Quando construir, colaborar e comprar

Em entrevista, o especialista em estratégia da Rotman School, Will Mitchell, diz que o novo modo de crescer passa por escolher um desses caminhos caso a caso, abandonando o paradigma “construir ou comprar”

O último livro do especialista em estratégia Will Mitchell, da Fuqua School of Business, Build, Borrow, or Buy (ed. Harvard Business School Press), começa com uma declaração de impacto: é falho o modo como empresas vêm buscando os recursos de que precisam para crescer. Isso explica por que, mesmo com excelência de execução, muitas fracassam na estratégia. Qual é o problema?

Segundo Mitchell, que também é professor-visitante da Rotman School, do Canadá, os gestores se mantêm presos ao ultrapassado modelo “construir ou comprar”. “Esse modelo rezava o seguinte: ‘Vamos fazer o que exigir especialização e comprar o que é comoditizado’.”

Agora, para poder crescer, é necessário um framework distinto, de acordo com ele. Há que se dominar a habilidade da integração da cadeia de valor, montando um portfólio equilibrado de atividades de construir-colaborar-comprar. “Esse novo modelo diz: ‘Vamos comprar o que é comoditizado, mas construir parte das coisas que exigem especialização e trabalhar com empresas do mundo todo que sejam ainda melhores do que nós na produção de coisas especializadas. E ficaremos com boa parte do valor agregado ao unir todas essas peças’.”

Nesta entrevista, indagado sobre exemplos de empresas que usam o modelo “construir-colaborar-comprar” e geram valor constantemente, Mitchell cita da Apple à brasileira Embraer.

Por que o sr. diz que as empresas tentam crescer do modo errado?

Uma organização está sempre em busca de novas tecnologias, novos mercados, novos modelos de negócio, novas técnicas de produção, novos produtos. A maioria é boa na arte de detectar oportunidades. Quando opta por algo, a empresa pesa as alternativas –fazer a coisa por conta própria, encontrar a colaboração de alguém ou comprar outra empresa– e, na sequência, gasta energia para que tudo saia como planejado.

Minha tese é que há um passo importante anterior a tudo isso: antes de se matar para fazer algo funcionar, é preciso que a empresa tenha certeza de que aquele é o melhor modo de ter acesso à tecnologia, ao modelo de negócio ou ao produto desejado. Se acertar nessa escolha, há boa possibilidade de que a implementação corra bem; já se escolher o método errado, por mais que você se esforce, a empreitada pode naufragar.

O que o sr. quer dizer com os termos “construir”, “colaborar” e “comprar”?

No caso de “construir”, a ideia da estratégia é aplicar um modelo de decisão bastante simples, que diz: “Sob certas condições, faz sentido agirmos sozinhos”. Se a empresa tem domínio suficiente da tecnologia e não há conflito entre esta e a organização, produzir internamente é uma boa saída: é mais rápido, em geral é mais barato e você vai ter mais controle do processo.

Agora, se nada disso for verdade –se houver uma distância muito grande entre os recursos que a empresa já possui ou se a distância for curta, mas a mudança no modelo de negócio potencialmente criar muito conflito–, faz mais sentido uma estratégia de lançar os olhos para fora da organização, o que nos leva ao reino do “colaborar” ou “tomar emprestado”.

Há duas modalidades de colaboração: licenciamento e aliança. A estratégia do licenciamento serve para coisas simples e básicas; nela, ambas as partes podem descrever a relação de maneira clara e o regime de propriedade intelectual é forte o suficiente para proteger um contrato. Cumpridas essas duas condições –clareza e segurança–, meu conselho é que se opte mesmo pela colaboração do tipo licenciamento.

Caso contrário, pense em uma aliança. No entanto, só faça uma aliança se o número de pontos de contato for pequeno o bastante para não sobrecarregar a organização. Às vezes, a aliança com outra empresa envolve tanta gente que o negócio se torna inadministrável: as metas não são compatíveis, o tempo não é compatível. E aí, naturalmente, não dá certo. Quando a colaboração for descartada, pense em “comprar”.

Mas o sr. diz para ter cuidado com fusões e aquisições. Em que situações isso vale a pena?

Comprar é a opção mais badalada, pois gera muita publicidade e envolve muito dinheiro. É, portanto, o tipo de estratégia na qual o presidente e altos executivos gostam de pensar. E, para ser sincero, não conheço nenhuma empresa que, a certa altura –e bem antes do que pensa–, não terá de cogitar seriamente a opção de comprar se quiser permanecer no mercado.

O que estou dizendo é que essa alternativa só deve ser levada em conta depois de descartadas as outras duas –e somente se a empresa achar que tem um plano de integração viável. E não caia na cilada de achar que nada mais vai funcionar, que essa é a única saída.

Por que tanta gente descarta a opção de tomar emprestado?

É que detestamos a ideia de entregar dinheiro a outro. Nosso raciocínio costuma ser o seguinte: “Se fizermos algo com um parceiro para vender por 10, vamos ficar com 5 e ele, com os outros 5. Já se fizermos tudo sozinhos, vamos ganhar 10”.

O que as pessoas esquecem é que, em certos casos, ao fazerem algo com outra pessoa, a coisa não vai valer 10, mas 20, e que, se fizerem por conta própria, não vai valer 10, mas 5 –e isso com sorte. O que você prefere: 5 ou metade de 20?

Dou um exemplo. O laboratório Eli Lilly fez uma parceria com a empresa de biotecnologia Icos para desenvolver o comprimido para disfunção erétil Cialis. Foi uma tacada astuta, pois, embora não tivesse muito know-how naquela área, a Eli Lilly sabia que a oportunidade de mercado era boa e também que, se trouxesse gente de fora para explorar sozinha a oportunidade, a equipe ficaria perdida ali dentro.

O que o laboratório fez, portanto, foi estabelecer uma relação com a Icos e administrar muito bem a parceria até lançar o Cialis, que teve enorme sucesso no mercado. Mas não foi só. Depois de analisar bem o produto, a Eli Lilly concluiu que a molécula era um verdadeiro achado, pois, além de tratar a disfunção erétil, podia ser usada para o câncer –uma das principais áreas de investigação do laboratório.

Pegar um produto de um espaço periférico como a disfunção erétil e usá-lo na área de oncologia foi espetacular, mas também complicou demais as coisas. Como já não dava para seguir trabalhando só com uma parceria, a Eli Lilly acabou comprando a Icos.

O sr. costuma escrever sobre os muitos erros que uma empresa pode cometer na tentativa de crescer, incluindo certa “cilada da implementação”. O que é isso, exatamente?

De certo modo, isso remete a Peter Drucker, que alertou para a energia que se gasta em “fazer bem a coisa errada”. O laboratório Schering Plough, por exemplo, cavou a própria cova ao fazer o possível e o impossível para criar um medicamento que ocupasse o espaço deixado pelo Claritin, com o qual a empresa fundara a categoria do anti-histamínico que não dá sono.

A companhia desenvolveu o novo fármaco nos próprios laboratórios, montou um sistema para a comercialização do produto, fez uma campanha publicitária voltada diretamente para o consumidor antes mesmo que esse tipo de publicidade fosse permitido [nos EUA], sabia que a patente [do Claritin] estava prestes a expirar e que precisava de um substituto e gastou milhões e milhões de dólares em um produto chamado Clarinex –que, de tão parecido com o Claritin, não tinha nenhuma chance de emplacar. O Clarinex até rendeu algo, mas nada que se aproximasse do modelo do Claritin. A Schering Plough simplesmente ignorou a oportunidade de licenciar outro fármaco ou de comprar outra coisa.

No livro, o sr. lembra o caso de fabricantes de locomotivas a vapor, que, diante da ameaça do motor a diesel, passaram a fazer locomotivas a vapor ainda melhores. Há algum equivalente nos dias atuais?

Fabricantes de computadores, quem sabe? Há um monte de empresas se matando para produzir micros caprichados, ainda que o computador de mesa esteja sendo desbancado pelo notebook. Qual o valor de lançar uma nova versão do micro quando o notebook está tomando conta do mercado? E mais: várias empresas estão suando a camisa para fabricar ótimos notebooks, mas hoje muita gente nem compra mais um aparelho desses, pois pode fazer tudo o que precisa com um BlackBerry ou, o que é mais provável, com um celular com sistema Android.

A comparação da Apple com a BlackBerry é muito comum. Esse caso traz lições para a decisão de construir, tomar emprestado ou comprar?

A Apple é uma das melhores integradoras da cadeia de valor do mundo, o que significa, basicamente, que sabe quando construir, quando colaborar e quando comprar, e ela sabe tanto definir qual a melhor opção em cada caso como executá-la.

Na estratégia de integração da cadeia de valor, a empresa diz o seguinte: “Há uma fase de pesquisa, uma fase de desenvolvimento, prototipagem, atividades de produção; em diversos setores, há a atividade regulatória, há marketing, há distribuição, há atendimento.

Podemos encarar cada passo desses como uma atividade isolada, e administrar a transição entre uma e outra, ou ver a coisa como algo que fazemos nós mesmos, em parte ou na totalidade.

A alternativa é tentar achar empresas de primeira linha no mundo todo para cuidar de cada aspecto desses e criar valor dando nós mesmos algum passo –talvez mais de um, um subconjunto de passos– e integrar tudo”. Aqui, a empresa é a coordenadora.

A Apple é espetacular nisso que chamo de integração da cadeia de valor, porque é questão, basicamente, de definir o que deve ser feito na própria empresa e o que precisa vir de fora dela. O modelo “construir ou comprar” rezava o seguinte: “Vamos fazer o que exigir especialização e comprar o que é comoditizado”. Já esse diz: “Vamos comprar o que é comoditizado, mas fazer parte das coisas que exigem especialização e trabalhar com empresas do mundo todo que sejam ainda melhores do que nós na produção de coisas especializadas. E ficaremos com boa parte do valor agregado ao unir todas essas peças”.

A Apple não é a única que se destaca nisso: na indústria aeronáutica, Boeing, Airbus, Bombardier e Embraer fazem o mesmo. No setor farmacêutico, as empresas que se dão bem são, cada vez mais, aquelas que não tentam fazer tudo sozinhas, mas que montam cadeias de valor. A RIM/BlackBerry, de aparelhos celulares, é um exemplo de empresa que insistiu por tempo demais em fazer as coisas no tradicional modelo “construir ou comprar”.

O sr. afirma que vender pode ser tão importante quanto comprar. Na busca do crescimento, qual o papel do desinvestimento?

É simples: livrar a empresa de coisas que não estejam contribuindo para sua visão naquele momento. É preciso desfazer-se das coisas que não contribuem mais e das que nunca contribuíram para nada, seja porque não deram certo, seja porque vieram com a compra de outra coisa e acabaram esquecidas ali.

A economia japonesa está há 15 anos em recessão, em parte porque empresas que ficaram muito fortes chegaram ao palco mundial e se recusam a abandonar certas atividades, pelo menos no Japão. Também tem a ver com orgulho e com a percepção de que, ao se desfazer de determinados negócios, muita gente vai perder o emprego, algo indesejado do ponto de vista social. Mas a empresa fica inchada, com uma série de operações que não funcionam bem, embora, isoladamente, possam ter força. Quando não se encaixam no todo, é melhor repassá- las a quem gere mais valor.

Na hora de tentar definir como crescer, que perguntas uma empresa deve se fazer?

Perguntas básicas de estratégia: no momento, qual nossa visão para atingir as metas traçadas para o horizonte de tempo relevante (três, cinco, dez anos)? E, tendo em vista esse horizonte, onde estão as oportunidades realmente expressivas? Quais as grandes áreas nas quais vamos investir? O que já temos que vai contribuir para tal? E que coisas podemos explorar para tornar essa oportunidade ainda mais interessante e forte?

Estou cada vez mais convencido de que empresas que se tornam viáveis em longo prazo são aquelas que, com o decorrer do tempo, adquiriram a capacidade de montar um portfólio de atividades de construir-colaborar-comprar e que o fazem de um jeito que acompanha a evolução daquilo que são como empresas, do valor que querem entregar a seu público. Grandes organizações sabem que valor podem oferecer –valor pelo qual os clientes se dispõem a pagar. E nunca ficam presas ao valor de ontem: estão constantemente criando valor.

Saiba mais sobre o entrevistado Willl Mitchell

Will Mitchell é professor da Fuqua School of Business, da Duke University, EUA, especializado em estratégia e mudança, e professor-visitante de gestão de estratégia da Rotman School of Management, da University of Toronto, Canadá. Seu livro Build, Borrow, or Buy: Solving the Growth Dilemma (ed. Harvard Business School Press), lançado em 2012 em coautoria com Laurence Capron, do francês Insead, mudou a direção do pensamento estratégico, segundo parte da mídia especializada. Enquanto os livros de estratégia mais recentes enfatizam a importância da execução, a obra de Mitchell comprova que uma empresa pode ter excelência em execução e, ainda assim, fracassar, se escolher o caminho errado no que tange aos recursos.


Fonte: Revista HSM Management, com entrevista realizada por Jessica Leigh Johnston, publicada originalmente na Rotman Magazine.