Construindo a proatividade no marketing

Já se sabe que não basta somente responder ao que o mercado solicita; é preciso dirigir o mercado. Os professores Leonardo Araújo e Rogério Gava, da Fundação Dom Cabral, dão um passo além ao mostrar os elementos requeridos numa estratégia proativa de mercado, baseados em pesquisa de marketing qualitativa com executivos de 27 grandes empresas brasileiras.

De que forma a s empresas se orientaram –e continuam se orientando– em relação ao mercado, especialmente as brasileiras? E qual o papel do marketing nesse sentido? Na história da gestão, identificamos quatro momentos principais da evolução dessa orientação:

1. Foco no produto.

No início do século 20, é consagrado o foco no produto, materializado no exemplo clássico de Henry Ford e seu carro preto. Na época, uma demanda muito maior do que a oferta fazia com que as empresas se dedicassem apenas a produzir, sem terem grandes preocupações com os consumidores.

2. Foco no cliente.

Nos anos 1950, o foco no produto já não mais dá conta dos novos tempos que se descortinam, marcados pelo acentuado crescimento da concorrência, e o novo mantra passa a ser “atender às necessidades e aos anseios dos clientes”. A consolidação da função de marketing e o aumento de sua importância consagram essa postura no cenário dos negócios da década de 1960, quando “estar perto do cliente” passa a representar a essência da ação estratégica de mercado.

3. Foco no mercado (ou orientação para o mercado).

No final dos anos 80, esse novo paradigma emerge no cenário do marketing estratégico, evocando a transcendência do simples foco no cliente e a importância de que outros componentes do cenário de negócios –concorrência, fornecedores, governo– sejam contemplados na construção estratégica das companhias. A empresa orientada para o mercado realiza três ações básicas: captação de informações sobre o mercado, disseminação interna das informações captadas e geração da resposta ao mercado a partir das informações levantadas. A orientação para o mercado caracteriza- se como uma estratégia reativa baseada em informação.

4. Escolha estratégica.

A partir do ano 2000, surge uma corrente que prega, fundamentalmente, a capacidade de ação estratégica da empresa em guiar ou modelar o mercado, em vez de apenas responder a suas demandas. É a orientação proativa para o mercado, que, por seu caráter ativador e modelador, ganha importância vital na estratégia de marketing das empresas em tempos de mudanças freqüentes e em ambientes cada vez mais complexos e competitivos.

Tipos de proatividade

No âmbito empresarial, entendemos que atitudes proativas podem se consolidar em dois tipos distintos de comportamentos:

  1. Ações que buscam influenciar o ambiente e iniciar a mudança.
  2. Ações de antecipação aos primeiros sintomas de mudanças que se anunciam.

Assim, a proatividade de mercado se traduz como a habilidade de criar oportunidades ou de se antecipar àquelas (e às ameaças) que se manifestam no ambiente externo. Ela compreende, ao mesmo tempo, a criação da mudança e a ação antecipada a tênues indícios de alteração que se fazem perceber. A proatividade de mercado pode ocorrer a partir de três dimensões distintas:

1. Proatividade de oferta.

Busca criar a mudança ou antecipar a ação sobre mudanças anunciadas ou latentes, por meio de ações focadas em produtos, serviços e benefícios. Representa a criação de padrões de oferta até então inexistentes.

Essa dimensão foi particularmente destacada em nossas entrevistas e até desdobrada, conforme mostra este comentário do gerente de marketing de uma empresa de telecomunicações: “Um tipo de inovação na oferta é a de uso, que eu particularmente acho superinteressante.

As companhias que conseguem fazer esse tipo de inovação são as que ganham mais dinheiro. Elas usam o mesmo produto, modificam sua utilidade e criam assim uma nova categoria”.

Para os entrevistados, agir proativamente na oferta significa entender as preferências dos consumidores como variáveis dependentes do contexto onde se inserem.

Se as escolhas (demanda) encontram-se condicionadas pelas opções de produtos, serviços e benefícios disponíveis (oferta), então estabelecer um novo contexto competitivo a partir de estratégias voltadas a modelar a oferta torna-se tarefa fundamental para a criação de vantagem competitiva sustentável.

Isso é comum, por exemplo, em indústrias de alta tecnologia, marcadas por ciclos de vida de produtos cada vez mais efêmeros.

2. Proatividade de indústria ou setor de atividade.

Representa as ações que buscam criar a mudança ou agir sobre os sintomas de mudanças anunciadas, visando alterar a natureza da competição vigente. De forma mais específica, envolve a modificação da estrutura e/ou dos comportamentos na cadeia de valor, seja em relação à concorrência, aos fornecedores ou aos distribuidores.

No âmbito da concorrência, entende- se que a proatividade possa darse por meio da eliminação de players (com uma aquisição ou fusão, por exemplo), por alianças ou parcerias firmadas entre empresas adversárias e também pela condução estratégica exercida por determinada empresa (quando um modelo de ação vence e “força” os concorrentes a responder obrigatoriamente na mesma direção).

No escopo dos fornecedores, ações proativas podem ser representadas por integrações para trás (eliminando assim um player da cadeia de valor), bem como por parcerias ou alianças estratégicas. Por fim, em relação aos canais (distribuidores, revendedores ou franqueados, atacadistas e varejo), ações proativas abrangem integrações para frente, parcerias ou alianças estratégicas. Na opinião dos entrevistados, esse é um campo de inovação particularmente fértil.

3. Proatividade de cliente.

Representa o conjunto de modificações que podem ser promovidas no comportamento dos clientes e consumidores, com o intuito de ali criar oportunidades ou se antecipar a oportunidades (ou ameaças) potenciais. Ilustrando: tem-se inicialmente que essas modificações podem envolver a alteração das preferências e/ou restrições ao consumo.

Um aspecto fundamental na formação das preferências de consumo, por exemplo, parte do princípio de que os consumidores podem ser “educados” pelas empresas, persuadidos a adotar as inovações lançadas; o aprendizado dos consumidores a partir de suas experiências de consumo é bastante influenciado pelas organizações, de fato.

Quanto às chamadas restrições ao consumo –o conjunto de estruturas que dificultam o acesso à oferta–, elas podem ser eliminadas (com o início da venda pela internet, por exemplo) ou construídas pela empresa (como fazem as livrarias com cafés, que induzem os clientes a passar mais tempo no ambiente de consumo, restringindo sua saída de certo modo).

Independentemente do tipo, não há dúvida de que a estratégia proativa de mercado promove desempenhos superiores nas organizações. Há relação direta entre as iniciativas voltadas a modelar o mercado e a construção de vantagem competitiva sustentável, mesmo lembrando que o desempenho poderá ser influenciado negativamente em algumas dimensões.

Por exemplo, altos investimentos em inovação poderão aumentar o sucesso de novos produtos no mercado e, daí, resultar num crescimento das vendas no médio e longo prazo, mas, em contrapartida, os investimentos necessários para manter essa conduta inovadora poderão afetar de forma negativa a lucratividade em um primeiro momento.

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Como se tornar proativa

Nenhuma empresa precisa “nascer” proativa, contudo; ela pode tornar-se. O grande desafio está no processo de conversão. Em primeiro lugar, é preciso descobrir os antecedentes que facilitam a adoção de práticas mais proativas voltadas ao mercado e usá-los a favor dessa mudança. Em segundo, a empresa deve aprender a implementar a estratégia proativa de mercado.

Antecedentes da proatividade

Esses antecedentes são entendidos aqui como os pré-requisitos indispensáveis para a adoção de posturas proativas em relação ao ambiente de negócios. Nossa pesquisa nos propiciou dividi-los em duas dimensões básicas: alta gerência e sistema organizacional. Há cinco fatores da alçada gerencial tidos como pré-requisitos para uma empresa agir proativamente em relação ao mercado:

Liderança proativa. O líder infunde em todos os membros da organização uma imagem de futuro, ao mesmo tempo que os estimula intelectualmente, encorajando-os ao contínuo reexame das práticas de trabalho e à criatividade.

Capacidade de assumir riscos. O encorajamento à experimentação e a tolerância ao risco decorrente devem ser práticas fundamentais para as organizações que pretendem transformar as condições do mercado. A capacidade de assumir riscos (riskiness) requer também uma gestão eficaz dos riscos de mercado, contudo.

Tolerância ao erro. O desenvolvimento da experimentação e o livre curso da criatividade –essenciais numa estratégia voltada à antecipação– englobam maiores possibilidades de fracasso; a gerência tolerante a falhas de percurso é fundamental.

Visão de futuro. Essa visão dos gestores é o que guia a organização proativa, muito mais do que a pesquisa de mercado tradicional. Representa a habilidade gerencial de enxergar oportunidades “onde os outros [concorrentes] não enxergam”.

Fomento ao canibalismo. Promover o canibalismo da própria oferta, tornando seus produtos e serviços obsoletos, é visto na maioria das vezes como uma “disfunção” estratégica, mas deve passar a ser visto como estratégia de crescimento.

No que diz respeito ao segundo conjunto de antecedentes, o sistema organizacional, suas principais características são quatro:

Cultura flexível. É aquela em que dominam aspectos como criatividade, empreendedorismo, inovação e tomada de risco. Alinha-se com o conceito de adhocracia –a cultura pautada pela competitividade e por um ambiente informal e espontâneo.

Capacidade de inovação. A geração de conceitos e produtos ou serviços inovadores deve ser a tônica em empresas que buscam moldar o mercado em que atuam.

Capacidade de educar o mercado. A geração de aprendizado interativo é essencial. A organização aprende com o mercado, mas o mercado também aprende com a organização.

Equipes competitivas. A competição interna por um mesmo projeto entre grupos física e organizacionalmente separados é tida como fundamental. É o intra-empreendedorismo em ação.

Implementação

Para implementar a proatividade, propomos que você comece por estudar a tipologia aqui descrita, considerando também os antecedentes de proatividade de sua empresa. Em qual dimensão ela poderá ter maior sucesso em futuras tentativas estratégicas para moldar o mercado?

Isso identificado, tudo fica mais fácil. A organização conseguirá concentrar seus esforços em construir modos de atuar proativamente no âmbito que entender mais satisfatório, não desperdiçando energia e recursos em dimensões que, depois poderá descobrir, lhe são inócuas.

A proatividade, é importante ressaltar ainda, deve ser complementar e não substituta da reatividade ao mercado. As empresas têm de equilibrar ações reativas e proativas em sua relação com o ambiente externo, gerenciando simultaneamente as necessidades do hoje (reatividade) e as oportunidades do amanhã (proatividade). Como disse um dos executivos entrevistados: “É um olho no peixe e o outro no gato”.

Nova maneira de jogar

Hoje grande parte dos esforços de qualquer empresa reside em tentar ser o melhor player do mercado e, assim, manter-se na frente dos concorrentes no cada vez mais complexo e difícil “jogo competitivo”. Evidentemente, isso é muito importante, mas será suficiente nos tempos atuais? Nós acreditamos que não.

A estratégia proativa de mercado nasce extamente dessa resposta negativa. Entendemos que as empresas devem também “quebrar as regras do jogo” e não somente segui-las com eficácia. Afinal, quem define novas regras é que sai na frente dos demais, obrigando os concorrentes a serem ainda mais reativos.


Fonte: Rvista HSM Management, por Leonardo Araújo e Rogério Gava