados como Hr.com e Gantthead.com), é justo afirmar que simplesmente há informação de mais à disposição do gestor. Para piorar, recomendações sobre a prática de administração raramente são integradas de modo acessível ou fácil de assimilar. Peguemos o caso de Business: The Ultimate Resource, um livro de 2.208 páginas de tamanho grande que pesa quase quatro quilos. A obra afirma que “se tornará o „sistema operacional‟ de toda organização ou de qualquer profissional da gestão”. Só que um bom sistema operacional se integra de modo lógico e uniforme – o que não ocorre aqui ou com qualquer iniciativa de caráter enciclopédico já lançada.

  • Faltam boas evidências.

Apesar da existência de dados por toda parte, o gerente ainda sente uma escassez de orientação confiável. Em 1993 um alto consultor da Bain, Darrell Rigby, começou a realizar o único levantamento por nós já visto sobre o uso e a persistência de diversas ferramentas e técnicas de gestão (os resultados da mais recente versão da pesquisa da Bain, a Management Tools, foram publicados em Strategy and Leadership em 2005). Rigby disse ter estranhado o fato de que era possível obter boas informações sobre produtos como creme dental e cereal matinal – mas quase nada sobre intervenções que empresas gastavam milhões de dólares para implementar. Até o estudo da Bain, por mais válido que seja, mede apenas o grau em que é empregado cada programa e não vai além de avaliações subjetivas do valor de cada um.

  • A evidência não é propriamente válida.

É comum o gerente se deparar com meias-verdades – conselhos válidos em certas ocasiões, sob certas condições. Peguemos a controvérsia em torno de opções de ações. A evidência sugere que, em geral, a aposta pesada nesse tipo de instrumento não melhora o desempenho da empresa – embora eleve a possibilidade de que seja preciso recalcular o lucro no balancete. Já em empresas novas, pequenas, de controle fechado, tudo indica que são, sim, relevantes para o sucesso e menos propensas a geral falsas impressões. A pedra de toque de uma boa pesquisa é o conservadorismo – o cuidado do pesquisador em apontar o contexto no qual a intervenção A levou ao resultado B. Infelizmente, isso deixa o executivo se perguntando se a pesquisa em questão é ou não relevante para seu caso.

  • Tem gente tentando engana-lo.

Uma vez que é tão difícil distinguir o bom conselho do conselho ruim, o gerente é constantemente instado a crer e a adotar práticas falhas de gestão. Uma grande parte do problema está em consultores, que sempre ganham por fazer o trabalho, apenas às vezes ganham por fazer um bom trabalho e raramente ganham por avaliar se de fato melhoraram as coisas. Pior ainda, se apenas parte dos problemas do cliente é sanada, a consultoria é contratada de novo para seguir tentando! (se o leitor acha nossa critica pesada demais, que tal perguntar ao pessoal de sua consultoria favorita que evidências a firma possui de que os conselhos ou técnicas que sugere de fato funcionam? E, depois, prestar muita atenção à resposta dada).

  • Você está tentando se enganar.

Simon and Garfunkel tinham razão em cantar: “A man hears what he wants to hear disregards the rest.” (um homem só ouve o que quer ouvir, e ignora o resto). Muitos profissionais e seus consultores volta e meia ignoram evidências sobre práticas de gestão em conflito com suas crenças e ideologias, e sua própria observação é contaminada por aquilo que esperam ver. É algo particularmente perigoso, já que certas teorias podem vingar pela própria força – ou seja, às vezes perpetuamos com nossos próprios atos uma tese que nos é cara. Se acreditamos que não dá para confiar-nos outros, por exemplo, vamos ficar de olho no comportamento deles – e assim é possível que surja a confiança (evidências experimentais mostram que quando as pessoas são colocadas em situações nas quais a figura de autoridade espera uma atitude reprovável delas, muitos acabam confirmando essa expectativa).

  • O efeito colateral é pior do que a cura.

Às vezes a evidência sugere nitidamente qual a cura – mas os efeitos dela são considerados de modo estreito. Um de nossos exemplos favoritos não vem da área da gestão: é a polêmica em torno da promoção social, ou progressão continuada, em escolas publicas – ou seja, passar o aluno para a série seguinte mesmo que suas notas não o justifiquem. O ex-presidente americano Bill Clinton falava por muitos quando, em seu discurso sobre o Estado da União, em 1999, disse: “Não fazemos favor nenhum a nossas crianças quando permitimos que passem de uma série à outra sem dominar a matéria”. O atual presidente, George W. Bush, é da mesma opinião. Essa crença, contudo, contraria os resultados de mais de 55 estudos publicados que demonstram o efeito negativo geral do fim da chamada promoção social (não há, em oposição, nenhum estudo rigoroso que destaque efeitos positivos). Escolas que já tentaram pôr fim à prática logo descobrem qual o problema: reprovar a criança deixa a escola repleta de alunos mais velhos e faz disparar os custos, pois é preciso mais professores e outros recursos quando o estudante médio passa mais anos na escola. Além disso, o repetente reiteradamente se sai pior no final, com notas mais baixas, em exames e índices de evasão escolar maiores. Há relatos, ainda, de que aumenta a agressividade: mais velho do que os colegas, o repetente fica revoltado por ter ficado para trás. É, para o professor, é um problema manter o controle de turmas maiores.

  • Histórias são sempre mais convincentes.

É duro manter a dedicação à tarefa de montar uma defesa inabalável e baseada em dados para ação quando óbvio que uma história bem contada em geral é mais convincente. E, com efeito, somos contrários à tese de que apenas dados quantitativos deveriam ser considerados evidência. É como disse Einstein: “Nem tudo que pode ser contado conta, e nem tudo que conta pode ser contado”. Quando usados corretamente, caos e histórias são instrumentos excelentes para enriquecer o conhecimento gerencial. Embora haja uma leva de estudos quantitativos publicados sobre o desenvolvimento de novos produtos, poucos chegam perto de Soul of a New Machine (pelo qual Tracy Kidder levou um Pulitzer) no relato de como um engenheiro concebe um produto e como um gerente pode acentuar ou solapara o sucesso do engenheiro (e do produto). Orbiting the Giant Hairball, de Gordon Mackenzie, é a mais útil e encantadora obra sobre a criatividade em empresas que já vimos. Mesmo num mundo fundado em evidências há lugar para boas histórias, que sugerem hipóteses, ampliam outros estudos (em geral quantitativos) e congregam aqueles que serão atingidos por uma mudança.

Exemplo: devemos adotar o ranking compulsório?

O processo decisório usado no Centre for Evidence Based Medicine de Oxford começa com um passo crucial: a situação diante do profissional deve ser formulada como uma pergunta passível de resposta. Com isso, fica claro como reunir evidências relevantes. É, portanto, o que faremos aqui, levantando uma questão que muitas empresas tiveram de enfrentar nos últimos anos: adotar ou não o ranking compulsório do pessoal.

A dúvida se refere àquilo que a General Eletric chama, mais formalmente, de sistema de classificação de desempenho de curva forçada. É uma técnica de gestão de talentos que distribui o nível de desempenho de cada individuo ao longo de uma curva de sino, ou normal. Dependendo da posição na curva, o funcionário é enquadrado num grupo. Os 20% no topo (time A) talvez recebam uma recompensa desmedida; os 70% no meio (time B) podem ser alvo de algum desenvolvimento; e a base de 10% (time C) talvez receba orientação, ou seja, simplesmente demitida.

Sem sombra de dúvida, muita empresa se deparou com essa questão ao adotar o benchmarking. A General Eletric tem grande sucesso financeiro e parece repleta de astros da gestão. Produziu gente que mais tarde assumiria o comando de muitas outras empresas, incluindo 3M, Boeing, Intuit, Honeywell e Home Depot. Sistemas que dão o grosso da remuneração para os astros da casa também merecem destaques em obras de gestão – como no livro de autoria da McKinsey, A Guerra pelo Talento. Mas não há provas cabais de que vale a pena imitar a prática. Não é só a infame Enron – tão louvada em A Guerra pelo Talento – que nos leva a dizer isso. Poucos anos atrás, um de nós deu uma palestra numa renomada (embora em queda) firma de alta tecnologia que usava o ranking compulsório (lá, era chamado de “sistema de empilhamento”). Um executivo falou de uma sondagem conduzida em caráter anônimo entre os cem maiores executivos da casa para descobrir que prática ali tornava difícil converter o conhecimento em ação. O tal sistema de empilhamento foi votado o pior vilão.

Uma gestão baseada em evidências teria impedido a empresa de adotar o sistema, profundamente impopular? A nosso ver, sim. Primeiro, os gerentes teriam questionado logo de cara se a empresa era, em vários aspectos, similar o bastante à GE para que uma prática tirada de lá fosse funcionar do mesmo modo na firma. Depois, teriam sido levados a examinar melhor os dados supostamente favoráveis ao ranking compulsório – a tese de que esse método de gestão de talentos levou seus partidários a exibirem um sucesso maior. Com isso, talvez tivessem notado uma falha importante no método de pesquisa de A Guerra pelo Talento: os autores dizem no apêndice que o desempenho das empresas foi, a principio classificado como de alto ou médio segundo o retorno ao acionista nos três a dez anos anteriores. A isso se seguiram entrevistas para medir como essas empresas vinham travando a guerra por talento. Logo, no caso de 77 empresas (das 141 estudadas) as práticas de gestão avaliadas em 1997 foram tratadas como “causa” do desempenho entre 1987 e 1997. O estudo viola, portanto, uma condição fundamental da causalidade: que a causa proposta ocorra antes do efeito proposto.

Em seguida, a gerência teria juntado mais evidências e pesado fatores negativos e positivos. Com isso, teria achado indícios de sobra de que o desempenho melhora com a continuidade da equipe e o tempo de permanência no cargo – dois motivos para evitar a roda-viva do chamado sistema de “rank and yank”. Um bom exemplo é o da seleção feminina de futebol nos Estados Unidos, que já venceu uma série de campeonatos, incluindo duas das quatro Copas do Mundo feminino e dois dos três torneios olímpicos já realizados. A equipe sem dúvida tem jogadores de talento, como Mia Hamm, Brandi Chastain, Julie Foudy, Kristine Lilly e Joy Fawcett. Só que cada jogadora dessas dirá que o fator mais importante em seu sucesso foi a comunicação, a compreensão e o respeito mútuos e a química adquirida durante os 13 anos em que a maioria vem jogando juntas. O poder da experiência conjunta já foi comprovado em todo ambiente examinado, de quartetos de cordas a equipes cirúrgicas, de altas equipes executivas à de pilotos de avião.

Se tivesse conferido as melhores evidências, a diretoria da firma de tecnologia teria descoberto também, que quando o trabalho exige cooperação (como exigia quase todo o trabalho na firma), o desempenho sofre quando é grande a distância entre os melhores e os piores pagos na empresa – embora dar a fatia do leão da remuneração aos astros de casa seja o típico de sistemas de ranking compulsório. Num estudo da Haas Business School com 102 divisões de negócios, Douglas Cowherd e David Levine descobriram que quanto maior o vão entre a renda da alta gerência e a de outros funcionários, pior a qualidade do produto. Efeitos igualmente negativos da dispersão da renda foram observados em estudos longitudinais de altas equipes gestoras, universidades e uma amostra de quase 500 empresas de capital aberto. E, numa recente pesquisa do Novations Group com mais de 200 profissionais de recursos humanos de empresas com mais de 2.500 funcionários, ainda que metade das empresas adotasse o ranking compulsório, os entrevistados disseram que tal abordagem gerava menor produtividade, desigualdade, ceticismo, queda no envolvimento do pessoal, menor colaboração, danos ao moral e falta de confiança nos dirigentes. É possível encontrar uma série de consultores e gurus que louvam o poder da dispersão salarial, mas é impossível achar um sistema rigoroso que defenda seu valor em cenários nos quais cooperação, coordenação e troca de informações são cruciais para o desempenho.

O efeito negativo da alta dispersão salarial se manifesta até em esportes profissionais. Estudos de times de beisebol são particularmente interessantes, entre as principais arenas profissionalizadas, porque o beisebol exige mínima coordenação entre os jogadores. Ainda assim, exige certa cooperação – entre arremessadores e receptores e entre infielders. E, embora seja o indivíduo que arremessa a bola, os colegas podem contribuir para a atuação dos demais e virar um jogo. Matt Bloom, da Notre Dame, fez um estudo minucioso de mais de 1.500 jogadores profissionais de beisebol e 29 equipes, ao longo de oito anos. O resultado? Jogadores em equipes com maior dispersão de salários exibiam porcentagem inferior de vitórias, arrecadação na bilheteria e receita de mídia.

Por último, uma abordagem fundada em evidências teria exposto dados sugerindo que um jogador médio pode ser extremamente produtivo e que o astro do desempenho pode afundar dependendo do sistema no qual atua. Mais de 15 anos de pesquisa na indústria automotiva mostram evidências do poder de sistemas sobre o talento individual. John Paul Mac Duffie, da Wharton, combinou estudos quantitativos de toda fábrica de veículos do mundo com estudos de caso detalhados para entender por que certas instalações são mais eficazes do que outras. Mac Duffie descobriu que sistemas de produção flexível – com ênfase em equipe, treinamento e rodízio de cargos e o desprezo pela diferenciação de status entre o pessoal – produzem veículos de maior qualidade e custo inferior.

O BENCHMARKING pode gerar evidências?

Há décadas a indústria automobilística americana, sem exceções, usa como referencial a Toyota, a líder mundial na produção de veículos. Muitas tentaram, em particular, copiar o modelo da japonesa linha de montagem. Adotaram sistemas de estoque just-in-time, gráficos de controle estatístico de processos e cordas para interromper a montagem em caso de detecção de falhas.

Só que, apesar dos avanços (sobretudo na General Motors), a maioria continua a perder para a Toyota em produtividade – total de horas levado para a montagem de um veículo – e, muitas vezes, também em qualidade e design.

Estudos sobre o setor, sobretudo os realizados por John Paul Mac Duffie, professor da Wharton, sugerem que as americanas são vitimas dos mesmos problemas básicos que constatamos em muitas iniciativas de benchmarking informal. Primeiro, copiam as práticas mais visíveis, mais óbvias e, com freqüência, menos importantes. O segredo do sucesso da Toyota não é o conjunto de técnicas em si, mas a filosofia de gestão da qualidade total e de aprimoramento contínuo adotada pela empresa, bem como o contrato entre gerentes e operários no chão de fábrica, o que permite à Toyota explorar o conhecimento tácito desse pessoal. Segundo, cada empresa tem estratégias, culturas, força de trabalho e ambiente competitivo distintos – de modo que o que garante o sucesso de uma é distinto daquilo que garantirá o sucesso de outra. O sistema Toyota parte do principio que todo indivíduo atuará em equipe e subordinará o ego ao bem do grupo, um espírito coletivista que tende a encontrar solo mais fértil entre gerentes e trabalhadores na Ásia do que entre seus pares nos Estados Unidos e na Europa.

Antes de sair se comparando com outras empresas, quem sabe gastando dinheiro e energia em vão – ou, pior, criando problemas que até então não existiam -, responda as seguintes perguntas:

  1. Há evidências e uma lógica sólida por trás da tese de que o sucesso do referencial usado é atribuído à prática que buscamos imitar? A Southwest Airlaines é a companhia aérea de maior sucesso na história do setor nos EUA. Herb Kelleher, seu presidente de 1982 a 2001, é chegado num uísque Wild Turkey. Isso significa que sua empresa vai dominar o setor se seu presidente também beber altas doses de Wild Turkey.
  2. As condições em sua empresa – estratégia, modelo de negócio, pessoal – são parecidos o bastante com as da empresa de referência para que o aprendizado seja útil? Assim como um neurocirurgião aprende basicamente com médicos da mesma área, e não com ortopedistas, você e sua empresa devem aprender com que é relevante.
  3. Por que determinada prática melhora o desempenho? E qual a lógica que a vincula ao resultado final da empresa? Se for incapaz de explicar a teoria subjacente, é provável, que você esteja se embrenhando no aprendizado supersticioso e imitando algo irrelevante ou até nocivo – ou copiando apenas parte (talvez a pior) da prática. Como nos explicaram certa vez executivos da GE, muitas empresas que imitam seu sistema “rank and yank” se limitam a classificar o pessoal A, B e C ignoram o fator sutil, mas crucial, de que o profissional A é alguém que ajuda os colegas a cumprir a função deles de modo mais eficaz, em vez de partir para uma disputa interna disfuncional.
  4. Qual a desvantagem de adotar a prática, ainda que no todo seja uma boa idéia? Tenha em mente que, em geral, há pelo menos uma desvantagem. Estudos de Mary Benner na Wharton e de Michael Tushman na Harvard Bussiness School mostram, por exemplo, que empresas dos setores de tintas e fotografia que adotaram programas mais vastos de gestão de processo aumentaram, de fato, a eficiência a curto prazo, mais tiveram mais problemas em seguir o rápido ritmo de evolução tecnológica. É preciso se indagar se há maneiras de mitigar as desvantagens, quem sabe soluções que a empresa usada como referência até adota, mas que estejam passando despercebidas por você. Digamos que sua empresa esteja envolvida numa fusão. Analise bem o que a Cisco faz, e por que, pois ela se sai reiteradamente bem em fusões, ao contrário da maioria das outras empresas.

É preciso abandonar meias-verdades e adotar o compromisso com a coleta de dados necessários à tomada de decisões mais embasadas e inteligentes.

Como levar seus gerentes a considerar as evidências

Uma coisa é achar que a organização se sairia melhor se seus lideres possuíssem e aplicassem as melhores evidências. Outra é colocar a crença em prática. Sabemos como é difícil o trabalho feito por gerentes e executivos. A necessidade de tomar decisões é incessante, a informação é incompleta e até os melhores executivos cometem erros e são alvo constante de crítica e de questionamento de gente de dentro e fora da empresa. Nesse sentido, o gestor é como o médico que precisa tomar uma decisão atrás da outra: simplesmente não há como acertar sempre. Hipócrates, o celebre grego que escreveu o juramento dos médicos, descreveu bem o drama: “A vida é curta, a arte é longa, a oportunidade fugaz, a experiência traiçoeira, o julgamento difícil”.

Hospitais universitários que adotam a medicina baseada em evidências tentam superar os entraves ao sistema com orientação, tecnologia e métodos de trabalho que permitam à equipe levar dados críticos dos melhores estudos para o leito do paciente. O equivalente deveria ser feito num cenário administrativo. É crucial, além disso, entender que a gestão baseada em evidências, exige uma mentalidade distinta, em conflito com o modo como muitos gerentes e empresas atuam. Nela, é preciso deixar de lado crenças e noções convencionais – as perigosas meias-verdades em que muitos crêem – e adotar o compromisso inexorável com a coleta dos fatos necessários à tomada de decisões mais embasadas e mais inteligentes.

Quem exerce o papel de líder da organização pode começar a cultivar uma abordagem fundada em evidências imediatamente com um punhado de medidas simples que refletem a mentalidade certa. Se pedir indícios de eficácia toda vez que uma mudança é proposta, as pessoas vão parar e pensar. Se parar para explicar a lógica por trás dessa evidência, as pessoas ficarão mais disciplinadas no próprio raciocínio. Se tratar a organização como um protótipo inacabado e incentivar programas de teste, projetos-pilotos e experimentação – e premiar o aprendizado resultante dessas atividades, mesmo quando algo novo falha -, a organização começará a montar a própria base de evidências. E se seguir aprendendo ao aplicar o melhor conhecimento a seu dispor e esperar o mesmo do pessoal – se tiver o que já foi chamado de “atitude de sabedoria” -, sua empresa poderá ganhar com a gestão baseada em evidências assim como você ganha um “processo esclarecido de tentativa e erro” e o aprendizado gerado como conseqüência.

Exija evidências.

Poucas vezes encontramos um líder que armou o palco para a gestão baseada em evidências como Kent Thiry, presidente da DaVita, empresa de US$ 2 bilhões que opera centros de diálise renal e fica em El Segundo, Califórnia, Thiry chegou à DaVita em outubro de 1999: a empresa vinha dando um calote em seus bancos credores, mal podia pagar o pessoal e estava prestes a quebrar. Uma bela parte do esforço de virada foi instruir a equipe administrativa das instalações, boa parte dela formada por enfermeiros, sobre o uso de dados para orientar suas decisões.

Para garantir que a empresa tivesse a informação necessária para avaliar as operações, a alta equipe gestora e o diretor técnico da DaVita, Harlan Cleaver, vinham numa campanha incansável para projetar e instar sistemas que ajudassem dirigentes de todos os níveis a entender como ia seu desempenho. Um dos motes de Thiry era: “Sem lorotas, só fatos”. Quando toma a palavra na DaVita Academy, reunião de cerca de 400 funcionários da linha de frente de toda a organização, e declara que a empresa tem o tratamento de melhor qualidade do setor, a alegação é respaldada com comparações especificas, quantitativas.

Boa parte da cultura da empresa é o compromisso com a qualidade no tratamento do paciente. Para reforçar tal valor, todo informe ou reunião é iniciado pelos gerentes com dados sobre a eficácia da diálise e a saúde e bem-estar do paciente. E o administrador de todo centro recebe um relatório de oito páginas mensalmente com uma série de indicadores da qualidade do tratamento, sintetizados em um certo DaVita Quality Index. Essa ênfase em evidências também vale para questões de gestão – os administradores recebem informações sobre operações, incluindo volume de tratamentos por dia, retenção de funcionários, retenção de pacientes particulares (que geram mais renda) e uma série de medidas de utilização de recursos como horas de uso de mão-de-obra por tratamento e despesas controláveis.

O mais curioso sobre esses relatórios mensais é aquilo que eles não trazem ainda. O diretor de operações da DaVita, Joe Mello, explicou que se u certo indicador for considerado importante, mas a empresa no momento ainda não contar com a capacidade de reunir os dados relevantes, o indicador é incluído mesmo assim no relatório, com a observação “não disponível”. Segundo ele, a insistente menção de indicadores importantes, ainda inexistentes, ajuda a motivar a empresa a buscar maneiras de coletar a informação.

Muitos aspectos impressionantes das operações da DaVita contribuíram para o sucesso da empresa, como provado pela queda de 50% na rotatividade voluntária, pelo melhor índice de qualidade do tratamento do setor e por resultados financeiros excepcionais. Mas a ênfase na tomada de decisões baseada em evidências numa cultura que reforça a fraqueza sobre o desempenho corrente é, sem dúvida, outro elemento crucial.

Examine a lógica.

Simplesmente exigir que toda proposta seja respaldada por estudos não basta para fomentar o verdadeiro compromisso organizacional com a gestão baseada em evidências – sobretudo diante dos problemas de boa parte da chamada pesquisa administrativa. Quando um gerente ou consultor faz seu discurso, fique atento a falhas na exposição, na lógica, em inferências (veja o quadro “Você é parte do problema?”). É algo particularmente importante porque na pesquisa administrativa estudos que utilizam pesquisas ou dados de arquivos de empresas para correlacionar práticas com distintos níveis de desempenho são muito mais comuns do que experimentos. Essa pesquisa “não-experimental” é útil, mas é preciso examinar de modo muito atento a lógica com que foi concebida e controlar estatisticamente explicações alternativas, que surgem até no melhor dos estudos. O gestor que se vale desse conhecimento deve estar ciente de suas limitações e encarar de modo crítico seus resultados.

Ao ver o tempo e a energia mental dedicados por alto executivos a desvendar as premissas subjacentes de uma política, prática, ou intervenção proposta, o pessoal na organização absorve uma nova norma cultural. Um líder bom mesmo evita o problema de parecer capcioso sobre o trabalho de subordinados; explora a sabedoria e a experiência coletivas da equipe para descobrir se uma premissa soa plausível. Pergunta: “O que teria de ser verdade sobre as pessoas e organizações pra que essa idéia ou prática fosse eficaz? Para nós, isso parece um fato, uma verdade?”.

Já o que um consultor diz talvez deva ser tomado com uma pitada extra de sal. É incrível a freqüência com essas fontes de conhecimento gerencial são iludidas ou tentam iludir o cliente. Admiramos a Bain & Company, e julgamos a firma capaz de produzir boas pesquisas. Contudo, gostaríamos de saber por que a empresa tem, em seu website, uma tabela na qual declara que “nossos clientes superam o mercado em 4 para 1” (anos atrás, era “3 para 1”). Inteligente, a equipe da Bain sabe que essa correlação não prova que seus conselhos fizeram da clientela astros do desempenho. Pode ser apenas, que um astro desses tem mais dinheiro para contratar consultores. Aliás, é flagrante a ausência, no website, de qualquer afirmação de que a Bain mereça o crédito por esse desempenho – pelo menos até o terceiro trimestre de 2005. A esperança talvez seja que os visitantes esqueçam momentaneamente aquilo que aprenderam em suas aulas de estatística.

Trate a organização como um protótipo inacabado.

Em certas empresas, a melhor evidência para elucidar certas questões esta em casa – nos próprios dados a experiência da empresa, e não na pesquisa de escopo mais amplo do mundo acadêmico. Quem quer promover uma gestão mais baseada em evidências deve adquirir o hábito de conduzir programas de testes, estudos-piloto e pequenos experimentos – e de pensar sobre o que se pode inferir deles, como fez Gary Loveman na presidência dos cassinos Harrah’s. Loveman costumava brincar que hoje em dia uma pessoa só é demitida há Harrah’s por três motivos: roubar, assediar a mulherada ou adotar um programa sem fazer um teste antes. Como seria de supor, os experimentos mais completos e célebres da empresa são na área de marketing, na qual a empresa utiliza rios de dados sobre o comportamento da clientela e respostas a promoções. Num experimento relatado por Rajiv Lal, de Harvard, num caso para estudo, a Harrah’s ofereceu a um grupo de controle um pacote promocional no valor de US$ 125 (hospedagem gratuita, dois jantares e US$ 30 em fichas). A outro grupo do experimento deu apenas US$ 60 em fichas. A alternativa de US$ 60 gerou mais receita nos cassinos do que a de US$ 125, e a u custo menor. Loveman queria ver experimentos do gênero por toda a empresa, e não só no marketing. Foi assim que a empresa provou que gastar mais na seleção e retenção de pessoal (o que inclui dar ao candidato pré-vias realistas do trabalho, acentuar o treinamento e melhorar a qualidade da supervisão na linha de frente) reduziria a rotatividade e geraria uma equipe mais envolvida e comprometida. A Harrah’s derrubou em quase 50% seu giro de pessoal.

Na mesma veia, Meg Whitman, presidente da eBay, atribui muito do sucesso do site ao fato de que a gerência dedica menos tempo à analise estratégica e mais ao teste e ajuste de coisas que, tudo indica, poderiam funcionar. Como disse em março de 2005: “Essa área é nova, complexa, por isso é limitado o volume de análise que se pode fazer”. Em vez disso, Whitman sugere: “É melhor colocar algo no ar, conferir a reação e fazer ajustes em tempo real. Daria para passar seis meses aprimoramento a idéia no laboratório (…) [mas] para nós é melhor gastar seis dias para lançar a idéia, obter feedback e a partir disso evoluir”.

A Yahoo é particularmente sistemática na visão de sua homepage como um protótipo inacabado. Usama Fayyad, diretor de dados da empresa, observa que a página recebe milhões de visitas por hora, o que permite à Yahoo conduzir experimentos rigorosos e obter os resultados em uma hora ou menos – atribuindo aleatoriamente, por exemplo, milhares de visitantes ao grupo experimental e vários milhões ao grupo de controle. A qualquer momento a Yahoo pode estar conduzindo cerca de 20 experimentos do tipo, manipulando recursos como cores, exibição de anúncios e posições de texto e comandos. Pequenos, esses experimentos podem ter grande impacto. Um experimento do pesquisador em data-mining Nitin Sharma, por exemplo, revelou que o simples deslocamento da caixa de busca da lateral para o centro da página geraria um volume adicional de “clicadas” que traria milhões de dólares a mais em receita publicitária por ano.

Um grande entrave ao uso de experimentos para adquirir conhecimento gerencial é que a empresa tende a adotar práticas no estilo tudo-ou-nada – ou seja, ou o presidente apóia o projeto para que todos o executem (ou digam executar), ou a coisa não sai do lugar. Essa tendência a fazer algo em toda parte – ou em nenhuma – limita seriamente a capacidade da empresa de aprender. Se uma organização tem uma rede de instalações – restaurantes, hotéis, indústrias com diversas fábricas -, é possível aprender com testes em certos locais e comparação com instalações de “controle”.

Experimentos em campo em lugares como lanchonetes do McDonalds, lojas de conveniência da 7-Eleven, Hewlett-Packard e Intel incluíram mudanças em certas unidades e não em outras para testar o efeito de iniciativas e tecnologias distintas, de um trabalho mais interessante, de escritórios aberto versus fechados e até de explicações detalhadas e humanas (em vez de breves e frias) sobre o porquê da redução em salários.

Adote a atitude da sabedoria.

Há algo ainda maior e mais importante do que qualquer diretriz isolada para que a empresa colha os frutos da gestão baseada em evidências: a atitude do pessoal em relação ao conhecimento empresarial. Desde os tempos de Platão, pelo menos, o ser humano entende que a verdadeira sabedoria não vem do mero acúmulo de conhecimentos, mas de uma postura de saudável respeito e de curiosidade diante do vasto universo de conhecimento ainda não conquistado. O melhor individuo para promover a gestão baseada em evidências não é aquele que pretende saber tudo, mas o gerente profundamente ciente de quando não sabe. Um indivíduo desses não se deixa paralisar pela ignorância, mas age com base no melhor conhecimento que possui – questionando ao melhor tempo o que sabe.

Cultivar o equilíbrio certo de humildade e determinação é uma meta enorme, amorfa. Uma tática útil para sua consecução é apoiar a contínua educação profissional de gerentes com um empenho igual ao de outras profissões. Segundo o Centre for Evidence-Based Medicine, identificar e aplicar estratégias eficazes para o aprendizado por toda vida é a chave para que isso seja realidade no caso do médico. O mesmo é, sem duvida, crucial para a gestão baseada em evidências.

Outra tática é estimular o questionamento e a observação mesmo quando faltam evidências rigorosas, mas há disposição para agir com rapidez. Se há pouca ou nenhuma informação e não é possível conduzir um estudo rigoroso, ainda há saídas para agir com mais base na lógica e menos por suposição, medo, crença ou esperança. Certa vez, trabalhamos com uma grande fabricante de computadores que enfrentava dificuldades para vender no varejo. Altos executivos acusavam o marketing e o pessoal de vendas de fazer um péssimo trabalho e ignoravam queixas de que era difícil convencer o público a comprar um produto de baixa qualidade – até que, num fim de semana, membros da cúpula gestora foram às lojas para tentar comprar um computador da marca. Todos foram atendidos por vendedores que tentavam dissuadi-los de comprar aparelhos da empresa – eram caros demais, tinham poucos recursos, visual feio, péssimo atendimento ao cliente. Ao organizar uma incursão dessas e buscar outras maneiras de coletar dados qualitativos, o gerente pode deixar claro que nenhuma decisão deve ignorar a observação na vida real.

O melhor indivíduo para promover a gestão baseada em evidência não é aquele que pretende saber tudo, mas o gerente profundamente ciente de quanto não sabe.

Você é parte do problema?

O maior de todos os entraves à gestão baseada em evidências talvez seja o fato de que os padrões hoje vigentes para avaliação do conhecimento administrativo têm sérias falhas. E, infelizmente, são respaldados pelos atos de praticamente todo ator de peso no mercado do conhecimento gerencial. Difusora de tantas práticas, a imprensa especializada precisa, em particular, saber julgar melhor as virtudes e os vícios da evidência que gera e dissemina. Propomos aqui seis padrões para a produção, a avaliação, a venda e a aplicação do conhecimento administrativo.

1 – Pare de tratar idéias velhas como se fossem novidades. Isaac Newton teria dito: “Se enxerguei mais longe foi porque me apoiei nos ombros de gigantes”. Já quem apregoa idéias de gestão acaba concluindo que para mais convites para palestras e propostas mais vantajosas para publicar livros o melhor é ignorar o que veio antes e apresentar a idéia como totalmente original. A maioria das revistas de negócios recicla e rebatiza conceitos só para que o dinheiro continue entrando. É algo que segue ocorrendo ainda que, como observou em um e-mail a nós enviado o renomado teórico da gestão Jamer March, “a maioria das alegações de originalidade são testemunho de ignorância e a maioria das alegações de mágica são testemunho de arrogância”. Como romper o ciclo? Para começar, quem difunde idéias deve dar crédito a suas fontes e incentivar autores e gerentes a entender e a aplicar o que veio antes. Não é só questão de ser intelectualmente honesto e cortês. É questão de produzir idéias melhores.

2. Desconfie de idéias e estudos “revolucionários”. Atrelado ao desejo do “novo” esta o desejo do “grande”: a grande idéia, o grande estudo, a grande inovação. Infelizmente, o “grande” é raro. Vista de perto, uma suposta revolução quase sempre revela que foi precedida do trabalho árduo e gradativo de terceiros. Vivemos num mundo no qual cientistas e economistas agraciados com um Nobel dão crédito ao trabalha de seus antecessores, apontando cada passo minúsculo e penoso dado ao longo dos anos para desenvolver suas idéias e hesitando em chamar algo de revolucionário. Enquanto isso – assim como o velho vendedor de porções milagrosas – um guru da estão atrás do outro declara ter criado uma nova cura universal. Há algo errado nesse cenário. Ainda assim, o gerente vive em busca de milagres – e há sempre alguém disposto a dar aquilo que ele tanto pede.

3. Celebre e cultive o gênio coletivo. O mundo dos negócios nos quais o termo “guru” tem conotação em geral positiva. Só que o foco no guru impede que se veja como o conhecimento gerencial é e deve ser cultivado e aplicado. Raramente tal conhecimento é gerado pelo gênio solitário, de cujo imenso cérebro brotam idéias novas, brilhantes. Autores e consultores precisam ter cuidado ao descrever equipes e comunidades de pesquisadores que desenvolveram idéias. E, mais importante, precisam reconhecer que adotar práticas, executar a estratégia e realizar uma mudança organizacional são coisas que exigem a coordenação dos atos de muitas pessoas, cujo compromisso com uma idéia é maior quando sentem que tal idéia é sua.

4. Exponha tanto aspectos negativos quanto positivos. É cada vez maior a capacidade do médico de explicar os riscos ao paciente e, na melhor das circunstâncias, deixar que ele tome parte de decisões quando há potenciais problemas a pesar. Isso raramente ocorre na gestão, onde um número excessivo de soluções é apresentado como se não tivesse custo e fosse universalmente aplicável, com pouca admissão de possíveis reveses. Mas toda prática e programa de gestão têm pontos fortes e fracos e mesmo as melhores trazem custos. Isso não quer dizer que a empresa não deva adotar o Six Sigma ou o Balanced Scorecard, mas que deve reconhecer os riscos. Com isso o gerente não fica decepcionado ou, pior, abandona um programa ou prática valiosos quando um revés esperado ocorre.

5. Use caos de sucesso (e fracasso) para ilustrar práticas sólidas, mas não no lugar de um método valido de pesquisa. Há um enorme problema com a pesquisa que depende das lembranças dos envolvidos em um dado projeto, como faz boa parte da pesquisa gerencial ao buscar segredos para o sucesso subseqüente. Um século atrás, Ambrose Bierce, no Dicionário do Diabo, definiu o termo “recordar” como “Lembrar com acréscimos de algo que até então não se sabia.” Era uma prévia de muito do que se descobriria sobre a memória humana. Relatos de testemunhas oculares são, por exemplo, pouco confiáveis e as pessoas em geral têm péssima memória, por mais que creiam em suas lembranças. Mais relevante ainda é que as pessoas tendem a lembrar de coisas muito distintas quando consideradas vitoriosos (e não perdedoras), e o que lembram tem pouquíssimo a ver com os fatos.

6. Adote uma postura neutra em relação a ideologias e teorias. A ideologia está entre os maiores, mais fortes e mais irritantes entraves ao uso da gestão baseada em evidências. Acadêmicos e outros fornecedores de opinião podem adquirir tamanha crença nas próprias teorias que são incapazes de aprender com novas evidências. E um gerente pode baixar ou subir seu limiar de ceticismo quando a solução proposta parece, à primeira vista, “vantagem socialista” ou “solidária”, “militarista” ou “disciplinada”. O melhor jeito de impedir que um filtro desses oculte boas soluções é estabelecer com clareza e consenso qual o problema a ser sanado o que constitui evidência de eficácia.

O líder que adota a gestão baseada em evidências deve se preparar para um sério efeito colateral: a perda de parte do poder e do prestigio.

Vai fazer diferença?

O movimento da medicina baseada em evidências tem seus críticos, sobretudo médicos receosos de que o juízo clinico seja substituído por ferramentas de busca ou que o braço financeiro de HMOs (organizações da chamada medicina gerenciada) vete técnicas experimentais ou onerosas. Estudos iniciais sugerem, contudo, que médicos treinados em técnicas baseadas em evidências são mais bem informados do que os colegas mesmo 15 anos depois de terem deixado a universidade. Estudos indicam ainda, de modo irrefutável, que pacientes submetidos ao tratamento indicado por médicos da escola baseada em evidências apresentam melhores resultados.

Por ora, ainda não há um grau equivalente de garantia para quem adota a gestão baseada em evidências no mundo dos negócios. O que há, até aqui, é a experiência de um número relativamente pequeno de empresas – e, embora positiva, é preciso de dados de uma amostra maior e mais representativa para que essa experiência possa ser considerada um padrão reiterado. Já a base teórica, a nosso ver, é sólida como uma rocha. Soa perfeitamente lógico que decisões tomadas com base em evidências preponderantes daquilo que funciona em outros cenários, bem como em sua empresa, serão melhores e ajudarão a empresa a prosperar. Há, ainda, um imenso corpo de estudos revistos por pares – milhares de estudos rigorosos, literalmente – que, embora comumente ignorados, oferecem conselhos simples e sólidos sobre a gestão de uma organização. Se localizados e aplicados, esses conselhos teriam um efeito positivo imediato sobre as empresas.

Isso tudo soa óbvio demais? Talvez. Mas uma das lições mais importantes que aprendemos com o tempo é que a pratica da gestão baseada em evidências em geral implica dominar o mundano. Vejamos como as conclusões de um pequeno estudo poderiam ajudar uma imensa organização: um experimento na University of Missouri comparou grupos de tomada de decisão que ficavam de pé durante as reuniões de dez a 20 minutos com grupos que se sentavam. Aqueles que ficaram de pé levavam 34% a menos de tempo para tomar decisão tão boa quanto a dos outros. Se alguém deve ficar em pé ou sentado durante reuniões pode parecer uma questão tola à primeira vista. Mas façamos as contas.

No caso da gigante de energia Chevron, que tem mais de 50 mil funcionários, se cada um deles trocasse por ano uma única reunião de 20 minutos em que todos sentam por uma reunião em pé, cada encontro desses seria cerca de sete minutos mais curto. Isso pouparia a Chevron mais de 350 mil minutos – quase 6 mil horas – por ano.

O líder empenhado em adotar a gestão baseada em evidências deve se preparar, também, para um sério efeito colateral: quando praticada corretamente, tal gestão vai minar seu poder e prestígio – o que pode ser desconcertante para quem gosta de exercer influência. Um antigo aluno nosso, que trabalhava na Netscape, relatou um desabafo que ouviria certa vez de James Barksdale, na época o presidente da empresa. “Se a decisão for tomada com base em fatos, os fatos de qualquer pessoa, desde que relevantes, têm peso igual. Se a decisão for tomada com base na opinião das pessoas, a minha conta muito mais.” Essa historieta mostra que os fatos e evidências são grande equalizadores hierárquicos. O modelo baseado em evidências muda a dinâmica de poder, trocando a autoridade formal, a reputação e a intuição por dados. Isso significa que altos líderes – em geral venerados pela sabedoria e determinação – podem perder certo peso conforme sua intuição é substituída, ao menos às vezes, por julgamentos feitos com base em dados disponíveis a praticamente toda pessoa instruída. A implicação é que o líder precisa tomar uma decisão fundamental: quer ouvir dos outros que está sempre com a razão ou quer liderar uma organização que realmente se sai bem?

Se levada a sério, a gestão baseada em evidências pode mudar o modo de pensar e agir de todo gerente. É, antes de tudo, um jeito de encarar o mundo e de pensar sobre o oficio da gestão, partindo da premissa de que o uso de uma lógica melhor e mais profunda e o emprego de fatos (na medida do possível) permitem ao líder ser mais eficaz em sua função. A nosso ver, encarar os fatos e a dura verdade sobre o que funciona ou não, entender as nefastas meias-verdades que representam tanto da tese convencional sobre a gestão e rejeitar o absoluto nonsense que muitas vezes passa por conselhos sólidos vão ajudar a organização a ter um desempenho melhor.


Fonte: Revista Harvard Business Review, por Jeffrey Pfeffer e Robert I. Sutton