Modelos administrativos replicáveis

Por que algumas empresas conseguem excelentes resultados em certas iniciativas, mas não são capazes de reproduzi-los? Chris Zook, sócio da firma de consultoria Bain & Company, diz que descobriu a resposta que é exibida nessa entrevista onde analisaremos os modelos administrativos replicáveis.

Quando tem oportunidade de falar sobre as estratégias que as empresas adotam, Chris Zook não se faz de rogado –especialmente, se for para discutir as razões do sucesso e a possibilidade de ele ser mantido. Há mais de 20 anos esse economista de formação vem realizando pesquisas para determinar com a maior precisão possível as razões que levam algumas companhias a conquistar esse objetivo invejável, enquanto outras apenas cumprem suas metas.

Na visão de Zook, sócio da firma de consultoria Bain & Company e responsável pela área de estratégia global, a razão para que um sucesso permanente reside na diferenciação, característica única com que uma organização pode estar à frente da concorrência. Para o consultor, é preciso evitar as armadilhas da complexidade e da diversificação, focar decididamente o negócio central da empresa e construir, em torno dele, um modelo replicável.

As estatísticas parecem confirmar esse pensamento: uma de suas pesquisas mais comentadas demonstra que nove em cada dez companhias que apresentaram desempenho superior por pelo menos uma década se concentraram em seu principal negócio e não diversificaram sua atividade. Nesta entrevista, Zook faz uma reflexão sobre o tema.

Quando e por que vocês decidiram realizar uma pesquisa sobre o sucesso que permanece no tempo?

O estudo foi realizado no início de 2011. Com base no que observamos em nossos clientes, intuímos que o mundo dos negócios estava cada dia mais complexo e mudava em ritmo acelerado. Notamos também que as empresas que simplificavam a complexidade por meio de um grande modelo replicável estavam mais bem posicionadas para vencer no novo ambiente.

Assim, nos propusemos confirmar essas hipóteses por meio de uma pesquisa que levou três anos e cujos resultados mais importantes foram publicados pela Harvard Business Review e constam no livro que meu colega James Allen e eu escrevemos: Repeatability.

“Repetibilidade” ou “replicabilidade”. Uma das duas promete ser mais um verbete no dicionário da gestão, pelo jeito. Qual foi a amostra da pesquisa de vocês? O Brasil não entrou…

Foram cerca de 400 executivos dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia.

E quais as principais descobertas?

Nossas hipóteses foram confirmadas. Algumas descobertas podem ser sintetizadas da seguinte maneira: a complexidade interna, e não a falta de oportunidades externas, atrasa o crescimento corporativo.

Setenta e sete por cento dos executivos disseram que a complexidade interna, como a incapacidade de focar, é a principal inibidora do crescimento. Por outro lado, somente 15% colocaram ênfase na falta de oportunidades atraentes.

Também notamos que o sucesso da estratégia está cada vez mais relacionado com a capacidade da empresa de se adaptar mais rapidamente do que os concorrentes. Setenta por cento dos respondentes assinalaram que, hoje, a melhor estratégia consiste em perceber a mudança e ajustar-se a ela com muita rapidez.

Ao mesmo tempo, 64% afirmaram que é preciso ganhar grande velocidade para adiantar-se em relação aos concorrentes. Constatamos, ainda, que as empresas de melhor desempenho entre as pesquisadas haviam instaurado, com o objetivo de crescer, um grande modelo replicável.

Em termos de foco, essas companhias se alinham em torno de uma estratégia simples e clara. Além disso, reproduzem o sucesso de uma área da organização em outras e comunicam-se de modo simples, porque os funcionários da primeira linha estão em sintonia com a diretoria no que tange à estratégia.

São, ainda, empresas que se adaptam muito bem, já que capturam o aprendizado e estimulam a melhoria contínua. As empresas de desempenho inferior, por sua vez, estão muito ocupadas com batalhas diárias, o que as impede de tomar distância e adotar a perspectiva de longo prazo.

Quais são as principais estratégias que as empresas de melhor desempenho adotam?

Elas focam um negócio central altamente diferenciado, cujas capacidades podem ser aplicadas repetidamente. Também simplificam a comunicação entre os escalões, modificam seu modelo de negócio para reagir aos principais desafios e transformam a arte da melhoria contínua em uma poderosa arma estratégica.

De que modo essas estratégias contribuem para imprimir velocidade e ajudar a controlar a complexidade?

Entender quais são os elementos críticos do sucesso gera clareza na organização. Como todos sabem quais são essas poucas coisas que têm de fazer bem, é mais fácil mover-se com mais rapidez quando vem a mudança, porque só é preciso abordar essas coisas. Entretanto, sabemos que há muitas companhias que não têm tão claro o que as torna únicas. A cada mudança externa precisam reinventar a roda e criam, assim, complexidade excessiva.

Sua pesquisa revela que a probabilidade de conquistar crescimento sustentável aumenta consideravelmente quando as empresas constroem e implementam modelos replicáveis. Como o sr. define esses modelos replicáveis e em que eles consistem?

Uma organização com um grande modelo replicável consegue entender a essência de seu sucesso, repeti-lo e adaptar-se a novos mercados ao longo do tempo. Para nossa pesquisa, estudamos dúzias de companhias nos últimos anos.

Entre as que mais se destacaram posso citar a Nike, que foi capaz de repetir seu principal sucesso (com Michael Jordan usando tênis da marca e ganhando troféus) em muitos países, esportes e uniformes, e a Ikea, que desde os anos 1950 cria móveis a preços acessíveis na Suécia e vem repetindo seu modelo em todo o mundo.

Outro caso é o da Olam, que começou a comercializar frutas secas da Nigéria em 1989 e depois reproduziu seu modelo “da granja à fábrica” em outros países e categorias de produtos. Hoje, é líder global no negócio de frutas secas e outras commodities.

Os resultados da pesquisa revelam uma mudança fundamental na natureza da estratégia e da vantagem competitiva. Pode explicar em que isso consiste?

No passado, a maioria das estratégias se parecia com um jogo de xadrez, com planos de longo prazo que tentavam antecipar as jogadas dos adversários. Na atualidade, a estratégia se parece mais com esqui em pista.

Em outras palavras, uma empresa define seu rumo geral, mas tem também de adaptar-se e mudar o curso segundo a segundo. Basta imaginar o Google fazendo um plano de cinco anos em 2006: seu atual concorrente, o Facebook, ainda era um pequeno empreendimento que lançava seu site naquele ano.

O que mais é necessário para alcançar o tal sucesso replicável?

Penso que repetir os melhores sucessos implica entender profundamente suas causas, manter visão de 360 graus sobre a possibilidade de adaptação e ter certeza de que toda a organização compartilhe a estratégia e a diferenciação que permitiu alcançar tais sucessos. Por tudo isso, sugiro que os gestores se certifiquem de seis pontos:

  1. Toda a equipe de direção tem deestar em sintonia em relação à diferenciação atual e futura.
  2. A primeira linha da empresa deve compreender realmente a estratégia.
  3. A estratégia, brevemente planejada e escrita, precisa ser convincente para todos, incluindo clientes e investidores.
  4. Os maiores acertos e erros nas últimas 20 decisões de crescimento têm de estar relacionados à diferenciação escolhida.
  5. A estratégia precisa ser traduzida em alguns poucos pontos inegociáveis incorporados à rotina.
  6. Os indicadores de saúde mais importantes do negócio central devem ser revistos, sobretudo seus diferenciais. Certamente, o negócio central pode mudar em algum momento. A questão é quando e de que modo.

Pode dar exemplos de empresas que têm estratégias claras e simples?

Cito novamente a Ikea, exemplo de estratégia que se pode captar em poucos princípios que todos compreendam e possam executar: “Criar uma vida melhor para muitas pessoas, oferecendo ampla gama de móveis que tenham bom design e sejam funcionais, a preços tão baixos que se tornem acessíveis para a maior quantidade possível delas”.

O sr. recomenda traduzir a estratégia em poucos pontos inegociáveis. O que quer dizer com “inegociável”?

Um princípio inegociável é algo que todas as pessoas da organização devem seguir. Caso não sigam, a direção da empresa precisa conscientizar- se do fato. A maioria dos grandes modelos replicáveis tem aproximadamente dez princípios inegociáveis. Por exemplo, em 2009, Tim Cook, atual CEO da Apple, resumiu seus pontos inegociáveis da seguinte maneira:

  • Cremos que estamos na Terra para fabricar grandes produtos.
  • Focamos a inovação constantemente.
  • Acreditamos no simples, não no complexo.
  • Consideramos que precisamos ser proprietários e ter controle das tecnologias primárias que sustentam os produtos que fabricamos.
  • Somente entramos em mercados em que podemos fazer uma contribuição significativa.
  • Achamos que é necessário dizer “não” a milhares de projetos para podermos focar os poucos que são realmente importantes e significativos para nós.
  • Acreditamos na colaboração profunda e na polinização cruzada de nossos grupos. Elas nos permitem inovar de modo que seria impossível a outros.
  • Não aceitamos nada que esteja abaixo do nível de excelência de cada grupo da empresa e temos honestidade suficiente para admitir que erramos e coragem para mudar.

Esses princípios estão arraigados em toda a organização e representam, para os 60 mil funcionários da Apple, um guia claro para a tomada de decisão operacional e estratégica.

Como esses princípios inegociáveis podem ser transferidos para as diferentes funções de uma empresa? Até que ponto uma organização deve ser inflexível ao adaptar os elementos inegociáveis a um novo cenário?

Pode parecer que os princípios inegociáveis geram inflexibilidade. No entanto, descobrimos o oposto: criam liberdade com base em um limite. Nas companhias que não têm princípios claros, tudo é discutível e tudo tem de ser definido e redefinido cada vez que alguém quer fazer algo.

Por outro lado, os funcionários que trabalham com um conjunto claro de princípios inegociáveis têm liberdade para mover-se, desde que não ultrapassem a fronteira. Assim, os executivos podem concentrar-se em intervir nas poucas ocasiões em que os princípios inegociáveis entrarem em conflito ou em que seja necessário adaptá-los para reagir às mudanças.

O cliente reina no modelo replicável. Fechar as brechas que existem entre a empresa e os clientes é um modo de reduzir ao mínimo os riscos de fracassar? A que outras brechas os executivos deveriam atentar quando constroem um modelo replicável?

Os clientes são, por definição, aqueles que pagam os salários dos funcionários, fornecedores e investidores de uma companhia. Portanto, criar valor para os clientes não é apenas um detalhe, mas o imperativo número um da estratégia de toda empresa.

O sr. diz que aprender rapidamente e adaptar-se às novas circunstâncias é crucial para manter vantagem competitiva. Como uma empresa pode construir um sistema de aprendizado saudável?

Nossa pesquisa aponta que o aprendizado e a adaptação contínuos estão entre os fatores mais complicados do mundo dos negócios. Em primeiro lugar, as empresas que entendem bem esse processo conhecem profundamente as poucas partes essenciais de seu negócio, o que chamamos de “diferenciação central”. Além disso, procuram constantemente aperfeiçoar tais diferenciais, com frequência medindo-os e definindo metas de melhoria contínua.

Também costumam ter o que denominamos de “tabela de atualização”, a qual a direção discute com regularidade. A Vanguard é um exemplo disso. Líder norte-americana em fundos de investimento, regularmente compara a si mesma com seus concorrentes principais em indicadores como taxa de retenção de clientes, gastos e rendimento de fundos.

Vocês descobriram que quase 80% dos gestores entrevistados acreditam estar claramente diferenciados em seu mercado principal, mas somente 8% dos clientes pesquisados sobre o tema pensam assim. Como é possível que tantos líderes de negócios estejam equivocados quanto a algo que é tão estratégico?

Durante as últimas décadas, os psicólogos descobriram provas sólidas de um efeito chamado “viés de confirmação”: os seres humanos tendem a buscar a confirmação de suas crenças, em vez de questioná-las. Por essa perspectiva, não é de surpreender que muitas empresas, com centenas de produtos, milhares de funcionários, dúzias de capacidades e um constante ir e vir de executivos bombardeados por diversas distrações, tenham dificuldade para ver o que as diferencia e chegar a um acordo sobre esse ponto.

Qual é o primeiro passo para chegar ao conhecimento do que diferencia uma empresa? Que habilidades de liderança são necessárias para o entendimento da verdadeira essência de sua vantagem competitiva?

Em minha opinião, os gestores deveriam começar a se formular algumas perguntas fundamentais e depois discuti-las com suas equipes. Por exemplo:

  • Quais são nossas fontes principais de diferenciação?
  • Elas estão ganhando ou perdendo força?
  • Como sabemos que é assim?
  • Há concordância sobre esse ponto por toda a equipe de gestão?
  • Se não é assim, por que não?
  • Qual é nosso índice de sucesso quando estendemos nosso modelo replicável a novos mercados e situações?
  • Estamos satisfeitos com o resultado?
  • Em que se fundamentam nossos sucessos e nossos fracassos?

Quando e por que um modelo replicável perde relevância?

Um modelo replicável, se não é melhorado ou adaptado continuamente, deixa de ser relevante à medida que os concorrentes entram no tom. A adaptação é especialmente importante em setores que mudam muito rapidamente. A Nokia talvez seja o caso mais claro de um modelo que foi replicável no passado, mas perdeu relavância porque não soube adaptar-se à era dos smartphones.

Saiba mais sobre Chris Zook

Pesquisador incansável, Chris Zook conta com mestrado em economia pela Oxford University, da Inglaterra, e doutorado pela Harvard University, dos Estados Unidos. É sócio da Bain & Company, firma de consultoria em gestão fundada em 1973 e sediada em Boston, com escritórios em 30 países. É autor de Lucro a partir do core business, Além das fronteiras do core business, Imbatível (todos, ed. Campus/Elsevier), além do recém-lançado Repeatability (ed. Harvard Business Review Press). O jornal The Times o incluiu em sua lista dos 50 principais pensadores de gestão do mundo. Estará no Brasil em maio deste ano para participar do Fórum HSM Estratégia.

A essência de um modelo replicável

  1. Foco em um negócio central altamente diferenciado, com capacidades que possam se repetir em novos mercados.
  2. Definição correta e consensual dos princípios de diferenciação.
  3. Alinhamento de toda a empresa em torno de uma estratégia simples e clara.
  4. Reprodução dos sucessos de uma área da empresa por toda a organização.
  5. Comunicação fluida entre a diretoria e os funcionários da primeira linha.
  6. Melhoria e adaptação contínuas como armas estratégicas.
  7. Adequação do modelo de negócio para que esteja em condições de responder às mudanças.

Fontes: Revista HSM Management