Estrela-do-mar ou aranha – que tipo de animal descreve seu concorrente? O que perde uma perna e fica aleijado ou o que a regenera? Nesta entrevista, o especialista Rod Beckström afirma que o concorrente na internet são do segundo tipo, e por isso mesmo não podem ser vencidos; nesse caso, a sua empresa (a aranha) é que precisa se adaptar.
Muitas empresas, para usar a metáfora de Rod Beckström, parecem aranhas: um organismo controlado pelo cérebro que fica aleijado se perde uma perna. Uma estrela-do-mar é diferente: os braços funcionam de forma mais ou menos independente, e, se você cortar um de seus braços, ele crescerá novamente. Muitas organizações são construídas com base nesse modelo descentralizado.
Na era da internet, as organizações do tipo “estrela-do-mar”, com pouco ou nenhum capital, podem ameaçar um setor tradicional mais rápido do que o tempo que se leva para dizer “Enciclopédia Britânica”.
Como você pode liquidar uma organização estrela-do-mar? A resposta: não pode. Mas você pode se adaptar para competir melhor com ela, diz Beckström, co-autor, com Ori Brafman, do livro Quem Está no Comando? (ed. Campus). Beckström tem 45 anos e mora em São Francisco, Estados Unidos.
- Sua análise com base nas organizações do tipo estrela-do-mar parece restabelecer a máxima segundo a qual a internet está mudando tudo. Esse é mesmo um novo paradigma?
A própria internet é uma rede do tipo estrela-do-mar. Mas nós estamos mostrando uma nova maneira pela qual as pessoas estão se organizando, assim como suas atividades. Se essa atividade é o desenvolvimento de softwares, ou redes como Craigslist, Wikipedia e eBay, ou mesmo campanhas políticas, não importa; existe um novo modelo. E a internet, plataforma para a comunicação efetivamente livre, está permitindo que organizações estrela-do-mar surjam em todos os lugares.
A maioria dos gestores observa essas redes e empresas e pensam que se trata de “aranhas”, concorrentes tradicionais, as quais, se tiverem a cabeça cortada, morrem. Mas não se podem usar contra organizações estrela-do-mar as mesmas estratégias adotadas contra as organizações aranha. Não funcionará.
- Nossos leitores são principalmente executivos corporativos, que podem ser colocados para fora dos negócios se uma organização estrela-do-mar entrar em seu setor de atividade. Quão assustados eles devem ficar?
Isso depende do setor. Vamos falar sobre os mais atingidos. No setor de música, a distribuição digital, as trocas diretas entre as pessoas e o compartilhamento de conteúdo musical têm sido sérias ameaças; o setor tem registrado queda de vendas da ordem de 25% ao ano.
O próximo setor a ser atingido será o de filmes, que ainda não sentiu o impacto por conta de questões relacionadas à largura de banda na internet: leva muito tempo fazer o download de qualquer arquivo de alta qualidade. Mas a banda larga tende ao infinito, o preço do estabelecimento de redes tende a zero e, no futuro, a indústria cinematográfica sofrerá grande pressão.
Os jornais já foram muito atingidos com o advento da Craigslist, que está abocanhando parte significativa das receitas com publicidade. E eu disse ao editor de nosso livro: a vantagem que você tem hoje está no fato de que a maioria das pessoas gosta de ter um livro nas mãos; é mais fácil ler no papel do que na tela de um computador.
Mas, em breve, começarão a ser feitos livros desse material plástico que parece papel, usando conteúdo digital. Então, de repente, a revolução das estrelas-do-mar afetará o setor editorial, porque o conteúdo digital poderá se movimentar entre as pessoas.
- E o que dizer de setores de fora do mundo do entretenimento e da mídia?
Se observarmos a Fortune 500, eu ficaria surpreso se pelo menos 20% daquelas empresas não sentissem que essas organizações estrela-do-mar as estão obrigando a repensar e até mesmo a reestruturar seus negócios. Temos conversado com alguns executivos e eles nos perguntam que setores não deveriam se preocupar com essa nova realidade.
Nós damos como exemplo as pedreiras. Mas aí um sujeito disse: “Elas também são afetadas. As pessoas entram na web, pesquisam preços de distribuidores em todos os cantos e fazem o orçamento do transporte até o ponto aonde precisam levar o material”.
No livro, Ori e eu analisamos o setor bancário. Como consumidor de serviços bancários, você quer uma instituição reconhecida pelos órgãos federais, com processos, controles e conformidades legais. Você não confiará em qualquer um para cuidar do dinheiro depositado lá. Então pensamos: “Tudo bem, talvez esse setor de atividade não esteja passando por uma descentralização tão grande. Afinal, assistimos a todas essas fusões e aquisições”.
Mas estava conversando com uma pessoa do setor que contou: “Nosso mercado é descentralizado. Está ficando tão de baixo custo que participantes locais e regionais de alta qualidade estão entrando no mercado e oferecendo aos clientes enorme acesso a produtos e serviços. Somente por meio do licenciamento de sistemas on-line e relacionamentos eles podem oferecer grande variedade de produtos e eficiência. Isso é muito disruptivo”.
Em muitos casos, essas empresas podem fazer isso porque são pequenas e há “deseconomias” de escala. Quando estava na Stanford Business School, eles nos ensinavam as regras da economia de escala, mas nunca nos falaram sobre as deseconomias.
- Como as deseconomias de escala funcionam a favor das organizações do tipo estrelado- mar?
Alguns caras num país dos Bálcãs desenvolveram um software que permite às pessoas fazerem ligações de telefone em qualquer lugar do mundo –estou falando do Skype– e, porque eles são pequenos, contam com enorme vantagem estratégica. Conseguem oferecer ligações sem custo. Talvez a AT&T pudesse ter desenvolvido a mesma tecnologia, mas ela não poderia se valer da mesma estratégia de negócio; ela tem US$ 300 bilhões de investimentos em redes para recuperar.
Ori e eu visitamos a Craigslist e descobrimos apenas 18 pessoas trabalhando lá. Eles estão colocando a indústria dos classificados em jornal de joelhos. Estamos falando do deslocamento de algo entre US$ 10 bilhões e US$ 50 bilhões em capitalização de mercado no setor de jornais realizado por 18 pessoas.
- Você escreve que “a ideologia é a cola que mantém as organizações descentralizadas juntas”. O que entende por ideologia?
Os valores que encontramos na Craigslist são completamente diferentes dos que existem nas empresas tradicionais: “Estamos aqui pela comunidade, respondemos a todas as solicitações por e-mail, tentamos agregar todos os serviços pedidos pelos clientes; nosso objetivo não é maximizar nossos ganhos, por isso não aceitaremos anúncios em nosso site”. Essa é uma ideologia diferente de quase todos os negócios que conheço. Eles podem cobrar por uma coisa ou outra e faturar bilhões de dólares por ano. Mas eles dizem: “Não, não se trata disso”. Imagine ter concorrentes como esse.
- Isso pode ser comparado às declarações de missão de organizações tradicionais?
Não importa o que você diz. Tudo o que importa é o que você faz. Por isso as pessoas criticam as declarações de missão. Em organizações estrela-do-mar, dirigidas pela ideologia, não há falsidades. Você tem de ser autêntico, porque em muitos casos esses são sistemas de participação voluntária auto-organizados. Craigslist, eBay e Napster começaram, todas elas, para servir as pessoas de graça. Não começaram para ganhar dinheiro. A ideologia de fundação era a do serviço, não a do comércio.
- É um pouco tarde para a maioria das empresas mudar para um modelo puramente altruísta ou para abrir mão de qualquer controle. Como elas poderiam se adaptar?
Não estamos defendendo que todas as organizações do mundo devem se tornar estrelas-do-mar. Ordem e estrutura são necessárias em muitos lugares. Por exemplo, quando estamos voando em um avião, não queremos que a equipe mecânica seja totalmente descentralizada e deixe para os pilotos decidirem quantas horas vão dormir por noite. O que dizemos é que a explosão de organizações estrela-do-mar está tendo impacto significativo em muitos setores de atividade e que o mesmo conjunto de princípios do tipo estrela-do-mar pode ser utilizado em grandes empresas. Elas podem começar a se descentralizar aprendendo com esses modelos.
A questão interessante para todas é onde está a melhor recompensa. Afinal, há sempre tensão entre segurança e inovação, liberdade e controle. A questão não é se é preciso ter controle nas grandes organizações, mas qual a quantidade ideal de controle para impulsionar o sucesso do negócio. Você tem de tolerar muita ambigüidade nessas redes, uma vez que as comunidades se envolvem por conta própria. Você não consegue simplesmente ter seu planejamento estratégico e se guiar por ele.
- A maioria dos presidentes de empresa fica, é claro, desconfortável com tamanha ambigüidade. Os “catalisadores”, as pessoas que lideram as organizações estrela do-mar, são um tipo diferente de líder?
Em organizações estrela-do-mar, o catalisador é visto mais como um par do que qualquer outra coisa. Se você pergunta a Craig Newmark, da Craigslist, qual seu trabalho, ele diz: “Sou representante do serviço ao consumidor”. Não é autodepreciação, é isso mesmo. Ele lida com algo entre 300 e 500 e-mails de cliente por dia.
O catalisador tem de ser emocionalmente inteligente, para trabalhar com o aspecto psicológico das pessoas nas comunidades, resolver problemas e manter todas unidas. Quando conversamos com Jimmy Wales, da Wikipedia, ele fala de confiança, de amor, colaboração.
A Wikipedia é um empreendimento poderoso, está tirando a Enciclopédia Britânica do mercado e começará a ter impacto significativo sobre o Google em algum momento no futuro. E o principal desafio de Wales é manter as pessoas trabalhando juntas, sem jogar tomates umas nas outras. Ele tem de inspirá-las.
Esse parece mesmo um tipo diferente de líder, para um mundo descentralizado. Você vê uma tendência de continuidade rumo à descentralização? Muito do que chamamos civilização desenvolveu-se a partir de instituições e organizações que, em vários casos, tinham poder centralizado, ordem e estrutura. O pêndulo moveu-se da humanidade como povos nômades, caçadores e coletores para níveis de complexa organização. Agora o pêndulo está fazendo o caminho inverso, brutalmente e com grande força.
Um mundo estrela-do-mar
Uma coisa que as empresas, as instituições, os governos e mesmo os indivíduos terão de perceber é que aranhas e estrelas-do-mar podem ser, ao primeiro olhar, parecidas, mas as estrelas-do-mar possuem uma qualidade espetacular. Corte a perna de uma aranha e você terá uma criatura de sete pernas; corte sua cabeça e você terá uma aranha morta. No entanto, se você cortar o braço de uma estrelado- mar, um novo braço aparecerá no lugar do antigo. E não é só isso: do braço cortado pode surgir um novo corpo. As estrelas-do-mar são capazes desse feito porque, diferentemente das aranhas, elas não são especializadas: cada órgão vital está replicado em cada um dos braços.
As estrelas-do-mar não existem apenas no mundo animal. Organizações do tipo estrela-do-mar estão tomando conta da sociedade e do mundo dos negócios, modificando as regras da estratégia e da competição. Assim como as estrelasdo- mar nos oceanos, as organizações desse tipo estão estruturadas com base em princípios bem diferentes dos que estamos acostumados a ver nas empresas tradicionais, do tipo aranha, que são centralizadas e possuem órgãos e estruturas muito claros. Você sabe quem está no comando.
As organizações estrela-do-mar, por outro lado, estão baseadas em princípios completamente diferentes. Elas tendem a se organizar, rapidamente, em torno de uma ideologia compartilhada ou de uma plataforma simples de comunicação –idéias ou plataformas que podem ser replicadas facilmente. Uma vez que elas chegam, têm grande poder de ruptura e vieram para ficar, para o bem ou para o mal. E a internet contribui para que elas floresçam.
Portanto, nos dias de hoje as organizações estrelas-do-mar estão começando a ganhar espaços prioritários. Por isso, é fundamental conhecer e entender sua força potencial. No livro Quem Está no Comando? (ed. Campus), Rod Beckström e Ori Brafman exploram esse novo poder, que mudará o modo como olharemos o mundo.
Saiba mais sobre Rod Beckström
Rod Beckström pode ser definido como um empreendedor e também um catalisador. Foi bem-sucedido na criação de novos negócios e mudou outros, já estabelecidos, com idéias criativas, conceitos poderosos e muita paixão. É co-autor do best-seller Quem Está no Comando? (ed. Campus), que apresenta um novo modelo para analisar as organizações, os estilos de liderança e a estratégia competitiva.
Ele faz isso compartilhando sua rica experiência em viagens a mais de 60 países; fechou negócios em 35 deles, visitou palácios de reis, trabalhou com cientistas do Vale do Silício, entrevistou pessoas em zonas de guerra e até viveu em uma cabana em uma das áreas mais pobres da África.
Beckström acredita nas pessoas e crê em milagres. Mais especificamente, ele acredita que todas as pessoas são capazes de produzir milagres. Ouvi-lo falar é ser motivado sobre o que você pode fazer individual e coletivamente para mudar o mundo. Ele fez. Iniciou sua primeira empresa quando tinha 24 anos, na garagem de um prédio de apartamentos, e a transformou em um empreendimento mundial, com escritórios em Nova York, Londres, Tóquio, Genebra, Sydney, Los Angeles e Hong Kong.
Essa empresa, a CAT•S Software, abriu o capital e foi vendida muito bem. Ele também ajudou a lançar mais de meia dúzia de grupos sem fins lucrativos e outras iniciativas, como a Global Peace Network, que semeou uma rede de presidentes de empresa pela paz e hoje conta com mais de 4 mil participantes.
Atualmente Beckström está fascinado com a tecnologia wiki, de software colaborativo, e como ela pode transformar fundamentalmente o trabalho de equipe e a produtividade dentro das empresas e em toda a sociedade. É presidente, co-fundador e catalisador-chefe do Twiki.net, líder em seu setor como iniciativa wiki de código aberto. Também atua como presidente da Global Peace Network, organização nãogovernamental ligada à paz e às questões ambientais, e é diretor da Jamii Bora Africa, grupo dedicado ao microcrédito, com 140 mil integrantes, na África.
Fonte: Revista HSM Management, originalmente publicada no The Conference Board Review