A alavanca que move o mundo

Veículo ideal para gerar empregos, inovar, aumentar a produtividade e desenvolver melhores modelos de negócio, o empreendedorismo constitui a defesa mais eficiente contra o status quo, como mostra essa reportagem da revista HSM

Para surpresa de muitos, as estatísticas indicam que mais da metade dos novos empregos, não importa em que lugar do mundo, é gerada por empresas com menos de cinco anos de existência. Ou seja: os empreendedores despontam como os principais criadores de postos de trabalho, os quais, por sua vez, geram riqueza. O produto do trabalho, portanto, constitui o motor do crescimento econômico e do progresso.

Complexo e multifacetado na essência, o empreendedorismo produz mudanças individuais e coletivas que, graças a seu caráter interdependente, modificam o mundo. No livro The Entrepreneurial Imperative (ed. HarperCollins), escrito em 2006, Carl Schramm afirma que a era do “capitalismo pós-industrial” foi superada pela fase do “capitalismo empreendedor”, surgido entre 1985 e 1990.

Schramm, que preside a Ewin Marion Kauffman Foundation, organização de fomento ao empreendedorismo nos Estados Unidos, afirma que esse novo capitalismo tem como expoentes nomes como Bill Gates, Steve Jobs e Michael Dell, paradigmas para praticamente o mundo inteiro.A revolução da tecnologia da informação, por exemplo, que exerceu papel importante no impulso da economia, foi bastante difundida por empreendedores.

O mesmo ocorreu em outros filões de negócios: bastou descobrir uma demanda do mercado para que alguns indivíduos inovadores se dedicassem a atender a ela, criando empresas para oferecer produtos ou serviços novos. Tais iniciativas também resultam em melhoria da produtividade e do padrão de vida das pessoas.

Outros empreendedores (chamados de “replicadores”) dedicam-se a criar e gerir negócios similares aos existentes, a fim de oferecer os bens e serviços de que o mercado precisa. Ambos os tipos de empreendedor deixam claro que as portas da oportunidade econômica estão abertas para quem quiser ousar. Porém, até hoje, ninguém decifrou o mistério do espírito empreendedor, fator de diferenciação entre as pessoas que montam, organizam e administram uma empresa guiadas (entre outros fatores) pelo desejo de ganhar dinheiro, mas cientes do risco de perder todo o investimento.

De onde vem esse otimismo, que permite tomar decisões com base na intuição e antes mesmo de formar uma imagem racional dos dados à disposição? Um caso exemplar é o de Joseph Chamberlain Wilson, que não se icomodou com o fato de a IBM, a Remington Rand, a RCA e a General Electric, entre outras 20 grandes empresas, terem recusado a idéia de Chester Carlson, funcionário dos Bell Labs que, nas horas vagas, desenvolveu um processo de cópia chamado de eletrofotografia.

Em 1946, Wilson, então presidente da Haloid, embrião da Xerox, soube do invento e negociou com Carlson os direitos de comercialização. Nos seis anos seguintes, Wilson investiu mais de US$ 3,5 milhões no desenvolvimento da novidade, que ficaria conhecida como “xerografia”. Mas o ganho para o empreendedor e sua empresa foi imenso, a ponto de fazer da Xerox um dos fenômenos industriais do século 20.

No livro Joe Wilson and the Creation of Xerox (ed. John Wiley, 2006), Charles D. Ellis e Anne Mulcahy garantem que o invento de Carlson nunca teria se transformado em negócio rentável sem o “espírito extremamente empreendedor” de Wilson, responsável por acrescentar à idéia original “rigorosa disciplina financeira, dedicado esforço para desenvolver a nova tecnologia e a incrível capacidade de manter os funcionários envolvidos com o projeto durante vários anos árduos, ao longo dos quais a empresa atravessou grandes incertezas”.

Posteriormente, ao refletir sobre o êxito da Xerox, Wilson definiu o que muitos outros empreendedores também costumam sentir: “Se soubéssemos o tamanho da empreitada, talvez faltasse coragem para seguir em frente”.

Como no passado

Antes e depois da Xerox, muitas pessoas tomadas pelo mesmo espírito semearam empreendimentos que germinaram, floresceram e frutificaram. Mas nos últimos anos as regras mudaram, como explica o livro Roadmap to Entrepreneurial Success (ed. Amacom), de Robert W. Price, diretor-executivo do Global Entrepreneurship Institute, organização sem fins lucrativos especializada na capacitação de empreendedores para liderar iniciativas com alto potencial de crescimento. Ficou para trás o intenso, porém insustentável, ritmo de investimento em empresas recém-nascidas, como ocorreu no final dos anos 1990.

Também são coisa do passado a febre e a falta de consistência que envolveram a explosão da internet. Hoje, as empresas precisam priorizar as propostas de valor possíveis de ser concretizadas e estabelecer uma rota para chegar aos objetivos. Price alerta que, de certo modo, “surge uma mentalidade salutar de ‘resgate do básico’, tanto entre empreendedores como entre investidores”.

Talvez seja uma resposta lógica às condições econômicas atuais. No entanto, independentemente da etapa do ciclo de negócios que a empresa atravesse, uma coisa é certa: “Para que uma iniciativa empresarial comece com sucesso, o empreendedor deve ter uma visão clara do lugar aonde quer chegar e um plano de negócios sólido que garanta esse objetivo”.

O panorama não está definido, mas há abundância de oportunidades para quem alimenta expectativas racionais –como, por exemplo, aqueles que já sabem que o tempo necessário entre a formação da empresa e a estréia na bolsa de valores ou a venda espetacular não será mais de um ou dois anos, como ocorreu com o Yahoo!, que surgiu em 1994 e abriu seu capital em 1996. Ainda na década de 1990, esse intervalo cresceu consideravelmente.

E, se o caminho que conduz à colheita dos lucros ficou mais longo, a persistência e a dedicação ganharam ainda mais importância, pois são elementos que ajudam a evitar erros operacionais em momentos críticos da evolução da empresa. Por outro lado, a necessidade de uma gestão eficiente exige flexibilidade, mas sem perder de vista o objetivo final, que é a construção de uma empresa sustentável.

Por isso, a premissa básica (e talvez a mais óbvia) consiste em montar uma equipe de gestão sólida, já que apenas ter uma grande idéia não é o bastante. Também se revela essencial contar com pessoas capazes de colocar a teoria na prática de forma eficiente, monitorando os progressos rumo a cada uma das metas estabelecidas. Vale lembrar que, se é importante ter certeza de que se está no caminho certo, alertar a tempo em caso de desvio de rota é essencial.

As pressões sobre quem comanda uma empresa recém-nascida são imensas, e os obstáculos chegam a impressionar. Tudo leva mais tempo do que o planejado. Conquistar a credibilidade e o respeito do mercado é um desafio muito difícil. As previsões raramente se concretizam e o aumento de vendas nem sempre resolve o problema de fluxo de caixa. O relacionamento com fornecedores pode ser desgastante se houver descumprimento de pagamentos, nem sempre possíveis de ser feitos nos prazos acordados.

A concorrência surge de onde menos se espera, piorando um cenário já bem complicado. A liderança da equipe parece uma tarefa hercúlea sempre que afloram os conflitos entre sócios e investidores. Por tudo isso, como alertou Craig Johnson, presidente do Venture Law Group, a criação de uma empresa pode ser comparada ao lançamento de um foguete ao espaço: basta um erro mínimo na partida para que o desvio do destino final chegue a milhares de quilômetros. Por isso, é um desafio fazer as coisas certas na ordem certa.

Saber o que deve ser feito e qual a seqüência correta tem importância extrema, sobretudo por causa da escassez de tempo e de recursos e, também, da imprevisibilidade do ambiente.

No livro Empresas Feitas para Durar (ed. Campus/Elsevier), Jim Collins oferece um sábio conselho, válido para tempos de incerteza: não se trata de descartar os princípios básicos, mas sim de encontrar uma aplicação melhor. A idéia de “resgatar o básico” adentrou no mundo dos negócios durante a recessão resultante da crise do petróleo, na década de 1970.

Os primeiros a apontar essa “receita” foram Tom Peters e Robert Waterman, em 1982, no livro Vencendo a Crise (ed. Harbra). Voltar ao básico é sinônimo de disciplina (no sentido de fomentar um padrão desejado de comportamento), o que, na atividade empreendedora, equivale a adotar uma conduta metódica capaz de manter a unidade de uma empresa recém-criada.


Como sempre, os empreendedores de hoje deparam com dúvidas desconcertantes:

  • O que mudou?
  • Quais as mudanças radicais que estão por vir?
  • Seguimos rápido demais ou podemos ficar para trás?
  • Como gerir o processo que escolhemos?
  • As práticas e o sistema de gestão devem ser os tradicionais ou é o caso de inovar?

Na sétima edição norte-americana do livro Empreendedorismo (que, no Brasil, foi publicado pela Bookman Editora, em 2004), Robert Hisrich e Michael Peters explicam que administrar uma nova empresa exige visão estratégica, dedicação e controle dos recursos e da estrutura de gestão. “Os empreendedores nascidos com essas habilidades de gestão, em geral, mostram-se pessoas inteligentes, positivas e criativas. São visionárias, boas de comunicação, autoconfiantes, donas de uma energia infinita e totalmente apaixonadas pelo que fazem”, explicam os autores.

Porém quem não teve a sorte de nascer com esses talentos não precisa se considerar fora do jogo, pois essas habilidades podem ser aprendidas. E o aprendizado começa quando as pessoas compreendem que estão envolvidas de maneira direta na dinâmica e complexa relação existente entre gestão financeira e estratégia de negócios. Essa provavelmente é a diferença mais significativa entre a gestão empreendedora e as outras práticas de negócios.

Isso acontece porque, em quase todos os casos, quem toma as decisões assume também um risco pessoal. Para os executivos de qualquer empresa, o pior cenário possível é a demissão. Já para quem investe na criação de um novo empreendimento os resultados podem ser bem mais assustadores: uma decisão equivocada pode custar a casa da família, o padrão de vida e a confiança das pessoas que vivem ao redor, sem falar no custo emocional para as relações familiares.

De acordo com Peter Drucker, no caso de uma empresa com vários anos de existência, a palavra determinante na expressão “gestão empreendedora” é “empreendedora”. Porém, para qualquer negócio novo, o foco deve ser a palavra “gestão”. Por isso, quem começa a engatinhar no mundo dos negócios tem de fazer as perguntas da gestão eficiente:

  • Qual é o sentido do empreendimento? (Definição de missão e valores.)
  • Aonde quero chegar? (Metas e objetivos.)
  • Como atingir o objetivo? (Estratégia de crescimento.)
  • Quais são as necessidades? (Profissionais e recursos.)
  • Qual a estrutura mais indicada? (Estrutura organizacional.)
  • Qual é o capital necessário e quanto em cada etapa? (Estratégia de investimento.)
  • Como saber que os objetivos propostos foram atingidos? (Conceito de sucesso.)

Ciclo de vida

Essas perguntas cruciais, junto das atividades que envolvem, desembocam no que se chama de “ciclo de vida do empreendimento”. Nem todos os ciclos são iguais, mas os estudos sugerem que, na maior parte das empresas iniciantes, algumas etapas coincidem. Conhecer e compreender essas etapas ajuda a tomar decisões com base em mais informações e a se preparar para os desafios que o futuro reserva.

Primeira etapa.

O ciclo tem início quando o empreendedor detecta uma oportunidade e faz sua avaliação: o período de “gestação” equivale à análise de “pré-lançamento”, momento no qual é muito importante avaliar e entender as dimensões da oportunidade e o conceito do negócio propriamente dito, para poder determinar se é ou não atraente.

Segunda etapa.

Depois de assumidos os riscos e estimadas as vantagens da criação de uma empresa capaz de suprir a necessidade detectada, tem início a segunda fase: planejamento do negócio e definição de recursos. Embora muitos empreendedores jamais tenham se dedicado a elaborar um plano de negócios (pelo menos, não da forma convencional), trata-se de uma ferramenta útil na hora de buscar capital. Mas a tarefa de reunir todos os recursos necessários –profissionais, capital, sócios e investidores, fornecedores– é essencial no que diz respeito a transformar a idéia em realidade.

Terceira etapa.

O que define a terceira etapa, que corresponde à entrada no mercado e à gestão operacional, é a rentabilidade e o sucesso, que começarão a se manifestar desde que os recursos tenham sido alocados corretamente, de acordo com o plano de negócios, e se realizem as primeiras vendas. Se o modelo de negócio for rentável, se os objetivos atingidos se revelarem razoáveis e se a empresa mostrar sinais de saúde econômica, o empreendedor pode escolher entre uma injeção de capital para garantir mais crescimento e a manutenção da atuação limitada, porém autofinanciada. Essa segunda opção resulta da constatação de que não existe muito espaço para crescer no mercado, de que os sistemas de produção e gestão não são “sujeitos a escalonamentos” ou simplesmente de que o empreendedor acredita que os desafios estão acima de suas capacidades.

Quarta etapa.

No entanto, se a decisão tomada for pelo caminho do crescimento, a empresa vai ingressar na quarta etapa. Aqui é preciso escolher uma estratégia específica no que se refere a quais mercados serão atendidos e quais os produtos ou serviços oferecidos:

  • É melhor crescer em um mercado existente ou desbravar outros?
  • Vale a pena manter os produtos/serviços existentes ou criar novas opções?

O aspecto monetário também deve ser objeto de avaliação, considerando que o crescimento rápido, em vez de produzir recursos, tende mais a consumir dinheiro.

Quinta etapa.

A fase número 5 é a da maturidade da empresa. Começa quando ela atinge o apogeu e lidera o mercado. Nesse momento, o empreendedor e sua equipe gestora podem apostar na expansão, tanto por meio de aquisições como de fusões. A captura do valor criado nas etapas anteriores encerra o ciclo e em geral é concretizada com a abertura do capital da empresa ou com sua venda a uma corporação maior.

Alavanca capaz de mover o mundo, o empreendedorismo floresce nas sociedades que valorizam a educação e a criatividade, que investem em pesquisas e que se mostram abertas às iniciativas de inovação. Porém, nas sociedades refratárias ao desenvolvimento das habilidades empreendedoras, as pessoas são penalizadas pela economia, sobretudo porque o desperdício envolve um recurso essencial: o capital humano.

Fontes de motivação

De acordo com Jack Stack, autor dos livros The Great Game of Business (Currency, 1994) e A Stake in the Outcome (Dell, 2003), “a determinação dos empreendedores é evidente em seu olhar e na maneira de falar”. Porém o que os leva a assumir todos os riscos implícitos à criação de uma empresa? Uma espécie de obsessão em colocar em prática uma ideia na qual realmente acreditam. Não se trata de “querer fazer”, mas sim de “ter de fazer”.

Segundo o professor Edward Roberts, fundador do Entrepreneurship Center do MIT, os empreendedores de mais sucesso não perseguiram “um objetivo intangível” nem quiseram elaborar ideias brilhantes que só outras pessoas com a mesma capacidade criativa conseguiriam reconhecer. O objetivo que norteia esses indivíduos é criar algo “significativo e tangível”, sempre que houver algum desafio. Amar Bhidé, autor do livro The Origin and Evolution of New Businesses (Oxford, 2000), sustenta que os empreendedores contam com extraordinário nível de ambição, mas não apenas no que se refere à conta bancária. É claro que o dinheiro tem importância, mas o que eles realmente querem é “deixar sua marca no mundo”.

Plano de negócios X planejamento

A imensa quantidade de livros, sites e outras fontes disponíveis para quem procura informações sobre como elaborar um plano de negócios sinaliza a importância desse instrumento para o empreendedor. No que se refere ao conteúdo, basta enumerar os pontos essenciais –aqueles que, por serem impulsionadores do valor, não podem faltar:

  1. Análise profunda da oportunidade e do setor.
  2. Estratégia de negócios e vantagem competitiva.
  3. Equipe experiente e estrutura adequada.
  4. Controle dos recursos de capital essenciais.
  5. Estratégia de entrada no mercado e de captação de clientes.
  6. Estratégia de marketing e de vendas.
  7. Estratégia de crescimento.
  8. Estratégia de trabalho em rede.
  9. Sólida estratégia financeira.
  10. Estratégia de saída que seja viável.

Mas por que até quem planeja tudo em detalhe pode fracassar? De acordo com William Sahlman, professor de empreendedorismo da Harvard Business School, “todas as oportunidades envolvem promessas, mas também vulnerabilidades que nenhum plano de negócios, por melhor que seja, consegue simular.

Por isso, o que o plano deve comprovar é que o empreendedor não ignora os aspectos positivos nem os negativos e não tão belos que a iniciativa tem pela frente”. Em todo caso, vale a pena relembrar uma frase do general norte-americano Dwight Eisenhower: “Os planos têm pouco valor; o que importa é planejar”.

Exercício excelente, uma vez que ajuda a refletir sobre as forças que podem influenciar todos os aspectos do negócio. Costuma-se ouvir que a atividade empreendedora pode ser comparada a dirigir em alta velocidade por uma estrada coberta de gelo. Porém o que se aconselha aqui é uma abordagem mais metódica. Afinal de contas, trata-se de um constante processo de solução de problemas –um pouco parecido com montar um imenso quebra-cabeça.


Fonte: Revista HSM Management, por Alicia Cerri. Edição 64