O dilema da disrupção

A história da inovação de ruptura, que leva aos conceitos de inovação disruptiva e inovação arquitetônica, mostra que passar pelo processo de disrupção é uma escolha da empresa.

“Disrupção” é um termo usado em excesso atualmente, o que o torna quase inútil como portador de uma mensagem. Temos de nos livrar da bagagem adicional, que vem da maneira como ele é usado hoje – mais especificamente, a noção de que os tropeços de toda empresa estabelecida são consequência da disrupção. Ao mesmo tempo, precisamos nos ater à essência do termo, porque disrupção é algo que ameaça as empresas em todo o mundo.

Para o propósito de minha pesquisa, defino disrupção como “o que uma empresa enfrenta quando as escolhas que antes orientavam seu sucesso se tornam as mesmas que vão destruir seu futuro”.

Isso nos permite ver a disrupção como um fenômeno legítimo, mas também oferece uma explicação quando a situação que uma empresa enfrenta não é na verdade disrupção, mas algo totalmente diferente.

logotipo blockbuster video locadora

O DESASTRE BLOCKBUSTER

O exemplo mais típico (e um dos mais comentados) de disrupção em anos recentes sem dúvida é a Blockbuster. Em 2004, a empresa dominava o mercado de locação de fitas de vídeo e DVDs nos Estados Unidos (e em outras partes do mundo) com 9 mil lojas, tendo levado somente duas décadas para chegar a essa posição. Em 2010, pediu falência, com apenas um terço dos pontos de venda que teve em seu ápice.

A história óbvia sobre o fracasso da Blockbuster é relativamente simples. Tudo começou com um gatilho tecnológico: o DVD. No fim dos anos 1990, a Netflix entrou no mercado de locação de vídeos graças ao padrão de DVD, que mal estreava, decidindo entregá-los por correio. Até aquele momento, se você queria alugar um filme, tinha de ir à loja, escolher o DVD, assistir a ele e devolvê-lo na mesma loja.

Os DVDs eram mais leves e baratos que as fitas de vídeo, o que foi uma vantagem. O modelo inicial da Netflix, porém, só atraiu alguns consumidores, já que exigia planejamento prévio. No início, também não garantia que você tivesse o filme que queria no momento certo, deixando-o potencialmente na seca no sábado à noite. Em 2000, o modelo de negócio mudou, e os clientes passaram a ter um serviço de assinatura que lhes permitia ficar com o DVD pelo tempo que quisessem, pagando uma taxa mensal para assistir a quantos filmes quisessem. Foi isso que passou a ameaçar o serviço da Blockbuster.

No entanto, essa história de disrupção é um pouco diferente da narrativa convencional sobre “a empresa entrante que fornece um produto que os clientes preferem ao da empresa estabelecida”. Afinal, nada impedia a Blockbuster de copiar o modelo da Netflix. Na época, aliás, a Blockbuster perdeu a chance de comprá-la por apenas US$ 50 milhões. Hoje, a Netflix vale US$ 26 bilhões.

A história da Blockbuster ilumina três aspectos fundamentais de uma empresa ameaçada pela disrupção:

1. Em geral, a disrupção é associada a uma nova oportunidade tecnológica. No caso da Blockbuster, foram o DVD e depois o streaming na internet que mudaram a economia da entrega e seleção de filmes. Vamos chamar isso de evento disruptivo.

2. A empresa estabelecida tinha uma capacidade parecida de explorar a nova oportunidade, e outras também. Isso nem sempre acontece: um entrante pode ter uma patente exclusiva da nova oportunidade, ou a novidade pode exigir um conjunto completamente diferente de conhecimentos técnicos.

3. Uma vez perdida a oportunidade, ela não volta. Ao deixar de seguir o modelo da Netflix, não sobrou valor algum no negócio da Blockbuster. Isso nem sempre acontece quando novas empresas entram em um mercado: pode haver ainda algum valor na empresa estabelecida, o que faria toda a diferença entre sofrer ou não disrupção.

AS ORIGENS DA DISRUPÇÃO

Se existe o “pai” da disrupção, seu nome é Joseph Schumpeter (1883-1950). Em sua época, os economistas acreditavam que possuir bens de capital era suficiente para garantir a sobrevivência de uma empresa, mas, segundo Schumpeter, a concorrência entre donos de outras máquinas e a demanda por trabalhadores que as operassem logo surgiriam. Para ele, só quem introduzia novas ideias no mercado é que gerava lucros – no caso, os empreendedores.

Em 1942, em seu livro Capitalismo, socialismo e democracia, Schumpeter apresentou o conceito que anteciparia a ideia de disrupção: a destruição criativa. O termo descrevia o que ele acreditava ser uma característica endêmica do capitalismo: abrir espaço para a criatividade destruindo o que veio antes.

Assim como Marx, Schumpeter achava que “evolução”, e não “equilíbrio”, era o termo correto para descrever o que acontecia na economia. A abertura de novos mercados, estrangeiros ou domésticos, e o desenvolvimento organizacional da oficina do artesão para a fábrica ilustram o mesmo processo de mutação industrial que incessantemente revoluciona a estrutura econômica por dentro, sempre destruindo o antigo, sempre criando o novo.

O objetivo de Schumpeter não era explicar por que empresas bem-sucedidas fracassam, mas desafiar a percepção que muitos economistas e políticos tinham na época e demonstrar que grandes empresas funcionando em condições de monopólio não eram tão ameaçadoras quanto pareciam.

Quando compreendiam que o momentum era algo fugaz, os economistas podiam concentrar-se em saber se o sistema estava tendo bom desempenho no longo prazo. Foi aí que surgiu a noção de que o sucesso no sistema capitalista é precário e não há garantia de lucros anuais para o resto da vida.

O LINK TECNOLÓGICO

Na geração seguinte a Schumpeter, os pesquisadores se perguntavam: “Que tipos de mudança tecnológica podem ameaçar as empresas estabelecidas?”. O ponto de partida natural era olhar para as “descontinuidades tecnológicas”. O pesquisador italiano Giovanni Dosi argumentava que parecia haver “paradigmas tecnológicos” que se relacionavam com os “paradigmas científicos” de Thomas Kuhn e desempenhavam um papel similar no sentido de mudar tudo. Para Dosi, quanto mais focadas em seus negócios, mais cegas para a mudança ficavam as empresas.

Essa noção foi reforçada pelo diretor da McKinsey Richard Foster, que observou que muitas tecnologias amplas apresentavam uma relação de “curva S” entre o esforço investido em melhorias e o índice de melhoria do desempenho dessas tecnologias de acordo com determinada métrica.

Segundo Foster, combinar a curva S com a noção de descontinuidade tecnológica levantava uma questão importante para gestores de empresas estabelecidas. Um novo caminho tecnológico (ou curva S) teria, geralmente, desempenho pior do que o existente e, assim, uma empresa estabelecida tomaria racionalmente a decisão de continuar a focar a curva S existente em vez de uma nova. Foster afirmava que novos entrantes em um setor não tinham esse foco e eram mais dispostos a explorar o caminho da nova tecnologia; se esperassem até a curva S dobrar para cima e controlassem a tecnologia a partir daquele ponto, suplantariam os estabelecidos.

A noção de múltiplas curvas S foi o ponto de partida para o professor de Harvard Clayton Christensen estreitar e, ao mesmo tempo, expandir a noção de Foster. Ele a estreitou ao dissociá-la de muitas teorias anteriores sobre descontinuidades tecnológicas.

Christensen acreditava que nem todas as descontinuidades tecnológicas geravam pior desempenho dos produtos de empresas estabelecidas. Na verdade, algumas pareciam ter desenvolvido mudanças tecnológicas radicais que se integraram suavemente a produtos existentes. Em outras palavras, uma descontinuidade tecnológica e uma mudança para uma nova curva S nem sempre estavam associadas a subdesempenho, como Foster enfatizava; a mudança no desempenho também podia ser positiva.

Christensen expandiu radicalmente a lista dos fatores que podem representar risco para os estabelecidos observados por Foster. No início de seu trabalho, ele afirmava que as empresas estabelecidas eram ameaçadas pelas mudanças tecnológicas, mas depois se deu conta de que a inovação, em seus termos mais amplos – incluindo tecnologias, novos mercados e novos modelos de negócio –, é que impõe dificuldades para as empresas estabelecidas.

Christensen viu como desafio para essas empresas a tecnologia com duas características específicas: (1) atributos de desempenho que não são em princípio valorizados pelos consumidores atuais e (2) atributos de desempenho que esses consumidores valorizam, mas que são melhorados com tanta rapidez que a nova tecnologia pode depois invadir os mercados estabelecidos. Essa tecnologia é o que Christensen chama de “disruptiva”, enquanto as demais são “sustentadoras”.

Em seu livro O crescimento pela inovação, com Michael Raynor, ele faz a distinção entre dois tipos de inovação disruptiva: a do segmento inferior (low-end) e a do novo mercado. A primeira contempla a definição dada aqui de que o produto do entrante consegue capturar uma faixa de clientes das empresas estabelecidas – geralmente porque os clientes estavam comprando um produto caro demais em relação ao valor percebido por eles. No caso da disrupção do novo mercado, a empresa que apresenta a inovação disruptiva é capaz de capturar não clientes.

DUAS DISRUPÇÕES

O capítulo final da história da origem da disrupção teve início ao mesmo tempo que Christensen trabalhava em sua pós-graduação em Harvard. Outra aluna, Rebecca Henderson, também estava interessada no mesmo fenômeno e começou uma pesquisa que impactaria toda uma geração de estudiosos da gestão.

Henderson se preocupava, especificamente, com as dificuldades que empresas estabelecidas tinham para reagir aos entrantes. Para ela, não era tanto que essas empresas escolhessem não reagir em momentos cruciais (como afirmava Christensen), mas que havia alguns tipos de tecnologias e inovações às quais elas não conseguiam reagir. Ela então cunhou a expressão “inovação arquitetônica”.

Henderson e seu colega Kim Clark destacaram que um ventilador de teto tem vários componentes, como pá, motor etc., e que a maneira como funcionam juntos é a arquitetura do ventilador. Segundo eles, muitas empresas se tornam bem-sucedidas porque promovem inovação dos componentes, mas, quando uma nova tecnologia surge e muda a arquitetura do produto – ou seja, como os componentes se relacionam entre si –, o desafio é imenso.

Temos agora dois tipos de inovação que podem levar à disrupção: para Christensen, as inovações são disruptivas quanto aos clientes, pois rapidamente melhoram o desempenho para os potenciais clientes; para Henderson, as inovações são disruptivas quanto à arquitetura, no sentido de que permitem melhorias rápidas conforme a nova arquitetura é compreendida.

UMA ESCOLHA

O que a Netflix trouxe para o mercado foi uma inovação tanto disruptiva como arquitetônica. Para reagir, a Blockbuster precisava ser convencida de que: (1) seus clientes queriam o que a Netflix tinha a oferecer; (2) isso requeria reorganizar o negócio todo. Ninguém na Blockbuster fazia ideia de que essas condições deveriam ser satisfeitas.

Empresas bem-sucedidas que sofrem disrupção não são complacentes ou mal administradas. Elas escolhem continuar no caminho que as levou ao sucesso. E aí sofrem a disrupção.


Fonte: Revista HSM Management, por Joshua Gans. Ele é professor de gestão estratégica, inovação e empreendedorismo da Rotman School of Management, da University of Toronto, Canadá, e autor do livro The dilemma of disruption, cujos highlights, selecionados pela Rotman Management, foram publicados nesse artigo.

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