Gestão de risco no novo mundo

Muitos dos elementos da crise de 2008 – 2009 já vinham sendo discutidos muito antes de ela irromper. Analistas questionavam a sustentabilidade do mercado de hipotecas subprime muito antes do colapso. Vamos entender melhor a gestão de risco.

Entrevista e bate papo com 5 executivos e mestres discute a alta gerência e a administração de riscos após a crise de 2008/2009

Sobre os entrevistados:

  • Robert S. Kaplan é professor titular da Harvard Business School. Junto com David P. Norton, criou o Balanced Scorecard
  • Anette Mikes é professora da Harvard Business School. Sua área de estudos é a evolução da gestão de risco e do papel do diretor de risco.
  • Robert Simons é professor titular da Harvard Business School. É autor de “How risky is your company?”, um artigo profético publicado no final de década de 90
  • Peter Tufano é professor titular da Harvard Business School e membro executivo do conselho da Global Association os Risk Professionals (GARP)
  • Michael Hofmann é diretor de risco da Koch Industries, um conglomerado americano de capital fechado. É membro executivo do conselho da GARP

O surgimento de ferramentas de avaliação de risco criou ilusão de que ficou mais fácil controlá-lo? Como saber se um risco assumido é desmedido? Como preparar a empresa para um cisne negro? O que faz um bom diretor de risco?

David Champion: Até que ponto era possível prever a crise financeira de 2008-2009? O episódio foi um cisne negro ou algo na linha do próximo grande terremoto na Califórnia, que sabemos que vai acontecer, embora não quando?

Peter Tufano: Muitos dos elementos da crise vinham sendo discutidos muito antes de ela irromper. Analistas questionavam a sustentabilidade do mercado de hipotecas subprime muito antes do colapso. Especialistas em macroeconomia viam com preocupação o déficit em conta corrente dos Estados Unidos. Eu mesmo me debruçava sobre os níveis de poupança e endividamento obviamente insustentáveis da população americana. Alguns escreviam sobre as falhas de modelos de classificação de risco. O que não vimos foi como isso tudo estava interagindo. Por causa disso, não enxergamos o risco de que o sistema inteiro ruísse.

Michael Hofmann: Concordo. O que ocorreu foi, basicamente, o estouro de uma bolha de crédito clássica. O interessante foi o que o estouro revelou: o grau de concentração a que o sistema financeiro chegara. Foi exposto, ainda, um clássico viés de comportamento. Os principais elementos do sistema financeiro já estavam aí há uns 25 anos. Tínhamos nos habituado às coisas do jeito que eram e todo mundo se guiava por dados desse período basicamente estável. É muito difícil, numa situação dessas, profetizar uma catástrofe.

Robert Simons: A conduta do setor financeiro foi, sem dúvida, muito temerária. A meu ver, isso ocorreu devido à conjunção de três fatores. Para começar, inovações em engenharia financeira na última década permitiram o surgimento de novos produtos e a intensificação do risco. Não foi a primeira vez, é claro. Inovações em transporte, telecomunicações e informática também abriram oportunidade similar para que se assumisse risco. Segundo, havia motivação – na forma de pressão por resultados, o que o mercado financeiro fornecia aos montes. Era intensa a pressão para que executivos garantissem o crescimento da receita, da participação de mercado, da cotação em bolsa. Mas, de novo, nada nos últimos anos sugeriria que a pressão ficara subitamente maior. A novidade foi o terceiro ingrediente, que chamo de racionalização: a crença de que uma certa conduta é moral e economicamente justificável. O princípio do valor ao acionista – ou seja, que a sociedade ganharia se a empresa pensasse exclusivamente em garantir o máximo retorno aos acionistas – foi um exemplo. E, com esse tipo de racionalização, ficou muito mais fácil para qualquer executivo correr riscos que normalmente teria evitado. O risco virou a regra, em vez ‘da exceção, o que explica a escala da crise.

Como já foi observado, a inovação financeira abriu a oportunidade. Mas trouxe, também, instrumentos para a avaliação do risco, e para alguns essa “cientifização” levou muita gente a acreditar que era possível controlar o risco. Faz sentido?

Hofmann: É comum haver uma profunda incompreensão sobre aquilo que um modelo financeiro pode fazer. Toda decisão empresarial visa a um ganho. Para obtê-lo, é preciso correr certos riscos. Logo, um gestor da área deve começar por perguntar o seguinte: qual o ganho que buscamos? Entendemos de fato o risco que estamos assumindo? É um risco aceitável? Se for, a pergunta seguinte é se o ganho é alto o bastante. É aqui que entram os modelos. Mas, antes de começar a modelar o risco, a pessoa deve saber se realmente entende a natureza dele.

Anette Mikes: Também acho. Quem toma decisões não é o modelo, são as pessoas. Logo, a verdadeira questão é a cultura que cerca o uso de modelos. Creio que, em última instância, há dois tipos básicos de gestor de risco. Um deles é defensor do método quantitativo. Para ele, há dois tipos de risco: aquele que já foi devidamente modelado e aquele que ainda não foi. Certos bancos tinham certeza de que era possível usar modelos para decidir se uma empresa merecia ou não um empréstimo. Bastaria inserir os dados para o modelo produzir uma classificação de risco. Se pararmos um pouco para pensar, veremos que isso exige suposições ousadas. O problema da cultura quantitativa é que o gestor dá atenção demais ao resultado e de menos às pre-missas usadas no modelo. O outro tipo de gestor de risco é o que chamo de detrator do método quantitativo, gente que chama atenção demais para as falhas de modelos de risco. Essa turma acha que os grandes riscos estão fora do universo de riscos quantificáveis, mas pode, com facilidade, perder de vista os efeitos agregados dos riscos. A propósito, a crise deixou os dois grupos mais próximos de um saudável ceticismo. Defensores do método quantitativo ficaram mais céticos e estão retomando a velha ciência da decisão com conhecimento de causa. Já os detratores do método quantitativo estão aceitando melhor a analítica graças ao uso de modelos de risco com rígidos mecanismos de validação.

Até aqui, falamos do setor financeiro. Os desafios enfrentados na atividade industrial não são muito diferentes?

Hofmann: Sim e não. A Koch Industries e suas subsidiárias enfrentam alguns dos mesmos riscos financeiros, embora obviamente em menor grau do que um banco. Concedemos crédito aos clientes, por exemplo. Temos uma tesouraria que cuida da gestão da liquidez; administramos grandes carteiras de investimentos; e temos operações de trading. Mas também lidamos com riscos operacionais consideráveis, de logística e de instalações industriais imensas. Esses riscos operacionais são distintos e sua escala é muito maior do que a dos riscos de um grupo de serviços financeiros, que giram basicamente em torno de documentação, processamento de dados, e por aí vai.

Robert S. Kaplan: Uma indústria tem, definitivamente, riscos estratégicos, que podem ser ainda mais difíceis de medir e administrar do que riscos financeiros. Uma empresa dessas faz grandes investimentos em ativos físicos e intangíveis, cujo valor evapora caso o cliente perca o interesse em bens e serviços produzidos com eles. Mas, já que não contabilizamos ativos físicos pelo valor realizável e nem reconhecemos os ativos intangíveis de uma empresa, o impairment se dá em períodos maiores de tempo. No caso da General Motors, os riscos assumidos quando a montadora decidiu apostar exclusivamente em veículos grandes levaram cerca de 25 anos para se materializar. Sem carros econômicos e rentáveis para vender ao público quando o preço do combustível dobrou, a montadora acabou quebrando.

Tufano: Também é importante pensar sobre a unidade de análise. Na maior parte da discussão até aqui, a unidade de análise foi a empresa, e o trade-off de risco e retorno está sendo calculado nessa instância. Mas é possível examinar o risco num nível superior. O World Food Programme (o programa mundial de alimentação da ONU), por exemplo, vai pensar na escassez de alimentos em grande escala. Isso é risco sistêmico. Se o risco que abalou muitas empresas não tivesse chegado a um nível sistêmico, não estaríamos aqui hoje. Quando o risco se torna sistêmico· – como pode ocorrer quando empresas e mercados interagem -, não há nada que a análise tradicional de risco e retorno possa fazer.

Simons: Concordo. Fico nervoso quando falamos de trade-offs de risco e retorno. É, sem dúvida, a abordagem certa para decisões de investimento individuais e de um portfólio. Mas há riscos que afetam clientes, funcionários e a viabilidade a longo prazo de uma empresa. O perigo, nesses casos, é que ao começar a falar no trade-off de risco e retorno acabemos racionalizando o envolvimento com coisas das quais deveríamos manter distância. A meu ver, as melhores empresas sabem muito bem o que não farão em nenhuma circunstância.

Kaplan: Para um exemplo vívido de empresa que não seguiu o excelente conselho de Robert, é só pegar a declaração feita em julho de 2007 por Charles Prince, então presidente do Citigroup: “Quando a música parar, em termos de liquidez, a situação será complicada. Mas, enquanto a música estiver tocando, é preciso levantar e dançar”. E arrematou: “Ainda estamos dançando”. Não creio que Prince ou os detentores de títulos e ações do banco, nem os funcionários, estejam rodopiando muito hoje em dia.

Mikes: É verdade. Mas muitas empresas também foram castigadas pelo mercado acionário quando tentaram parar de dançar.

Isso levanta a questão de incentivos, não?

Kaplan: É claro. E quanto mais atrelamos incentivos ao desempenho a curto prazo, mais encorajamos o executivo a assumir altas doses de risco para produzir retornos elevados, o que leva a um grande problema de risco moral. Analistas de bancos tinham um nome para isso: “Greenspan put”. Todo risco que os bancos assumiam era coberto pela sociedade, pois o Fed sairia em seu socorro para preservar o sistema. Com o “resgate” recente de AIG, General Motors e Chrysler, essa espécie de seguro hoje cobre muito mais do que o setor bancário.

É interessante como demos a volta completa.

Kaplan: Pois é. Na década de 1970, incentivamos executivos de empresas a assumirem mais riscos porque a carteira do investidor era diversificada, capaz de tolerar uma atitude mais arriscada de certas empresas. Nas décadas de 1980 e 1990 a empresa levou seus executivos a assumirem riscos com grandes concessões de opções e ações. Mas um pêndulo nunca para no meio e esse pessoal exagerou na dose. Hoje sabemos que o incentivo deveria ter sido para que assumissem riscos sem correlação – riscos que só afetariam sua empresa. Não queríamos que assumissem riscos sistêmicos que outras empresas também estavam assumindo. Daqui em diante, teremos de criar incentivos para que os riscos assumidos sejam independentes, não correlatos. E algo difícil por vários motivos – inclusive porque a correlação de risco muda em resposta a eventos ex-tremos.

Tufano: Uma idéia que venho explorando é a da remuneração com títulos de dívida. Se recebesse não só de acordo com o desempenho das ações em bolsa, mas também com o desempenho da dívida, o executivo talvez tivesse uma visão mais equilibrada dos interesses de stakeholders, o que nos afastaria de incentivos que beneficiam titulares de ações em detrimento de detentores de títulos.

Kaplan: Também é preciso fazer distinção entre a remuneração de executivos de risco e a remuneração de executivos gerais. Segundo meu colega Robert Merton, o bônus ideal para profissionais da área de risco, como o Michael, é uma nota promissória a ser paga no prazo de cinco anos, e somente se a empresa ainda estiver de pé.

Hofmann: E isso não faria com que eu pensasse apenas nesse horizonte de cinco anos? Alinhar corretamente os incentivos para promover uma conduta produtiva é difícil. A impressão que tenho é que o melhor é uma combinação de incentivos de curto, médio e longo prazo condizente com a capacidade do indivíduo de influenciar os resultados. Infelizmente, qualquer fórmula concebida de antemão pode causar estragos na prática, pois é impossível prever todos os problemas. Mas, se conseguirmos chegar a um bom equilíbrio entre regras e critério pessoal, pode dar certo.

Que rumo tomariam indicadores de risco não financeiro daqui para a frente?

Kaplan: Provavelmente já se esperava que eu dissesse isso, mas creio que o balanced scorecard (BSC) é um modelo útil para a gestão do risco estratégico. Em poucas palavras, o BSC é fundado numa hierarquia de indicadores e objetivos que, juntos, revelam como uma determinada estratégia se converte em realidade operacional e resultados. O primeiro passo é criar indicadores para a capacitação e motivação do pessoal e a infraestrutura de TI. O nível seguinte identifica os processos críticos para a criação e a execução da estratégia. Acima disso vem a perspectiva do cliente, onde é possível ver como seu trabalho e seus processos geram valor para o cliente. Por último, há a perspectiva financeira. Em cada instância dessas daria para montar um scorecard, ou painel, de risco que emitiria um alerta quando algum objetivo estratégico estivesse ameaçado. As metas do scorecard de risco poderiam vir de um heat map, uma tabela bidimensional com a probabilidade e as conseqüências da materialização de um risco, ambas numa escala de 1 a 5. Multiplicamos esses dois valores um pelo outro. Riscos com pontuação de 15 ou mais exigem intervenção, como iniciativas de mitigação do risco para reduzir a probabilidade ou gravidade do evento. Obviamente, seria preciso achar maneiras de medir o risco. Uma das empresas com as quais estou sempre em contato, a Infosys, é bastante ativa nesse sentido. Sua estratégia, hoje, é ter grandes contratos com clientes globais. Logo, um de seus maiores riscos financeiros é receber pelo serviço. Para administrar esse risco, a Infosys monitora o mercado de swaps de crédito, onde são negociados contratos ligados a cerca de 80% de seus clientes. A necessidade de prestar serviços mundialmente também traz um risco na perspectiva do aprendizado e crescimento: a empresa precisa ter a capacidade de destacar profissionais cruciais para projetos importantes no mundo todo. Isso a deixa vulnerável ao protecio-nismo no mercado de trabalho. Logo, a Infosys monitora quantos de seus funcionários possuem visto de trabalho no exterior ou múltipla cidadania.

Isso entra na categoria de coisas que sabemos que não sabemos certo? E quanto àquilo que nem sabemos que não sabemos?

Kaplan: Precisamos de outra abordagem para os chamados cisnes negros. São eventos de probabi-lidade baixíssima, mas que se chegassem a ocorrer teriam conseqüências catastróficas. Quantificar esses riscos não vale a pena. A saída é fazer uma espécie de análise de cenários. O passo inicial é identificar eventos atípicos que destruiriam sua estratégia ou até a empresa toda caso viessem a ocorrer. Talvez não saibamos se o futuro irá trazer hiperinflação ou deflação, mas é possível tentar determinar o que aconteceria com nossa estratégia e a de rivais em cada cenário desses.

Michael, essa abordagem múltipla faz sentido, a seu ver?

Hofmann: Faz. Planejamento de cenários, BSC e heat maps são, todos, instrumentos úteis. Mas, ao usá-los, é preciso evitar três ciladas. Primeiro não acredite em suas próprias projeções. Aquilo que você julga mais provável possivelmente não acontecerá. A pessoa deve estar preparada para ques-tionar toda – digo, toda – premissa de impacto. Segundo, o risco catastrófico não pode ser visto como algo tolerável só por ter baixa probabilidade. Pode até ser para certos riscos que o Robert acaba de descrever, mas toda empresa deveria tratar um risco catastrófico como algo simplesmente inaceitável. Ou não entra no negócio ou acha um jeito de estruturá-lo de modo a cortar o mal pela raiz, por assim dizer. Mas – e essa é a terceira cilada – não creia que será fácil eliminar um risco. Ao contratar um seguro, por exemplo, o que a pessoa realmente está comprando é a opção de exigir algo de alguém que, espera, cumprirá o prometido. Só transformou um tipo de risco em outro.

Tufano: Não podia estar mais de acordo. A maioria dos contratos de derivativos e de seguros é longe de perfeita e é preciso tirar dúvidas muito sérias antes de comprar um derivativo ou contratar um seguro. O risco está sendo corretamente transferido? O contrato garante o que creio que garante e será honrado, ainda que por força legal? A parte a quem transferi o risco ficará com esse risco? Se uma contra parte não puder arcar com o risco, esse risco volta a ser meu – ainda que não contratualmente, pelo menos reputacionalmente?

E quanto à terceirização? É uma ferramenta boa para a gestão do risco?

Hofmann: Pode ser, sim. Se estiver terceirizando porque alguém tem algum tipo de vantagem com-petitiva, sua empresa provavelmente está reduzindo o risco operacional. Mas o que acontece se uma empresa contratada fechar as portas? Para poder decidir, é preciso pensar sobre aquilo que realmente se está fazendo. O que pode dar errado? Estou disposto a arcar com as consequências se algo der errado? E nenhuma das respostas é clara. Naturalmente, é isso que torna nosso trabalho interessante.

Uma folga nas contas da empresa pode ser uma forma de seguro. A estrutura de capital de muitas empresas não teria ficado eficiente demais?

Hofmann: A alavancagem é mais problemática em certos momentos do ciclo econômico do que em outros e sempre há tensão entre a cautela e a exigência de retorno do investidor. Administrar essa tensão é uma parte considerável do trabalho do diretor de risco, já que isso tem impacto no nível de risco que uma empresa assume.

Tufano: Determinar o grau de alavancagem é, basicamente, uma questão de pesar as vantagens tributárias do endividamento à luz da probabilidade de dificuldades financeiras caso a situação da economia seja pior do que o esperado. Nos últimos 25 anos demos um desconto pesado a essa probabilidade. Obviamente, o cálculo mudou. Além disso, muitos aumentaram a alavancagem para tirar proveito de oportunidades: quanto mais tomava emprestado, maior a capacidade [da empresa] de aplicar seus dotes gerenciais e criar valor. Mas, num mundo no qual é preciso cautela com as oportunidades que se aproveitam, o incentivo para cortar a dívida e manter certa folga para uso no futuro será maior. O que estamos vendo agora é uma nova maneira de definir o que é um balanço saudável. No setor de serviços financeiros, por exemplo, estávamos habituados a uma série de métricas relativamente simples para definir o que seria uma estrutura de capital adequada. Agora, estão falando em impor exigências de capital condicionais que mudem junto com o ciclo econômico. Certas pessoas no governo [americano], por exemplo, estão sugerindo que instituições financeiras mantenham uma folga maior nas contas em momentos de prosperidade, para ter uma reserva para os dias difíceis. Faz certo sentido.

Kaplan: Concordo. Como diz M.D. Ranganath, o diretor de risco da Infosys, todo mundo pensa na gestão de risco quando as coisas vão mal. “Mas o grande teste da gestão de risco é saber se funciona quando as coisas vão bem”, diz. “Será que a diretoria vai ficar do lado do gerente de risco, evitando a tentação e dizendo não a coisas que ameacem a empresa?” Quando a música está tocando, é preciso a disciplina da gestão de risco para que a cúpula não saia dançando com exuberância demais.

Simons: É preciso pensar também em certa folga no P&L, que é onde suas políticas financeiras afetam o desempenho. Empresas de destaque como a Johnson & Johnson embutem contingências nos planos de lucro de cada uma de suas divisões. Cobram um desempenho elevado dos gerentes, mas, se surge algo que coloca em risco o plano de lucro, são capazes de proteger a meta de resultados sem obrigar os gerentes a tomar medidas que coloquem a empresa em jogo. O orçamento de gerentes operacionais sempre teve folga, e sempre terá. Só que o problema com essa espécie de proteção oculta já foi muito discutido e, aliás, ajuda a explicar por que tanta gente defende altos níveis de endividamento – pois isso deixa menos espaço para essa proteção. Já se a folga for explícita e transparente, grande parte desse problema desaparece.

Um efeito certo da crise é que vai haver mais regulamentação financeira. Alguma sugestão para as autoridades?

Tufano: Daria duas. Primeiro como observou o colega David Moss, o risco sistêmico precisa de regulamentação pesada e atenta. Já o risco que não é sistêmico deve ser pouco regulado. Outra decisão a tomar é se haverá um ou vários reguladores. Ao longo da história, os Estados Unidos tiveram vários, e muito da crítica dirigida ao nosso sistema é que um volume considerável de risco se perde nas brechas [do sistema]. Hoje, parece haver um movimento de defesa da consolidação. Creio que é um passo na direção certa.

Mikes: Sem dúvida. As autoridades costumam fechar o foco em empresas isoladas. O’ desafio é unir os pontos no nível sistêmico. Para que entendam esse todo, será preciso uma comunicação melhor entre si ou consolidação. Além disso, os reguladores terão de conversar com bancos centrais e autoridades em outros países.

Kaplan: As autoridades reguladoras sempre estarão atrás da inovação – pelo menos no setor financeiro – e sempre estarão regulamentando a inovação anterior. É preciso suspeitar da capacidade das autoridades de entender o tipo de risco que um negócio inovador assume. Creio, ainda, que as normas do setor bancário deveriam ser mais como as de concessionárias de serviços públicos do que as de projetos de risco. É preciso reerguer muros e dizer “Captar recursos de curto prazo e conceder empréstimos de longo prazo é importante. Faça bem isso e fuja de coisas muito arriscadas”. Deixe isso para fundos de hedge e bancos de investimento. Queria passar da gestão de risco para o gerente de risco. Qual a marca de um bom diretor de risco?

Tufano: Michael e eu somos membros da Global Association of Risk Professionals. O grupo tem cerca de dez anos de existência e está tentando criar padrões para a profissão. O profissional da área de risco precisa primeiro, dominar o lado técnico a matemática e os modelos. Temos uma série de exames semelhantes aos aplicados a contadores ou analistas financeiros, para atestar que a pessoa possui o conhecimento básico. Só que conhecimento não basta; é preciso saber pensar como um executivo tarimbado, saber enxergar mais do que o risco isolado, entender tendências maiores e o impacto da interação entre empresas. A terceira coisa neces-sária é um senso de responsabilidade para com algo maior do que a organização em si, algo que meu colega Rakesh Khurana e outros vêm discutindo no contexto do ensino da administração.

Mikes: À lista do Peter, acrescentaria a capacidade de comunicação. Boa parte daquilo que um gerente de risco faz é expressa em linguagem técnica. Para ter acesso a instâncias superiores de decisão, esse gerente deve ser capaz de discutir a análise de risco no mesmo idioma falado pela cúpula da empresa. O diretor de risco precisa, no mínimo, ajudar a diretoria a entender os piores cenários: a empresa pode permitir que esses eventos se materializem? Há quem vá além e se converta num assessor de confiança da equipe executiva em temas estratégicos. Isso significa, basicamente, fazer o papel do advogado do diabo, reunindo e canalizando informações que desafiem velhas verdades na organização.

A impressão é que a separação entre a gestão geral e a gestão de risco está sumindo. É isso?

Simons: A direção da empresa normalmente atribui a gestão da contabilidade, do RH e da TI a gente especializada na respectiva área. Não tenho certeza se isso é possível no caso do risco. Ou seja, o risco precisa ser incumbência de gerentes operacionais. O diretor de risco sem dúvida tem um imenso papel a exercer, mas não queremos transferir a responsabilidade pelo risco de gerentes a cargo das operações para um diretor de risco e achar que, com isso, o problema está resolvido.

Mikes: Há uma perspectiva sociológica interessante sobre isso. Neil Fligstein, da University of Califórnia em Berkeley, vem estudando a transformação do poder em empresas nos últimos cem anos. Segundo ele, em cada época um grupo distinto assume preponderância estratégica no comando. Na era das ferrovias, a diretoria da empresa vinha da manufatura. Com o surgimento do conglomerado, o mais importante era saber como vender produtos distintos para regiões e áreas de mercado distintas, o que significava que altos gerentes eram, em geral, executivos da área comercial. Quando o principal tema na organização passou a ser como financiar as operações, vimos a ascensão do executivo de finanças. Na minha opinião, vivemos uma era na qual muitos dos problemas da gestão de uma organização estão sendo reformulados em termos de risco, o que sugere que o profissional do risco pode chegar ao topo.

Michael, qual a sua opinião?

Hofmann: A meu ver, é tudo questão de decidir em meio à incerteza, com todos os problemas que isso traz. Todos temos os próprios vieses e precisamos estar cientes deles na hora de pensar sobre nossas decisões. Isso pode criar um problema com a “experiência”. Experiência traz credibilidade, sim, mas também ancora sua perspectiva. O risco que derruba é aquele que a pessoa não está esperando, e talvez seja a experiência que a esteja impedindo de esperá-lo. Por algum motivo, as pessoas nem sempre param e se perguntam: como isso funciona? Por que agimos assim? Qual o problema aqui? Podem achar que sabem a resposta, devido à experiência. Uma das coisas mais difíceis para um tomador de decisões é admitir a própria ignorância. E quanto mais complicados nossos indicadores e modelos, mais as pessoas hesitam em admitir que não entenda. A meu ver, a credibilidade do gerente de risco resulta não só da capacidade de entender o negócio, mas também da disposição a questionar a opinião de tomadores de decisão, incluindo altos executivos. Não significa dizer não a todo instante – longe disso. Um bom gerente de risco também precisa assumir riscos. Se só souber dizer não, não terá futuro. Por último, é preciso saber explorar talentos diversos. Na Koch lndustries, por exemplo, as equipes de gestão de risco incluem engenheiros, contadores, gente de finanças e outros profissionais. Precisamos de todos eles, pois nenhuma perspectiva, por si só, pode compor o panorama geral.


Fonte: Revista Harvard Business Review, por David Champion