A segmentação psicológica — prática de influenciar o comportamento das pessoas a partir da análise de seus rastros digitais, identificação de traços de personalidade e personalização de mensagens — tem gerado controvérsias. Por ter sido usada de forma inadequada para tentar influenciar votos em eleições recentes, alguns a retratam como uma ferramenta de lavagem cerebral. Mas isso é simplesmente um mito, explica Sandra Matz, uma das maiores especialistas no assunto (e que ajudou a revelar o caso nas eleições nos EUA). A segmentação psicológica não consegue mudar mentes de forma radical, diz ela. No entanto, os profissionais de marketing podem usá-la para modificar opiniões e atitudes, gerar demanda onde antes não havia e interagir com os consumidores de maneira muito mais personalizada. Neste artigo, ela descreve como as empresas podem aplicá-la de forma a gerar o máximo valor tanto para elas quanto para seus clientes — respeitando princípios éticos fundamentais.
A segmentação psicológica, prática de influenciar comportamentos por meio de intervenções personalizadas com base em traços de personalidade, ganhou destaque mundial em 2018, quando o envolvimento da Cambridge Analytica na eleição presidencial dos EUA em 2016 se tornou manchete internacional. A empresa teria criado perfis psicológicos de milhões de usuários do Facebook sem o conhecimento deles, direcionando anúncios políticos alarmistas personalizados de acordo com suas vulnerabilidades psicológicas.
Desde então, há muita especulação sobre o que essa abordagem pode ou não pode fazer. Alguns a chamam de próxima fronteira da guerra psicológica, enquanto outros a descartam como uma moda ineficaz do marketing.
Fui uma das primeiras cientistas a estudar essa prática e ajudei a revelar o caso da Cambridge Analytica. Nos últimos dez anos, examinei como é possível transformar os rastros digitais das pessoas — seus perfis em redes sociais, buscas online, registros de gastos, histórico de navegação, postagens em blogs e dados de smartphones, incluindo GPS — em previsões íntimas sobre sua vida interior, utilizando aprendizado de máquina. Explorei como esses insights podem ser usados para influenciar opiniões e mudar comportamentos. E sugeri formas de implementar essa técnica de maneira ética.
A Cambridge Analytica foi encerrada em meio à polêmica sobre suas práticas de coleta de dados e persuasão, mas a segmentação psicológica como serviço continua ativa e crescendo. Sei disso porque recebo com frequência pedidos de consultoria de empresas interessadas em implementar essa abordagem e de startups que querem entrar nesse mercado. Embora apresentem narrativas ligeiramente diferentes, seus objetivos geralmente são os mesmos: gerar valor para os negócios e seus públicos, aproveitando as necessidades e motivações psicológicas das pessoas.
Neste artigo, explicarei com mais clareza do que a segmentação psicológica é realmente capaz e oferecerei orientações sobre como usá-la de forma ética e eficaz, maximizando os benefícios tanto para as empresas quanto para os consumidores.
O que é exatamente segmentação psicológica?
Comecemos desmistificando uma ideia persistente: a segmentação psicológica não é a máquina de lavagem cerebral que a Cambridge Analytica sugeriu ser. Mesmo com o mais preciso entendimento do perfil psicológico de alguém, é improvável que você consiga transformar um eleitor convicto de Hillary Clinton em um apoiador de Donald Trump, ou converter um fã de iOS em um entusiasta do Android. Mas isso não significa que ela não tenha influência. Minhas pesquisas (e as de outros na área) apontam todas na mesma direção: a segmentação psicológica é uma ferramenta de marketing eficaz. Pode ser usada para modificar opiniões e atitudes, gerar demanda onde antes não existia e interagir com os consumidores de maneira mais pessoal do que nunca.
A segmentação psicológica é qualitativamente diferente da segmentação psicográfica, que foi muito promovida no final dos anos 1970, mas não entregou o que prometia. A abordagem psicográfica tradicional se baseava na intuição de profissionais de marketing para definir personas representando segmentos de clientes com base em suas opiniões, atitudes e estilos de vida. Já a segmentação psicológica se baseia em modelos validados da psicologia que capturam diferenças fundamentais na forma como as pessoas pensam, sentem e se comportam.
O mais popular desses modelos é o Big Five, também conhecido como modelo OCEAN, que mede cinco dimensões: abertura a novas experiências, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e neuroticismo. Embora existam muitas outras dimensões que possam ser úteis — como valores pessoais, motivações ou fundamentos morais —, o modelo Big Five domina tanto a pesquisa quanto a prática.
O Big Five é um excelente ponto de partida porque permite prever as preferências das pessoas por produtos e marcas. Um projeto que realizei com colegas comprova isso. Em 2016, colaboramos com um grande banco internacional no Reino Unido para estudar os hábitos de consumo de alguns clientes. Tivemos acesso aos perfis de personalidade declarados pelos próprios clientes e a informações de todas as transações realizadas nos seis meses anteriores. Como esperado, o padrão de gastos se agrupava conforme os traços de personalidade. Extrovertidos, por exemplo, tendiam a gastar mais em restaurantes e bares, enquanto introvertidos compravam mais eletrodomésticos e livros. Pessoas conscienciosas investiam em poupança e roupas infantis, enquanto seus pares menos organizados gastavam mais com comida pronta e celulares. Além disso, os clientes cujos padrões de consumo estavam mais alinhados ao seu perfil de personalidade relataram maior satisfação com a vida.
Os tipos de personalidade também ajudam a prever a preferência por estilos de mensagens e comunicação de marketing. Pessoas conscienciosas, por exemplo, gostam de números e detalhes, enquanto as menos organizadas podem ser mais influenciadas por boas histórias. Enquanto pessoas mais abertas a experiências tendem a se impressionar com visuais chamativos e linguagem elaborada, indivíduos mais convencionais respondem melhor a gráficos simples e linguagem básica e respeitosa.
A aplicação em larga escala da segmentação psicológica se tornou possível com a explosão de dados de consumidores acessíveis e baratos. Basta considerar que, em apenas um minuto, os clientes da Amazon gastam 283 mil dólares, o Facebook recebe 44 milhões de visualizações, o YouTube transmite 694 mil horas de vídeo, os usuários do Instagram compartilham 65 mil fotos, e o Venmo movimenta 304 mil dólares em transações, segundo a Domo.com. Embora muitas empresas tenham rapidamente encontrado maneiras de usar esses dados para prever o comportamento e as preferências dos consumidores (“Pessoas que compraram o produto X também compraram o Y”), sua capacidade de compreender verdadeiramente as necessidades e motivações dos clientes ainda era limitada. Elas não sabiam, por exemplo, por que os clientes que compraram X também compraram Y — ou o que os motivaria a comprar Z.
A segmentação psicológica promete mudar isso, permitindo que as empresas traduzam dados comportamentais em perfis de personalidade individuais. Como isso se aplica na prática? Um dos meus primeiros parceiros no setor foi a rede Hilton Hotels & Resorts, que queria usar a segmentação psicológica para criar jornadas mais ricas e personalizadas para os clientes. Atuando como consultores pagos, minha equipe de pesquisa desenvolveu um aplicativo que permitia aos usuários conectar seus perfis do Facebook a um dos nossos algoritmos preditivos e receber um perfil de viajante personalizado com recomendações de férias. Por exemplo, se o algoritmo identificasse que o cliente era introvertido, ele receberia um perfil de “solitário”, com sugestões de destinos tranquilos e relaxantes. Se fosse identificado como neurótico, oferecíamos um pacote de “tudo incluso”, com recomendações de férias sem preocupações, nas quais nada fosse deixado ao acaso. A campanha, que alcançou 60 mil usuários em três meses, foi um sucesso. A Hilton ganhou um prêmio da Chartered Institute of Marketing pela campanha de marketing de viagem mais inovadora, e as maiores taxas de cliques e engajamento social significaram maior retorno sobre o investimento e visibilidade da marca para a empresa.
Em outro estudo, fizemos parceria com uma varejista de cosméticos para otimizar suas campanhas de anúncios no Facebook e aumentar as compras em sua loja online. Embora o Facebook não permita que os anunciantes segmentem diretamente com base em traços de personalidade, sua opção de segmentação por interesses permite que isso seja feito indiretamente. Se gostar de mangá estiver ligado à introversão, então segmentar pessoas que seguem mangá no Facebook permite, de forma eficaz, atingir introvertidos (e talvez alguns extrovertidos incompreendidos).
Decidimos adaptar as mensagens às necessidades e motivações psicológicas das mulheres. Um conjunto de anúncios falava ao desejo dos extrovertidos por estímulo, excitação e atenção, enquanto outro conjunto explorava o desejo dos introvertidos por momentos de tranquilidade e qualidade com elas mesmas. Os anúncios voltados aos extrovertidos eram coloridos, mostravam mulheres em ambientes sociais (como no meio de uma pista de dança) e faziam alusão à necessidade de serem vistas (“Dance como se ninguém estivesse olhando, mas todo mundo está”). Já os anúncios voltados aos introvertidos eram sutis, mostravam uma única mulher em um contexto pacífico (usando uma máscara facial relaxante) e sugeriam seu perfil reservado na legenda (“A beleza não precisa gritar”). Os anúncios personalizados com base na personalidade foram 50% mais eficazes em atrair compras e gerar receita do que os que não foram personalizados.
Como fazer do jeito certo
Ao longo dos anos, minha equipe e eu testamos diversas variações da segmentação psicológica, experimentando tanto sucessos quanto fracassos — e aprendendo com ambos. Aqui estão nossas recomendações para lançar um programa de segmentação psicológica.
Pergunte-se: realmente precisamos de segmentação psicológica?
Talvez outras abordagens sejam mais adequadas. Se o objetivo for simplesmente prever o que um cliente vai comprar, por exemplo, não é necessário conhecer seu perfil psicológico. Na verdade, incorporá-lo pode até reduzir a precisão das previsões, adicionando ruído em duas etapas: a tradução dos rastros digitais em insights psicológicos (nenhum modelo é perfeito) e a tradução desses insights em intenções de compra. Ao adotar a abordagem mais simples de tentar ligar comportamentos passados a preferências futuras (quem compra X também compra Y), existe apenas um ponto onde podem ocorrer erros.
No entanto, há duas situações em que o entendimento psicológico é extremamente valioso. A primeira é quando a empresa está lidando com novos clientes. Nesses casos, praticamente não há informações sobre o comportamento passado dessas pessoas. Chamamos isso de “problema do início frio”. A vantagem dos traços psicológicos é que eles são independentes do contexto em que são avaliados. Não importa se uma empresa prevê o nível de extroversão de um cliente com base em postagens no Facebook ou Twitter, padrões de gastos no cartão de crédito, histórico de compras ou registros de GPS. Desconsiderando erros de medição, a avaliação da personalidade, da qual se podem inferir preferências de compra, deve ser aproximadamente a mesma. Um varejista online, por exemplo, poderia pedir que novos clientes fizessem login com o Facebook, usar os curtidas e publicações para prever quem é extrovertido e recomendar produtos que agradem a esse perfil. Com o tempo, à medida que mais dados de compras forem coletados, seria possível abandonar os insights de personalidade e focar apenas em previsões baseadas em comportamento.
O segundo cenário é o da criação de materiais de marketing personalizados. Afinal, o marketing trata tanto de como comunicamos o valor de um produto quanto do produto em si. Quanto mais os profissionais de marketing entenderem por que alguém pode se interessar por determinado produto, melhor poderão adaptar o conteúdo criativo a esses interesses. Imagine que você está vendendo flores. Entender se alguém quer comprar um buquê como presente surpresa para outra pessoa (um sinal de afabilidade), para se sentir mais calmo e relaxado em casa (introversão e neuroticismo), ou para dar um toque estético ao escritório (abertura a novas experiências) permite personalizar a mensagem de forma apropriada.
Crie uma experiência do cliente holística
É verdade que a tecnologia digital permite coletar mais dados do consumidor do que nunca. Mas também é verdade que personalizar a experiência do cliente costuma ser mais fácil presencialmente. Um funcionário bem treinado na linha de frente pode ter muita liberdade para atender às necessidades do cliente. Pense, por exemplo, no concierge de hotel que ouve um hóspede elogiando uma padaria local e depois o surpreende com uma caixa de doces no quarto. A maioria das pessoas é razoavelmente boa em deduzir traços psicológicos de quem mal conhece e em usar esses insights em suas interações.
A personalização online e a offline são valiosas, mas muitas vezes parecem desconectadas. Pegue o caso das lojas de departamento. Elas coletam dados comportamentais para fazer recomendações e enviar ofertas personalizadas por e-mail. Porém, ao entrar em uma de suas unidades físicas, um vendedor tenta entender sua personalidade e humor para atendê-lo melhor. Mas esses dois pontos de contato não estão integrados: o vendedor e os profissionais de marketing digital nunca se comunicam.
A segmentação psicológica pode unir esses dois mundos. Ao fornecer insights que podem ser compreendidos tanto por algoritmos quanto por humanos, ela possibilita um “serviço de concierge” consistente em todos os canais. Independentemente de o contato com o cliente ocorrer pela loja online ou com um atendente, ele pode ser tratado da mesma maneira. Um algoritmo de loja de departamento, por exemplo, poderia identificar se o cliente é extrovertido ou neurótico e ajustar tanto as recomendações quanto o conteúdo de e-mails promocionais. Também poderia repassar esse conhecimento à equipe da loja física para melhorar a experiência presencial do cliente (avisando, por exemplo, “Não puxe conversa com esta cliente; ela é introvertida” ou “Não sobrecarregue este cliente com opções e lembre-o da política de devolução; ele é neurótico”).
Eventualmente, a tecnologia poderá decifrar as necessidades dos consumidores e criar automaticamente experiências adequadas. Com o tempo, um computador que experimenta milhares de variações de anúncios ou interações em loja pode desenvolver um nível de “intuição humana” superior ao de qualquer pessoa real. A inteligência artificial já está surpreendentemente avançada. Veja o exemplo do texto publicitário gerado pelo GPT-3, um algoritmo da OpenAI, quando pedi recentemente que criasse um anúncio de iPhone voltado a extrovertidos: “Procurando um celular que mantenha você conectado com os amigos e sempre entretido? Não procure mais: o iPhone é a escolha ideal! Com seus aplicativos de redes sociais integrados e inúmeras opções de jogos e streaming, você nunca mais vai ficar entediado.”
Ajude seus clientes a descobrir novas opções
Com frequência, os consumidores enfrentam um dilema entre explorar novas opções e manter o que já conhecem. Devem escolher aquilo que já conhecem e gostam (“exploração do conhecido”) ou se arriscar em algo novo que pode ser ainda melhor (“exploração do desconhecido”)? O mesmo corte de cabelo ou um novo visual? O bar favorito no terraço ou um speakeasy recém-descoberto? Férias de sempre à beira-mar ou uma nova aventura?
O marketing personalizado geralmente se concentra em ajudar os consumidores a explorar o que já conhecem, oferecendo mais daquilo que eles já gostam. Se você pesquisou por uma câmera Sony Alpha DSLR, os algoritmos preditivos tentarão vender não só essa câmera, mas também todos os acessórios e equipamentos relacionados. Essa abordagem pode ajudar o cliente a encontrar o que precisa no vasto mar de conteúdo da internet. E, muitas vezes, tudo o que os consumidores querem é encontrar o que procuram de forma prática.
Mas focar exclusivamente na exploração pode ser limitante. Às vezes, os clientes preferem receber recomendações de produtos fora de sua zona de conforto, que lhes permitam experimentar algo novo. A segmentação psicológica permite que as empresas ofereçam essa possibilidade. Em vez de usar a busca por uma câmera Sony Alpha DSLR como um dado direto para segmentação, por exemplo, um algoritmo poderia interpretá-la como um sinal de abertura à novas experiências e sugerir uma gama de produtos novos, mas ainda assim relevantes. Em vez de um conjunto de baterias extras ou um tripé, que tal tinta acrílica ou um livro sobre filosofia?
Coloque a ética no centro das decisões.
A falência da Cambridge Analytica — que adotou uma abordagem de “cavalo de Troia”, acessando os perfis do Facebook de milhões de usuários desavisados por meio das contas de seus amigos e construindo perfis psicológicos sem seu conhecimento — é um alerta para empresas que considerem aplicar segmentação psicológica sem consentimento. Mas usá-la de forma ética não é apenas o certo a fazer e uma maneira de evitar reações negativas. Com as mudanças no cenário regulatório e grandes empresas como a Apple limitando o acesso a dados de terceiros, isso pode em breve se tornar também o modelo de negócio mais promissor e o único meio viável de acesso a dados de consumidores.
O objetivo não deve ser que seus esforços de personalização passem despercebidos — e sim que sejam reconhecidos e valorizados pelos clientes.
Como cientistas, meus colegas e eu somos obrigados a seguir princípios éticos básicos em nossas pesquisas. Os mesmos princípios devem servir de base para os profissionais do setor corporativo também.
Respeito pelas pessoas: proteger e preservar a autonomia dos consumidores e tratá-los com respeito.
Beneficência: seguir a filosofia do “não causar dano”, maximizando os benefícios para os consumidores e para a sociedade, e minimizando os riscos para todos.
Justiça: adotar procedimentos razoáveis e não exploratórios que sejam aplicados de maneira justa (por exemplo, garantindo que todos os clientes se beneficiem igualmente).
Esses princípios são suficientemente amplos para permitir que as empresas os adaptem às suas práticas diárias. Agora vejamos como eles podem ser traduzidos em diretrizes práticas, usando nosso projeto com a rede Hilton como exemplo.
Mantenha os consumidores informados.
A Hilton envolveu seus clientes em todas as etapas do processo. Eles foram informados — em linguagem simples — exatamente quais dados seriam coletados de seus perfis no Facebook (por exemplo, os “curtidas”) e, mais importante, como esses dados seriam usados. A Hilton também explicou quais previsões seriam feitas com base nesses dados e garantiu que nenhuma informação seria repassada a terceiros. Esse tipo de transparência deveria ser prática padrão. Indo além, as empresas também poderiam permitir que os clientes interajam com seus próprios perfis de personalidade e os corrijam. Por quê? Primeiro, isso gera confiança, promovendo o engajamento e a fidelidade de longo prazo. Mas, igualmente importante, previsões nunca são perfeitas. Ao transformar o processo de criação de perfil em uma via de mão dupla, os próprios clientes podem corrigir erros — uma maneira fácil de melhorar a qualidade dos insights.
Levando isso ao extremo, seria possível substituir a coleta automatizada de traços psicológicos por questionários mais envolventes. Em vez de fazer suposições, por que não perguntar aos consumidores como eles se enxergam? Ou até mesmo quem eles gostariam de se tornar com a ajuda de seus produtos e serviços? Essa abordagem geralmente não é viável com clientes em potencial, mas certamente funciona com clientes já existentes.
Torne a personalização parte essencial da sua proposta de valor.
Se você pedir dados às pessoas, ofereça o máximo de valor e insights possível em troca. O objetivo do aplicativo de viagens da Hilton era aumentar o engajamento dos clientes e, assim, os lucros. Mas o produto também oferecia sugestões de estadias mais agradáveis e interessantes, além de insights sobre as preferências de viagem dos usuários. O objetivo não deve ser que os esforços de personalização passem despercebidos — mas sim que sejam reconhecidos e valorizados pelos clientes. Isso será muito mais fácil de alcançar se você abandonar os processos de opt-out e adotar mecanismos de opt-in que tornem a privacidade o padrão e exijam que os benefícios do compartilhamento de dados sejam claramente explicados.
Colete apenas os dados essenciais.
Pense nos dados como material radioativo. Recolha apenas o mínimo necessário e retenha os dados pelo menor tempo possível. Desde o início, a Hilton concordou que receberia apenas os perfis de personalidade dos usuários, e não os dados brutos extraídos do Facebook com o consentimento dos usuários. Esses dados foram processados por um aplicativo desenvolvido em nosso laboratório e deletados imediatamente após deixarem de ser necessários. Hoje, muitas tecnologias novas (por exemplo, o chamado aprendizado federado) já permitem que uma empresa obtenha os insights que precisa sem coletar diretamente os dados que os originaram.
Faça um teste de consciência.
Antes de lançarmos o aplicativo de viagens da Hilton, realizamos diversos grupos focais com clientes já existentes para avaliar suas reações. Mas mesmo que você não possa organizar esses grupos, ainda assim pode fazer um exercício simples: pergunte a si mesmo como se sentiria se pessoas queridas (seus filhos, parceiro ou amigos próximos) usassem o produto ou serviço que você está desenvolvendo e compartilhassem seus dados pessoais em troca. Se essa ideia causa desconforto, há algo errado, e talvez seja necessário rever o projeto. Ou então, adote o teste da “primeira página do jornal”, proposto por Warren Buffett: se o jornal da sua cidade publicasse uma matéria de capa sobre o uso que sua empresa faz da segmentação psicológica, e seus familiares, amigos e vizinhos lessem a reportagem, como você reagiria?
Não se concentre apenas em vender.
Nossa equipe de pesquisa demonstrou que a segmentação psicológica pode fazer mais do que ajudar a vender produtos de consumo — ela pode ser uma poderosa ferramenta de “influência positiva”, capaz de ajudar as pessoas a melhorar suas vidas. Por exemplo, em parceria com a SaverLife — uma organização sem fins lucrativos dos EUA que criou uma plataforma para ajudar pessoas de baixa renda a desenvolver hábitos de poupança de longo prazo — identificamos o traço de personalidade mais relevante de cada usuário (com base no modelo OCEAN) e adaptamos as mensagens enviadas a eles em um desafio (como “Economize 100 dólares em quatro semanas”). Pessoas com traços de personalidade mais solidários (alta amabilidade) receberam mensagens como “Poupe para construir um futuro melhor para quem você ama!”. Já os mais competitivos (baixa amabilidade) receberam incentivos como “Cada centavo poupado coloca você um passo à frente!”. Na condição de controle, que usava a melhor mensagem já testada pela SaverLife até então, 7,4% dos usuários alcançaram a meta. Na condição com mensagens personalizadas psicologicamente, esse número subiu para 11,5% — um aumento de 55%.
As empresas poderiam até mesmo combinar objetivos lucrativos com ações de responsabilidade social. Por exemplo, a Hilton poderia usar perfis psicológicos para incentivar os clientes a reduzir o consumo de água ou participar de atividades locais voltadas ao ecoturismo. Já uma empresa de bens de consumo poderia lançar campanhas direcionadas psicologicamente para incentivar o descarte correto de embalagens.
O que todas essas diretrizes têm em comum é que não se limitam a perguntar “Isso é legal?”, mas sim “Isso é ético?” e “É o certo a se fazer?”. Você talvez nem sempre consiga alcançar os mais altos padrões éticos, mas, se não os estabelecer desde o início, certamente nunca os atingirá.
Quando comecei a estudar segmentação psicológica, há cerca de uma década, a única forma de aplicá-la era fazer todo o trabalho de análise e tratamento de dados por conta própria. Era necessário coletar um conjunto de dados que combinasse rastros digitais com perfis de personalidade auto relatados, treinar e validar os próprios modelos preditivos e — na maioria dos casos — conduzir as próprias pesquisas sobre como se comunicar de forma mais eficaz com pessoas de determinado perfil. Hoje, não é mais preciso fazer nada disso. Cada vez mais serviços oferecem essa solução completa — ou pelo menos uma parte significativa dela. Para a maioria das empresas, uma parceria com fornecedores externos faz sentido. Mas é importante ser um comprador consciente — entender o que a segmentação psicológica oferece além das ferramentas tradicionais de marketing, o que ela pode e o que não pode fazer, e, acima de tudo, como utilizá-la de forma ética, sem afastar seus clientes.
Fonte:
Uma versão deste artigo foi publicada na edição de março–abril de 2023 da Harvard Business Review. Tradução realizada pelo ChatGPT 4.
Sobre a autora:
Sandra Matz é Professora Associada de Negócios na Columbia Business School. Como cientista social computacional, ela estuda o comportamento e as preferências humanas utilizando uma combinação de análise de big data e métodos experimentais tradicionais.