Em vez da melhor prática, a próxima prática para atrair consumidores

Em entrevista à Across the Board, o mestre da estratégia C.K. Prahalad afirma que as empresas precisam focalizar os bilhões de consumidores que vivem com cerca de US$ 2 por dia (ou menos) no mundo inteiro. Ignorá-los não é uma estratégia inteligente, garante ele, que cita como exemplo a ser seguido a brasileira Casas Bahia

Poucos especialistas do mundo do management podem afirmar que realmente influenciaram o modo de pensar dos executivos, e C.K. Prahalad é um deles. No livro A Riqueza na Base da Pirâmide (ed. Bookman), Prahalad resiste à clássica visão que coloca os pobres na condição de “tutelados pelo Estado”, preferindo, em vez disso, abordar o “capitalismo inclusivo”, dirigido aos bilhões de pessoas que vivem com renda de US$ 2 por dia.

Mas esse grupo constitui mesmo um mercado? Essas pessoas são, de fato, consumidoras? Há oportunidade de crescer com elas? Para C.K. Prahalad, entrevistado por A.J. Vogl, da revista Across the Board, a resposta para as três perguntas é “sim”, “sim” e “sim”.

Para provar seu ponto de vista, ele oferece exemplos de empresas brasileiras, indianas e mexicanas que têm sucesso ao adotar o que chama de “próxima prática” e alerta: sem verem as pessoas pobres, os executivos não saberão como elas vivem.

Observação interessante: a entrevista foi feita antes que o furacão Katrina expusesse a pobreza dos EUA ao mundo.


O subtítulo de seu livro é “como erradicar a pobreza com o lucro”. Não parece uma proposta ousada?

Absolutamente não. Meu livro trata de uma nova ordem econômica mundial, na qual existe um mercado invisível que reúne 5 bilhões de pessoas. É invisível para nós por causa do modo como estamos acostumados a pensar. Se observarmos os principais países em desenvolvimento (China, Índia, Brasil, México, Indonésia, Turquia, Rússia, África do Sul, Tailândia, os mais falados), veremos que eles representam de 70% a 75% da população pobre do planeta e respondem por cerca de 90% do PIB das nações em desenvolvimento.

Tendemos a analisar o PIB em dólares norte-americanos, o que não dá nenhuma ideia sobre a natureza e a intensidade de comércio desses países. É preciso observar a paridade para compra. Nesse caso, estamos falando de US$ 14 trilhões, valor que supera as economias da Alemanha, França, Itália, Japão e Reino Unido somadas.

O sr. fala sobre esse grupo como uma grande oportunidade de mercado, mas em seu novo livro reconhece que muitas dessas pessoas vivem com até US$ 2 por dia. Como essas pessoas podem comprar os serviços e produtos oferecidos pelas empresas?

Sempre pensamos assim: é possível vender desde que as pessoas tenham dinheiro para pagar. Mas a questão mais interessante é a que aborda a criação da capacidade de consumir: como posso vender algo (de maneira rentável) se você não tem dinheiro? Um exemplo bem norte-americano é o caso da fabricante de máquinas de costura Singer, há 150 anos. As pessoas pobres que necessitavam da máquina não tinham US$ 100 para comprar o equipamento. A Singer então disse: por que não pagar em prestações mensais de US$ 5? Nesse sistema, a empresa vendeu milhares de máquinas.

É exatamente isso que faz a Casas Bahia, rede varejista brasileira. Quem mora nas favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo não dispõe de US$ 300 para comprar uma televisão, mas pode pagar parcelas de US$ 25 por mês. E, se a companhia vendedora der o crédito e acreditar na promessa de pagamento, a dívida será saldada. É um modo de economizar e de consumir ao mesmo tempo. Empresas como a Casas Bahia, a mexicana Cemex e outras que cito em meu livro criam antes a capacidade de consumo.

Assim, a primeira regra para o business for business não é dizer que não existe mercado, mas sim tentar descobrir como criar um. Tradicionalmente, porém, o foco de negócio das grandes multinacionais sempre esteve no aumento da eficiência dos mercados já existentes.

Então é uma questão de criar novos modelos de negócio em vez de aproveitar os que estão aí?

Exatamente. A relação entre desempenho e preço, por exemplo, tem de ser totalmente diferente. Talvez seja preciso criar produtos funcionalmente ainda mais avançados, como fez a Jaipur Foot. Essa empresa indiana é a maior fornecedora mundial de próteses. Nos Estados Unidos, o custo médio de uma prótese de pé é de US$ 8 mil, enquanto na Índia a Jaipur Foot, criada para atender o mercado de menor renda, cobra cerca de US$ 30.

Outro exemplo é o do hospital Aravind, também na Índia e dono da maior estrutura do mundo em atendimento oftalmológico. Nele são realizadas 200 mil cirurgias por ano, e os resultados revelam um índice de qualidade muito mais elevado do que no Reino Unido, por exemplo. Não estamos falando de uma operação malfeita, mas sim de nível internacional. E quanto custa uma operação de catarata no hospital Aravind? Para 60% da população, a cirurgia não custa nada. Os 40% restantes pagam de US$ 50 a US$ 70, longe dos US$ 3 mil que o procedimento custa nos Estados Unidos.

Para chegar a esse resultado, foi preciso avaliar o preço de cada item e reorganizar o modelo de negócio e os processos internos. É preciso mudar todo o fluxo –e foi isso que essas empresas fizeram. Assim, afirmar que o fato de existirem pessoas vivendo com US$ 2 por dia elimina as oportunidades de mercado diz mais sobre o viés em nossa forma de pensar do que sobre as oportunidades objetivas que existem.

Parece que o mercado sobre o qual o sr. fala não é exatamente invisível, mas sim ignorado; que os profissionais de marketing não só acham que não vale a pena, como também acreditam que ele poderia romper a estrutura existente.

Essa é uma abordagem interessante, mas vejamos o que acontece agora nos Estados Unidos. Estamos tentando a duras penas conseguir um crescimento orgânico de 2% a 3%, e a maioria das empresas recorreu a fusões e aquisições da concorrência para tentar crescer um pouco. Mas isso acaba revelando-se apenas uma estratégia de redução de custos, já que, quando duas operações são fundidas, sempre é possível eliminar redundâncias. E qual será o próximo round do crescimento? Não é possível tentar extrair mais e mais crescimento nos mercados tradicionais usando métodos tradicionais.

Vejamos os setores que crescem com velocidade, como o de telefones celulares. Na China existem 300 milhões de aparelhos, e nem todos pertencem aos chineses ricos. Na Índia funcionam 40 milhões de aparelhos, e o número de novos assinantes é de 1,5 milhão cada mês –outro fenômeno que não se restringe apenas aos ricos. São pessoas simples, comuns que estão formando a base desses negócios. Se levarmos em conta a China, a Índia e o Brasil, estamos falando de 500 milhões de telefones celulares, em comparação com os 170 milhões existentes nos Estados Unidos. Agora, se você fosse a Nokia ou a Motorola, onde gostaria de estar? Não estou dizendo para não atuar no mercado norte-americano, mas sim para não deixar escapar as maiores oportunidades de crescimento.

O aspecto mais perturbador do mercado da base da pirâmide é que tanto os problemas como as soluções são conhecidos. O que costuma faltar é a inovação fundamental para transformar a solução em um produto viável e em um sistema de distribuição capaz de colocá-lo em toda parte. Algumas multinacionais ocidentais estão fazendo um trabalho interessante.

É o caso da Hindustan Lever, subsidiária da Unilever, que parece que sempre atuou na Índia. As doenças causadas pela falta de iodo afetam mais de 200 milhões de crianças nos países desenvolvidos, mais da metade delas na Índia. Hoje, o modo mais fácil de prevenir problemas mentais e outras consequências da falta desse elemento está em garantir uma alimentação com as quantidades corretas de sal enriquecido com iodo.

Na Índia, apenas 20% do sal contém esse item e, mesmo quando ele está presente, há uma perda da potência por causa dos processos de armazenamento, cozimento e outras etapas. Por meio de uma tecnologia avançada desenvolvida pela agência de energia atômica da Índia, a Hindustan Lever encontrou uma maneira de criar microcápsulas de sal, que garantem a retenção do iodo. Em seguida, a empresa precisou convencer os consumidores de que o sal com iodo era superior às marcas que não tinham essa característica. A fim de conscientizar os consumidores da base da pirâmide, promoveu anúncios na televisão, mas nas aldeias recorreu à educação direta, por meio de mulheres da comunidade.

Pela lógica predominante nas empresas ocidentais, as pessoas pobres não ligam para marcas. O sr. concorda?

Discordo totalmente. A maior prova de que o consumidor de baixa renda valoriza marca é o caso da Casas Bahia, maior vendedora de produtos Sony no Brasil. Tudo é muito lógico: se você é pobre, quais são suas aspirações? As pessoas não querem apenas comprar alguma coisa, e sim algo que as coloque no caminho para ser quem elas gostariam de ser.

E, por isso, em vez de comprar o aparelho mais barato do mercado, os consumidores preferem comprar um da marca Sony…

Desde que os produtos da Sony sejam acessíveis. Os itens dessa marca em geral são caros, mas, como eu disse, a Casas Bahia facilita o pagamento e oferece crédito a fim de criar um padrão de consumo diferenciado. Sem esse sistema, talvez as pessoas comprassem apenas o que estivesse a seu alcance ou nem comprassem nada. O mesmo vale para o sorvete e a Coca-Cola, por exemplo.

Na Índia, a Coca-Cola teve de reduzir a garrafa de 350 ml para 200 ml, vendendo-a por 5 rúpias (algo em torno de 11 centavos de dólar). Antes dessa decisão, as pessoas queriam comprar o refrigerante, mas o preço de 10 rúpias o tornava inacessível. No entanto, a empresa precisou de bastante tempo para perceber o fenômeno.

Seu trabalho de consultoria também está relacionado com o segmento da base da pirâmide?

Estou envolvido em organizar uma prática de consultoria totalmente voltada para a base da pirâmide, chamada de “a próxima prática”. Não se trata da melhor prática, porque, como nos dias de hoje todos têm uma abordagem baseada em parâmetros, todos procuram a melhor prática. Minha opinião é que, se a totalidade seguir a “melhor prática” de alguém, todos convergiriam a um mesmo ponto, o que eliminaria qualquer vantagem. A estratégia deve sempre estar relacionada com a próxima prática, e é isso o que tenho defendido em minha carreira como consultor. Há 20 anos, a próxima prática envolvia a reação local e a integração global. Uma década atrás, o assunto era a competência essencial. É interessante notar que há certa continuidade intelectual aqui.

Pensemos na base da pirâmide. Uma empresa de atuação mundial precisa alavancar suas forças globais, a fim de obter o máximo de sua tecnologia e de seus recursos. No entanto, tem de agir de forma local. O McDonald’s não pode chegar à Índia e dizer: “Em nossas lojas servimos apenas hambúrgueres de carne”; ele deve oferecer também alternativas vegetarianas.

Por motivos óbvios…

Sim. E as pessoas mais pobres precisam ter condições de comprar o produto ou serviço oferecido. A Coca-Cola não pode afirmar: “Só existe um tamanho de garrafa no mundo todo e pronto”; ela tem de fazer a adaptação necessária e saber reagir em cada lugar.

Entretanto, sobre alguns itens sobre o qual o sr. fala, como a garrafa da Coca-Cola, por exemplo, as multinacionais já tinham pensado no assunto antes, certo?

De maneira isolada, sim. Nos aviões, sempre houve sabonetes e tubos de pasta de dentes de tamanho reduzido.

Mas ninguém pensou nisso como produto para o mercado de massa?

Não, não pensou. É possível vender embalagens de sabonete pequenas para as companhias aéreas e cobrar caro, mas, quando se trata do mercado de massa, deve-se pensar em distribuição, manutenção da qualidade e acesso a lugares difíceis, além de oferecer o produto a preço baixo –como um xampu a 1 centavo, por exemplo.

Então surgem as perguntas: como vender um item a 1 centavo no varejo e obter lucro? Como vender 12 bilhões de unidades? É difícil responder. Existe uma nova economia voltada para esses itens single-serve e, em minha opinião, o assunto não recebeu a atenção devida por causa do que chamo de “wal-martização” –adesão a embalagens cada vez maiores.

Grandes exemplos desse fenômeno são as redes Costco e Sam’s Club. É verdade que as embalagens miniaturizadas estão na extremidade oposta do processo. As opções single-serve apresentam algumas dificuldades bastante peculiares. Quando o consumidor compra cinco litros de detergente, leva grandes quantidades. Quem é rico ou não gosta do produto simplesmente o joga fora –algo que os pobres não podem fazer. Em vez disso, vão aos pequenos estabelecimentos e compram embalagens menores quando precisam e têm dinheiro para isso.

É igualmente racional, do ponto de vista do consumo. Se uma pessoa comprar uma embalagem single-serve e não gostar, amanhã ou depois ela pode optar por outra marca. Isso nos coloca a seguinte pergunta: como preservar os clientes? As marcas precisam comprovar um valor superior o tempo todo, além de inovar sempre.

Há dez anos, entrevistei o sr. para a Across the Board e na ocasião falamos sobre o que o sr. chamou de “espaços brancos”. Essa expressão, que não sei se se tornou parte de nosso vocabulário…

Ah, se tornou, sim!

…designa as coisas que as empresas deixam escapar. E um dos aspectos era o fato de as empresas enxergarem as oportunidades através das lentes de diversas unidades de negócio, mas acabarem perdendo todas elas por causa do envolvimento de muitos elementos. Em sua opinião, isso pode acontecer com a teoria sobre a base da pirâmide?

Sim, não apenas pelas unidades de negócio, mas pela empresa como um todo, que olha somente para os mercados desenvolvidos e dedica aos segmentos em desenvolvimento o que chamo de “distrações atraentes”.

Nós nos preocupamos com a terceirização das tarefas de tecnologia da informação para empresas da Índia, mas alguém pergunta: “Será que os profissionais indianos vão precisar de computadores Dell? Ou do Windows? De aparelhos de ar condicionado? De onde virá o equipamento usado pelas empresas de telecomunicações?”.

Com o crescimento da prosperidade no país, aumenta o mercado para nossos produtos. É burrice enxergar na migração de empregos apenas uma questão política e não reconhecer que estamos diante da criação de novos mercados.

O maior mercado para os tratores da Caterpillar e para equipamentos de construção civil é a China, e não os Estados Unidos. O mesmo ocorre com os automóveis: em breve, a China vai superar o Japão e se transformar no segundo maior mercado. Como ignorar o segundo maior mercado do planeta?

Na Índia, as vendas já aumentaram 1 milhão de unidades e o setor cresce 25% por ano. O setor automobilístico norte-americano não se amplia nessa proporção.

E os preços dos carros na Índia? São comparáveis aos praticados nos Estados Unidos?

Lá os preços são bem menores. O centro da gravidade para o mercado automobilístico indiano são os carros vendidos a US$ 6 mil, cuja qualidade não é ruim. Na verdade, uma montadora está exportando seus veículos para a Rover, no Reino Unido, para venda na Europa. Eles atendem às exigências européias quanto ao controle de poluição e, claro, não oferecem todos os recursos de um carro vendido a US$ 35 mil.

Qual será o preço de venda na Europa?

Cerca de US$ 12 mil. Agora a mesma empresa começa a falar em fazer veículos de US$ 3 mil, a partir de uma abordagem de produção totalmente distinta. Enquanto isso, nos EUA, todo mundo está de olho no mercado de carros de luxo.

Todo mundo quer ocupar o mesmo espaço que a Lexus, a Mercedes-Benz, a Jaguar, a Cadillac e a Lincoln, e ninguém está se voltando para o mercado formado pelas pessoas comuns. Por que não produzir um veículo para um profissional em início de carreira, como um recém-formado, uma secretária, um trabalhador jovem? Essas pessoas precisam recorrer a veículos usados.

E por que as empresas norte-americanas não produzem esse carro?

É uma questão de escolha de prioridades. Produzir um bom carro a preço baixo exige uma abordagem da estrutura de custos totalmente nova. Acredito que a maioria das grandes empresas aceita a estrutura que está aí, sem questionar. Elas não se perguntam como fazer o mesmo por um vigésimo do custo e, portanto, nunca encontrarão a resposta. Todo mundo está preocupado em cortar os custos em 5% ou 10%, mas ninguém coloca como meta a redução drástica, que é o que precisa ser feito para operar nos países pobres.

Falando sobre prioridades mal direcionadas, me lembrei de algo que o sr. disse em outra entrevista: “Tamanha disparidade na renda aumenta a probabilidade de desconexão entre os altos executivos e as equipes da linha de frente”. O sr. fez essa afirmação há dez anos. Ela continua válida para os dias de hoje?

Sim, acho que até mais.

Por que mais? Ela foi ampliada pela distância cada vez maior entre os mais ricos e os mais pobres?

Sim, e é por isso que não conseguimos ver as oportunidades. Trata-se de uma pergunta interessante. Qual foi a última vez que um alto executivo qualquer caminhou pelas ruas do centro de Detroit? Posso ir à Índia e me hospedar no hotel mais luxuoso e será tudo muito parecido com Nova York –só se eu caminhar pelas ruas e visitar aldeias poderei saber como as pessoas vivem.

Vamos voltar ao caso da Unilever. Por uma questão de honestidade e de jogar aberto, preciso dizer que faço parte do conselho da Hindustan Lever, e posso falar com segurança. Quando um novo colaborador ingressa na empresa (não importa quem ele é e em qual nível vai atuar), antes de começar a trabalhar tem de passar três meses em um vilarejo.

Não se trata de uma simples visita: ele precisa elaborar um projeto, como a construção de um dique, por exemplo, e de fato trabalhar com as pessoas que vivem ali. Por que a empresa faz isso? Porque quer que seus colaboradores compreendam os consumidores. Cada ano, por um dia, todos os funcionários (e isso inclui o presidente do conselho) visitam uma família de consumidores. Após a visita, eles voltam para a empresa e fazem um relatório sobre o que aprenderam e como isso pode influenciar os sistemas de gestão e as práticas de desenvolvimento de produtos.

Em um de meus livros, afirmei que existe uma desconexão entre os executivos graduados e os funcionários. Isso ainda é verdade e, ao pensarmos nos escândalos envolvendo grandes empresas, vemos que essa distância tornou-se ainda maior nos últimos dez anos. O livro afirma que é grande o afastamento da realidade entre todos os gerentes das empresas multinacionais (e não apenas os mais graduados) e os 5 bilhões de consumidores potenciais. Sem ver as pessoas pobres, não há como saber como elas vivem.

Quando uma pessoa me pergunta se os mais pobres têm dinheiro, por exemplo, costumo perguntar-lhe se sabe qual a taxa de juros que eles pagam quando pegam dinheiro emprestado; em geral, quem me pergunta isso não sabe a resposta. Suponhamos que eu diga que a taxa é de 300% e que você poderia cobrar 25%. Uma taxa de 25% é superior a 10%, normalmente dada aos melhores clientes, mas está bem longe dos 300%. Para você, parece ótimo. Então pergunto: “Por que você quer cobrar juros de 25% dessas pessoas se dos ricos cobra 10%?”. A resposta é que se trata de um segmento com maior risco.

Aí eu lembro que isso é uma lenda e que ocorre exatamente o contrário: se analisarmos o Grameen Bank e sua experiência com microfinanciamentos, veremos que a taxa de inadimplência é de menos de 1%. Qual a taxa de inadimplência de uma montadora de veículos nesse país? É de 5% a 6%. Então por que os clientes apresentam alto risco? Os pobres deveriam ser classificados como os pagadores mais confiáveis. Se você me empresta dinheiro a 10%, para eles deveria cobrar juros de 5%. Um antigo ditado indiano afirma que é preciso um pouco de impureza para criar uma pérola. Sem um fator de incômodo, não há pérolas.

E o sr. é o fator de incômodo?

Sou. O que eu quero está nas coisas simples, como ver o sorriso de uma criança que toma um sorvete em um dia de calor. Parece simples demais, até meio bobo, mas não é se você pensar em como fazer que isso aconteça –sobretudo em um país no qual os apagões e blecautes parciais são comuns. Nessa situação, como manter o sorvete cremoso e na temperatura certa, que é de 18 graus negativos? É preciso reavaliar as técnicas de refrigeração. Já existem máquinas automáticas de venda de sorvetes que só precisam ser recarregadas cada dois dias.

Assim, se houver falta de energia, o sorvete não derrete…

Isso mesmo. Esse método de refrigeração reduz a quantidade de eletricidade fornecida; em um país como a Índia, a eletricidade do refrigerador representa 40% do preço do sorvete. Pode parecer um problema simples, mas, quando avaliado em detalhe, deve-se mudar as coisas totalmente. Pense em que significa cada criança indiana podendo comprar um sorvete: para isso, é preciso criar riqueza, de um lado, e preços com boa qualidade e boa distribuição, de outro. Se isso for feito, estaremos diante de uma economia altamente vigorosa.

Então, a democracia é medida pela possibilidade de tomar sorvete?

Para mim, democracia e liberdade não significam nada se as pessoas não podem tomar um sorvete quando sentirem vontade.

Saiba mais sobre C.K. Prahalad

C.K. Prahalad é professor de administração de empresas da UMBS, a escola de administração da University of Michigan, sediada na cidade de Ann Arbor, nos EUA. Além de lecionar, atua como consultor de estratégia de grandes empresas multinacionais.
É autor, com Gary Hamel, do best-seller Competindo pelo Futuro (ed. Campus, 2005). A partir dessa obra, foram incluídas no vocabulário do management expressões como “arquitetura estratégica” e “competências essenciais”.


Fonte: Revista HSM Management – A entrevista é de A.J. Vogl, editor da Across the Board.