A conquista dos novos consumidores das classes C e D

Novos consumidores, recém-chegados a um novo mercado, estão ávidos por comprar. Isso pede, por sua vez, novas abordagens das empresas. E parece ser justamente no front do atendimento às faixas extremas da população (os mais pobres e os mais ricos) que vêm sendo desenvolvidas as estratégias e os produtos que decretarão o sucesso ou o fracasso de um negócio. Vejamos como a nova classe média está gerando novos desafios de marketing para as marcas e empresas.

A gestão brasileira tem sido reconhecida especialmente no que tange às estratégias voltadas para a base da pirâmide socioeconômica. E o lema é: diferenciação, customização, qualidade e atenção ao cliente, atributos antes exclusivos do mercado de luxo, também devem ser entregues aos consumidores de baixa renda.

Esse artigo exibe os desafios para a conquista de mercados, fidelização de clientes e sucesso na consolidação de marcas como Casas Bahia e Magazine Luiza.

Cada vez mais empresas mudam suas estratégias e inovam em produtos dirigidos aos clientes da base da pirâmide socioeconômica brasileira.

consumidor da classe média

A nova classe média

Nos últimos anos, o Brasil atravessou um expressivo período de crescimento econômico, com geração de empregos, aumento da renda dos trabalhadores e inclusão social. De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 29 milhões de pessoas ingressaram na classe C (renda familiar bruta de R$ 1.126 a R$ 4.854) entre 2003 e 2009, um crescimento de 34,3%.

Segundo o levantamento, o País contava em 2009 com cerca de 95 milhões de habitantes nessa faixa de renda, em uma população total de 190,7 milhões (Censo 2010). Já a classe B (de R$ 4.855 a R$ 6.329) aumentou 38,5% e a classe A (a partir de R$ 6.330), 40,9%. Diante dos números, é fácil deduzir que o fato provoca mudanças fundamentais em nossa sociedade, e uma das áreas mais imediatamente afetadas é o consumo.

Parte do comércio brasileiro já dava atenção aos consumidores mais pobres, porém, com essa mudança de paradigma, a indústria aderiu e o processo se acelerou. “A estabilização da moeda, o acesso facilitado ao crédito e à tecnologia têm impulsionado a classe C para um patamar mais elevado de qualidade, conhecimento e poder de compra. Se antes o grande motivador era o preço e a pechincha, hoje essas pessoas querem qualidade e marcas”, compara Michel Klein, presidente do conselho de administração da Nova Casas Bahia, que faturou R$ 18 bilhões em 2010.

O cenário fez com que a rede repensasse suas prateleiras, uma vez que, por um bom tempo, apenas 20% dos produtos eram de marcas reconhecidas. Foi preciso ainda agregar mais qualidade aos móveis de marca própria (Bartira) e patrocinar a participação de seus profissionais em feiras internacionais, onde puderam conhecer as mais recentes tendências e tecnologias. Modelos mais sofisticados de telefones celulares, câmeras fotográficas e televisores também invadiram as lojas e foram os produtos mais procurados no último Natal. O mesmo padrão se repetiu no concorrente Magazine Luiza.

Sonhos de consumo

Essa transformação provocou a consolidação de uma velha crença da Casas Bahia de que, para as classes populares, a aquisição de um bem representa a realização de um sonho, um momento compartilhado com os familiares, que precisa de atenção antes, durante e depois da venda. Para responder à demanda, a empresa investe em um sistema de logística próprio, com equipes de entregadores, montadores e motoristas treinados pela rede, além de uma central de relacionamento com o cliente. O passo seguinte foi a oferta de serviços nas lojas, como a implantação de quiosques para vendas de passagens aéreas, em parceria com a TAM . A iniciativa, mais uma vez, atende aos anseios do consumidor: pesquisa da Cetelem Ipsos 2010 indica que viagem e lazer são objetos de desejo de 32% dos consumidores das classes populares.

De olho no mesmo filão, o Magazine Luiza firmou acordo com a Azul Linhas Aéreas para oferecer a comodidade em suas lojas. “Milhões de pessoas ingressaram nas classes C e D, passaram a ter dignidade e acesso ao consumo. Muitas delas estão comprando eletrodomésticos, o que favoreceu em 10% nosso faturamento no ano passado”, conta Luiza Trajano, presidente da empresa. Em 2010, a rede viu seu faturamento crescer para R$ 5,3 bilhões, contra os R$ 700 milhões de 2002. Uma das apostas para 2011 é a recém-inaugurada megaloja Tietê, na capital paulista. O estabelecimento oferece experiências com os produtos, interatividade, serviços e entretenimento (padaria, salão de beleza, espaço com brinquedos para crianças, shows e eventos).

Para Fábio Mariano Borges, professor de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM ) na área de comportamento do consumidor, o entendimento do cliente baseado em hábitos e perfil se esgotou. “As empresas precisam estudar o modelo mental de seus clientes, saber quais são seus valores e crenças”, diz. Assim, segundo ele, existe a possibilidade da volta de uma prática adotada nos anos 1990 por gigantes como a Unilever, a Nestlé e a Procter & Gamble: a redução da linha de produtos para facilitar a escolha. “Produtos descolados de experiências e significados para o consumidor geram confusão.”

Mais perto do consumidor da classe média

Essa iniciativa de facilitar o conhecimento dos produtos é louvável, na opinião de André Torretta, diretor da Ponte Estratégia, firma de consultoria que trabalha com inovação e modelagem de negócios para a nova classe média. “Num país em que 72% das pessoas têm algum grau de analfabetismo funcional, as empresas devem mesmo redesenhar seus modelos de negócio”, prega. Para ele, a comunicação voltada para o consumidor requer vocabulário mais simples e direto. Além disso, ele explica que os gostos das classes C e D são distintos daqueles que aparecem nas ações de marketing. “As empresas sempre produziram para quem tem dinheiro. Agora elas precisam entender que a base da pirâmide tem hábitos diferentes”, defende. “Nos Estados Unidos e na França, os produtos e serviços são feitos para o norteamericano e o francês médios. No Brasil, estão voltados para a elite, o que não tem sintonia com a nova realidade”, argumenta.

Torretta também aponta que a publicidade das marcas, em geral, sempre esteve direcionada para o eixo Rio-São Paulo, com poucas exceções. Entre elas, ele cita a Kraft, que mantém um braço de sua área de marketing em Recife para cuidar especificamente das estratégias destinadas à região, e a Ambev, que produz a cerveja Brahma Fresh, desenvolvida para os mercados do Norte e do Nordeste. “O respeito e a adequação cultural devem estar presentes em quem pretende conquistar novos consumidores”, ressalta o consultor. Outro exemplo é a Nestlé, que pesquisa desde 2003 os hábitos de consumo e carências nutricionais da população de regiões desfavorecidas, a fim de desenvolver produtos adequados a ela. Em 2009, passou a atuar com a plataforma Nestlé Até Você, com a qual vende, no modelo porta a porta, kits com biscoitos, chocolates, iogurtes, leites fermentados e sobremesas. Além de trabalhar itens de maior apelo para cada comunidade, respeitando as diferenças e peculiaridades regionais, a empresa oferece oportunidade de renda extra e inclusão social por meio da geração de empregos. Presente em 18 estados, a iniciativa já conta com 7,7 mil revendedores em regiões carentes e mais de 235 microdistribuidores.

Diversidade da classe média

A academia investiga: a múltipla classe C e a misteriosa classe D

Se as empresas brasileiras vêm inovando para atrair a base da pirâmide socioeconômica, a academia do País também avança nas pesquisas sobre esse mercado. Por exemplo, a antropóloga Carla Barros, pesquisadora de tecnologia entre camadas populares do Centro de Altos Estudos em Propaganda e Marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (CAEP /ESPM ), já identifica três classes C distintas, em vez de apenas uma, sofisticando sua análise:

  • Há a classe C que migrou da D, ascendeu no consumo e sobre a qual o elemento aspiracional exerce grande influência. Essa é a parcela mais impactada pela propaganda e pela oferta de produtos e serviços aos quais não tinham acesso.
  • Uma segunda camada é formada pelos indivíduos que olham para o mercado e, apesar de terem condições de comprar, não se identificam com as lojas e com esse novo universo ao qual passaram a pertencer. Eles até consomem produtos tecnológicos e outros que não faziam parte de sua rotina, mas preferem manter seu modo de vida tradicional.
  • O terceiro grupo é um híbrido dos dois primeiros, exemplificado por uma família cujos pais possuem baixo grau de instrução e os filhos, que moram com eles, leem livros e têm acesso a produtos e serviços mais sofisticados, experimentando um pouco dos dois mundos.

“Nossas empresas ainda estão num estágio inicial de diferenciação desse público e muitas vezes erram a mão ao não estudar a fundo o comportamento social desses indivíduos”, afirma Carla. Uma premissa essencial para entender a base da pirâmide é saber que, enquanto a classe B tem um desejo de consumo aspiracional da classe A, parte da classe C quer ser ela mesma. “Há um caráter aspiracional vertical, de se impressionar com os segmentos mais afluentes e todos os símbolos que eles carregam, mas também existe um aspiracional horizontal, no qual o consumidor quer ter o sentimento de integração a seu grupo social e não de adquirir um bem diferente, fora de seu padrão econômico”, observa Jaime Troiano, presidente do Grupo Troiano de Branding.

Se conhecer a multifacetada classe C ainda é tarefa árdua para as empresas, a D é um mistério ainda maior. Uma das novidades é o número de estudantes universitários com essa origem que, segundo informações da pesquisa Data Popular, ultrapassou a classe A em instituições públicas e privadas. Em 2002, havia 180 mil alunos da classe D no ensino superior. Sete anos depois, eles eram quase cinco vezes mais, somando 887,4 mil, enquanto o total de estudantes da classe A caiu pela metade, passando de 885,6 mil para 423,4 mil.

De acordo com Carla, as mulheres das famílias da classe D que não chegaram à universidade agora apostam em seus filhos e se esforçam para que eles possam chegar lá, estimulando o estabelecimento da primeira geração de universitários nesse estrato social. Além da maior qualificação profissional desses cidadãos, o fenômeno indica que eles estão mais exigentes na hora de ir às compras e já provocaram uma revolução no marketing, com hábitos que estão sendo bem incorporados pelas empresas brasileiras.

Um dos exemplos clássicos aparece no uso do telefone celular. Prática comum entre os usuários de planos pré-pagos, o ato de ligar para um telefone e pedir que a pessoa retorne a ligação virou negócio na Vivo, que lançou o Vivo Me Liga. Com ele, a operadora envia gratuitamente uma mensagem de texto para o número desejado (desde que também seja da Vivo) pedindo que o destinatário ligue para o número do remetente, mesmo que os créditos deste tenham expirado. Por sua vez, a concorrente TIM , de olho na turma das lan houses, criou o Infinity Web, serviço de internet móvel de baixo custo. Para os especialistas, isso é só o começo.

A classe média quer pagar quanto?

“No século 21, o consumidor finalmente assumiu o poder. Ele está mais exigente e mais criterioso.” A afirmação é de Fábio Mariano Borges, professor de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), que enxerga uma mudança nas relações dos indivíduos com os produtos e serviços que consomem. Ele afirma que, diante das opções, o consumidor realiza os movimentos chamados de “trading-up“ ou ‘trading-down”, dependendo da ocasião. “O consumidor faz trading-up quando quer viver uma experiência e um privilégio, ou seja, em tudo o que é relevante e singular para ele. Nesses casos, ele aceita gastar mais. Já o trading-down acontece quando ele quer pagar o mínimo possível por algo que não tem tanto significado ou importância”, explica.

Por exemplo, quando um executivo viaja a trabalho, ele opta por um hotel econômico, fazendo o trading-down; quando a motivação é o lazer após a jornada, ele escolhe uma hospedagem mais confortável, realizando o trading-up. Assim como vem acontecendo nos segmentos populares, esse comportamento das pessoas está ditando as regras também nos mercados mais sofisticados. “O preço está sendo pensado de outra maneira, diferente da relação custo-benefício. O consumidor pagará mais dependendo do que determinado produto ou serviço signifique para ele e em qual contexto. Essa lógica está obrigando as empresas a repensar seus conceitos”, afirma Borges. Segundo ele, o setor hoteleiro entendeu essa relação de exclusividade e distinção.

Entre as companhias aéreas, a Emirates atende bem a essa necessidade de trading-up, com voos fantásticos, que contam com suítes nas aeronaves, para quem deseja uma viagem das “mil e uma noites” a Dubai. Para capturar esse consumidor mais exigente e seletivo, o professor recomenda a utilização de pesquisas etnográficas, nas quais há uma imersão no contexto do público dentro de um período preestabelecido, a fim de compreender os valores que o orientam diante de um produto ou serviço. E, para atrai-lo, aqueles que eram considerados canais alternativos de comunicação passam a ser fundamentais, como as mídias digitais e as ações de patrocínio cultural e esportivo.


Fonte: Revista HSM Management