O cerrado brasileiro e seu exemplo

A população mundial atual é de quase sete bilhões de pessoas e até 2050, a ONU estima que ela deve chegar a nove bilhões de habitantes. A principal pergunta associada a tal previsão é: como alimentar tanta gente, já que a fome e a desnutrição são realidade no atual nível populacional em diversas regiões do mundo?

O continente africano é o que mais sofre com a questão da segurança alimentar. Dos 30 países que hoje recebem ajuda externa no fornecimento de alimentos, 21 estão nele localizados, principalmente na região da savana da guiné. A capacidade de produção agrícola do continente é considerada uma incógnita, fato que parece até incoerente quando consideramos que a África subsaariana concentra 45% do potencial total de terras disponíveis para cultivo no mundo.

Os principais entraves para o desenvolvimento da agricultura na savana africana são a falta de tecnologia e know how para expandir e aumentar a produtividade da produção nessa região, em conjunto com a instabilidade política e a falta de políticas públicas para apoiar a expansão agrícola.

É nessa linha que um estudo recentemente publicado pela Novus International (empresa de produtos de nutrição e saúde animal e humana), sugeriu o modelo de desenvolvimento do cerrado no Brasil como exemplo para o desenvolvimento da savana africana2.

A região da savana da guiné está concentrada na África subsaariana, abrangendo uma área de 600 milhões de hectares e 27 países. O bioma savana é equivalente ao cerrado brasileiro, caracterizado por clima quente, com períodos de chuva e de seca e solos ácidos que limitam a capacidade de produção agrícola.

De acordo com o estudo da Novus, com a experiência e conhecimento desenvolvidos no cerrado brasileiro, seria possível transformar a região da savana africana que atualmente tem somente 10% da sua área ocupada com agricultura.

O estudo indica que o desenvolvimento da produção em um terço da área disponível para cultivo (aproximadamente 400 milhões de hectares) na savana da guiné seria o suficiente para acabar com a desnutrição na África e ainda contribuir com o fornecimento de alimentos para outros países no mundo.

A experiência do cerrado realmente deve ser tomada como exemplo. A área de soja no estado do Maranhão, por exemplo, passou de 10 mil hectares em 1985 para mais de 500 mil hectares em 2010.

No Piauí a área passou de nada em 1985 para 383 mil hectares em 2010 e na Bahia de 107 mil hectares para mais de um milhão de hectares no mesmo período. Os três estados são os melhores exemplos do que o estudo da Novus chama, emprestando matéria da revista “The Economist”3, de “Milagre do Cerrado”. O desenvolvimento da produção agropecuária nesses estados foi fundamental na expansão da produção brasileira.

O estudo destaca o desenvolvimento de tecnologias, investimentos em infraestrutura e a criação e implementação de políticas públicas como os principais fatores no caso do “Milagre do Cerrado”. No quesito tecnologia, ressalta a importância da EMBRAPA, que através da pesquisa desenvolveu papel importante na correção de problemas de solo, na criação de variedades adaptadas às condições climáticas do cerrado e a pragas que atacam os cultivos.

De fato, quando comparamos a evolução dos níveis de produtividade da produção agrícola no cerrado e na África subsaariana, a diferença é significativa. De acordo com dados da FAO, a produtividade da soja na África subsaariana entre 1985 e 2011 variou entre 0,6 e 0,9 toneladas por hectare e hoje permanece em torno de 0,8 toneladas por hectare.

No Brasil, nos estados do Maranhão, Piauí e Bahia, a produtividade era em média 1,4 toneladas por hectare em 1885 e passou a 3,1 em média em 2011. Essa evolução se deu no Brasil graças ao trabalho da EMBRAPA e do acúmulo de conhecimento do setor produtivo brasileiro.

Além do desenvolvimento tecnológico e da importância da EMBRAPA, o estudo destaca três políticas públicas criadas para apoiar o desenvolvimento do cerrado:

1)concessão de crédito para pequenos produtores em tempos de hiperinflação;

2) garantias de preços para reduzir o risco ao produtor e políticas de preços domésticos;

3) política de comércio exterior com incentivo à exportação e barreiras tarifárias para proteger o mercado doméstico. Além disso, o país implementou medidas que criaram um ambiente favorável para atrair investimentos estrangeiros na região. Nos últimos 20 anos, grandes empresas nacionais e multinacionais, como Cargill, Bunge e Perdigão investiram na região.

O desenvolvimento da savana africana não será uma tarefa simples, principalmente porque diferente do cerrado, a savana da guiné abrange 27 países africanos com culturas, histórias, línguas e politicas diferentes. No entanto, a experiência do cerrado é um bom exemplo de desenvolvimento de uma região que não produzia praticamente nada e com baixíssima produtividade no que é hoje.

O desenvolvimento de tecnologias e o acúmulo de conhecimento do setor transformaram o cerrado em uma das regiões produtivas mais importantes do Brasil. Nosso modelo pode servir como exemplo ou, no mínimo, como inspiração, para ajudar o continente africano a desenvolver a produção agrícola e acabar com a fome no país.


Fontes:

1 Banco Mundial. “Rising Global Interest in Farmland. Can it Yield Sustainable and Equitable Benefits?”. Setembro, 2010. Disponível em: http://usaidlandtenure.net/library/external-resources/rising-global-interest-in-farmland-can-it-yield-sustainable-and-equitable-benefits/view .

2 Gasperoni, Giovanni. Novus International. A Model for Self-Sufficiency: Applying the Lessons of Brazil’s Cerrado Region to Sub-Saharan Africa. Agosto, 2011. Disponível em: http://www.feedinfo.com/files/Cerrado%20and%20Guinea%20Savannah%20v2.pdf.

3 The Economist. The Miracle of the Cerrado. Agosto, 2010. Disponível em: http://www.economist.com/node/16886442.


Fonte: RedeAgro, por Paula T. Moura