O professor que virou Uber

Ao vivenciar a experiência de ser motorista do aplicativo, Paul Oyer, de Stanford, descobriu mais detalhes sobre a economia “gig”

O que um economista tem a aprender trabalhando como motorista de Uber? A revista Stanford Business fez essa pergunta ao professor Paul Oyer, que, desde o ano passado, resolveu colocar literalmente as mãos no volante para entender como a plataforma de transporte compartilhado funciona e, assim, se aprofundar nos mecanismos da chamada “economia gig”, baseada em trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício, e nas oportunidades do mundo digital.

Como economista especializado em mercado de trabalho e docente da escola de negócios da Stanford University, Oyer tem se destacado no estudo da economia gig. Quando passou a se dedicar à pesquisa do Uber, percebeu que poderia conhecer o segmento por dentro e compreender melhor o valor da flexibilidade no novo cenário profissional.

“A economia gig tem muitas desvantagens, mas vantagens também. Um das principais é a flexibilidade, ou seja, a possibilidade de trabalhar quando se quer. Agora queremos descobrir, especificamente, como as mulheres valorizam a flexibilidade, em comparação com os homens”, explica.

O professor conta que, embora a pesquisa esteja em suas etapas iniciais, já trouxe descobertas relevantes, como o fato de os motoristas do sexo masculino ganharem cerca de 7% mais do que as mulheres. O que isso significa? “Como o algoritmo do Uber não trabalha com nenhum critério de gênero, nossa hipótese está ligada ao valor da flexibilidade”, diz Oyer. Ou seja, os homens estão mais dispostos a trabalhar à noite ou quando a demanda é maior – e, portanto, com preços mais altos –, enquanto as mulheres preferem os dias de semana no período em que os filhos estão na escola.

“Uma parcela maior dos homens está atrás do dinheiro, enquanto a maioria das mulheres quer conciliar o trabalho com suas outras tarefas”, acrescenta. Além disso, destaca Oyer, os homens costumam dirigir mais horas por semana e permanecem ativos na plataforma por períodos mais longos de tempo. Segundo o professor, a experiência nesse caso de reverte em ganhos financeiros.

DIVERSAS FRENTES

Oyer conta que resolveu se tornar motorista do Uber para investigar possíveis frentes de pesquisa sobre a plataforma. Aprender na prática foi fundamental. “No começo, eu não sabia realmente o que estava fazendo. Não trabalhava de forma estratégica”, lembra. No dia a dia, o professor entendeu, por exemplo, que, embora a economia gig traga o benefício da flexibilidade, envolve muita pressão. Afinal, é preciso decidir ir à luta todos os dias para garantir alguma receita.

“O mesmo vale para outros trabalhos do tipo: se você é um microempreendedor, ninguém vai lhe pagar nada se você não estiver realmente trabalhando”, destaca Oyer. Nesse sentido, como economista, Oyer define a instabilidade como característica do trabalho temporário que é a base na economia gig, e a distingue do conceito de risco. Ele explica: “O trabalhador dessa nova economia precisa desenvolver a capacidade de lidar com as flutuações, o que significa fazer a gestão da carga de trabalho, o que não seria necessário se tivesse um chefe. Também significa gerenciar o fluxo de caixa, que não existe quando há um salário garantido no fim do mês. Isso significa há algum grau de instabilidade, mas não uma tônica de risco”.

No trabalho como motorista de Uber, Oyer conta que viu despertar seu lado competitivo. “Ficava orgulhoso por ser bem avaliado pelos passageiros, mesmo sabendo que era provavelmente por conta de eu estar dirigindo um Audi”, comenta. O professor decidiu, desde o início, doar para a caridade tudo que ganhasse com o Uber, uma vez que já estava sendo remunerado pela universidade e que a atividade era apenas parte de seu trabalho de pesquisa. Mesmo assim, ele relata que, muitas vezes, acabava o dia decepcionado com o resultado das corridas.

PERDAS E GANHOS

Oyer calcula que os profissionais que fazem parte da economia gig ganham aproximadamente 6% a menos por ano do que os empregados. Mas isso acontece, segundo ele, porque essas pessoas acabam trabalhando menos horas, uma vez que seu ganho por hora é cerca de 15% maior.

“Se você está na economia gig por escolha própria, pode cobrar um valor extra por sua hora de trabalho”, diz. O professor acredita também que as plataformas digitais da economia gig, que atuam além das fronteiras entre países, contribuem para reduzir a desigualdade mundial de alguma maneira.

Ele observa que pessoas talentosas de países distantes dos grandes centros têm a oportunidade de trabalhar para grandes empresas globais. Ao mesmo tempo, Oyer não crê que a economia gig esteja agindo como fator importante no aumento da desigualdade entre pessoas com formação escolar e os demais trabalhadores.

“As plataformas que oferecem trabalho temporário podem ser um modo de pessoas sem formação manterem a cabeça fora da água quando perdem o emprego”, ressalta. Oyer vê precariedade quando aponta a dificuldade de acesso a um plano de saúde e à aposentadoria para quem trabalha no modo gig. Mesmo assim, mantém o tom otimista: “À medida que a economia gig crescer, devem surgir políticas públicas que possibilitem às pessoas assegurar esses benefícios por conta própria”.


Fonte: Revista HSM Management 128