Nessa entrevista, Divino Sebastião de Souza, presidente da telecom de origem mineira, compartilha três lições de diferenciação de uma empresa que atua nacionalmente em nichos de mercado.
Há mais de 58 anos, o imigrante português Alexandrino Garcia (o nome Algar vem de suas iniciais) era empresário na região de Uberlândia, Uberaba e Patos de Minas e encontrava muita dificuldade em se comunicar com as capitais para fazer negócios. Por isso, resolveu investir em uma empresa de telecomunicações existente que se chamava Teixeirinha a fim de aproximar a região dos grandes centros comerciais.
Garcia costumava dizer que não se importava se ia investir para cabear uma cidade de 5 mil habitantes para instalar apenas um aparelho telefônico; sua alegria era ver a região prosperar. Na época da estatização, em 1972, a Algar Telecom, que então levava o nome CTBC, marca mantida nos produtos do varejo, foi a única empresa de telecomunicações que continuou privada no País devido ao apelo dos próprios usuários regionais.
Um grupo de moradores da região promoveu uma passeata a Brasília reivindicando que a empresa continuasse privada e o pedido foi atendido. Esse fato é ímpar e motivo de orgulho para a companhia.
Houve a privatização, em 1998, vieram os grupos estrangeiros e, novamente, a Algar Telecom manteve-se na família; não à toa, eles já foram chamados na imprensa de “os últimos moicanos das telecomunicações”.
Normalmente, a independência tem um preço e, no caso da Algar Telecom, este talvez seja a limitação de explorar, por enquanto, nichos de mercado específicos e concorridos. Contudo, ela vem apostando na diferenciação para sobressair e expandir-se.
Em entrevista exclusiva a HSM Management, seu presidente, Divino Sebastião de Souza, discute a estratégia corporativa de crescimento, baseada em três diferenciais: a cultura interna de “gente servindo gente” formada ao longo de anos de história, a abordagem de serviço estendida às redes sociais e o compromisso com a sustentabilidade.
A Algar Telecom anunciou o investimento de R$ 1,5 bilhão em expansão entre 2010 e 2014. Sua estratégia é passar de empresa regional a nacional?
O crescimento da Algar Telecom está pautado na identificação de nichos do mercado de telecomunicações cujas demandas não são atendidas pelos players de grande porte. Para isso, tanto desenvolvemos alianças estratégicas com outras empresas do setor para ampliar nossas possibilidades de atuação como exploramos as oportunidades no mercado corporativo e no varejo nos próximos anos.
O setor corporativo, por exemplo, demanda por conectividade e o empreendedorismo no Brasil cresce a cada dia. Na Algar Telecom, o segmento de pequenas e médias empresas tem crescido a uma taxa de 30%. Temos autorização para atuar com clientes corporativos em todo o País, mas, no momento, adotamos a estratégia de levar um serviço de alta velocidade e qualidade para as regiões de maior interesse comercial no entorno do nosso backbone.
Nossa rede de fibra óptica abrange as regiões mais dinâmicas do que chamamos de Sudeste expandido, também composto por Paraná, Goiás e Distrito Federal.
De onde vêm esses recursos? A empresa não fez IPO [oferta pública de ações] para captar dinheiro em bolsa de valores…
Temos uma sólida geração de caixa e parte dos investimentos é realizada com essa geração. Outra parte vem de financiamentos feitos em bancos comerciais e de fomento. Além disso, a Algar Telecom se financia no mercado com emissão de debêntures [títulos de dívida, de médio e longo prazos], porque é uma empresa de capital aberto, embora não tenha ações negociadas em bolsa de valores.
No ano passado, a [agência de classificação de risco] Standard & Poor’s elevou novamente o rating da Algar Telecom, o que evidencia que estamos crescendo com sustentabilidade financeira.
Há um preço extra que se deve estar disposto a pagar pela expansão em um momento mais delicado da economia? Houve recentemente uma redução do lucro trimestral de vocês, por exemplo.
Existem uma explicação contábil, uma estratégica e uma filosófica para nossa redução do lucro. A contábil é que a redução ocorrida no segundo trimestre de 2012, a despeito do bom desempenho operacional, se deu em razão de ter havido, no segundo trimestre de 2011, a constituição de provisão no valor de R$ 10,6 milhões em tributos diferidos sobre créditos fiscais.
Retirando esse efeito, a margem líquida foi de 8,2% no trimestre recente e 8,5% no mesmo período do ano anterior. Essa margem menor é, sim, resultado dos primeiros gastos com a expansão iniciada pela companhia em novembro de 2011 para novas áreas geográficas do estado de Minas Gerais, e essa é a explicação estratégica.
A justificativa filosófica é que, por sorte, não existe no Grupo Algar uma cultura de prioridade aos lucros no curto prazo. Os acionistas, grupo formado pelos descendentes do fundador, Alexandrino Garcia, consideram mais importante que os negócios tenham solidez no longo prazo e capacidade de crescimento sustentável. Temos a vantagem competitiva de poder pôr nosso foco em garantir a perenidade da companhia.
Fala-se cada vez mais na diferença que a cultura de uma empresa faz em seu desempenho. Em um setor como o de telecom, no qual a competição é bem parelha e baseada em uma tecnologia quase comoditizada, a origem única da Algar Telecom pesa de fato?
Sem dúvida! A Algar Telecom nasceu por uma vontade sincera de servir a comunidade —o empresário Alexandrino Garcia queria contribuir para o desenvolvimento do Triângulo Mineiro— e resistiu à estatização por causa disso também. Essas coisas fazem com que servir a comunidade seja um orgulho e um dos valores mais arraigados na empresa. A frase “Cliente, nossa razão de existir” não é um clichê artificial; aqui ela virou parte real da cultura por causa dessa história.
A cultura tem a ver com isso e também com a herança de uma empresa familiar que respeita os talentos humanos —respeita tanto que os funcionários são não apenas chamados de “associados”, mas considerados associados de fato. Por fim, acho que o próprio tempo de existência e a continuidade da direção também pesam favoravelmente para nós: temos uma tradição de quase seis décadas atuando como companhia privada de um mesmo dono, o que nenhum concorrente tem. Quer um exemplo de resultado dessa cultura? Depois do Rio de Janeiro, os segundos lugares do Brasil que tiveram telefonia celular foram Uberlândia (MG) e Franca (SP), ambas as cidades atendidas pela Algar Telecom.
Como se traduz, na prática, o respeito aos talentos humanos?
Isso se percebe em pequenos detalhes e em grandes ações. Pequeno detalhe? Adotamos a carreira em Y desde 1989, antes de se tornar moda, ou seja, um profissional não precisa virar gerente para progredir aqui. Grande ação? Conseguimos aplicar o conceito de autonomia com responsabilidade, permitindo a cada associado, independentemente do nível hierárquico, acompanhar as decisões tomadas pela diretoria, participando das reuniões estratégicas por meio do Comitê de Associados, por exemplo, e isso transformou nossa organização em uma empresa-rede.
Outra prova é que o Grupo Agar criou uma universidade corporativa e anualmente investe cerca de R$ 15 milhões (2011) em treinamentos e formação. Já foi falado sobre empresa-rede e treinamento, mas ressalto que mantemos um modelo de gestão baseado na meritocracia, no qual recompensamos a dedicação e o bom desempenho. Os investimentos em qualificação profissional, saúde e bem-estar, as oportunidades de crescimento definidas em plano de carreira e, principalmente, o bom relacionamento com os profissionais têm mostrado resultados positivos. Tudo isso facilita a retenção dos talentos e viabiliza nossa cultura de “gente servindo gente”.
Esse mantra é o que explica também o termômetro das redes sociais, onde quase todas as empresas de telecom têm muitas reclamações e vocês, não?
Temos um modelo de atuação diferenciado nas redes sociais e acredito muito nele. Ficamos mais de um ano estudando qual a melhor forma de atendermos nesses canais; sabíamos que ali estava um diferencial, mas não tínhamos ideia de como poderia ser feito levando em conta o grande volume de clientes. Nossa intenção era atender não como mais um braço do SAC [Serviço de Atendimento ao Cliente], mas de modo inusitado.
Depois de muito estudo, chegamos a um modelo de atendimento que tem surpreendido os clientes, o “CTBC Responde”, que implantamos em 2011. Monitoramos, no Twitter e no Facebook, os posts que se referem à empresa e nossos serviços. Ao encontrar alguma mensagem de insatisfação, dúvida ou questionamento, nossa equipe digital entra em contato e faz a tratativa até o fim do atendimento. Isso tem deixado o cliente positivamente surpreso e são inúmeros os elogios que recebemos. Acredito muito nesse modelo.
Telecom requer tecnologia, esta requer inovação. Como vocês inovam? Uma empresa familiar e nacional tem mais dificuldades nessa área do que os players com capital internacional?
De modo algum. A inovação foi sempre a força motriz do nosso negócio, mas a Algar Telecom não ficou dormindo sobre sua história de pioneirismo. Há dois anos instituímos a inovação de forma estruturada na empresa para potencializar os resultados de longo prazo e alcançar as inovações semirradicais e radicais. Com nosso escritório de gerenciamento de projetos, criamos o Programa Inovação, que elevou o patamar da participação da organização em várias frentes voltadas para o tema, tais como subvenções, parceria com instituições de pesquisa, recrutamento e qualificação de profissionais, P&D etc., tudo isso com metas estabelecidas. E, com isso, temos alcançado resultados concretos, que se traduzem em ganhos de mais de R$ 3,5 milhões.
Um dos projetos, aliás, é uma nova plataforma de SMS chamada SMSC, que, além de reduzir os custos operacionais em R$ 2 milhões ao substituir investimentos para a ampliação e operação de equipamento internacional, possibilita internalizar um conhecimento que seria contratado de terceiros —o que é extremamente essencial na conquista de uma posição estratégica em relação à concorrência. Falei em qualificação, não foi? Então, dos nossos 1,9 mil associados, 25% são pós-graduados. Isso é um indicador de que estamos conseguindo manter sintonia com as demandas atuais do setor, que exige cada vez mais profissionais especializados.
O mercado de telecomunicações exige uma forte política de talentos humanos em virtude da escassez de profissionais qualificados e, por isso, nosso investimento per capita médio em formação é de R$ 2,1 mil. Vale dizer que também incentivamos nossos futuros profissionais, incentivando a educação voltada para a tecnologia. No último trimestre, ajudamos a estruturar a primeira Maratona Mineira da Programação, que contou com a presença de universidades renomadas.
Nosso diferencial não é apenas cultura e inovação, mas também sustentabilidade. E não ficamos só no discurso; nós já nos tornamos a telecom verde 100% brasileira —é grande razão de orgulho para nós e todos os nossos associados.
Por favor, explique isso.
Ser 100% verde abarca tudo: nossa infraestrutura, tecnologia, ações de reciclagem, redução de emissão de gases poluentes e de consumo de energia, campanhas de conscientização. Como já somos considerados uma indústria relativamente limpa, acreditamos que ampliar nossa participação nesse sentido se faz por meio da extensão de práticas ambientais para toda a cadeia de valor, que inclui fornecedores, clientes, associados e comunidade. Incentivamos positivamente toda a nossa rede de relacionamentos e assim exercer o que chamamos internamente de “Influência Verde”. Estamos trabalhando muito nessa diferenciação, que é bastante estratégica para os clientes e para o País.
Fontes: Revista HSM Management