A ousadia da Tesla Motors

Anunciada como a nova Apple, a Tesla Motors quer reinventar a indústria automobilística mundial com sua inovação em carros elétricos, como mostra essa reportagem publicada lá atrás, em 2012, quando Elon Musk já encantava o mundo com sua ousadia.

A Tesla é a única montadora do mundo que nasceu somente para produzir carros que não utilizem combustível fóssil e não emitam gases causadores do efeito estufa. Buscando ser diferente, foi instalada pelo empreendedor sul-africano Elon Musk no inovador Vale do Silício, em vez de na tradicional Detroit.

  • Sua sobrevivência depende do sucesso do Model S, lançado em junho de 2012. É um carro elétrico que concorre no segmento de sedãs premium, um dos primeiros passos da empresa na direção do modelo popular, embora ela esteja oferecendo pouco volume a alto preço.
  • O mercado para veículos elétricos nos Estados Unidos é um enigma impulsionado pela política de incentivos do governo, mas a Tesla começou bem: 30 mil unidades reservadas antes mesmo das primeiras entregas.

Quando a Tesla Motors se mudou para sua sede de Palo Alto, na Califórnia, em 2010, o CEO Elon Musk fez um brinde com seus funcionários. Com sotaque sul-africano, disse: “À criação da maior empresa de automóveis do século 21 é a diferença que vocês fazem no mundo, tirando-nos da dependência do petróleo tão rápido quanto possível”.

Em 2006, dois anos antes de a montadora de carros elétricos começar a entregar seu modelo Roadster, de US$ 109 mil, o CEO registrou em seu blog o plano mestre da companhia:

  1. Fabricar carros esportivos.
  2. Usar a receita gerada para produzir um carro popular.
  3. Usar esse dinheiro para construir um automóvel ainda mais acessível.
  4. Enquanto se perseguem os itens anteriores, oferecer opções de geração de energia elétrica de emissão zero de gases que provocam o efeito estufa.

Musk fica irritado quando vê seu plano ignorado. Ele conta que tem sido chamado de elitista, por conta dos carros esportivos para os ricos. Acredita, contudo, que a prova de que não é esnobe chegará a seu tempo, quando a Tesla mostrará ao mundo que seus produtos se destinam a todos.

Com isso, crê, também silenciará os especuladores do mercado de capitais, que apostam na quebra iminente da Tesla. A companhia está produzindo seu primeiro automóvel semipopular, algo situado entre os passos 1 e 2 do plano mestre.

Em junho de 2012 começou a entregar o Model S, carro elétrico que comporta até sete passageiros e cujo preço inicial é cerca de metade do preço do Roadster. Em 2014, deve pôr no mercado o Model X, com preço similar ao do Model S, e, se sobreviver bem a essas experiências, no final do mesmo ano lançará um automóvel de US$ 30 mil —o Tesla popular.

O fato é que a Tesla vem fazer uma reviravolta em toda a infraestrutura automobilística global, que opera com base em petróleo e motores de combustão. Agora, com que velocidade Musk será capaz de alcançar escala a um nível que impacte o mundo? Quando os concorrentes entrarão pesadamente nesse barco? Ninguém sabe.

Rebelde e determinada

A Tesla ainda está fazendo máquinas pesadas e complicadas, compostas de milhares de peças que vêm de todo canto do mundo e têm de funcionar sem falhas por anos, precisando ser reguladas com frequência com vista à segurança e à emissão de gases.

Isso requer o trabalho de 1,4 mil pessoas em design, engenharia e manufatura, e, para piorar, tecnologia nova encolhe margens e nunca conta com um amplo mercado de consumidores. Em outras palavras, a Tesla representa o teste mais extremo do modelo de inovação do Vale do Silício.

A startup de Musk foi erguida em um ethos (caráter moral) rebelde e determinado, que quer tirar o domínio que por muito tempo pertenceu aos engenheiros de Detroit. E a história pesa contra ela: os exemplos do Tucker Sedan (lançado pela Tucker, que faliu em 1949) e do DMC-12 (da DeLorean, que faliu em 1982) sempre são lembrados pelos céticos como comparação.

O sucesso da Tesla depende, mais do que nunca, dos bons resultados do Model S. Se o S apresentar problemas de desempenho, segurança ou durabilidade sérios, a sobrevivência da empresa é improvável, pois terá prejuízo de centenas de milhões de dólares.

Se as grandes montadoras compensam os números de modelos não rentáveis com aqueles dos bem-sucedidos, a Tesla não pode errar. “Estamos cientes disso”, afirma o executivo. “O Model S tem de ser melhor do que todos os outros carros, e não apenas bom. Do contrário, fracassaremos.”

Como Steve Jobs?

Na Tesla, centenas de funcionários dividem uma sala enorme, na qual também trabalham Musk e J.R. Straubel, diretor de tecnologia. O CEO vai à sede duas vezes por semana, pois mora em Los Angeles, onde toca outra grande startup, a SpaceX. “Ultimamente, tenho trabalhado de 85 a 90 horas por semana”, diz. Ainda que não esteja na empresa o tempo todo, ele é gestor em tempo integral e nada na engenharia ou no design deixa de passar por seu escrutínio.

Alguns colaboradores da Tesla afirmam que Musk é obsessivo como Steve Jobs era. Como funciona o Model S? O repórter fez o teste. Primeiro, é preciso acionar o comando remoto e o sensor, porque não há chave. O carro desliza facilmente, em subidas inclusive, é silencioso e passa a sensação de ser veloz mesmo quando se pisa no acelerador só até a metade. Um de seus pontos fortes é o torque, já que a tecnologia que utiliza é mais eficiente que a de um motor a gasolina.

Os carros elétricos são, em certos aspectos, muito mais simples do que os movidos a gasolina; contêm menos partes que se movimentam e têm outro tipo de motor. O motor do S é do tamanho de uma melancia e está localizado entre as rodas traseiras. A eletricidade que o faz mover é armazenada em milhares de pequenas baterias de íon-lítio, que, nesse modelo, estão organizadas em um compartimento retangular que compõe o piso do carro. Um software regula, por meio de um inversor, como a energia armazenada é utilizada pelo motor.

O Model S é o primeiro a ser produzido, desde o início, com o propósito específico de ser um veículo elétrico. Ele é altamente tecnológico, como mostram as mais de 300 patentes da Tesla, e o expertise (ou a vantagem competitiva) da empresa está na criação do circuito de seu pacote de baterias, em como ele as esfria e em como seu software sofisticado regula o fluxo de energia entre as baterias e o motor.

No entanto, mesmo sendo mais simples e mais sofisticado do que um automóvel convencional, muita coisa pode sair errada com um carro elétrico. “Nova tecnologia, nova fábrica, novas técnicas de manufatura, nova companhia, novos canais de distribuição —há muito pouca coisa que não seja nova”, pondera Adam Jonas, analista do setor automobilístico da corretora Morgan Stanley. Ele antevê um futuro brilhante para a companhia, mas reconhece que o caminho é complicado.

Para Musk, avalia-se mal o potencial da Tesla. “A visão corrente é a de que os carros elétricos concorrerão uns com os outros [por 2% do mercado norte-americano], mas aposto que os modelos S ou X concorrerão com BMWs e Lexus e os superarão em desempenho e em menos emissão de gases poluentes.”

Mercado dos elétricos

Ao longo dos anos, a Tesla vendeu cerca de 2,4 mil unidades do Roadster. O plano para o Model S falava, inicialmente, em 6 mil em 2012, depois isso subiu para 20 mil e, no final de julho, anunciaram 30 mil, por conta da fila de espera. Ainda não são números muito significativos para uma grande montadora e as vendas do Leaf, da Nissan, e do Volt, da GM, foram modestas, mas há algo inquietante nessa demanda. Outro senão é que, apesar dos incentivos estaduais e federais que tornam os carros elétricos acessíveis, o preço do combustível permanece relativamente baixo e o das baterias de íon-lítio é alto. Menahem Anderman, especialista em baterias de íon-lítio, prevê que as vendas globais de veículos elétricos em 2015 serão bastante modestas (250 mil unidades) e dominadas por fabricantes japonesas e alemãs.

A julgar pela lista de espera da Tesla, talvez ele esteja errado, até porque o Model S é um caso à parte. Percorre mais quilômetros sem recarga de bateria do que outros veículos elétricos. Straubel não tem dúvida de que os automóveis elétricos serão competitivos em breve. “Não há uma lei da física que diga que não se pode ter uma bateria com densidade muito mais alta a custos bem menores.”

Segundo ele, se as baterias melhorarem 50%, o que acredita ser possível, esses veículos concorrerão no mesmo patamar dos movidos a gasolina. “Não temos um problema de demanda, e sim de oferta. Portanto, nosso foco tem de ser colocado em produzir o Model S e levá-lo ao mercado tão logo seja possível”, afirma Musk.

Eficiência na produção

A fábrica da Tesla de Fremont, Califórnia, localizada a 30 minutos da sede da empresa, foi conhecida por muitos anos como NUMMI (New United Motor Manufacturing Inc.), uma joint venture de Toyota e GM. A Tesla comprou a maior parte dela em 2010 por US$ 42 milhões e, com a ajuda de um empréstimo federal de US$ 465 milhões, começou seu esforço para reabilitar o velho espaço.

O francês Gilbert Passin, vice-presidente de manufatura da Tesla, fez carreira na Toyota e na Volvo. “A NUMMI era capaz de produzir meio milhão de veículos”, explica. “Estamos, é claro, começando com uma modesta contribuição de 20 mil unidades por ano, mas temos tudo isto, todos estes prédios.” [A declaração foi dada antes do aumento da projeção para 30 mil.]

Na época, a empresa aproveitava 15% do espaço, e a maior parte ficava trancada. Em muitos aspectos, a fábrica da Tesla não é tradicional. “É preciso compreender que, com uma fração do custo que outros teriam, uma fração do tempo e uma fração dos recursos, estamos tentando fazer algo realmente excepcional”, argumenta Passin.

Eles querem fazer carros de um modo diferente e mais eficiente. Os grandes pacotes de bateria são montados no segundo piso e, depois, ligam-se aos chassis e às outras partes do carro no piso térreo. Os chassis são movimentados não sobre uma linha de montagem automatizada, mas sobre carros-robôs vermelhos, que acompanham uma fita magnética no chão. Tudo é movido a eletricidade. Quando um Model S está completo, pode-se testá-lo em uma pista esburacada dentro da fábrica, porque o fato de não ter escapamento e não emitir monóxido de carbono permite conduzi-los em ambientes fechados.

Passin também assinala que a Tesla tenta evitar fornecedores de peças externos. A intenção é criar as próprias matrizes para estampar metais. Pode estar aí a explicação para o fato de dizerem, no Vale do Silício, que a Tesla tende a ser a próxima Apple.

Esqueça a velha concessionária

A rede Tesla de varejo é composta por 23 lojas situadas nos Estados Unidos e no Canadá, 13 unidades na Europa, uma na China, uma no Japão e outra na Austrália. Cada ponto de venda é localizado em ruas de tráfego intenso, de maneira que os automóveis da marca sejam vistos por muitas pessoas. A empresa optou por comercializar seus veículos em lojas próprias para garantir seu padrão de experiência de compra desde o momento em que o consumidor entra na loja e para educar o mercado sobre a novidade de seus produtos. Um aparelho com tela do tipo touch, como a existente no carro, informa os clientes sobre a tecnologia embutida em um Tesla e sobre os benefícios de dirigir um carro elétrico. O sistema de transmissão do Model S pode ser visto e tocado e, no estúdio, pode-se customizar o automóvel. O CEO Elon Musk buscou combinar a experiência de uma loja Apple com a de uma Starbucks e a de um bom restaurante, segundo esclareceu quando concebia sua rede. Em sua opinião, em um bom restaurante, pode-se ver o chef trabalhando. Em uma loja Tesla, os mecânicos podem ser vistos na oficina, já que os carros não emitem fumaça tóxica, não fazem poças de óleo, nem têm motor barulhento.


Fontes: Revista HSM Management