Diferenciar ou morrer

Contrariamente ao que postulam alguns publicitários, uma empresa não precisa ser criativa nem engraçada para se diferenciar; basta agir com lógica, uma ciência regida pelo raciocínio exato. Quem afirma isso é Jack Trout em seu livro Diferenciar ou Morrer – Sobrevivendo em uma Era de Competição Mortal.

 

O autor Jack Trout é o criador de importantes teorias do marketing de vanguarda, entre elas a do posicionamento. Jack Trout assinala neste artigo que a falta de lógica é o motivo por que tantos programas de divulgação fracassam.

E vai um passo além, propondo um esquema de quatro etapas, baseado no raciocínio, para criar uma proposta de vendas diferente: certificar-se de que o negócio faça sentido em seu contexto, encontrar a idéia que o diferencie, dar provas que corroborem a diferenciação e transmiti-la ao mercado. Contudo, lembra Trout, é necessário também contar com dinheiro suficiente para colocar a roda em movimento.


O que realmente mudou nos negócios, nas últimas décadas, é a incrível proliferação de escolhas de produtos em praticamente todas as categorias. Estima-se que exista 1 milhão de SKUs (unidades em estoque) nos EUA. Um supermercado médio tem 40 mil produtos.

Agora, a notícia surpreendente: uma família média satisfaz 80% a 85% de suas necessidades com 150 produtos. Isso quer dizer que é bem possível que 39.850 itens da loja sejam ignorados.

O dicionário define tirania como “poder opressor e cruel”. É o que em geral acontece com a escolha. Com a grande concorrência de hoje, os mercados são impulsionados pela escolha. O cliente tem tantas alternativas boas que os erros custam caro.

Depois que a concorrência ganha seus clientes, não é fácil reconquistá-los. Os profissionais de marketing que não entendem isso não sobreviverão. “Isto, sim, é cruel.” É só dar uma olhada em alguns dos nomes nas lápides do cemitério das marcas famosas:

  • Burger Chef;
  • Carte Blanche;
  • Eastern Airlines;
  • Gainesburgers;
  • Gimbels Hathaway (camisas);
  • Horn & Hardart;
  • Mr. Salty Pretzels;
  • Philco (resiste timidamente no Brasil);
  • Trump Shuttle;
  • VisiCalc Woolworth’s.

Essa é apenas uma pequena lista de marcas que já não existem nos Estados Unidos. Nessa economia de concorrência mortal, os profissionais de marketing têm de oferecer um diferencial ou o menor preço.

Para tanto, é preciso observar algumas etapas. Não se trata de ser criativo, esperto ou imaginativo. É preciso ser lógico. E a lógica é uma ciência que lida com as regras e as comprovações do pensamento racional.

Criatividade versus lógica

Como a lógica é uma ciência, construir uma proposta de vendas singular é uma ciência, não uma arte. O pessoal da área de criação, porém, combate acirradamente essa idéia. Eles detestam pensar que estão presos a um processo que limita sua musa criadora.

Mas o pior mesmo é ver uma empresa que implantou um processo de estratégia e chegou a um argumento lógico direto para sua marca levar esse argumento ao pessoal de criação e ver o argumento desaparecer em uma chuva de baboseiras.

Certa vez, trabalhando com um banco para desenvolver sua estratégia, descobrimos que ele era o líder dos empréstimos a pequenas empresas em sua área de atuação. Uma parte dos empréstimos ia para imigrantes recém-chegados aos EUA, pessoas que buscavam o “sonho americano”. A estratégia recomendada era lógica e direta. O que tornava esse banco diferente é que ele era o “lar do sonho americano”. Todo mundo gostou da idéia e ela foi passada para uma agência para ser implementada.

Quando a campanha ficou pronta, dizia: “Nós bancamos seus sonhos”. A lógica e o diferencial foram jogados pela janela. Para evitar isso, é preciso ter certeza de que todo mundo siga um processo simples de quatro etapas.

Processo de quatro etapas

Etapa 1: Busque sentido no contexto.

Os argumentos nunca são feitos no vazio. Sempre existem concorrentes à volta tentando impor seus argumentos. Sua mensagem tem de fazer sentido no contexto da categoria. Tem de começar com o que o mercado ouviu e registrou a respeito da concorrência. O que realmente se deseja é um instantâneo das percepções que existem na cabeça das pessoas, não pensamentos profundos.

É preciso buscar os pontos de sua empresa e da concorrência vistos como fracos e fortes conforme espelhados na mente do grupo-alvo de consumidores. Nossa forma favorita de pesquisa é alinhar os atributos básicos de uma categoria e pedir às pessoas que dêem notas numa escala de um a dez. Isso deve ser feito para cada concorrente. O objetivo é verificar quem tem que idéia ou conceito em determinada categoria. Esse é o contexto para seu argumento.

O contexto também inclui o que ocorre no mercado. O momento será propício para sua idéia? A idéia diferencial de “melhor serviço” da Nordstrom encaixa-se perfeitamente no contexto de uma loja de departamentos que está reduzindo seu pessoal e seus serviços para diminuir custos.

A Lotus lançou a primeira rede de “software de grupos” (groupware software) de sucesso chamada Notes, enquanto as grandes empresas norte-americanas estavam colocando seus PCs em rede. É como pegar uma onda: se você sair antes ou depois, não chega a lugar algum. É preciso pegar a onda no momento certo, para poder ir longe com ela.

Etapa 2: Descubra qual a idéia diferencial.

Ser diferente é não ser igual. Para ser único é preciso ser especial. É preciso buscar alguma coisa que distinga você da concorrência. O segredo para tanto é compreender que seu diferencial não tem de estar relacionado com o produto.

Pense nos cavalos. Os cavalos podem ser facilmente diferenciados por tipo. Existem cavalos de corrida, saltadores, cavalos de montaria, cavalos selvagens e assim por diante. Porém é possível diferenciar os cavalos de corrida por raça, desempenho, estábulo, treinador e assim por diante.

Pense nas faculdades. Os EUA têm mais faculdades que qualquer outro lugar do mundo – 3.600. Elas são semelhantes em muitos sentidos. Principalmente pelo fato de quererem recursos do governo para empréstimos e bolsas para estudantes.

O Hillsdale College, a 90 minutos de Detroit, lançou uma proposta de venda única para seu público conservador, ao se recusar a receber qualquer tipo de dinheiro do governo federal, mesmo que se tratasse de empréstimos para estudantes. (Poucos dos seus concorrentes podem fazer isso.) O argumento de vendas do Hillsdale é: “Nós não sofremos influência do governo”. Ele reforça esse conceito posicionando a faculdade como a meca do pensamento conservador.

Conforme comentou uma pessoa que fazia campanha para angariar recursos: “Esse é o produto que conseguimos vender”. E eles provam isso com números.

Existem várias maneiras de diferenciar sua empresa ou seu produto. Resumidamente, digamos que o truque é simplesmente saber qual é essa diferença e usá-la para beneficiar seu cliente.

Etapa 3: Tenha em mão as credenciais.

Para construir um argumento lógico a fim de mostrar sua diferença, você precisa ter credenciais que apóiem sua idéia de diferencial, que a façam real e crível. Nós mencionamos anteriormente a IBM. O tamanho da empresa, nesse caso, é o diferencial principal ao estabelecer a “computação integrada”.

Se você tiver uma diferença no produto, então é preciso ter a capacidade de demonstrar essa diferença. A demonstração, por sua vez, torna-se sua credencial. Se você tiver uma válvula à prova de vazamento, é preciso fazer uma comparação direta com válvulas que vazam. Afirmações a respeito da diferença sem prova são frases vazias.

Um Pontiac de tala larga, por exemplo, precisa ser mais largo do que os outros carros. A British Air, como linha aérea favorita do mundo, deve transportar mais pessoas do que qualquer outra linha aérea.

A Coca-Cola, ao dizer que é “the real thing”, tem de ter sido a inventora dos refrigerantes.

Quando a gente diz “Hertz é nada igual”, deve haver serviços que as outras empresas de aluguel de automóvel não ofereçam.

Não é possível fazer diferenciação com fumaça e jogo de espelhos. Os consumidores são céticos. Eles dizem: “Ah, é verdade? Então prove”. Você precisa estar preparado para sustentar aquilo que diz.

Não se trata de provar como num tribunal (embora muitas vezes seja preciso provar cada vírgula, quando você tem uma ameaça da Comissão Federal de Comércio ou das redes de televisão). É mais como se você estivesse sendo julgado pela opinião pública.

Etapa 4: Divulgue sua diferença.

Da mesma forma que não se deve esconder os atributos positivos de alguém que queira ser reconhecido, você não deve manter seu diferencial escondido. Se você criar um produto diferenciado, o mundo não vai automaticamente bater a sua porta procurando por ele. Nem sempre os melhores produtos vencem. As melhores percepções é que saem vencedoras. A verdade não vem à tona por si só. É preciso ajudá-la.

Tudo em sua divulgação deve refletir essa diferença. Seus anúncios. Seus folhetos. Seu site na Web. Suas apresentações de vendas. Temos um cliente no mundo da fast food que envia cartões de Natal para suas franquias.

O presidente da empresa ligou reclamando que em seu cartão o diferencial não estava enunciado. Dissemos que, por se tratar de um cartão de Natal, talvez fosse interessante não usar a frase. Ele respondeu: “Não. Eu quero que ela esteja no cartão”. Não é preciso dizer que a frase que ressalta o diferencial da empresa foi colocada nos cartões de Natal. Moral da história: nunca é demais divulgar a diferença.

Uma idéia diferencial real também é uma ferramenta de motivação. Quando a Avis diz “somos apenas a segunda locadora, por isso nos esforçamos mais”, ela conquista as pessoas. Ela se orgulha de estar em segundo lugar.

Há alguns anos, quando nós criamos para o United Jersey Banks a idéia do “banco onde as coisas acontecem rapidamente”, seus funcionários logo captaram o espírito. Eles queriam ser mais rápidos que seus rivais da cidade grande (apelidados de paquidermes pela lerdeza e pelo tamanho). Queriam ser mais rápidos na aprovação de empréstimos e na solução de reclamações. Eles perceberam o valor de responder mais rapidamente a seus clientes.

Fala-se muita bobagem nos EUA a respeito de motivação de funcionários. Milhões de discursos de motivação feitos pelo pessoal do “desempenho-padrão” com seus gritos de guerra. As pessoas que trabalham para você não precisam responder a perguntas místicas do tipo “como liberar meu verdadeiro potencial”. A pergunta que eles precisam ver respondida é: “O que faz esta empresa ser diferente?” Essa resposta lhes dá um gancho em que possam agarrar-se e acompanhar a movimentação.

A motivação real começa com a ferramenta de uma idéia diferencial. Em seguida você desafia seus subordinados a fazer com que isso floresça em vendas, desenvolvimento de produtos, engenharia e no que quer que seja.

Algumas palavras sobre os recursos

Ter um bom diferencial não é suficiente. É preciso ter recursos para criar um programa de divulgação que mostre sua diferença no mercado. Marketing é um jogo que se joga na mente do cliente potencial. É preciso dinheiro para entrar na mente dele. E é preciso dinheiro para permanecer lá. Eis algumas idéias.

1. A propaganda é cara.

Alguns empreendedores vêem a propaganda como a solução para ter acesso à mente dos clientes potenciais. A propaganda não é barata. Foram necessários só US$ 9 mil por minuto para custear a Segunda Guerra Mundial. E apenas US$ 22 mil por minuto para combater no Vietnã. Ao passo que um comercial de um minuto no Super Bowl da NFL (Associação de Futebol Americano) custa quase US$ 2 milhões.

Steve Jobs e Steve Wozniak tiveram uma grande idéia. Foi porém Mark Markula, com seus US$ 90 mil, que fez com que a Apple Computer surgisse. (Por essa grana Markula conseguiu um terço da Apple. Ele deveria ter exigido metade.)

Idéias sem dinheiro não valem nada. Ou quase nada. Porém é preciso usar sua idéia para encontrar o dinheiro, nem sempre com a ajuda do marketing. O marketing pode vir mais tarde. Alguns empresários vêem a publicidade como uma forma barata de entrar na mente dos clientes potenciais. “Propagandas gratuitas”, é assim que eles as chamam. A publicidade não é gratuita.

Regra básica, 5–10–20. Uma pequena agência de RP vai pedir US$ 5 mil por mês para promover seu produto, uma agência média, US$ 10 mil e uma agência grande, US$ 20 mil. Alguns empresários vêem os capitalistas de risco como a solução para seus problemas de dinheiro. Contudo, uma pequena porcentagem consegue captar recursos dessa forma. Alguns empreendedores vêem as empresas norte-americanas como prontas, cobiçáveis e financeiramente capazes de fazer decolar os projetos que têm para apresentar. Só podemos desejar-lhes sorte. Muita sorte, pois é do que vão precisar.

Pouquíssimas idéias de fora são aceitas pelas grandes empresas. A única esperança é encontrar empresas menores e persuadi-las dos méritos do projeto. Lembre-se de que uma idéia sem dinheiro não vale nada. Esteja pronto para conceder muito pela captação de recursos.

2. Dinheiro não faz mal a ninguém.

No marketing, os ricos geralmente se tornam mais ricos porque têm recursos para fazer com que as idéias penetrem na mente das pessoas. Seu problema é separar as boas idéias das más e evitar gastar muito dinheiro com produtos e programas em demasia. A concorrência é acirrada.

As grandes empresas investem muito dinheiro em suas marcas. A Procter & Gamble e a Phillip Morris gastam, cada uma, US$ 2 bilhões por ano em propaganda. A General Motors gasta US$ 1,5 bilhão por ano.

Ao contrário dos produtos de consumo, os produtos técnicos ou comerciais tendem a precisar de menos recursos porque a lista de clientes potenciais é menor e o meio de comunicação menos caro. Mas é preciso contar com a quantia necessária para custear folhetos, apresentações de vendas e feiras e propaganda dos produtos técnicos.

3. Computador de ferro derrete.

Vejamos a triste história de uma empresa de computação com um diferencial verdadeiro: computador para ambientes inóspitos como cozinhas quentes de restaurantes. Ninguém tinha pensado em fazer computadores resistentes, portanto um senhor chamado John Opincar tomou emprestados US$ 50 mil da família e dos amigos e fundou a Iron Computer.

Mas ele acreditou demais numa oferta pública de ações pela Internet. Não conseguiu levantar muito dinheiro nem realizar nenhuma ação de marketing. A Iron Computer quebrou, embora contasse com uma idéia diferente maravilhosa. O dinheiro faz com que o mundo do marketing gire. Se você quiser ter sucesso, será preciso conseguir o dinheiro necessário para fazer girar as rodas do marketing.


Fonte: Artigo publicado na Revista HSM Management, escrito por Jack Trout, que é considerado um dos mais importantes pensadores do marketing Ele é criador do conceito de posicionamento com Al Ries. É dele o livro Diferenciar ou Morrer – Sobrevivendo em uma Era de Competição Mortal (ed. Futura), com a colaboração de Steve Rivkin.

Entre seus livros, muitos já considerados clássicos, estão:

  • Posicionamento: a Batalha por sua Mente;
  • Marketing de Guerra 1;
  • Marketing de Guerra 2;
  • As 22 Leis Consagradas do Marketing;
  • Horse Sense.