Fazer o que precisa ser feito

Na história da gestão, sobram exemplos de organizações de alto potencial lideradas por executivos inteligentes que fracassaram porque falharam na implementação da estratégia. Nesta reportagem, dois dos maiores especialistas do mundo em execução – Ram Charan e Lawrencew Hrebiniak – compartilham seus enfoques a respeito.

No final dos anos 1990, Ram Charan e Geoffrey Colvin, editor da revista Fortune, fizeram uma descoberta que sacudiu as bases da gestão empresarial. Em artigo publicado em junho de 1999, analisaram a razão pela qual grande parte dos CEOs mais poderosos dos Estados Unidos estava sendo afastada do cargo.

“Por que Eckhard Pfeiffer, da Compaq, foi demitido? Em que errou Bob Alien quando a frente da AT&T? Que mal fizeram Bob Stempel, CEO da GM, e Gil Amelio, número um da Apple?” A resposta dos autores foi conclusiva: “O fracasso dos líderes raramente se deve a sua falta de visão ou inteligência. O problema é que falham na execução”. Desde então, a execução é apontada como o principal desafio dos negócios.

Entra ano, sai ano, diversas pesquisas com CEOs e outros gestores seniores confirmam que essa é sua preocupação número um. Eles ilustram na prática o que Ram Charan, consultor de altos executivos e autor, com Larry Bossidy, do celebre Execução: a disciplina para atingir resultados (ed. Campus/Elsevier), vive afirmando a quem quiser ouvir: “Criar uma estratégia brilhante é fácil; o difícil é colocá-la em prática”.

Mas como ser eficaz na execução? Para alguns, que vão na linha de Ram Charan, é a soma de liderança, disciplina e cultura organizacional que faz diferença. Para outros, a exemplo do expert em estratégias competitivas Lawrence Hrebiniak, autor do aclamado livro Fazendo a estratégia funcionar: o caminho para uma execução bem-sucedida (ed. Bookman), tudo depende dos processos.

Em paralelo, aumenta o número dos que atribuem o êxito nessa área fundamentalmente as pessoas, seja dentro da organização – como insiste Tom Peters -, seja fora de suas fronteiras, na forma de organizações estendidas em redes. Essa ousada visão, que em um primeiro momento parece próxima a uma abstração, vem sendo advogada principalmente por especialistas em inovação e em gestão de tecnologia da informação (TI), como o brasileiro Silvio Meira.

O insucesso como regra na execução não é gratuito. Interpõem-se em seu caminho motivos diversos, entre eles a política interna, a inércia, a resistência a mudança e, não menos importante, o desconhecimento sobre execução. Nos ambientes corporativos, sabe-se muito sobre planejamento, mas nem tanto sobre realização, ou seja, sobre o funcionamento da estratégia na prática. Para Hrebiniak, isso ocorre porque treinamos gestores para ser inteligentes, e não necessariamente para executar.

A essência

Não é exagero afirmar que Charan e Hrebiniak estão entre as vozes mais ouvidas em execução de estratégia, se não forem as autoridades supremas mesmo. E, embora seus pensamentos sobre o assunto sejam um pouco distintos – e ainda que seus estilos pessoais também difiram, pois Charan é pragmático e persuasivo, enquanto seu colega tem perfil mais acadêmico -, seus enfoques coincidem e se complementam nos aspectos mais relevantes. Na verdade, Hrebiniak fez aprofundar a pesquisa de Charan para oferecer a base para um modelo de execução eficaz.

Definição e condições

“O que esta mudando no mundo? Conheço as pessoas de minha equipe? Quais são as diretrizes?” Charan insiste: todo líder deve formular essas três perguntas “diariamente, semanalmente, mensalmente”. Trata-se do treinamento básico dos estrategistas e executores que alcançam o sucesso. “O ritmo nos dá velocidade, nos dá perspicácia, nos dá flexibilidade”, assinala. Quando uma empresa esquadrinha sistematicamente o horizonte para vislumbrar o futuro e trabalha com o propósito de criar a mudança, poderá fazer dela algo significativo para sua organização e seus funcionários. “Encorajar a equipe a se perguntar o que esta mudando fará da transformação uma experiência amigável.”

A segunda pergunta ajudará os executivos a entender o que inspira seus funcionários, que habilidades e perspectivas construtivas oferece cada um deles, para compreender qual poderia ser sua melhor contribuição para o plano estratégico. “O poder maior de um líder é o poder de suas pessoas”, pontifica Charan. Finalmente, para criar um mapa que guie a equipe na execução e concentre sua energia em objetivos concretos, é necessário muito discernimento. “Esse mapa deve ser claro e específico, para que possa ser executado; deve ser simples, para que possa ser comunicado.”

A Apple, segundo exemplifica Charan, é o melhor caso de empresa cuja diferenciação competitiva está na execução. “Quando Steve Jobs decidiu lançar o iPad, estabeleceu um objetivo muito simples, claro e específico: uma bateria que durasse dez horas. Estava convencido de que era o que os consumidores queriam.”

Ainda que conseguir isso tenha exigido colaboração intensa entre diferentes equipes com culturas muito distintas – projetistas de baterias, fabricantes de chips e designers industriais -, a precisão do plano permitiu ao grupo vencer o desafio sem perder outros atributos da marca, como o design e a facilidade de uso, e, sobretudo, sem perder tempo.

Os líderes devem compreender que a execução é parte da estratégia, alerta Charan. Segundo sua definição do conceito, descrito em Execução: a disciplina para atingir resultados, a execução compõe-se de três ingredientes:

  • disciplina;
  • liderança;
  • cultura.

“A maioria das pessoas associa execução a táticas. Apesar de as táticas serem elemento central nos processos de execução, não há correspondência direta entre os conceitos. A execução é uma disciplina e faz parte da estratégia, que não pode ser planejada sem levarmos em conta a habilidade da organização para colocá-la em prática.

Basicamente, execução consiste em realizar de maneira sistemática os seguintes processos: planejar hipóteses sobre o contexto da empresa, avaliar as capacidades da organização, vincular a estratégia com as operações e as pessoas encarregadas de implementá-la, sincronizar o trabalho, associar as recompensas aos resultados obtidos e modificar as hipóteses iniciais para refletir mudanças no contexto.”

Portanto, a execução compete ao líder, conforme acrescenta Charan. Ele esclarece que, geralmente, as pessoas pensam que a tarefa principal do número um da empresa e criar uma visão inspiradora e deixar nas mãos dos executivos colocar a estratégia em ação. “Mas a execução exige profunda compreensão da empresa, de suas pessoas e do ambiente, e o líder é quem esta em melhores condições de adquirir tal conhecimento.”

Além disso, ele é responsável por criar um ambiente apto à execução. “Se fosse uma simples iniciativa do CEO, ela não atracaria em bom porto. Para que de resultado, a execução deve ser parte da cultura da empresa e refletir-se nos sistemas de remuneração, nas normas de comportamento da empresa e no perfil dos funcionários.”

Tarefa de todos

O carisma de Jobs permitiu a Apple criar um núcleo sólido e alinhar as pessoas à visão da empresa. “O compromisso do líder e o clima gerado por ele na companhia influem diretamente no sucesso da execução”, afirma Hrebiniak. Ele acrescenta que “os planos de implementação no nível corporativo vão a pique, se não recebem apoio da alta administração”.

Quando a cúpula planeja e vê a execução como algo menor, que diminuiu sua dignidade como condição de poder, qualquer iniciativa está fadada ao fracasso.

Hrebiniak define execução como um processo, produto de uma série de decisões ou ações integradas e coerentes ao longo do tempo. “A solidez da execução cria vantagem competitiva. Imitá-la pode ser extremamente difícil. Analisemos a Southwest Airlines”, convida ele. “Essa empresa faz muitas coisas diferentemente das grandes companhias aéreas: não transfere bagagens, não oferece alimentação, não expede cartões de embarque e usa somente um tipo de avião para reduzir custos. Desenvolveu capacidades e criou atividades para apoiar sua estratégia de custos baixos. Copiar a execução da Southwest pressupõe sacrifícios duros, grandes mudanças, outra cultura.” De acordo com Hrebiniak, qualquer que seja a estratégia – baixo custo, diferenciação por produto, serviços inovadores -, ela somente funcionará se tiver sido perfeitamente definida, transmitida com clareza e bem compreendida por funcionários, clientes, sócios e investidores.

“Um bom planejamento ajuda o processo de execução”, escreve o especialista em Fazendo a estratégia funcionar. No livro, desenvolve exaustivamente o capítulo relacionado ao planejamento e ensina, como Charan, como as estratégias corporativa e de negócios influem uma na outra e afetam a execução.

No nível do negócio, a estratégia se relaciona com os produtos e serviços das unidades e com o modo de concorrer em dado setor para extrair vantagem. Na esfera corporativa, a estratégia faz referenda a organização em seu conjunto, define áreas em que a empresa participará e designa recursos entre as unidades corporativas. Nas palavras de Hrebiniak: “A estratégia de negócios é essencial para a execução bem-sucedida da estratégia corporativa, que atribui funções e metas às unidades. Se não cumprem o planejado, reduzem a capacidade de alcançar seus objetivos estratégicos”.

Para atingir tais objetivos, toda empresa tem de desenvolver metas mensuráveis de curto prazo que sejam coerentes com as estratégias de negócios. Aqui entra em jogo um fator fundamental da execução, cuja relevância ambos os autores destacam: a comunicação. “O diálogo efetivo entre os níveis organizacionais, assim como o design de processos que permitam aos responsáveis pelas decisões chegar a um consenso sobre estratégias, metas e indicadores de desempenho, é essencial na hora de executar a estratégia”, sustenta Hrebiniak.

Para chegar ao consenso, Charan sugere estimular o diálogo aberto entre todos os integrantes da organização. “As empresas que se caracterizam por execução destacada seguem um caminho específico: os líderes de todos os departamentos se reúnem para discutir o plano operacional e, dele, surge o orçamento. Em outras palavras, o orçamento é a expressão financeira do plano operacional”, assinala.

Enfoque prático

Um modelo lógico de execução e um método disciplinado ajudam a realizar a estratégia e a entender o que deve ser feito, quando, por que e em que ordem. Hrebiniak aponta que a execução implica tomar decisões sobre planejamento, estrutura, coordenação, intercâmbio de informações, incentivos e controles em um contexto organizacional, cultural, de poder, liderança e gestão da mudança. O design de um modelo eficaz apresenta oito desafios:

1. Desenvolvimento de um enfoque ou conjunto de diretrizes que apresentem o processo e guiem as decisões ou ações de execução.

“Sem diretrizes, a execução torna-se uma questão confusa e desordenada.”

2. Compreensão de como a criação de uma estratégia afeta sua execução.

A estratégia define o terreno (clientes, mercados, tecnologias, produtos, logística) onde se desenrolara o jogo da execução. Ela, porém, será um esforço inútil sem a orientação da estratégia e dos objetivos de curto prazo a ela relacionados. Que aspectos da estratégia e do planejamento têm mais impacto sobre os resultados da execução e uma pergunta crucial a ser feita. Outra questão essencial é sobre a relação entre a estratégia corporativa e a de negócios e como sua interação afeta resultados da execução.

3. Gestão da mudança.

A implementação da estratégia costuma exigir uma mudança. Porém a gestão dessa mudança significa muito mais do que manter as pessoas felizes e reduzir a resistência aos novos métodos. Implica conhecer os passes necessários para gerir o processo de execução ao longo do tempo. Os gestores viabilizam a mudança de maneira sequencial ou a implantam de uma só vez, lançando-se no vazio? “A resposta incorreta pode matar os esforços de execução.”

4. Compreensão da estrutura de poder é influência.

Os programas de execução que contradizem a estrutura de poder estão condenados ao fracasso. O poder reflete o domínio crítico sobre capacidades e recursos escassos. Os que estão no poder decidem sobre a designação de recursos para indivíduos e unidades organizacionais que afetam esforços de execução. Se a alta administração se opõe a um plano de execução, ou não o apóia, o sucesso esta comprometido.

5. Design de estruturas organizacionais que promovam intercambio de informações, coordenação e accountability.

Derrubar as fronteiras e fomentar a comunicação lateral dentro da empresa é essencial para aumentar a flexibilidade que a correta execução demanda, bem como a transferência de conhecimento e a coordenação do funcionamento das unidades operacionais. “Os gestores devem saber quem faz o que, quando e por que, assim como quem é responsável por todos os objetivos-chave da execução.”

6. Estabelecimento de incentivos, controles e mecanismos de feedback.

Os incentivos estimulam o comportamento adequado para conseguir os resultados desejados da execução. Por sua vez, os controles oferecem feedback sobre o desempenho, bem como os mecanismos de correção, e facilitam a mudança. Ambos são centrais para o funcionamento da estratégia. Os bons incentivos apóiam aspectos-chave do modelo de execução e estão ligados a metas estratégicas ou de curto prazo e recompensam o correto: premiam quem faz. Assim, aumentam a motivação, ainda que não dêem origem a ela. “É preciso que os controles enfrentem os problemas de maneira sincera quando o desempenho e baixo. Sem análise das situações negativas, não haverá lugar para o aprendizado e, a mudança ou a adaptação organizacional estarão em perigo.”

7. Criação da cultura adequada. As organizações devem fomentar a cultura de apoio à execução.

“A execução exige um ambiente de conquista e disciplina e um sentido de propriedade.”

8. Desenvolvimento de liderança orientada a execução.

A equipe de direção deve impulsionar a organização ao sucesso e gerar compromisso com o processo de execução. A análise dos passos e decisões de execução define o que e a boa liderança e como influencia a implantação da estratégia, direta ou indiretamente.

Qualidades do líder

Conquistar uma cultura de alto desempenho que apóie a execução não é simples, porque, geralmente, exige mudança profunda da cultura corporativa. “Os líderes eficazes mudam as pessoas. Tanto a transformação da estrutura corporativa como a do comportamento, em resposta a novos incentivos e controles, podem afetar a mudança cultural, assim como a incorporação de funcionários com ideias frescas e novas capacidades pode fazê-lo”, comenta Hrebiniak.

Ele recorda alguns exemplos de empresas que, graças à gestão da mudança cultural, alcançaram níveis extraordinários de desempenho.

O caso mais representativo é o do Walmart, que se converteu na maior rede varejista do mundo, a partir de uma grande intervenção em sua estrutura liderada por seu fundador, Sam Walton. A empresa descentralizou suas operações para criar uma cultura baseada em autonomia local, responsabilidade e estrutura de recompensas que reconhece o desempenho superior. “Os grandes departamentos se converteram em lojas dentro de lojas e em centros de lucros sob o comando das gerencias locais. Histórias sobre funcionários que ascenderam na organização ou que se aposentaram após ter feito fortuna criaram um folclore e uma cultura que conduziram ao atual desempenho extraordinário da rede.”

Os líderes que se destacam no terreno da execução melhoram suas habilidades metodicamente. “Oitenta por cento do que alguém faz em vida é executar. Proponho que se modifiquem certos aspectos de comportamento para que o líder se aperfeiçoe nesse sentido”, recomenda Charan. Tais aspectos de conduta são cinco:

  • Adotar uma atitude vencedora. O líder deve cultivar qualidades de conquistador. “A fome de vencer tem de contagiar as pessoas.”
  • Mostrar interesse pelas pessoas. Antes de se ater aos números, o líder deve interessar-se por seus funcionários. Diante deles, deve perguntar-se quais são as três coisas que cada um faz bem. Depois, redistribuir tarefas, se necessário. Automaticamente, as pessoas se sentirão cheias de energia. “Há que se adaptar o dom do indivíduo a seu trabalho. As pessoas querem sentir que contribuem.”
  • Expressar-se com clareza. Cada vez que o líder designar uma atividade a alguém, deve dedicar tempo a explicar do que ela se trata. “As palavras-chave em execução são ‘clareza’ e ‘especificidade’”
  • Concentrar-se em objetivos concretos. O líder deve perguntar-se em que questões fundamentais têm de se concentrar. “As prioridades não podem mudar todos os dias.”
  • Impor disciplina. Para isso, é preciso estabelecer processos de atribuição de responsabilidades e acompanhamento. Cada reunião da equipe de trabalho deve concluir com um “fechamento”, isto é, um resumo que especifique o que deve ser feito, por quem e quando. “Assim serão delimitadas as responsabilidades, algo central para a execução. Também é essencial que não fiquem dúvidas sobre como será o acompanhamento da tarefa, pois ele gera disciplina.”

Um líder hábil poderá determinar se a empresa dispõe de pessoas adequadas para executar o plano e, caso contrário, pensar em como remediar a situação. Hrebiniak opina: “É fundamental que somente permaneçam no ônibus os indivíduos adequados e que os demais desçam imediatamente. Porém, em primeiro lugar, há que se saber exatamente aonde vai o ônibus”.

Como disse Charan: “Não se pode esquecer que execução é sinônimo de ganhar. Ganhar vantagem competitiva e dinheiro”.


Fonte: Revista HSM Management