Por que as empresas são o que são

Os vikings, os celtas, os gregos, os egípcios, os maias… Narramos a história de nossa civilização por meio da descrição de povos e suas conquistas, suas derrotas, seu legado. Povos foram reconhecidos por sua intelectualidade (como os gregos), por seu espírito inovador (como os maias), por sua disciplina (como os espartanos), por seu espírito conquistador (como os vikings). E as empresas? Por que elas são o que são?

Movidos por um código genético que definiu sua condição de vencedores ou perdedores, povos mantinham-se competitivos por décadas ou mesmo séculos, dependendo da natureza de seu DNA (não o biológico), mas o coletivo, que conecta indivíduos, cria um tecido social e determina a razão de ser da comunidade. Sabemos que o comportamento empresarial é resultado do comportamento do coletivo de indivíduos. Verificar, atestar, observar esse comportamento é somente o início da descoberta do motivo pelo qual certas empresas duram mais que outras e algumas vencem enquanto outras perdem.

Como é o DNA de uma empresa?

Organizações e negócios são criados e administrados por indivíduos. Seus valores, crenças e habilidades formam o material genético, o DNA empresarial. Quando as empresas agem, elas são movidas por seu DNA. Nos últimos 15 anos, procuramos entender o que as fazia se mover ou não, ir em frente ou desistir, alcançar objetivos ou fracassar, superar obstáculos ou tombar, arriscar ou não. Chegamos à conclusão de que o código genético empresarial pode possui seis componentes.

  1. Força motriz
  2. Ambição
  3. Paixão
  4. Realização
  5. Inovação
  6. Ética

Força motriz

A força motriz é o gene dominante. É o que move pessoas e organizações inconscientemente. Em empresas que duram, esse gene é formado ao longo de anos, décadas. Em geral, a pedra fundamental, a essência, a razão de ser da empresa é estabelecida pelos fundadores e internalizada, com o passar do tempo, por meio de ações e comportamentos que reforçam a essência, a razão de ser.

A Gillette é absolutamente obcecada por aperfeiçoar o ato de fazer a barba. Ela assumiu o papel de liderar inovações que resultem em um barbear cada vez mais eficaz e agradável. Seus recursos internos estão organizados para facilitar o desenvolvimento de produtos de performance cada vez melhor. Sua cultura incentiva o perfeccionismo. Em outras palavras, a performance de produto é a força motriz da Gillette.

Ambição

O gene da ambição é aquele que desafia. É a capacidade de sonhar alto, de ultrapassar fronteiras, de crescer e evoluir sempre, de ser o melhor no que se propõe fazer.

  • Sam Walton poderia ter-se satisfeito em dominar o varejo em Arkansas, EUA.
  • Bill Gates poderia não querer estabelecer o Windows como plataforma para todos os sistemas operacionais.
  • Tokyo Tsushin Kogyo tornou-se Sony em 1958 porque Akio Morita desejava ganhar o mundo e precisava de um nome que pudesse ser facilmente lembrado e pronunciado.

Que força impulsionou esses empreendedores a cruzar fronteiras, a ultrapassar limites?

O gene da ambição está presente na formulação de missões e visões de negócio. Estava lá, por exemplo, quando Jeff Bezos definiu a missão da Amazon -“a empresa mais centrada no cliente em toda a Terra”.

Paixão

O gene da paixão é aquele que energiza. É a capacidade de se apaixonar por idéias, conceitos e negócios, de abdicar hoje para ganhar sempre, de fazer o impensável, de cometer loucuras. Em momentos difíceis, a paixão desequilibra, introduz a impulsividade, transforma decisões negociáveis em inegociáveis e incondicionais.

Ela convence os adversários de que o jogo será duro e afasta naturalmente os não convictos do campo de batalha. Em momentos de reflexão estratégica, o componente da paixão atua aumentando os graus de liberdade da criatividade empresarial, desprezando momentaneamente a discussão reducionista em torno de riscos de fracasso.

Muitas vezes, a vitória é definida por um toque de emoção. O esporte, por exemplo, protagoniza vitórias emocionantes, várias delas atribuídas à gana de vencer. No mundo empresarial, a paixão exerce o mesmo poder.

No dia-a-dia da TAM, seja nas salas de embarque, ao pé da escada das aeronaves ou em mesas de negociação com fornecedores, o comandante Rolim transmitia sua paixão pelo transporte aéreo, por seu negócio, contaminando todos a seu redor.

Sam Walton tinha esse mesmo poder sobre o negócio WalMart, um poder que somente os apaixonados são capazes de exercer.

Realização

O gene da realização é aquele que faz acontecer. É a capacidade de realizar, de persistir, de superar obstáculos, de ir em frente. É o componente da realização que entra em ação para viabilizar a introdução de um novo produto ou serviço, para assegurar a entrega de uma usina termoelétrica no prazo e no custo estabelecido, para executar o plano de ação de marketing, para preparar atletas que tenham chances de medalha em uma Olimpíada.

Do ponto de vista prático, é com esse material genético que as empresas capturam valor, alcançam suas metas mais ousadas. Sem desempenho na execução, inovações não têm valor.

Independentemente da capacidade de inovar, o que seria da Microsoft sem a capacidade de lançar, sistematicamente, novas versões do Windows? De tornar o produto disponível em todos os pontos-de-venda de software imagináveis, simultaneamente em todo o mundo? Da Amazon à loja de informática do bairro?

A companhia aérea Gol surpreendeu o mercado ao introduzir a compra de passagens pela Internet, e isso funcionou porque houve competência na execução do website, do sistema de informação/reservas, dos meios de pagamento e das pessoas no check-in -uma idéia que de fato gerou valor porque o gene da realização fez acontecer.

Inovação

O gene da inovação é responsável por (re)criar. É a capacidade de criar o novo, de se reinventar, de antecipar tendências, de adaptar-se ao ambiente e alterá-lo quando desejável ou necessário.

A cadeia de hotéis Formule 1 quebrou o vínculo entre baixo preço e baixa qualidade para hospedagem. Os clientes puderam pagar exatamente pelo que queriam: um ambiente limpo sem o luxo desnecessário.

Quem inova também sabe esquecer seus sucessos, como a Microsoft, que enfatizou soluções para Internet (versus para PCs), ou a Shell, que enfatizou geração de energia (versus varejo de combustíveis).

Empresas com forte componente de inovação têm intuição aguçada, lançam mão da criatividade e relacionam conhecimentos para inovar. Também incentivam a colaboração (dentro e fora da empresa) para viabilizar inovações, como a Linux o faz para evoluir com seu software livre, e possuem uma constante e saudável insatisfação com o “existente”, como a Amazon demonstra com sua obsessão pela melhoria do atendimento e experiência de compra do cliente.

A capacidade de aprender com os fracassos é outro traço marcante dos inovadores. O laboratório farmacêutico Lilly fracassou com os testes de uma droga quimioterápica quando três pacientes morreram subitamente durante o tratamento. Não desistiu. Foi a fundo para entender os erros e acabou fazendo do Alimta um dos medicamentos mais promissores para o tratamento de câncer do pulmão.

Ética

O gene da ética é aquele que limita, que demarca as fronteiras. É a capacidade de não cruzar a linha, de dizer não, de optar pela honestidade e integridade, de respeitar e ser respeitado. A sabedoria convencional diz que ética empresarial é qualificador no mundo dos negócios. Em geral, é a ausência da ética que se faz notar, mais do que sua presença. Sabemos hoje que a ética pode não garantir o sucesso, porém pode impedir o fracasso. A lista de escândalos é longa -Enron, Arthur Andersen, Worldcom, Parmalat, Cragnotti & Partners.

A atuação de empresas é vigiada por mais e mais instituições – agências reguladoras, bancos centrais, organizações não-governamentais, sociedade civil, associações de proteção ao consumidor, entre outras. Se antes somente a atuação econômica era alvo de vigilância ética, agora também são monitoradas de perto as atuações social, ambiental e até política das empresas, como doações e apoios a partidos políticos.

Os balanços sociais e ambientais vêm ganhando grande importância e já impactam o valor das ações em bolsa. A criação ou destruição de valor pela presença ou ausência de ética é relevante.

Quanto valeu para a Johnson & Johnson ter feito o recall espontâneo e imediato do Tylenol em todo o território norte-americano quando foram identificadas algumas cápsulas envenenadas em uma farmácia na Costa Leste? Após 22 anos, a forma como a J&J agiu para resolver a crise continua sendo um case de ética exemplar nas escolas de administração mundo afora, e o Tylenol segue como o analgésico mais vendido.

Por outro lado, quanto perdeu em imagem e credibilidade uma empresa de petróleo que inflou seu volume de reservas por anos para manipular o mercado de capitais e esconder a debilidade em encontrar novas bacias petrolíferas? O custo de resgatar a credibilidade é muito alto -muitas vezes, impagável. Cada vez mais, o “lucro pelo lucro” como força motriz torna-se uma aposta perdedora.

ESTE DNA PODE SER MUDADO

Material genético de má qualidade leva à extinção, mas o DNA empresarial não é uma sina. Ele pode ser alterado, fortalecido, turbinado sob forte liderança empresarial.

Foi o que fez Jack Welch na General Electric, Andy Grove na Intel, Arthur Martinez na Sears, Abilio Diniz no Grupo Pão de Açúcar, Antonio Maciel na Ford Brasil, somente para mencionar alguns exemplos de líderes cujas empresas enfrentavam a estagnação ou decadência e voltaram a ocupar posições de destaque em seus mercados.

Da mesma maneira, fortes DNAs empresariais também podem sofrer sob lideranças frágeis, como foram os casos da Shell Global -com o recente escândalo de inflar suas reservas de petróleo- ou da IBM Global -quando se fragmentou em dezenas de unidades de negócios, enfraquecendo sua atuação mercadológica monolítica. O mérito da discussão do DNA empresarial reside exatamente na explicação da eficácia ou não dos modelos e estratégias de negócio e das visões que as norteiam. Uma explicação séria sobre sucessos e fracassos de empresas passa necessariamente por uma auto-análise imparcial, uma introspecção crítica do que a empresa é. E, em geral, quando isso acontece, já é tarde.


Fonte: Revista HSM Management, por Yves Moyen