Até 2009 pouco se falava sobre emissões de gases de efeito estufa (GEE) na produção de alimentos, ações de mitigação no campo e preocupações com a adaptação aos efeitos das mudanças do clima. A realização da COP15 em Copenhague e a aprovação da Política Nacional de Mudanças do Clima em dezembro de 2009 fomentaram a discussão sobre mudanças do clima no país.
O Brasil adotou metas voluntárias de redução de emissões de GEEs, entre 36,1 e 38,9% até 2020, que deverão ser cumpridas por meio da adoção de ações de mitigação como redução de desmatamento, boas práticas agropecuárias, incremento no uso de energias renováveis e eficiência energética.
O Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC) prevê ações de mitigação e de adaptação que deverão ser adotadas até 2020 com o objetivo de reduzir emissões e tornar a agricultura brasileira mais sustentável. O Programa ABC, que prevê recursos financeiros para os agricultores implementarem práticas como plantio direto, integração lavoura pecuária, rotação de culturas, entre outras, é o pilar de mitigação do Plano.
É importante destacar que na agricultura muitas das ações de mitigação são também ações de adaptação a mudança do clima, e isto diferencia consideravelmente as estratégias do setor. Isto quer dizer que ao adotar a técnica de plantio direto, o produtor está simultaneamente reduzindo suas emissões de GEEs ao incorporar carbono no solo (mitigação), e também evitando a perda de umidade e diminuindo a temperatura da terra (adaptação).
A adaptação às mudanças do clima é outro pilar essencial do Plano ABC, que prevê, por exemplo: i) a criação do Programa de Inteligência Climática na Agricultura, integrado ao Plano Nacional de Redução de Riscos e Desastres; ii) desenvolvimento de mapas de vulnerabilidade e riscos climáticos de médio e longo prazo; iii) a elaboração de estudos que permitam aperfeiçoar e ampliar o seguro rural e outros instrumentos de prevenção e compensação de perdas climáticas na agricultura; iv) ampliar a capacidade de fazer projetos de modelagem climática dos diferentes sistemas produtivos agrícolas; v) incentivar e apoiar programas de conservação e uso sustentável de recursos genéticos e de melhoramento vegetal e animal, com ênfase na sua adaptação aos fatores bióticos e abióticos.
Tratar de adaptação significa conhecer as especificidades de uma determinada região, considerando o solo, a aptidão para determinada cultura, o histórico do clima, entre outras variáveis, ponderando possíveis impactos do aumento da temperatura e estabelecendo ações que possibilitem a adaptação do ecossistema e/ou dos produtores. Em outras palavras, significa conhecer com detalhes a realidade de uma região produtora e tentar minimizar impactos das alterações climáticas.
Em 2008, a EMBRAPA estimou que a produção de alimentos no Brasil poderá sofrer prejuízos entre R$ 7,4 bilhões em 2020 e R$ 14 bilhões em 2070, embora seja possível adotar práticas de mitigação e adaptação para reduzir esses efeitos.
Implementar as ações de adaptação previstas no Plano ABC é essencial para amenizar os impactos das mudanças do clima sobre a agricultura brasileira e, ao mesmo tempo, evitar prejuízos econômicos aos produtores.
Recentemente a Embrapa publicou o livro Impactos das mudanças climáticas sobre doenças de importantes culturas no Brasil (http://www.cnpma.embrapa.br/climapest/livros/livro3.html)
Considerando que as ações de adaptação devem fomentar o desenvolvimento de mapas de vulnerabilidade da agricultura, bem como a elaboração de mapas de riscos climáticos de médio e de longo prazo é fundamental que o setor privado, as universidades, a Embrapa e o governo aprofundem análises que permitam a adaptação da agricultura e dos produtores às mudanças do clima.
Fonte: redeagro.org.br, por Rodrigo C. A.Lima
O setor agrícola e o aquecimento global: como exercer um papel positivo
Éramos quarenta cientistas em início de carreira reunidos num parque nacional no árido estado americano de Arizona, onde a relação entre clima e ecossistema salta aos olhos. Estávamos ali para discutir os desafios de se pesquisar mudança climática de forma integrada, tratando-se de um tema que abrange de modelagem matemática de processos bioquímicos ao estudo do comportamento humano. Numa das palestras, Susan Hassol, uma importante comunicadora da área de ciências, dizia sobre o aquecimento global, entre outras coisas:
O aquecimento global é uma realidade;
Fazemos parte do problema;
Podemos resolver o problema.
Refletindo sobre estas afirmações, em especial a última, percebo que o setor agrícola brasileiro talvez seja um dos melhores exemplos de como a aplicação das melhores práticas pode ser parte de um conjunto de soluções para o aquecimento global. Não há dúvidas de que a agricultura e pecuária são fontes relevantes de emissões de gases do efeito estufa (GEE). A queima de florestas, resíduos agrícolas e pastagens; emissões do solo a partir da aplicação de adubos que contem nitrogênio; e as emissões de metano por animais ruminantes são exemplos de fontes de emissões significativas. No entanto, estes setores representam também as maiores oportunidades de amenizar o problema (Cerri et al. 2009).
O que é preciso fazer para transformar a agropecuária de parte do problema para parte da solução? Na verdade, não é muito diferente de como se equilibra um orçamento doméstico. É preciso reduzir o desperdício e aumentar o que se poupa. Traduzindo o princípio para a área ambiental, há que se fazer duas coisas: reduzir a quantidade de GEE emitidas para a atmosfera e fixar parte destes gases no solo e na biomassa. Ambas as ações são necessárias, complementares e interdependentes.
A redução de emissões é estreitamente relacionada ao aumento de eficiência na produção agrícola. Podemos pensar em emissões como perdas de insumos úteis para produção. Por exemplo, o nitrogênio perdido na forma de óxido nitroso (um potente GEE) poderia ter sido usado pela cultura agrícola como nutriente. Parte do carbono que compõe o metano emitido pelo gado poderia ter sido usado para produzir mais carne. Parte dos resíduos agrícolas queimados no campo poderia ter gerado eletricidade, ou num futuro próximo, etanol de segunda geração, aumentando assim a quantidade de energia que se produz em um hectare de terra.
Além de reduzir emissões, é preciso também remover parte do dióxido de carbono acumulado na atmosfera e estocá-lo de alguma forma. As plantas já fazem isso pela fotossíntese, estocando carbono em sua biomassa. Florestas em crescimento, por exemplo, são chamadas de sumidouros de carbono, funcionando como um reservatório. Outro importante reservatório de carbono é o solo. Há mais carbono orgânico no solo que em toda a vegetação e atmosfera somados. À medida que a biomassa das plantas se decompõe, uma parte do carbono contido no material vegetal fica retida no solo, no chamado seqüestro de carbono. Este processo é, no entanto, lento e reversível. Ao haver revolvimento excessivo do solo, pode-se perder boa parte do carbono estocado. Diversas ações na agricultura precisam ser tomadas para aumentar a quantidade de carbono que fica estocada no solo e evitar que este carbono seja perdido. Alguns exemplos de práticas que aumentam o aporte de material orgânico são o uso de adubos verdes, a manutenção de resíduos de cultura sobre o solo, e a diminuição ou eliminação do cultivo do solo.
É essencial também considerar as emissões de GEE como um dentre diversos impactos ambientais das atividades humanas. Ações para reduzir emissões ou aumentar a fixação de carbono devem também promover o uso responsável dos recursos hídricos e energéticos, além de minimizar impactos na biodiversidade e na saúde humana, para citar alguns exemplos.
Outro conceito importante na gestão de emissões é a visão de cadeia produtiva. As emissões de GEE e outros impactos ambientais precisam ser avaliados ao longo de todo o ciclo de vida de produtos agrícolas, passando pela produção de matéria prima, processamento, embalagem, transporte e consumo. Esta abordagem implica em uma ação conjunta entre os diversos elos da cadeia de produção e consumo, em contraste a uma identificação simplista de “culpados”. O mercado consumidor interno e externo exerce um papel de crescente importância ao cobrar produtos produzidos com baixas emissões.
O agro brasileiro tem todas as condições para produzir com sustentabilidade e lucratividade, reduzindo suas emissões de GEE e aumentando a fixação de carbono com tecnologias disponíveis. É importante, portanto, fomentar e desenvolver práticas agrícolas com potencial de amenizar o problema do aquecimento global, por meio de políticas públicas e pesquisa científica. O papel positivo que o agro pode exercer como parte da solução deste desafio global precisa ser intensificado, apoiado e divulgado.
Fonte: redeagro.org.br por Marcelo Galdos
O novo papel do agro no regime climático
No dia 31 de dezembro de 2012, o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quito irá terminar; ou seja, os países desenvolvidos deverão ter reduzido suas emissões de gases de efeito estufa (GEEs), de acordo com metas previamente estabelecidas.
Atualmente, os países estão negociando na Convenção do Clima das Nações Unidas novas metas de redução para os países desenvolvidos para um segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto; além de outras ações de cooperação de longo prazo que deveriam ser tomadas por todos os países, em particular os maiores emissores (como por exemplo, Estados Unidos, China, Índia, África do Sul e Brasil)¹ .
Como conseqüência deste debate internacional, o Brasil criou a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC (Lei n. 12.187 de dezembro de 2009); atualmente regulamentada parcialmente pelo Decreto 7.390 de 9 de dezembro de 2010. A efetiva implementação da PNMC ainda deverá ocorrer.
O segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto, as ações de cooperação de longo prazo adotas por todos os países, e a implementação da PNMC no Brasil deverão ser os principais elementos do regime climático pós-2012.
Qual foi o papel do agro brasileiro no primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto? Qual deverá ser o papel do agro no regime climático pós-2012?
No primeiro período de compromisso, o agro brasileiro participou essencialmente através das atividades de projeto do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Até 1 de agosto de 2011, haviam cerca de 160 atividades de projeto de MDL, diretamente ou indiretamente relacionadas com a agricultura, sendo desenvolvidas e/ou implementadas no Brasil . Estes projetos tem o potencial de gerar aproximadamente 47 milhões de toneladas de CO2 equivalente como “créditos de carbono” até o final de 2012. Assumindo um valor de US$ 10 por tonelada de CO2 equivalente, as receitas brutas destes projetos seriam de US$ 470 milhões.
Durante as negociações e implementação do primeiro período do Protocolo de Quioto, a principal preocupação do setor privado brasileiro foi o desenvolvimento de regras (internacionais e nacionais) e metodologias que pudessem facilitar a venda de créditos de carbono, através do MDL. Uma preocupação válida para a época, mas de certa forma simplista nos dias de hoje.
Hoje, a complexidade do debate vai além da continuação e das regras do Protocolo de Quioto e conseqüentemente do MDL e o mercado de carbono que dele se origina. Nos debates internacionais sobre instrumentos para combater a mudança do clima, cada vez mais se discute como esses instrumentos interferem na competitividade dos setores, sendo a agricultura um dos setores chaves. Esta discussão ocorre em vários âmbitos tais como: o desenvolvimento de inventários de emissões e selos de carbono; estabelecimento de barreiras não-tarifárias e/ou taxas de ajustes nas importações, etc.
Para que o agro brasileiro tenha um papel de destaque nas ações de mitigação das emissões de GEEs, a nível nacional e internacional, sem que haja impactos negativos em sua competitividade, o setor deve participar mais ativamente do debate. A próxima grande rodada de negociações irá ocorrer em Durban, na África do Sul, entre os dias 28 de novembro e 9 de dezembro de 2011.
Esta reunião será decisiva, não somente por causa da necessidade de um acordo sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto, mas também pela possibilidade de acordos sobre as ações de cooperação de longo prazo, inclusive na agricultura.
Dependendo dos resultados desta reunião, a PNMC deveria ser implementada de diferentes maneiras. Em 2009, quando o governo federal propôs a Política, havia pressões internas para que ela representasse uma mensagem positiva do país nas negociações internacionais. Visto que nem todos os países seguiram o mesmo caminho, e que a crise financeira global ainda não foi inteiramente resolvida, seria mais prudente que o país reagisse de forma consciente e estratégica na formulação dos próximos decretos e ações. Mais uma vez cabe ao agro brasileiro participar deste debate com propostas concretas e efetivas.
Agir de forma reativa, além de exigir um maior esforço de coordenação, provavelmente não impedirá perdas de competitividade no setor. Portanto, torna-se fundamental que o setor trabalhe além das oportunidades do mercado de carbono e pense mais estrategicamente, com uma visão rumo a uma economia de baixo carbono.
Fonte: Redeagro, por Marcelo Theoto Rocha