Comportamento na loja

O estudo do comportamento dos compradores no ponto-de-venda é bastante revelador: seus gestos e movimentos permitem identificar os padrões que regem os hábitos de consumo. Nessa entrevista, o especialista Paco Underhill comenta os resultados de duas décadas de pesquisa sobre esse assunto.

Para solucionar um enigma, muitas vezes a observação atenta surte mais efeito do que repetidas tentativas. No conto A carta roubada, de Edgar Allan Poe, por exemplo, de nada adiantou ao chefe de polícia de Paris revirar toda a residência do ministro –mas para Auguste Dupin, por outro lado, bastou uma espiada para encontrar o envelope desaparecido no porta-correspondências, bem à vista de todos.

Considerada irracional e sem fundamento, a postura do consumidor constitui um dos enigmas que intrigam pesquisadores de marketing, sociologia, antropologia e outras áreas do conhecimento correlatas. Um deles é Paco Underhill, que, diferentemente dos demais estudiosos, em vez de elaborar teorias complicadas ou de promover intermináveis pesquisas de mercado, utiliza a observação como ferramenta básica.

A partir de câmeras de vídeo instaladas em locais comerciais, o especialista grava os compradores em ação para posterior análise minuciosa das fitas, em busca de padrões de consumo e de hábitos de compra. Grande parte das conclusões obtidas após duas décadas de trabalho está resumida em seus livros Vamos às Compras: a Ciência do Consumo e A Magia dos Shoppings.

Quais mudanças no comportamento dos consumidores foram identifi cadas nas últimas duas décadas?

Alguns hábitos não mudam, como os associados a aspectos biológicos, por exemplo. Cerca de 90% das pessoas são destras e por isso os consumidores que vivem em Nova York, São Paulo, Recife ou na Cidade do México caminham para o lado direito e quase sempre olham primeiro para esse lado.

Outros comportamentos, entretanto, mudam porque refletem as transformações que ocorrem no mundo. Quando cresce a insegurança nas ruas, por exemplo, aumenta o movimento dos shopping centers. O envelhecimento de uma cultura também traz conseqüências para o consumo: nos Estados Unidos, no Japão e em muitos países do chamado Primeiro Mundo ocorre um rápido envelhecimento da população, o que determina o comportamento dos consumidores. Um quadro diferente é verificado em outros países, como o Brasil, que ainda conta com uma base populacional jovem.

Por outro lado, nas últimas duas décadas, os avanços das telecomunicações permitiram a chegada das tendências da moda a todos os pontos do planeta. O mesmo fenômeno também alterou os hábitos de consumo com o surgimento dos telefones celulares, o acesso à internet, a TV a cabo e os computadores pessoais.

É importante reconhecer que o comportamento dos compradores está em evolução constante, e o que era um bom negócio ou um excelente projeto de marketing em 1985 pode estar longe do que se considera adequado em 2005.

O que o consumidor dos dias de hoje deseja e qual o melhor modo de abordá-lo?

As melhores lojas oferecem preço, conveniência e fatores diferenciais. O cliente precisa perceber uma oferta de produtos a preços competitivos, pois isso é valor para ele. Em um mundo que valoriza o tempo, a conveniência não está diretamente relacionada com a proximidade geográfica, mas sim com a possibilidade de comprar com rapidez, se essa for a vontade do consumidor.

Os fatores diferenciais se revelam quando uma loja ou um produto transmitem o conceito de ser algo especial, seja por oferecerem um desconto considerável ou por proporcionarem um artigo único. A rede espanhola Zara reúne valor, conveniência e diferenciação, pois suas unidades apresentam uma quantidade selecionada de artigos da última moda e giro rápido. Assim, os clientes só precisam de 45 minutos para ver todos os produtos de uma unidade e sabem que, em poucas semanas, esses itens não estarão mais disponíveis.

O sr. afirma que as mudanças demográficas, como o envelhecimento da população, alteram os hábitos de consumo. Quais são as diferenças entre uma geração e outra observadas no comportamento de compra?

Vou dar um exemplo: eu, que tenho 53 anos, jamais convidaria um amigo para passar uma tarde em um shopping. Se tivesse 25 anos, porém, essa seria uma proposta de lazer bastante possível. Os jovens de hoje se sentem bem mais à vontade no ambiente de um centro de compras do que a geração anterior. Por outro lado, quando se atinge determinada idade, é comum já ter todas as gravatas, camisas e calças necessárias para passar o resto da vida, o que faz com que a pessoa prefira gastar com uma viagem, um imóvel ou coisas para os filhos ou netos. Aos 20 anos, muita gente coleciona objetos pessoais. A partir dos 30, compra uma casa e constitui uma família.

Aos 40, acrescenta conforto à casa e tenta melhorar a qualidade de vida. Quando passa dos 50 anos, é comum essa pessoa entrar em uma fase de “redução”, decorrente da saída dos filhos. Nesse momento muitas pessoas vendem a casa e compram outro imóvel ou usam o dinheiro para pagar os estudos dos filhos.

De acordo com suas pesquisas, 70% dos compradores são mulheres. Qual a explicação para os homens comprarem menos? O motivo está no fato de que as mulheres sempre foram o agente de compras da família. Mas isso está mudando. Cada vez mais, os homens vão ao supermercado e se incumbem das compras da casa. E, diferentemente das mulheres, eles são mais impulsivos e capazes de comprar cinco embalagens de ketchup apenas porque estão em oferta.

Em seu livro A Magia dos Shoppings, o sr. afirma que os hábitos de compra das mulheres também mudaram. Em que sentido?

Nos últimos anos aumentou a quantidade de mulheres que trabalham fora de casa, contam com renda própria e gastam consigo mesmas, sem sentir culpa. Além de roupas e acessórios –itens que sempre adquiriram–, consomem também produtos que não costumavam comprar, como carros e jóias.

Os compradores latino-americanos têm hábitos específicos?

Para os latinos, a compra tende a ser uma experiência social e, por isso, é comum sair em grupos formados por pessoas de gerações diferentes. Por outro lado, a falta de segurança os obriga cada vez mais a fazer compras em shoppings em vez de lojas de rua.

O sr. costuma apontar diversos problemas dos shopping centers.

Como serão esses centros de compras no futuro?

Diferentemente do que acontece com as tradicionais lojas de departamentos, os shopping centers não pertencem a comerciantes varejistas nem foram erguidos por essas pessoas. São obras de empresas que atuam no mercado imobiliário. A atual tendência são os empreendimentos mistos: conjuntos com áreas habitacionais e partes destinadas ao comércio.

A arte de observar os consumidores

Os especialistas da Envirosell, firma de consultoria fundada por Paco Underhill, estudam a interação entre os consumidores e os produtos e as relações entre as pessoas e os locais de compra. A metodologia combina o uso de pequenas câmeras de vídeo instaladas nos pontos-de-venda com técnicas de observação direta. Cerca de 40% dos serviços prestados pela Envirosell a seus clientes envolvem a avaliação das lojas (estudo da distribuição dos provadores, das prateleiras e dos caixas e da localização dos espelhos, entre outros).

A análise da venda de produtos nas lojas responde por mais 40% das consultorias. Os 20% restantes reúnem os serviços prestados a empresas públicas, bancos e instituições culturais interessadas em assuntos como a comunicação e a gestão do tráfego dentro dos espaços comerciais.

Underhill explica que, nas últimas duas décadas, utilizou mais de mil variáveis para estudar a eficácia do espaço comercial e o comportamento do consumidor. Entre essas variáveis estão a quantidade de clientes que compram algum item na comparação com o total de pessoas que entram na loja (taxa de conversão), a quantidade de setores visitados por um comprador e o primeiro lugar para o qual as pessoas se dirigem ao chegar. “Caso um consumidor resolva comprar um produto, queremos saber em qual momento do processo de compra ele confere o preço e também quantos itens ele observa antes de ir ao caixa. Avaliamos também quais tipos de produtos são comprados com mais rapidez –sem sequer prestar atenção às ofertas do dia–, como ocorre a interação entre vendedor e cliente e qual a influência do primeiro na decisão de compra do segundo”, explica Underhill. “Também aferimos o tempo que o cliente gasta no caixa e se ele tende a comprar algum produto exposto ali perto, enquanto espera na fila para pagar. Quando os clientes retiram artigos das prateleiras, observamos se os recolocam no lugar caso desistam da compra. Existem centenas de variáveis, e eu mencionei apenas algumas. Finalmente, em função de nossas aferições, tiramos conclusões sobre como reorganizar a loja ou a exibição dos produtos”, acrescenta.

Curiosidades sobre o comportamento do consumidor

  • 60% dos homens que experimentam uma calça jeans compram o produto. No caso das mulheres, a porcentagem é de apenas 25%.
  • Quanto maior a velocidade na qual um consumidor caminha, menor sua visão periférica e menor a atenção dispensada aos sinais visuais. Esse fenômeno, combinado com a necessidade de contar com alguns segundos para reduzir a velocidade dos passos, permite chegar à seguinte conclusão: não convém abrir uma loja ao lado de um banco. Os consumidores aceleram o ritmo quando passam em frente ao estabelecimento bancário porque não há nada para ser visto e, quando reduzem a velocidade da caminhada, já passaram pela loja vizinha ao banco.
  • Ao entrar em uma loja, o consumidor leva entre 5 e 15 passos para reduzir a velocidade e se acostumar com a iluminação interna. Underhill chama a entrada dos estabelecimentos de “área de descompressão” e recomenda não exibir nela os itens mais valiosos (a interação com os produtos aumenta cerca de 30% quando as pessoas ultrapassam essa zona).
  • A probabilidade de uma mulher comprar o produto que examina é inversamente proporcional à possibilidade de que, nesse momento, alguém esbarre nela. Se isso ocorrer, a reação da cliente será a de dar meia-volta e ir embora. Qual a moral da história? Não se devem situar em um corredor estreito os produtos femininos que exigem avaliação mais detalhada.

Fonte: revista HSM Management, por Laura Babini