Marketing: a estratégia está de volta

Os profissionais de marketing precisam assumir o papel de estrategistas e agentes da mudança, que perderam ao longo do tempo. Em outras palavras, quando um executivo pensar em estratégia, ele não deve lembrar-se apenas de nomes dessa área, como Michael Porter ou C.K. Prahalad, mas também de nomes do marketing, como Philip Kotler, Al Ries, Jack Trout etc.

Na edição 54 da revista HSM Management, foi publicado um artigo sobre o enfraquecimento do departamento de marketing nas empresas (página 126), com repercussão entre os leitores. Agora o debate cresce. Talvez a questão não seja de organização, mas de estratégia.

Esse parece ser, pelo menos, o pensamento de Nirmalya Kumar, que, além de professor da London Business School, dá aulas em Harvard, na Columbia, na Northwestern e no IMD. O livro Marketing como Estratégia, de sua autoria, defende esse ponto de vista e vem dando muito que falar.

Nesta entrevista à Spotlight, Kumar discorre sobre as várias facetas da decadência do marketing como usina geradora do crescimento, da comoditização à responsabilidade das escolas de administração, e oferece soluções que passam por aproveitar a escala mundial e a eficácia local. Ele aborda também uma de suas especialidades: a Índia.

Seu livro Marketing como Estratégia clama por um papel de liderança e de transformação do marketing. Como os profissionais da área podem persuadir os presidentes de empresa a enxergar o marketing como um agente de mudança?

Eu vejo essa questão de outro ponto de vista.
Os presidentes de empresa reconhecem que alguns de seus principais desafios estão no campo do marketing –por exemplo, a transição entre a venda de produtos e a venda de soluções, a passagem dos atuais canais de distribuição para os canais de distribuição do futuro e a racionalização do portfólio de marcas.

Os profissionais de marketing precisam convencer os presidentes de empresa de que possuem a competência necessária para liderar as mudanças que esses desafios requerem. Logo, não se trata tanto de persuadir os presidentes da necessidade de ver o marketing como um agente de mudança, mas de fazê-los ver os profissionais de marketing como agentes de mudança.

Os profissionais da área devem provar aos líderes da organização que são capazes de pensar estrategicamente, não apenas taticamente; que conseguem orientar-se pelos resultados financeiros; que realmente levam em conta o retorno dos investimentos que fazem em marketing; e que compreendem as conseqüências das ações que recomendam sobre outras funções da empresa, como produção, cadeia de fornecimento, vendas, além do impacto sobre as finanças e os resultados.

O sr. atribui, em parte, a falhas no ensino da administração de empresas a perda de importância do marketing. Esse problema está sendo enfrentado?

Em geral, infelizmente, não. As escolas de administração não se destacam por ensinar habilidades multifuncionais. Elas seguem uma lógica própria, baseada em disciplinas funcionais e especializações.

O marketing é visto como uma disciplina criativa e muitos dos que escolhem esse caminho são aqueles que se sentem menos confortáveis em lidar com números. Essa tendência é depois reforçada na prática, pois nas empresas existe a suposição de que o pessoal de marketing é mais criativo e menos analítico do que os profissionais de outras áreas.

Entretanto, apesar de os cursos de marketing não darem ênfase à abordagem estratégica e multifuncional, quem se dedica à pesquisa acadêmica em marketing está fazendo um trabalho muito interessante, com orientação para os resultados finais, concentrando-se na avaliação dos investimentos em marketing.

Os líderes avessos ao risco são os responsáveis pela preferência em relação à inovação por meio da melhoria contínua em detrimento das idéias que seguem o mercado?

De certa forma são. Existe uma base racional para a inovação gradual, incremental, em detrimento da inovação radical.

Na maioria das empresas, para obter recursos e autorização para lançar uma inovação no mercado, é preciso demonstrar, primeiro, que há mercado para o produto ou serviço proposto e, em seguida, que este é tecnologicamente viável. Assim, o argumento a favor da inovação incremental é inevitavelmente mais forte do que aquele que defende a inovação radical. Afinal, quanto mais radical for a inovação, menos provável será que se descubra por meio de pesquisa um mercado existente para ela. O inverso vale para a inovação incremental.

Os consumidores conseguem com facilidade imaginar melhorias incrementais para produtos e serviços, mas têm muito mais dificuldade de pensar em inovações radicais em relação ao que consomem hoje. Ou seja, eles são capazes de sugerir melhorias, mas não de visualizar produtos futuros totalmente novos. Como disse uma vez Henry Ford, se ele tivesse perguntado aos clientes o que desejavam, ter-lhe-iam pedido um cavalo mais rápido.

Em seguida, aparece a questão da viabilidade. Do ponto de vista tecnológico, quanto mais radical a inovação, mais difícil fazê-la funcionar. Isso significa que, nos estágios iniciais de captação de recursos financeiros, idéias de inovação incremental sempre vencem as mais radicais. Algumas das empresas mais interessantes nos têm mostrado que a melhor forma de resolver esse problema é ter orçamentos separados para a inovação incremental e para a inovação radical. Isso garante que uma proposta radical compita apenas com outra idéia radical.

Até que ponto a comoditização dos produtos pode ser culpada pela decadência do marketing como motor do crescimento das empresas?

A comoditização é um de três fatores causadores da decadência.
O primeiro deles está no fato de que é muito difícil encontrar um produto ruim proveniente das três ou quatro empresas principais de um setor de atividade. Há produtos ruins, mas a maioria das organizações está competindo com os dois ou três líderes mundiais daquele setor de atividade, e nesse nível a própria qualidade já se tornou muitas vezes uma commodity.

O segundo fator é a distribuição, antes fragmentada e hoje consolidada, a ponto de os grandes varejistas terem muito mais poder do que no passado. Isso significa que é bem mais difícil para os profissionais de marketing colocar seus produtos nas prateleiras. Os distribuidores pedem os produtos que lhes interessam. Eles têm suas próprias marcas e não se importam com qualquer artigo do fabricante. E, porque se tornaram tão poderosos e detêm o controle das negociações com os fabricantes, também ficam com a maior parte do faturamento proveniente dos consumidores.

Com a comoditização e a consolidação da distribuição, verifica-se o terceiro fator, a fragmentação considerável da mídia. No início da publicidade, a televisão era o principal meio de comunicação, com dois, três ou no máximo quatro canais por país, que chegavam a 80% da população. Hoje os mesmos canais competem com cerca de 400 opções da TV a cabo, com a internet e até com o telefone celular. Isso faz com que os profissionais de marketing tenham de utilizar muitas mídias diferentes, que seja muito caro chegar às pessoas, sobretudo quando se pretende atingir um grande número delas –o mercado de massa.

Diferenciar produtos hoje é, portanto, uma tarefa árdua. O poder dos varejistas afetou a capacidade de atingir os consumidores e reduziu a participação dos fabricantes no faturamento, e a fragmentação da mídia tornou a publicidade muito cara. Esses três fatores têm contribuído para fazer com que o marketing seja hoje bem mais desafiador do que há 20 ou 30 anos.

Quando o sr. propõe passar da venda de produtos comoditizados para a oferta de soluções para o cliente, como fica a situação de empresas como a Dell, que alcançou a liderança de mercado por meio da comoditização de seu segmento de atuação?

Essa é uma questão muito interessante. As empresas têm duas opções. Elas podem escolher competir com base em custos, velocidade e facilidade de acesso, com organizações que estão comoditizando seu setor de atividade –por exemplo, a Dell no setor de computadores e a EasyJet na aviação. A outra opção é vender soluções para o cliente. A comoditização pode trazer liderança de mercado, mas a estrutura de custos e a cadeia de fornecimento da maioria das empresas não estão preparadas para isso.

Se uma companhia não pode competir sendo a mais barata, é melhor que se posicione para oferecer a solução para uma necessidade –por exemplo: a Starbucks vende não apenas uma xícara de café, mas também uma experiência.

Para vender soluções, a empresa precisará de competências completamente diferentes e esse é um desafio que muitas organizações enfrentam hoje. Elas não conseguem competir com base em custos e, ao mesmo tempo, não possuem as competências necessárias para competir com base na oferta de soluções. Estão empacadas no meio do caminho.

Quando o foco do marketing muda do âmbito local para o mundial, como levar em conta diferentes culturas?

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Essa é uma questão clássica, que temos enfrentado nos últimos cem anos. A resposta, infelizmente, é que sempre há uma escolha a ser feita, entre eficiência e eficácia. É claro que a forma mais barata de fazer marketing é partir do pressuposto de que o mundo todo é uma coisa só. No entanto, isso não traz muitos resultados.

A abordagem mais eficaz é tratar cada cliente como um indivíduo –e o mesmo vale para os países. Essa abordagem, contudo, é muito cara. Com base em sua estratégia, no produto ou serviço que vende e no mercado que quer atingir, cada empresa deve decidir em que momento escolher a eficiência gerada pela escala mundial e quando optar pela eficácia derivada da atuação local.

Vale ressaltar que a desagregação das cadeias de valor oferece alguns caminhos interessantes para escapar dessa escolha. Certas atividades podem ser realizadas em escala global – por exemplo: tecnologia da informação na Índia e fabricação na China. No entanto, o marketing – ou seja, posicionamento, desenvolvimento de imagem e escolha de mídia – deve ser feito localmente.

Assim, a desagregação envolve decidir para cada atividade o que é melhor ser feito em escala mundial e o que é melhor ser feito em nível local, pois há mais valor a ser criado. Esse tipo de solução traz a economia da escala global e os resultados da atuação local.

Quais os principais passos para fazer a transição do marketing estratégico no nível das unidades de negócios para o marketing estratégico corporativo?

Novamente implica decidir em cada caso o que deve ser feito em escala global e o que deve ser feito no âmbito das unidades de negócios.

Isso exigirá fazer escolhas constantemente, e há quatro caminhos possíveis: algumas atividades serão conduzidas apenas localmente; outras, somente em nível global –nesse caso, a unidade de negócios se restringirá a fornecer informações; há, ainda, aquelas que ficarão no meio do caminho, que terão a unidade de negócios como a principal participante, embora respeitando as diretrizes e normas da corporação; ou assumirão uma condução global, requerendo a aprovação local pelo menos nos mercados mais importantes.

As pequenas empresas podem adaptar-se mais rapidamente à mudança em razão de seu tamanho?

Embora haja a percepção de que empresas menores são capazes de se mover mais rápido, a velocidade não está diretamente ligada ao tamanho. Há empresas lentas e aquelas que se movem rápido, e elas podem ser grandes ou pequenas.

Tendemos a achar que as menores se adaptam mais rapidamente porque costumamos observar que quando as grandes tentam adaptar-se deixam “buracos” no mercado, que pequenas novas empresas são capazes de preencher.

Isso, contudo, não é porque todas as pequenas empresas são rápidas em se adaptar. É porque os empreendedores estão sempre buscando espaços no setor de atividade, abertos por mudanças de mercado, de comportamento do consumidor e tecnológicas.

São exemplos disso a Amazon e a eBay. Ao mesmo tempo, centenas de outras pequenas empresas que tentaram aproveitar o potencial da internet fracassaram, o que mostra que, no final das contas, as únicas pequenas empresas que sobrevivem no longo prazo são aquelas que conseguem ocupar e explorar espaços de mercado de forma ascendente.

O sr. escreveu que conceitos e modelos de negócio inovadores são requisitos para atingir os 80% do mercado que estão na base da pirâmide dos países emergentes. Há alguma iniciativa que ilustre bem isso?

Meu exemplo favorito é o Aravind Eye Hospital, na Índia. Sua missão é erradicar a cegueira que é evitável, oferecendo a todos atendimento apropriado e de qualidade. Atende a uma necessidade muito importante, utilizando um modelo de negócio baseado no fato de que os mais ricos pagam por melhores acomodações, enquanto os mais pobres têm acesso aos mesmos serviços de saúde totalmente de graça. O objetivo do hospital é a utilização de seus lucros operacionais de forma eficiente, de modo que três quartos de seus pacientes possam ser tratados gratuitamente.

Quais são os principais desafios dos negócios na Índia atualmente?

O primeiro desafio que deve ser destacado tem a ver com o tamanho do mercado: mais de 1 bilhão de pessoas, muitas das quais muito pobres. O desafio que se coloca, portanto, é como ter produtos e serviços acessíveis às classes mais baixas e, ainda assim, de boa qualidade. O segundo desafio é a diversidade da Índia. Diferentemente da China, que é relativamente homogênea, a Índia é um país extremamente diverso. Há 16 idiomas nacionais reconhecidos pelo governo e mais de 200 dialetos. E existe também uma significativa diversidade religiosa. Além do hinduísmo, a Índia possui a segunda maior população muçulmana do mundo, atrás apenas da Indonésia, e 5% de cristãos (cerca de 50 milhões de pessoas).

O fato de os recursos humanos serem separados por castas, culturas e religiões faz, contudo, com que as empresas indianas sejam excelentes na administração da diversidade, pois parecem empregar pessoas extremamente diferentes com grande facilidade –e estamos falando de um país onde a política é bastante segmentada, de acordo com as castas e as religiões. O modo como as organizações fizeram isso dar certo é uma das histórias de sucesso do mundo dos negócios indiano que ainda estão por ser contadas.

O terceiro desafio enfrentado é como transformar em ativo a gigantesca população indiana, que sempre foi considerada um passivo. A questão básica é: como essa população pode ganhar produtividade? Já é fascinante ver como a parte da população que fala inglês fluentemente foi convertida em vantagem competitiva. Esses 10% da população indiana são um recurso mundial. Temos de nos perguntar: como as habilidades dessas pessoas podem ser utilizadas para transformar a Índia no escritório de apoio do mundo? Pergunta similar pode ser feita em relação à China: como ela pode transformar-se para ser o parque industrial do planeta?

Com a ajuda das atuais tecnologias de comunicação, qualquer trabalho que requeira apenas a fluência em inglês pode ser tão bem-feito na Índia como em outros países em que o inglês seja a língua materna, e certamente de maneira bem mais barata.

Outro problema relevante para o desenvolvimento de negócios da Índia é a alta incidência de aids, que afeta tanto o recrutamento de pessoal como sua retenção. Não é isso?

A aids é a questão número um quando se fala em retenção de pessoas. Mesmo com uma população tão grande, o rápido desenvolvimento de call centers e de operações baseadas na internet significa que enfrentamos o imenso desafio de atender às necessidades dos funcionários. Além disso, os salários estão subindo rapidamente –as empresas vêm tendo de conceder aumentos de 12% ao ano para reter as pessoas e, se forem oferecidos 10%, elas vão embora. Esses aumentos salariais significam que a empresa precisa aumentar sua rotatividade em 20%. Podemos só esperar que os ganhos de produtividade cubram esses aumentos. O maior desafio, contudo, é conseguir mais pessoas para entrar nesse mercado de call centers e negócios baseados na internet. Por isso, treinamento e formação são dois dos setores de maior crescimento no país atualmente.

Sobre o entrevistado: Nirmalya Kumar é professor de marketing, diretor do Centre for Marketing e co-diretor do Aditya Birla India Centre, da London Business School. Também leciona na Columbia University, na Harvard Business School e na Northwestern University, nos Estados Unidos, e no IMD, na Suíça. Já atuou em cerca de 50 empresas da lista Fortune 500 em 45 diferentes países, como coach, consultor e palestrante, explorando temas como estratégia, marketing, marcas, varejo e distribuição. É autor do livro Marketing como Estratégia (ed. Campus/Elsevier), já traduzido em seis idiomas. Atualmente está trabalhando em quatro novos livros.


Fonte: Revista HSM Management – a entrevista foi realizada por Sarah Powell, da Spotlight.