Mencionamos diversas marcas francesas que não existem mais atualmente: Facel Veja, Talbot, Panhard e assim por diante. Kelvinator, Miracle Maid, DeSoto, Studebaker e Rambler são exemplos de marcas americanas que desapareceram. Por que uma marca deixa de existir no mercado?
A história da evolução da indústria e o fenômeno de sua concentração são marcados por tais desaparecimentos. Porém, ao lado de acontecimentos como esses, ocasionados por flutuações cíclicas, o sucesso ou o fracasso econômico de uma marca depende essencialmente do modo como ela é gerenciada. E, em certos casos, não é exagero usar a expressão “mal gerenciada”, em situações em que gerentes desejam representar o papel de Deus e praticam um marketing sem imaginação. A marca Studebaker constitui um bom exemplo, assim como Jean Patou, Carven e Fiorucci.
Contudo, há marcas cujo sucesso é inegável. Considere a Louis Vuitton, uma empresa que se tornou internacional a partir de 1977. Logo após a segunda Guerra Mundial, a Louis Vuitton tinha uma modesta loja situada na avenida Marceau, em Paris. Naquela ocasião, a venda de malas e de artigos de couro eram tão pequenas que a loja oferecia uma variedade de brinquedos em seu primeiro andar para manter o volume de vendas e honrar os seus compromissos.
Fracassos e sucessos não são resultado do acaso. Uma marca precisa ser gerenciada e desenvolvida. Precisa ser constantemente enriquecida e corrigida para acompanhar os tempos. Como uma planta, ela precisa ser cultivada; requer cuidados constantes para continuar viva, permanecer na moda e assumir um posicionamento moderno, simpático e atraente.
A história de esforços incessantes é mostrada nos museus das empresas. Considere o exemplo dos soldados de infantaria senegaleses de Banania, cuja evolução é similar à das personagens Betty Crocker, Aunt Jemima e Uncle Bem, nos Estados Unidos. A marca Banania foi fundada em 1912 para vender uma bebida à base de cacau e farinha de banana para ser consumida no café da manhã. Durante alguns anos a marca usou a imagem de “l’Antillaise”, uma mulher do Caribe com traços europeus. Depois, em 1915, o soldado de infantaria senegalês apareceu no verso da caixa. Essa figura popular, desenhada de modo realista, com seu largo sorriso, prosperou durante o período colonial. Ele substituiu l’Antilaise definitivamente em 1935. Com a descolonização e o início dos movimentos de direitos humanos, a personagem foi sendo estilizada pouco a pouco e finalmente reduzida a somente seu sorriso (1977), depois o seu chapéu foi desaparecendo (1984) completamente. Quanto ao amarelo da caixa, a cor tornouse gradualmente mais fluorescente.
Por trás de tais evoluções existe um trabalho contínuo. Entre duas embalagens sucessivas, as diferenças são quase sempre pouco notadas pelo consumidor. Porém, a longo prazo, a impressão é muito marcante.
Nesse caso estamos limitando nossa discussão à embalagem, mas o mesmo poderia ser comentado a respeito do seu conteúdo, porque o produto em si também evolui – adicionando ou retirando açúcar, destacando o sabor da banana ou do cacau, e assim por diante. Nos anos de 1950 , a Banania teve de ser preparada com leite. Atualmente, o pó é colocado na xícara com uma colher e se adiciona leite quente. A fórmula teve de ser alterada a fim de adaptar-se a um método de preparo diferente.
Finalmente, a abordagem da propaganda evoluiu até mais que a embalagem. Para manter a propaganda atualizada, os gerentes da Banania tiveram de mudar seu produto continuamente. Entretanto, os valores fundamentais da marca, associados à boa nutrição, continuaram a ser expressos enquanto o produto, o logotipo, o mascote, a embalagem e a comunicação continuaram sua evolução constante. “Vigos, energia, saúde, força” já eram seus lemas em 1914, mais de 100 anos atrás.
Esse exemplo é uma boa ilustração do que os gerentes de marca deveriam fazer. O produto precisa adaptar-se constantemente às condições mutáveis do mercado para permanecer competitivo, relevante e gerar riqueza. Porém, a adaptação deve permanecer no interior da estrutura dos valores fundamentais da marca.
A tarefa é complexa. As preferências dos consumidores mudam; a concorrência é enorme e cada vez mais bem preparada; nunca há espaço para improvisação ou aproximação. Se tivéssemos de caracterizar o gerenciamento da marca, teríamos de dizer que é relativo, progressivo, contínuo e focado.
É relativo porque precisa se adaptar em todas as ocasiões àquilo que a concorrência está fazendo. Para avaliar se o orçamento de propaganda Signal é suficiente, deve-se fazer uma análise histórica dos orçamentos dos concorrentes – Colgate, Aquafresh ou Crest. Uma promoção na loja para uma nova marca de café também depende das promoções da concorrência. Esta relatividade, a própria razão de existir do marketing, aplica-se sempre ao gerenciamento de uma marca. Um posicionamento ou um pico de vendas é válido somente na extensão em que proporcionam uma vantagem sobre uma concorrência. Por isso, além dos níveis operacionais do gerenciamento de uma marca, sua identidade implica diferenciação e, portanto, relatividade em termos da concorrência. A marca existe somente em relação a outras marcas.
O gerenciamento de uma marca também precisa ser progressivo. Precisa seguir de perto os mercados e as mudanças nas atitudes dos consumidores. Mencionamos isso em relação à Banania. Quando Remy Martin lançou os primeiros vinhos brancos no mercado chinês, criou muitos vinhos doces para adaptar-se a clientes que não estavam acostumados com esses produtos.
O processo de aprendizagem a que foram submetidos os consumidores chineses em relação a esses primeiros vinhos brancos, vendidos com a marca Dynasty, foi observado de perto. O açúcar foi removido muito lentamente a fim de revelar os aspectos mais refinados dos vinhos, que se tornaram mais saborosos e interessantes. Evidentemente, o consumidor nunca foi informado a respeito dessas mudanças graduais. Somente os expatriados, que algumas vezes tinham rejeitado esses vinhos por ocasião do lançamento, considerando-os muito alterados, ficaram admirados quando os experimentaram novamente alguns anos mais tarde.
O gerenciamento da marca é um processo contínuo. Toda lacuna precisa ser evitada. Os consumidores não apreciam quando amigos antigos se transformam – a não ser que, é claro, os gerentes de marca estejam tentando conscientemente mudar a sua clientela. Para permanecer de acordo com os gastos atuais, as marcas precisam alterar incessantemente seus produtos, sua comunicação e manifestações de sua identidade, tudo sem eliminar ou modificar seus valores fundamentais. Quando vemos as sucessivas transformações do logo da Shell, o alcance da evolução gráfica é evidente. A ultimam versão revela claramente uma melhoria em relação à estilização e à expressividade. Mesmo assim, não existe uma razão para que o processo de mudança e evolução termine.
Finalmente, o gerenciamento da marca precisa permanecer concentrado no elemento que constitui a sua própria alma: a identidade. Para ter sucesso em um contexto onde tudo muda rapidamente, as evoluções da marca devem ser progressivas e contínuas. O elemento estável, que permanece nesse ambiente de tendências múltiplas e contraditórias, é a identidade da marca.
Consideramos a identidade da marca o princípio básico de qualquer gerenciamento racional.
Fonte: Trecho do livro pró-logo, de Michel Chevalier e Gérald Mazzalovo