Como empresas visionárias estão usando a IA chinesa

Muitas empresas globais estão integrando a IA generativa em seus negócios, e a maioria utiliza ferramentas ocidentais de empresas como OpenAI e Anthropic. Mas agora elas se veem diante de um segundo ecossistema, muito diferente, que cresceu rapidamente, de forma discreta e com uma lógica própria: empresas chinesas desenvolveram uma infraestrutura única e competitiva de IA generativa que difere significativamente dos sistemas ocidentais. Este artigo apresenta uma estrutura para ajudar líderes de empresas globais a entender a arquitetura singular da IA generativa da China. Três pilares — personalização na infraestrutura, liderança em custos no desenvolvimento de modelos e calibração para aplicações práticas — diferenciam a IA generativa chinesa da ocidental. Os autores afirmam que estamos entrando em uma era em que nenhum conjunto de ferramentas ou pilha única de IA dominará. Pelo contrário, as empresas precisarão integrar estrategicamente soluções chinesas e ocidentais de IA. Eles oferecem um roteiro para adotar uma abordagem de via dupla a fim de alcançar melhores resultados estratégicos e maior eficiência operacional. Não se trata de Leste versus Oeste, escrevem os autores. Trata-se de elaborar estratégias que funcionem em um mundo com mais de um futuro para a IA.

O lançamento do ChatGPT pela OpenAI em novembro de 2022 pegou completamente desprevenidas as empresas de tecnologia chinesas. Da noite para o dia, companhias como Alibaba, Tencent e Baidu, antes competitivas com players globais como Google e Microsoft, tornaram-se retardatárias. Mas, quase três anos depois, as empresas chinesas não apenas alcançaram suas rivais norte-americanas: elas forjaram um novo caminho paralelo com a IA generativa. A DeepSeek, fundada em 2023, talvez seja a mais notável das novas participantes chinesas no setor de IA. Em menos de um ano, e com apenas uma fração dos recursos computacionais e de dados dos modelos norte-americanos, o DeepSeek-R1 já apresenta desempenho comparável ao GPT-4o da OpenAI e ao Claude 3.5 Sonnet da Anthropic. Outra startup, a 01.AI, lançou o modelo Yi-Lightning, que rapidamente subiu nos rankings em termos de preço, desempenho e precisão. Mas o que está surgindo na China não é um clone dos sistemas ocidentais. É um modelo estrategicamente distinto de IA generativa, adaptado para prosperar sob diferentes restrições e atender a prioridades diversas. Empresas como a DeepSeek estão aproveitando avanços fundamentais enquanto projetam sistemas de IA distintos, criados para eficiência de custos, implantação rápida e aplicações direcionadas.

Esses avanços acontecem em meio a crescentes pressões geopolíticas e controles de exportação — especialmente no acesso a semicondutores — que tinham como objetivo sufocar o desenvolvimento da IA generativa na China. Em vez disso, esses fatores a impulsionaram. Hoje, mais de 300 serviços de IA generativa estão registrados na Administração do Ciberespaço da China. A Huawei, por exemplo, acelerou o desenvolvimento de sua série de chips Ascend, construindo uma alternativa nacional aos chips da Nvidia, e esses chips agora alimentam data centers em escala nacional.

Muitas empresas globais estão integrando a IA generativa em seus negócios, e a maioria utiliza ferramentas ocidentais de empresas como OpenAI, Google e Anthropic. Mas agora elas se veem diante de um segundo ecossistema, muito diferente, que cresceu rapidamente, discretamente e com uma lógica própria. No centro desse avanço está o compromisso da China em construir uma infraestrutura modular e resiliente de IA, capaz de rápida adaptação às necessidades locais. As empresas chinesas estão enfrentando desafios como alucinações, custos de modelos (econômicos e ambientais) e conformidade regulatória com abordagens que frequentemente divergem das ocidentais. O ecossistema que elas criaram não é apenas resiliente, mas também altamente eficiente, e cada camada dele, dos chips de IA às soluções de armazenamento, está ajustada às nuances locais. Essa abordagem difere nitidamente do modelo ocidental, mais voltado a pesquisas generalistas e abrangentes.

As incertezas contínuas em torno das tarifas entre Estados Unidos e China complicam ainda mais a situação. A tecnologia ocidental, incluindo modelos de linguagem de grande porte (LLMs) e infraestrutura, já é de difícil acesso na China. Mas agora há a possibilidade de restrições a modelos chineses de IA nos Estados Unidos, e a avaliação de fornecedores exigirá uma diligência ainda mais rigorosa — desde revisões sobre a origem dos chips e auditorias de cibersegurança até o alinhamento com regulamentos locais. Multinacionais que operam em ambas as regiões devem navegar em um cenário em constante mudança. Executivos precisam ponderar risco político, resiliência da cadeia de suprimentos e compatibilidade de governança, além de métricas de desempenho, ao considerar parcerias com IA chinesa.

Os executivos ocidentais enfrentam um desafio único. Eles não podem mais presumir que as melhores ferramentas de IA generativa virão de um único ecossistema. Seja na implantação de plataformas de atendimento ao cliente, ferramentas de otimização logística, aplicações verticais em saúde ou finanças, ou agentes de IA de uso geral, provavelmente será necessário aprender a trabalhar com tecnologias tanto ocidentais quanto chinesas. O acesso a provedores de nuvem chineses, a conformidade com a governança de IA em constante evolução e a compatibilidade com os LLMs chineses estão se tornando não apenas desafios tecnológicos, mas questões centrais de negócios. Empresas que não alinharem suas estratégias de IA generativa a essas novas realidades podem ser ultrapassadas por concorrentes que conseguem agir mais rápido, com menor custo e melhor apoio regulatório. Navegar nesse terreno exige mais do que integração técnica. Exige uma mentalidade estratégica.

Com base em entrevistas com executivos, métricas de desempenho e estudos de caso, criamos uma estrutura para ajudar líderes de empresas globais a compreender a arquitetura única da IA generativa chinesa. Como pesquisadores e professores do IMD, com ampla experiência na implementação de estratégias de IA em organizações em vários continentes, trabalhamos de perto com empresas chinesas e ocidentais para entender como a IA generativa vem sendo desenvolvida e aplicada em ambos os lados do globo. Também conduzimos pesquisas baseadas em dados sobre inovação e a prontidão para o futuro de setores chineses como vestuário, farmacêutico e tecnológico.

Neste artigo apresentamos um roteiro para adotar uma abordagem de via dupla que aproveite a IA generativa chinesa e ocidental a fim de alcançar melhores resultados estratégicos e maior eficiência operacional. Os executivos globais precisam ter em mente três questões principais: primeiro, o ecossistema da China difere em termos de cadeias de suprimento de hardware e regulamentações. Segundo, existem restrições reais de conformidade com a tecnologia chinesa. Por fim, empresas que não reconhecerem o quanto os modelos chineses são mais econômicos que a maioria dos ocidentais ficarão para trás. Não se trata de Leste versus Oeste. Trata-se de elaborar estratégias que funcionem em um mundo com mais de um futuro para a IA.

A estrutura 3C

Assim como Amazon, Google e Facebook, os gigantes da tecnologia da China — Alibaba, Baidu, Tencent, ByteDance e Huawei — começaram em setores como comércio eletrônico, busca e mídias sociais, mas desde então adicionaram inteligência artificial de ponta ao seu arsenal. Agora, pioneiros chineses de médio porte, como SenseTime e iFlytek, estão alcançando espaço na inteligência artificial generativa. Além disso, uma onda de desafiantes de rápido crescimento — frequentemente chamada de “seis pequenos tigres da China” (01.AI, Zhipu AI, Moonshot AI, MiniMax, Baichuan AI e StepFun) — está moldando rapidamente o cenário da IA generativa no país. Enquanto isso, outras empresas como DeepSeek e ModelBest estão traçando seus próprios caminhos. (A ModelBest tem ganhado atenção por seu foco em modelos leves e de alto desempenho.)

A pilha da IA generativa possui três camadas: a camada de infraestrutura (armazenamento e chips), a camada de inteligência (LLMs) e a camada de saída (aplicações). No entanto, empresas ocidentais e chinesas abordam essas camadas de formas diferentes. Os players chineses de IA generativa estão apostando em customização, liderança em custos e calibração para construir sistemas que maximizem a eficiência, priorizem a relevância prática e aceitem a divergência.

Em contraste com o ecossistema descentralizado de ferramentas de IA nos Estados Unidos, que frequentemente dependem de vários fornecedores de software, as empresas chinesas de IA têm desenvolvido fluxos de trabalho integrados, de ponta a ponta. Considere a Huawei, que desenvolveu seu próprio framework de deep learning, o MindSpore, para rodar em seus chips Ascend AI. Uma empresa que utiliza uma solução verticalmente integrada — composta por hardware, software e ferramentas de otimização — pode personalizar sua infraestrutura e ajustar os modelos a um custo menor do que teria utilizando IA de um ecossistema descentralizado. As implicações são amplas. Para os provedores de IA, a ascensão dos ecossistemas verticalmente integrados destaca o valor estratégico de possuir a pilha completa. Para os usuários, isso ressalta a necessidade de escolher com cuidado entre arquiteturas abertas e descentralizadas ou alternativas fechadas e centralizadas. Os líderes empresariais devem alinhar suas estratégias de adoção de IA com seus objetivos mais amplos — seja para maximizar flexibilidade e escala, seja para priorizar eficiência de custos, conformidade e coesão do sistema.

Vamos observar mais de perto o primeiro pilar: customização na infraestrutura. As empresas chinesas vêm inovando nessa área há alguns anos. Ouvimos repetidamente de fundadores de startups e executivos seniores que as estratégias de IA da China não buscam soluções de uso geral. Em vez disso, como já destacamos, os provedores de soluções de IA estão construindo infraestruturas modulares e adaptáveis, ajustadas às necessidades locais técnicas, regulatórias e operacionais. Os serviços chineses de IA por assinatura capacitam pequenas empresas ao fornecer soluções fáceis de instalar. Essas soluções são projetadas para otimizar o desempenho em contextos locais, especialmente nos setores de finanças e saúde, onde compreender nuances é crucial. Um exemplo é o Ant Group, que desenvolveu um conjunto de agentes de IA médica disponíveis em seu aplicativo Alipay. Esses agentes são movidos por um modelo fundamental específico para a saúde, criado em colaboração com equipes de hospitais de ponta. O diferencial do aplicativo não é apenas o volume de dados, mas a forma como o sistema foi treinado para refletir o modo de pensar e raciocinar de médicos chineses. Ao combinar literatura clínica, dados estruturados de diagnóstico e a lógica de tomada de decisão dos principais médicos, o Ant Group criou um sistema não apenas inteligente, mas também alinhado à forma como o cuidado é realmente prestado. Esse tipo de profundidade contextual é difícil para modelos de uso geral, como o ChatGPT, replicarem.

As empresas chinesas acreditam que uma infraestrutura customizada é essencial para alcançar agilidade e capacidade de resposta operacional. As soluções de armazenamento da Alibaba Cloud, por exemplo, aumentam as velocidades de leitura e gravação e oferecem maior flexibilidade, o que é fundamental para aplicações de IA generativa. Em contraste, o ChatGPT 3.5 dependia da nuvem Azure da Microsoft e utilizava chips da Nvidia — ambas tecnologias que antecediam a era da IA generativa e não foram otimizadas para ela.

O segundo pilar, liderança em custos no desenvolvimento de modelos, também oferece vantagens aos chineses. No Ocidente, recursos imensos foram investidos no desenvolvimento de modelos de IA generativa (estimativas variam de alguns bilhões a dezenas de bilhões de dólares). Mas as empresas chinesas de IA generativa construíram modelos com eficiência de custos como princípio de design. Enquanto muitas empresas ocidentais buscam inovação e economias de escala para impulsionar a eficiência, os empreendedores chineses acreditam que a verdadeira eficiência de custos não se resume apenas a cortar despesas. Trata-se de aproveitar soluções de IA maduras em vez de desenvolver modelos do zero, algo viável no vasto mercado chinês com fornecedores centralizados de soluções de IA. Assim, empresas ocidentais focam em construir a infraestrutura e os modelos mais avançados, com a expectativa de que eventualmente tragam resultados de negócios. Já as empresas chinesas constroem com foco em resultados práticos; os modelos e a infraestrutura são meios para esse fim. Essa mentalidade levou empresas como Tencent e Baidu a adotar técnicas que oferecem resultados concretos com investimentos relativamente baixos. As plataformas verticalmente integradas da China, que oferecem chips nacionais, infraestrutura de nuvem e modelos como serviço, reduzem os custos de treinamento e ainda suportam aplicações multilíngues e multimodais. Naturalmente, as empresas chinesas também se beneficiaram ao observar as melhores práticas (e os fracassos) de concorrentes ocidentais como OpenAI, Google e Meta.

Isto não é sobre Oriente versus Ocidente. É sobre criar estratégias que funcionem em um mundo com mais de um futuro para a inteligência artificial.
Para empresas que enfrentam restrições de orçamento e infraestrutura, esse pilar pode se traduzir em vantagens reais: implantação mais rápida, menores custos de treinamento e inferência e integração mais fácil em aplicativos localizados e específicos de domínio. Embora as empresas chinesas tenham se beneficiado dos modelos fundamentais criados no Ocidente, sua capacidade de adaptar, refinar e entregar modelos de alto desempenho a uma fração do custo — especialmente em ambientes com acesso limitado à infraestrutura ocidental de ponta — oferece uma proposta de valor convincente. Sua engenhosidade orientada por restrições fomentou inovação rápida e pragmática, porque a disciplina de custos não é apenas uma escolha estratégica, mas também um imperativo de sobrevivência.

O terceiro pilar, calibração para aplicações do mundo real, garante que os modelos de IA não sejam apenas teoricamente sólidos, mas também praticamente eficazes. As empresas chinesas estão obcecadas em garantir que seus modelos funcionem — não apenas na teoria, mas em ambientes reais e dinâmicos, como varejo, finanças, hospitais e repartições públicas. As companhias de IA na China estão constantemente testando e iterando. Entre as inovações notáveis está o Kimi, da Moonshot AI, que em março de 2024 tornou-se o primeiro modelo de IA capaz de processar até 2 milhões de caracteres chineses em uma única conversa. Esse avanço posicionou o Kimi na vanguarda da IA no tratamento de grandes volumes de texto em uma única interação. A capacidade de longo contexto do Kimi não é apenas um marco técnico, mas também foi calibrada para usos práticos, com alto volume de documentos, em setores como saúde, educação e atendimento ao cliente. A Moonshot AI está alinhando ambição técnica com implantação estratégica.

Os três pilares — customização, liderança em custos e calibração — diferenciam a IA generativa da China da ocidental. Os inovadores chineses não estão apenas replicando modelos ocidentais; eles estão construindo um ecossistema orientado por propósito, fundamentado em suas próprias necessidades e restrições de mercado. A estrutura 3C nos dá uma lente para entender essas dinâmicas — não apenas como variações técnicas, mas como alternativas estratégicas. E oferece aos líderes globais uma forma de avaliar como devem se engajar com um mundo de IA fragmentado, mas interconectado.

O que está surgindo na China é um ecossistema completo e diferenciado — modelos, infraestrutura, plataformas de implantação e aplicações verticais — cada vez mais competitivo em seus próprios termos. Para empresas grandes e pequenas, a questão estratégica já não é mais se devem se engajar com o ecossistema de IA da China, mas como fazê-lo de forma eficaz — seja por meio de parcerias, projetos-piloto ou aprendendo com um sistema construído para priorizar velocidade, escala e utilidade prática.

O futuro das aplicações de IA generativa chinesa

À medida que a IA generativa chinesa alcançou rapidamente suas contrapartes ocidentais, seu ecossistema de aplicações entrou em ação, desenvolvendo com rapidez usos inovadores. As aplicações podem ser amplamente categorizadas em três tipos principais: ferramentas de aumento de eficiência, softwares de uso geral e aplicações verticais específicas de setor. Atualmente, as empresas chinesas se destacam na terceira categoria, aplicando IA em uma ampla variedade de casos, como engajamento de clientes e plataformas corporativas. Elas não estão apenas testando em laboratórios, mas implementando essas ferramentas na linha de frente de negócios reais.

Algumas companhias chinesas criaram produtos com aplicações práticas imediatas, como o Ernie Bot, da Baidu. Como seu treinamento incorporou conhecimento estruturado, o Ernie apresentou desempenho sólido em tarefas que exigem compreensão contextual profunda. Em cenários de atendimento ao cliente, por exemplo, ele pode recorrer a grafos de conhecimento específicos da empresa e a estruturas regulatórias para gerar respostas altamente precisas e em conformidade com políticas — um nível de alinhamento empresarial que os modelos de uso geral normalmente não conseguem oferecer de imediato. O Ernie é um exemplo de como um design de modelo cuidadoso, voltado para integração prática em vez de escala teórica, pode produzir modelos de alto desempenho e menor custo, especialmente úteis para empresas globais com orçamentos restritos para IA.

Da mesma forma, a Alibaba disponibilizou sua ferramenta de IA generativa para vendedores em suas plataformas, incluindo a Taobao. São mais de 200 mil fornecedores nessas plataformas, oferecendo mais de 200 milhões de produtos. A ferramenta permite que esses fornecedores criem portfólios de alta qualidade e aparência profissional para cada um de seus produtos. Alguns anos atrás, fornecedores menores não teriam condições de produzir portfólios assim, exceto para alguns poucos itens mais vendidos.

A Trip.com, maior plataforma de viagens online da China, está ampliando os limites da personalização no turismo com seu LLM proprietário, Wendao. Treinado com 20 bilhões de pontos de dados de viagem de alta qualidade e alimentado por informações em tempo real e algoritmos exclusivos, o Wendao permite que a plataforma personalize roteiros de acordo com preferências individuais e se adapte dinamicamente a mudanças nas condições de viagem. Hoje, a IA toca praticamente todos os aspectos do negócio da Trip.com. Engenheiros estão reduzindo em 15% a 30% o tempo de programação com IA; a criação de conteúdo caiu de 8,5 minutos para 15 segundos com uma taxa de aprovação de 98,9%; e conteúdos de marketing são produzidos em apenas três minutos. No atendimento, mais de 60% das consultas dos usuários são resolvidas por autoatendimento com IA, reduzindo custos e aumentando a agilidade. Todas essas melhorias fazem parte da estratégia da Trip.com de impulsionar o crescimento por meio da automação inteligente.

Na logística, a SF Technology customiza modelos fundamentais para decisões na cadeia de suprimentos. Seu modelo Fengzhi combina a força conversacional dos LLMs com a precisão de modelos menores e específicos de domínio, enfrentando desafios comuns como alucinações e erros de decisão. O resultado é um agente inteligente altamente eficiente, projetado para operações logísticas. Seu segundo modelo, Fengyu, já está implantado em mais de 20 cenários de negócios, incluindo marketing, atendimento ao cliente, despacho de operações e liberação alfandegária. A SF destina 80% de seus dados de treinamento a informações de domínio geral e 20% a materiais específicos de logística (em contraste com os modelos ocidentais, que usam 100% de conteúdo geral), a fim de construir modelos menores e focados em domínio, que reduzem custos de inferência sem comprometer o desempenho. É um claro exemplo de IA orientada por aplicação, otimizada não para escala, mas para profundidade estratégica em um setor.

No setor de saúde, o MedGPT da Medlinker, um médico de IA, demonstrou capacidades diagnósticas em nível profissional comparáveis às de médicos humanos em ambiente hospitalar. Durante as consultas, o modelo pode rapidamente inferir as prováveis causas de uma doença a partir das descrições dos sintomas do paciente. Ele fornece suporte médico pré-consulta e melhora a eficiência tanto na anamnese quanto no diagnóstico. Também ilustra como testes rigorosos em cenários reais podem impulsionar melhorias tangíveis de desempenho. Práticas semelhantes de calibração no mundo real são usadas fora da saúde. O assistente inteligente do WPS AI, da Kingsoft Office, aplica IA em aplicativos de produtividade, por exemplo, e a Xiaomi a utiliza no atendimento ao cliente.

Uma abordagem híbrida

Até agora descrevemos a estrutura 3C que sustenta o ecossistema de IA generativa da China, mas nossa pesquisa aponta que uma abordagem híbrida de IA — uma integração estratégica de soluções chinesas e ocidentais — está no horizonte. Acreditamos que estamos entrando em uma era em que nenhuma pilha ou ferramenta única de IA generativa dominará.

Os Estados Unidos e a China estão operando ecossistemas paralelos, cada um com diferentes pontos fortes, restrições e prioridades: o sistema chinês está produzindo modelos de alto impacto em grande escala e velocidade. Os sistemas ocidentais permanecem fortes em pesquisa de ponta e na amplitude dos modelos de base. Ao adotar uma abordagem de via dupla, as organizações podem aproveitar o melhor dos dois mundos.

Por exemplo, a Nestlé tem feito parcerias com empresas chinesas como a gigante de e-commerce JD.com, a inovadora de logística Cainiao, a empresa de IA iFlytek, entre outras, para construir soluções de IA locais voltadas para insights do consumidor e inovação de produtos. A empresa descobriu que os LLMs ocidentais são mais eficazes para aplicações em logística e gestão de estoque, mas as plataformas chinesas baseadas em IA ofereceram resultados de maior qualidade em análises de clientes. O uso combinado de tecnologias de IA maximizou a eficiência operacional da Nestlé, preservando sua vantagem competitiva em insights do consumidor. Também ajudou a empresa a navegar em contextos regulatórios complexos e dinâmicas de mercado.

Os inovadores chineses não estão apenas replicando modelos ocidentais; eles estão construindo um ecossistema orientado por propósito, fundamentado em suas necessidades e restrições de mercado únicas.

A Starbucks é outro exemplo. Embora use IA em ambos os mercados, as aplicações são personalizadas e incorporadas a dois ecossistemas distintos. Nos Estados Unidos, a Starbucks se concentra em aprimorar a personalização e a eficiência operacional por meio de plataformas proprietárias, como a Deep Brew. Na China, em contraste, utiliza parcerias com gigantes da tecnologia como a Alibaba para integrar a IA em pedidos digitais e serviços de entrega, em sintonia com o comportamento do consumidor voltado para o mobile. A empresa também criou o Starbucks Innovation and Tech Center em Shenzhen para acelerar o crescimento.

Para lidar com a hibridização da IA, os executivos precisarão compreender tanto as pilhas tecnológicas quanto os regulamentos, além de ter clareza sobre sua própria direção estratégica. Também será necessário enfrentar questões sobre cibersegurança e proteção de dados. Recomendamos que os líderes empresariais comecem adotando os três passos a seguir.

1. Pesquise ambos os ecossistemas de IA.

Acompanhe de perto o que está acontecendo no ecossistema chinês de IA generativa. Soluções únicas e inovadoras já surgiram desse mercado, e outras certamente virão. O desafio para os líderes empresariais ocidentais é manter-se informados: a maioria dos veículos de mídia não chineses cobre apenas os desenvolvimentos mais extraordinários desse mercado. Consequentemente, as empresas precisarão estruturar sistemas para monitorar avanços tecnológicos, regulatórios e de aplicação na China.

Grandes organizações devem considerar explorar parcerias com empresas chinesas de IA para ter acesso direto às últimas novidades e ferramentas. Esse processo de exploração deve incluir uma análise profunda das práticas de compartilhamento e governança de dados desses modelos, bem como das bases regulatórias em que operam.

Você precisará construir uma infraestrutura de inteligência para essa etapa, uma que monitore fontes de notícias chinesas e bilíngues, como Caixin, 36Kr, TechNode e Rest of World. Também é recomendável trabalhar com think tanks especializados, com presença local, para ajudar a analisar, interpretar e comparar os sistemas.

Além disso, será necessário fazer benchmarking dos modelos e casos de uso chineses. Acompanhe as principais plataformas de IA generativa chinesas, como o Ernie Bot da Baidu, o Tongyi Qianwen da Alibaba, o SparkDesk da iFlytek, o Hunyuan da Tencent e o GLM da Zhipu AI. Procure obter experiências práticas em aplicações reais nos setores de varejo, manufatura, educação e serviços públicos. Algumas organizações com as quais trabalhamos já organizam imersões de mercado na China para esse fim.

Por fim, estabeleça parcerias locais e uma rede de scouting tecnológico. Pode ser interessante nomear um pesquisador de inovação local que fale chinês para monitorar o mercado e enviar relatórios. Esse scout deve estar imerso no ecossistema local, participando de grandes eventos como a Shanghai World AI Conference e o ZGC Forum em Pequim.

2. Avalie os sistemas chineses.

Podemos esperar que o ecossistema chinês produza novos modelos de negócios e estratégias de monetização — assim como ocorreu com as tecnologias móveis, em que inovações chinesas como o comércio social, as carteiras digitais e os sistemas de pagamento superaram os desenvolvimentos equivalentes no Ocidente. A competição intensa e a escala desse mercado permitem modelos de negócios que podem não ser viáveis em outros lugares.

Portanto, é fundamental que as empresas estudem atentamente os novos modelos de negócios e estejam prontas para adaptar aqueles que forem mais facilmente transferíveis. (É claro que será necessário compreender a tecnologia fundamental sobre a qual esses modelos se baseiam, já que custos de tokens, exigências de poder computacional, pegada de carbono e escalabilidade dependem da infraestrutura tecnológica subjacente.) A LVMH é um exemplo de multinacional que fez isso. A empresa fez parceria com a Alibaba para aproveitar suas capacidades de IA generativa — incluindo o Qwen LLM e o Model Studio — para localizar e otimizar suas operações de varejo digital na China. Entender e adaptar-se à infraestrutura de IA do país anfitrião gerou vantagens tanto de desempenho quanto de custo para a LVMH.

Ao combinar os modelos de inteligência artificial da China, ágeis e prontos para implantação, com a força em pesquisa e a infraestrutura da tecnologia ocidental, os líderes podem desbloquear novos caminhos para a inovação.

A Procter & Gamble é um exemplo de empresa que utiliza IA na China para criar marketing hiperpersonalizado. A P&G fez parceria com o Douyin para aproveitar o modelo chinês de “e-commerce baseado em interesses”, que combina vídeos curtos, descoberta algorítmica e compra direta. Diferentemente das ferramentas de e-commerce ocidentais, que se concentram em busca e fidelidade à marca, o Douyin aposta em recomendações algorítmicas, compras por impulso e descoberta baseada em entretenimento.

A P&G cocriou produtos com consumidores por meio de ciclos de feedback em transmissões ao vivo e de testes de novas formulações. Os insights obtidos possibilitaram ajustes rápidos em embalagens, preços e mensagens. O modelo dependia da infraestrutura de IA do Douyin para análises, precificação dinâmica e entregas direcionadas — e exigiu que a P&G repensasse os cronogramas de desenvolvimento de produtos e localizasse arquiteturas de dados e pontos de contato com consumidores para alinhar-se à tecnologia do Douyin.

3. Combine sistemas ocidentais e chineses

As empresas podem acabar operando dois modelos e aplicações de IA generativa em paralelo. É provável que companhias globais escolham usar modelos mais acessíveis e familiares, como ChatGPT, Gemini ou Llama, para aplicações que exigem altos níveis de precisão e transparência. Esses modelos podem ser mais adequados para setores como farmacêutico, bancário e governamental, especialmente porque essas áreas demandam desempenho elevado, apresentam custos mais altos e estão sujeitas a exigências regulatórias e de transparência rigorosas.

Já para indústrias como varejo, bens de consumo e mídia, e para tarefas rotineiras como sumarização, codificação básica e atendimento ao cliente, as empresas podem preferir usar modelos chineses de menor custo. A menor pressão regulatória torna esses modelos mais adequados para tais casos de uso.

Por exemplo, a BMW planeja incorporar inteligência artificial da startup chinesa DeepSeek em seus novos modelos de veículos na China ainda este ano. Essa colaboração faz parte da estratégia da BMW de fortalecer parcerias para integrar IA nos veículos; a empresa está aprimorando recursos como o Assistente Pessoal Inteligente para oferecer experiências de uso mais intuitivas, adaptadas ao mercado chinês.

Em abril de 2025, a fornecedora automotiva alemã Bosch anunciou seu primeiro pedido de computadores chineses de alto desempenho, projetados para cockpits veiculares habilitados por IA. O sistema oferece reconhecimento de voz, navegação e assistência ao motorista. A Bosch planeja fabricar mais de 100.000 unidades, demonstrando seu compromisso em atender à alta demanda por tecnologias automotivas baseadas em IA na China.

No longo prazo, podemos ver surgir um ecossistema de IA dual. Mas, ao contrário da versão chinesa da internet, que é inacessível fora da China, pode haver pontes entre esses dois ecossistemas que permitirão às empresas escolher o melhor dos dois mundos.

A China construiu uma pilha paralela de IA generativa — que funciona de maneira diferente, avança rapidamente e atende a um conjunto distinto de necessidades. Ao combinar o melhor dos modelos chineses, ágeis e prontos para implantação, com a força em pesquisa e infraestrutura da tecnologia ocidental, as empresas podem desbloquear novas possibilidades de inovação e crescimento. Não se trata de escolher lados. Trata-se de estar preparado para um futuro multipolar da IA. Agora é a hora de avaliar, formar parcerias e integrar.

Fonte:

Uma versão deste artigo foi publicada na edição de setembro–outubro de 2025 do periódico Harvard Business Review.

Sobre os autores desse artigo:

Amit Joshi é professor de inteligência artificial, análise de dados e estratégia de marketing no IMD. Ele assessora organizações globais na aplicação estratégica de IA e lidera diversos programas executivos sobre IA e estratégia digital.

Mark J. Greeven é professor de inovação em gestão, fala chinês fluentemente e é reitor da Ásia no IMD. Ele assessora organizações globais em ecossistemas digitais e estratégia de IA, com base em duas décadas de pesquisa e colaboração com as principais empresas de tecnologia chinesas.

Sophie Liu é pesquisadora associada do IMD na China.

Kunjian Li é pesquisador em treinamento no IMD e estudante de pós-graduação na Universidade de Chicago.

Artigo traduzido pelo ChatGPT-5.