As marcas existem em todos os setores da economia, porém em configurações diferentes. O esforço para promover uma marca de pão ou arroz não é o mesmo para o caso de um detergente ou de um creme facial. O setor industrial define, entre outros aspectos, o modo como a marca pode ser diferenciada e encontrada pelos consumidores. Em vez de definir as classificações por setor, daremos diversos exemplos para ajudar a compreender essa diversidade.
O primeiro critério específico do setor industrial tem relação com as possibilidades de diferenciação de determinado produto. Vamos iniciar com o exemplo do mercado europeu de barras de chocolate. A barra de chocolate é uma invenção recente (1850) com processo de produção complexo, que requer domínio total dos processos físico-químicos envolvidos. Portanto, sua historia está ligada aos principais estágios de industrialização e ao controle de cadeia de distribuição refrigerada.
Há quarenta anos, existem grandes marcas nacionais no mercado francês: Meunier, Poulain, Suchard. Também haviam outras marcas, porém locais: Cémoi Delespaul-Havez, Omnia, etc. O mercado estava se expandindo regularmente, a vender também as marcas nacionais. O mesmo sistema foi reproduzido fora da França, por exemplo, com a Perugina, na Itália, ou El Gorriga e Favor, na Espanha.
Marca de alcance regional
Atualmente as marcas nacionais foram todas adquiridas pelos maiores grupos, que as utilizam, em sua estratégia mundial, como “regionais”. È o caso da aquisição de Meunier e Perugina pela Nestlé. O mercado está dividido entre Nestlé, Suchard (que adquiriu a Côte d`Or e a Tobler) e a Lindt, na Europa, a Cadbury (que comprou a Poulain), no Norte da Europa, e a Hersheys, nos Estados Unidos.
Nesse setor, as compras ocorrem, muitas vezes, por impulso, e o mercado estruturou–se em um oligopólio internacional. As marcas regionais desapareceram ou foram transformadas em marcas econômicas, sem orçamento de propaganda. As prateleiras dos supermercados em Paris, Hamburgo e Nápoles são similares, frequentemente apresentando produtos Nestlé, Lindt, Suchard e Cadbury bem próximos,
Na maioria dos casos, como na Alemanha ou na França, praticamente inexistem marcas nacionais de chocolate. Embora as marcas tenham conservado uma certa identidade nacional (suíça ou britânica, por exemplo), a imagem que possuem tornou-se tão neutra, que á primeira vista o mercado parece ter se tornado homogêneo.
No entanto, transformações estão ocorrendo. Como é comum acontecer no setor de produtos alimentícios, as mudanças são impulsionadas pelo aumento na demanda por qualidade e segurança da parte dos consumidores. Na França, marcas como Valrhona conquistaram um espaço aos poucos, vendendo produtos que são muito mais caros e de qualidade superir. Tais marcas estão promovendo uma nova segmentação de mercado, ao estabelecer um nicho para a qualidade e a seletividade.
O fenômeno da marca “marginal”
Por mais de dez anos essas empresas “marginais” têm se apoiado em padarias e confeitarias francesas, que preferem vender Valrhona ou Cluzel, em vez de barras Suchard ou Nestlé, a um preço muito mais elevado comparado ao do hipermercado local. Entretanto, as marcas de qualidade já começaram a ser encontradas agora em supermercados, dando início a uma nova era em seu desenvolvimento. Consequentemente, a presença de marcas internacionais importantes, uniformes e padronizadas, não tem impedido o desenvolvimento de novos produtos, com posicionamentos mais limitados e direcionados.
No setor de café solúvel e moído, a situação é um pouco diferente. Há cinquenta anos ainda havia torrefações de café em cada região e particularmente perto das cidades portuárias. Essas marcas desapareceram aos poucos e foram substituídas por marcas italianas de café, como Lavazza, Sagafredo e Ily. Essas marcas se vinculavam à ideia de uma “arte do café”, representando o estilo de vida latino e introduzindo um tipo de segmentação no mercado para esse produto.
A propaganda da marca
Durante um longo período, a propaganda das principais marcas de café se concentrou na qualidade do produto ou no aspecto exótico, para reforçar essa qualidade (“Nossos grãos vêm de muito longe, das melhores plantações existentes”). Porém, agora, o aspecto exótico é usado para explorar também outras questões. Como trabalho, a maioria das principais marcas tem introduzido variedades do produto, oferecendo, por exemplo, coleções ”Café do Mundo” (do Brasil, da Colômbia, da Etiópia, entre outros), disponíveis em supermercados. Isso tem um mercado razoavelmente fragmentado, o qual oferece uma diversidade de combinações e embalagens.
Quanto aos hábitos de consumo, parece haver uma tendência para coexistir o café de “mesa” (o equivalente a vinho de mesa) e cafés mais requisitados, fortemente marcados pelo aspecto exótico, reservados para momentos festivos. Entretanto, nas compras do dia-a-dia, as preferências do público permanecem relativamente fixas e apoiadas por orçamentos de propaganda vultosos.
Ao falar em café, é difícil não mencionar a marca norte-americana Starbucks. Em 1971 inaugurou sua primeira loja em Seattle. Em 1987 possuía apenas 17 lojas; em 1997 tinha 1.412; em 2004 possuía cerca de 6 mil e tinha o objetivo de alcançar 10 mil, em escala mundial , em 2005.
A marca iniciou de modo simples, vendendo um café melhor em um ambiente limpo e agradável. Depois, como resultado de um acordo de licenciamento com a Kraft Food inc., o Starbucks introduziu seu próprio café em 18 mil supermercados dos EUA. O relatório anual dos Starbucks mostra que o valor recebido da Kraft pelos royalties para usar o nome da marca nos supermercados é de aproximadamente 65 milhões de dólares.
Se passarmos para o setor do leite, cerca de 75% do mercado é composto de marcas de lojas ou de marcas econômicas. Para esse produto os consumidores veem pouco motivo para adquirir um produto mais caro com valor adicional. Eles consideram o leite um produto que não é diferenciado. Nesse setor, o consumo de alimentos naturais oferece possibilidades para segmentação, que ainda não é muito significativa quanto ás marcas, considerando que “orgânico” por ser uma designação certificada, tende a funcionar como uma marca em si.
Esta é uma lei universal para todas as marcas: ela torna-se muito mais eficaz quando tem elevado grau de diferenciação e valor agregado. Deve oferecer um acréscimo inegável para o consumidor.
O setor empresarial também condiciona a forma de distribuição do produto e o papel da marca. Vamos examinar um caso de concentração, retomando o setor de moda de luxo. Há nesse setor uma tendência á distribuição específica, em lojas que vendem uma única marca.
A Louis Vuitton, por exemplo, constitui uma marca suficientemente forte para abrir novas lojas em todas as principais cidades do globo. Não é o caso da Furla ou da Desmo, marcas menores de produtos de couro italianos. Estas últimas não possuem o reconhecimento do nome ou do poder de atração suficiente que lhes permitam suprir e gerenciar lucrativamente suas próprias lojas, em Mineapolis ou Nova Orleans. Elas podem abrir lojas somente em cidades muito grandes e esperar aumentar o nível de interesse e o volume de vendas, usando estratégias como a qualidade dos produtos e a originalidade, além da propaganda.
Para as marcas fortes é mais vantajoso ainda atualmente a presença em megastores, como Gap, nos Champs-Èlysées em Paris, com uma área de vendas de 1.530 metros quadrados e aluguel anual acima de dois milhões de dólares, ou as lojas Nike Town, em Chicago ou Nova York. Estudos mostram que essa lojas com grandes áreas são mais rentáveis para uma rede de marca única do que para redes multimarcas.
No caso de produtos fabricados em grande volume, caracterizados pela economia de escala na produção (fornos de microondas, aspiradores de pó, malas, entre outros), a tendência é ocorrer uma “diluição” isso significa dispor a marca por meio do maior número possível de distribuidores, criando uma imagem de qualidade e força. Em vez de explorar características específicas da marca, pretende-se ter onipresença.
Desse modo, existem duas maneiras diferentes de as marcas se afirmarem, ambas eficazes e relacionadas ás características de um determinado setor empresarial. Não existe uma única prática. Cada setor usa as marcas para desempenhar um certo papel, sempre visando a diferenciação e a promoção dos valores expressos por elas.
Ao ler a obra de Naomi Klein, constata-se que os exemplos se concentram no setor têxtil de escala média, Ela diz muito pouco sobre produtos manufaturados com grande conteúdo tecnológico; e também sobre produtos de luxo. Pode-se dizer que suas afirmações são parcialmente verdadeiras para setor escolhido, mas suas conclusões não consideram a diversidade de situações, setores e percepções dos consumidores.
Ressaltamos também o fato de que a promoção de valores das marcas, em suas várias formas, não se limita a um pequeno atrair clientes e conquistar a fidelidade deles. A Shell e BP (British Petroleum Company) não são percebidas pelo consumidor da mesma forma no que se refere a conteúdo, confiança, origem, garantia ou qualidade do produto. O mesmo vales para os bancos: O Citibank ou o Vabk One não são o mesmo que o AmSouth . Cada banco se organizou para proporcionar um serviço diferenciado e específico, baseando-se em forma de comunicação, relacionamento entre seus empregados e os clientes, código de boa conduta e comportamento.
Na área de Tecnologia da Informação (TI), empresas que vendem seus produtos ou prestam serviços a outras companhias não estão isentas desse fenômeno. Para o diretor de TI de uma empresa importante, adquirir um computador fabricado pela IBM ou de uma pequena marca coreana não é a mesma coisa. Se acontecer um problema sério com um computador IBM, ninguém questionará a decisão de compra. Se , de outro lado, o problema ocorrer com o computador de uma marca coreana secundária, existe uma boa chance de a competência do diretor ser questionada. A escolha da marca com maior prestígio acarreta menor risco pessoal.
Esse fato se dá em quase todas as aquisições industriais. Mesmo quando a marca não aparece no produto ou no componente, ela existe na mente do usuário. Para quem vai comprar peças de automóvel, existe diferença entre comprar pára-brisas ou limpadores de pára-brisas fabricados pela Corning ou Trico e adquirir as peças de um pequeno produtor local, que não oferece a mesma garantia técnica.
Para finalizar, um aspecto que merece ser lembrado é que, se a marca desempenha um papel importante para os consumidores, exerce também a mesma influência sobre os próprios empregados da organização. Os que atendem clientes, por exemplo, tendem a adotar comportamentos diferenciados, os quais podem evoluir ao longo do tempo, pois lidam constantemente com a(s) marca(s) da empresa.
Enfim, quando ao setor industrial, é importante reter duas ideias. As marcas estão presentes em todos os setores, mas possuem modos diferentes de operação. O objetivo comum das marcas é introduzir a diferenciação, em um determinado setor, por meio da promoção dos valores específicos que favorecem a formação de sua identidade.
Nesse sentido, as marcas são uma realidade inevitável, e positiva, de todas as atividades comerciais. São uma garantia de qualidade, confiança e inovação. Podem atuar como filtros qualitativos no setor, porque a ação recíproca entre concorrência e diferenciação sempre leva as organizações a elaborara melhor oferta numa determinada área de atividade. Essa é uma das razões pela qual consideramos as marcas um fator essencial no dinamismo industrial.
As marcas industriais estão entre as marcas mais valiosas do mundo
Nos últimos anos, temos visto muitas marcas de prestadores de serviços tecnológicos, bancários e de telecomunicações disputarem o ranking das marcas mais valiosas do mundo. Mesmo nesse ambiente competitivo, o setor industrial vem caminhando de maneira sólida, apostando solidamente no gerenciamento das marcas.
A Apple vem figurando entre as 3 marcas mais vaiosas nos últimos 10 anos, sempre contando com a sua indústria tecnológica de ponta. No caso da Apple, seus consumidores não adquirem apenas um aparelho de alta tecnologia, mas o valor agregado dos serviços tecnológicos e o status de ter um produto da Apple.
Mas no fundo, o sucesso da Apple só é possível graças a um tremendo esforço de pesquisa e desenvolvimento tecnológico dos seus engenheiros, muitos deles lá na planta industrial, que vem nos últimos anos travando uma verdadeira batalha contra outra gigante na indústria da tecnologia: a Samsung, da Coréia do Sul.
Outras marcas de sucesso mundial que dependem de sua indústria são a General Electric e a Coca-Cola.
Fonte: Livro Pró Logo, em que os autores Michel Chevalier e Gérald Mazzalovo fazem um contraponto ao livro No Logo, de Naomi Klein, ao destacar as virtudes do gerenciamento de marcas que buscam participar da construção de uma sociedade mais justa através do fortalecimento de valores sociais agregados à marca.