Analisar para Competir

Em certas empresas, o negócio é fundado na capacidade de coletar e analisar dados e agir com base naquilo que revelam. Toda empresa pode tirar lições dessa abordagem e mergulhar no campo da estatística.

Todo mundo sabe a força que uma tecnologia revolucionária, uma killer app, tem. Ao longo dos anos, sistemas inovadores de empresas como American Airlines (reservas eletrônicas), Otis Elevator (manutenção preventiva) e American Hospital Supply (pedidos via internet) deram um impulso tremendo à receita e ao prestígio de seus criadores. Louvados e invejados, esses aplicativos coletavam e utilizam dados de um jeito que mexia com as expectativas da clientela e otimizava as operações num grau jamais visto. Com eles, a tecnologia passou de ferramenta de apoio a arma estratégica.

Empresas em busca de um aplicativo arrasador desses em geral concentram sua artilharia na área que promete gerar a maior das vantagens competitivas.

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Agora, uma nova raça de empresas está indo além. Organizações como Amazon, Harrah’s, Capital One e o time americano de beisebol Boston Red Sox dominaram as respectivas arenas ao aplicar uma pesada análise a um vasto leque de atividades. Na prática, estão transformando suas organizações em exércitos de killer apps, processando dados sem parar para poder vencer.

Para uma organização, competir pela análise não é só questão de opção – em qualquer empresa há hoje uma profusão de dados e de processadores de dados. É, também, de necessidade. Num momento em que empresas em muitos setores oferecem produtos similares e usam tecnologias comparáveis, um processo empresarial é um dos últimos redutores de diferenciação.

E quem aposta na análise extrai até a última gota de valor existente nesses processos. Uma empresa dessas sabe, assim como as adversárias que produtos seus clientes querem – mas sabe também quanto estão dispostos a pagar, quanto cada um vai comprar ao longo da vida, o que leva alguém a comprar mais.

Assim como as adversárias, sabe qual o custo da folha de pagamento e qual a rotatividade do pessoal – mas pode calcular também o quanto essa gente soma (ou subtrai) aos resultados finais e qual a relação entre o salário e o desempenho de cada um.

Assim como outras empresas, sabe quando o estoque anda baixo, mas sabe também prever problemas de demanda e suprimento para manter baixos níveis de estoque e altas taxas de pedidos perfeitos.

E a empresa que analisa para competir faz isso tudo de modo coordenado, como parte de uma grande estratégia patrocinada pela alta liderança e transmitida a tomadores de decisão em todos os níveis.

Gente contratada pela perícia em números ou treinada para reconhecer sua importância é armada com as melhores evidências e as melhores ferramentas quantitativas. Com isso, toma as melhores decisões – grandes e pequenas, dia após dia, vez após vez.

Embora várias organizações estejam adotando a análise, são poucas as que atingiram esse nível de proficiência. Vários setores, contudo, são liderados por quem usa a análise para competir: bens de consumo, finanças, varejo, turismo e entretenimento.

A análise foi instrumental para a Capital One, cujo lucro por ação subiu mais de 20% ao ano desde a abertura do capital. Essa mesma análise permitiu que a Amazon dominasse o varejo on-line e registrasse lucro, apesar do enorme investimento em crescimento e infra-estrutura. Na arena esportiva, a verdadeira arma secreta talvez não seja o esteróide, mas a estatística, como atestam as dramáticas vitórias dos times americanos Boston Red Sox, New-England Patriots e Oakland A’s.

Nessas organizações, o virtuosismo nos dados costuma ser parte da marca. A Progressive faz uso publicitário do cálculo detalhado de cada prêmio de seguro. A clientela da Amazon pode testemunhar a empresa se inteirando de seu gosto à medida que o serviço fica mais e mais orientado com o consumo freqüente.

Graças ao best-seller Moneyball, de Michael Lewis (que demonstrou o poder da estatística no beisebol profissional), o time Oakland A’s hoje é quase tão famoso pela engenhosidade no processamento de dados quanto pela habilidade esportiva.

Para identificar características comuns a quem compete pela análise, eu e dois colegas do Working Knowledge Research Center, da Babson College, estudamos 32 empresas que se comprometeram a adotar uma análise quantitativa, baseada em fatos.

Dessas, 11 foram classificadas como totalmente fundadas em análise – ou seja, a diretoria deixava claro que a análise era fundamental para a estratégia, havia diversas iniciativas em curso envolvendo dados complexos e análises estatísticas, e a atividade analítica era administrada na cúpula – e não em cada departamento, isoladamente.

Este artigo descreve as características e práticas dessas ases da estatística e delineia algumas das mudanças fundamentais que a empresa deve promover para poder competir na área quantitativa. Como seria de esperar, a transformação requer um considerável investimento em tecnologia, o acúmulo de volumes altíssimo de dados e a formulação de estratégia de gestão de dados para toda e empresa. Igualmente importante é o compromisso expresso e inabalável da liderança em mudar o modo como o pessoal pensa, age e é tratado. E como diz Gary Loveman presidente da rede de cassinos Harrah’s, que analisa para competir: “Suspeitamos que algo seja verdade? Ou temos certeza?”.

Anatomia da empresa que analisa

Uma empresa que atingiu a excelência na análise é a Marriott Internacional. Nos últimos 20 anos a empresa converteu em ciência o sistema para estabelecer o preço ótimo de cada quarto (o principal processo analítico de hotéis, conhecido por gestão da receita).

Hoje, sua ambição é muito maior. Através do programa Total Hotel Optimization, a Marriott levou sua tarimba quantitativa a áreas como instalações para congressos e catering, lançando ferramentas correlatas na internet para uso por gestores de receita dos imóveis e proprietários dos hotéis.

Criou sistemas para otimizar a oferta de serviços a hóspedes freqüentes e avaliar a probabilidade de perda dessa clientela para rivais. Deu a gestores de receita locais autoridade para ignorar as sugestões do sistema se for impossível prever certos fatores (como o alto número de vitimas do furacão Katrina que rumou para Houston). A empresa criou até um modelo de oportunidade de receita que compara a receita real à receita ótima (que poderia ter sido gerada). Essa proporção subiu de 83% para 91% com a disseminação da ferramenta analítica empresa afora. Entre proprietários e operadores de hotéis, todos sabem: para obter o máximo de receita com a capacidade existente, o caminho é a abordagem da Marriott.

Fica patente que organizações como a Marriott não agem de modo convencional. Em toda interação, o cliente nota a diferença – diferença vivida por funcionários e fornecedores a cada dia. Nosso estudo identificou três características fundamentais da empresa perita em análise:

Uso disseminado de modelos e otimização.

Qualquer empresa pode gerar estatísticas descritivas simples sobre aspectos de seu negócio: receita média por funcionário, tamanho médio de pedidos e por aí vai. Já a empresa analítica vai muito além do básico. Essa empresa usa modelos de projeção para determinar que clientes são mais rentáveis – e quais têm o maior potencial de lucro ou são mais propensos a fechar a conta. Reúnem dados gerados na empresa e obtidos de fontes externas (dados que analisam em maior profundidade do que rivais menos tarimbadas na estatística) para entender plenamente a clientela. Otimizam a cadeia de suprimento para determinar o impacto de limitações inesperadas, simular alternativas e honrar pedidos mesmo na presença de problemas. Fixam preços em tempo real para obter o maior retorno possível em cada transação com o cliente. Criam complexos modelos para espelhar a relação entre custos operacionais e desempenho financeiro. Líderes da análise também utilizam experimentos sofisticados para medir o impacto geral, ou lift, de estratégias de intervenção, usando os resultados para aprimorar análises subseqüentes.

A Capital One, por exemplo, conduz mais de 30 mil experimentos por ano, variando taxas de juros, incentivos, formato da mala-direta e outros fatores. Sua meta é maximizar a probabilidade tanto de que potenciais clientes usem seus cartões de crédito quanto de que paguem a conta.

A Progressive conduz experimentos similares usando dados de fácil acesso sobre todo o setor. A empresa define grupos estreitos, ou células, de clientes: por exemplo, motociclistas de 30 anos de idade ou mais, formação universitária, histórico de crédito superior a um certo nível, sem passado de acidentes.

Em cada célula, a empresa faz uma análise de regressão para identificar fatores de maior relação com perdas arrecadadas pelo grupo em questão. Em seguida define preços para cada célula – preços que permitiriam à empresa obter lucro com toda uma carteira de grupos distintos de clientes – e simula, com software, as implicações financeiras dessas hipóteses.

Com isso, a Progressive consegue oferecer seguro a clientes em categorias tradicionalmente de alto risco. Certas seguradoras rejeitam de cara essa clientela, sem se preocupar em avaliar a fundo os dados (embora até empresas tradicionais como a Allstate comecem hoje a adotar a análise como estratégia).

Uma abordagem integral.

Quem analisa para competir sabe que na maioria das atividades de uma empresa – até aquelas que, como o marketing, sempre dependeram mais de arte do que de ciência – podem ser aprimoradas como técnicas quantitativas sofisticadas. Nessas organizações a vantagem não vem de uma única killer app, mas de diversos aplicativos que respaldam várias áreas do negócio. – e que, em certos casos, são colocadas em uso por clientes e fornecedores.

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A UPS é um exemplo da evolução de usuária restrita de análises a empresa na qual essa mesma análise é disseminada. Embora esteja entre as mais vigorosas praticantes de pesquisa operacional e engenharia industrial do mundo, a empresa tinha, até bem recentemente, recursos de foco limitado.

Hoje, a UPS está usando sua perícia estatística para rastrear o movimento de encomendas e prever a influência de atos de cada individuo – avaliando a probabilidade de deserção de clientes e identificando fontes de problemas. O customer Intelligence Group da UPS, por exemplo, é capaz de prever com precisão a fuga de clientes ao analisar padrões de uso e queixas.

Quando os dados indicam um potencial desertor, um representante de vendas procura tal cliente para examinar e solucionar o problema, reduzindo drasticamente a perda de contas. Embora ainda não tenha todo o escopo de iniciativas de uma empresa totalmente movida a análise, a UPS avança nessa direção.

Uma empresa analítica trata todas essas atividades, seja qual for sua origem, como uma iniciativa única e coerente, muitas vezes aglutinada sob uma rubrica como “estratégia baseada em informações” (Barclays Bank). São programas tocados não só sob um rótulo comum, mas sob uma liderança comum, com tecnologia e ferramentas comuns.

Em empresas tradicionais, a atividade de business intelligence (termo usado pelo setor de TI para processos e estruturas de análise e informe de dados) em geral é tocada pelos departamentos. Braços que processam dados escolhem as próprias ferramentas, controlam as próprias centrais de dados e treinam o próprio pessoal.

Só que isso gera caos. A proliferação de planilhas e bases de dados desenvolvidas por usuários, por exemplo, inevitavelmente produz várias versões de indicadores cruciais da organização afora. Além disso, estudos indicam que entre 20% e 40% das planilhas trazem erros; quanto mais planilhas circulando pela empresa, mais fértil o solo para falhas. Já os expoentes da análise montam grupos centralizados para garantir que dados, ou outros recursos cruciais, sejam bem administrados e que cada parte da empresa possa partilhar informações com facilidade, sem o impedimento de formatos, definições e padrões incongruentes.

Certas empresas analíticas aplicam essa mesma abordagem integrada ao pessoal.

A Procter & Gamble, por exemplo, criou recentemente uma espécie de supergrupo de análise com mais de cem analistas de braços como operações, cadeia de suprimento, vendas, pesquisa de mercado e marketing. Embora a maioria desses indivíduos esteja inserida em divisões operacionais, a gestão do grupo é centralizada.

Graças a essa consolidação, a P&G é capaz de aplicar uma massa critica de expertise às questões mais prementes. Analistas de marketing e vendas fornecem, por exemplo, dados sobre oportunidades de crescimento em mercados atuais para analistas que projetam as redes de suprimentos da empresa. Já esses últimos aplicam sua tarimba em certas técnicas de análise de decisões a novas áreas como inteligência competitiva.

Na P&G, esse grupo também aumenta a visibilidade da tomada de decisão fundada em dados e em sua analise por toda empresa. No passado, a equipe de análise da P&G já aprimorara processos e poupara dinheiro à empresa, mas como estava dispersa muitos executivos não sabiam que serviços oferecia ou quão eficaz podia ser.

Agora, esses executivos são mais propensos a recorrer a essa fonte profunda de tarimba para seus projetos. Paralelamente, a maestria no processamento de dados virou parte da história contata pela P&G a investidores, à imprensa e ao público.

Apoio de altos executivos.

Para muitos funcionários a adoção em larga escala de uma abordagem analítica significa mudanças em cultura, processos, comportamento e capacitação. E, como toda transição de vulto, exige a intervenção de executivos da cúpula que defendam com ardor a nova abordagem quantitativa. O ideal é que esse paladino seja o presidente.

Com efeito, em muitas empresas que adotaram a tática analítica nos últimos anos a mudança foi capitaneada pelo presidente – é o caso de Loveman, da Harrah’s, Jeff Bezos, da Amazon e Rich Fairbank, da Capital One.

Quando comandava o Sara Lee Bakery Group, o presidente Barry Beracha, hoje aposentado, tinha na mesa uma plaquinha que sintetizava sua filosofia pessoal e organizacional: “Creio em Deus. De todos os outros, exijo dados”. Encontramos, sim, empresas nas quais um único chefe de departamento ou divisão tentava promover a análise em toda organização, e alguns até faziam progresso. Concluímos, porém, que esses líderes menos graduados careciam do cacife, da perspectiva e da influência transfuncional para mudar de modo significativo a cultura.

Um presidente à frente da investida analítica deve não só apreciar como estar familiarizado com o tema. Embora uma formação estatística não seja necessária, é preciso entender a teoria por trás de distintos métodos quantitativos para reconhecer as limitações de cada um – fatores que são ou não computados.

Quando precisa de ajuda para assimilar técnicas quantitativas, esse executivo busca especialistas que entendam o negócio e o papel da análise nele. Entrevistamos vários lideres que haviam buscado um assessor desses, e todos frisavam a necessidade de contar com alguém capaz de explicar as coisas em linguagem simples e não distorcer os fatos. Um punhado de presidentes com quem falamos havia se cercado de gente altamente analítica – professores, consultores, gente ingressa do MIT. Era, contudo, uma opção pessoal, e não algo indispensável.

É lógico que nem toda decisão deve ser fundada na análise – pelo menos não inteiramente. Questões de pessoal, em particular, costumam se beneficiar do uso do instinto e de relatos anedóticos. Cresce o número de organizações que sujeita decisões de seleção e contratação à análise estatística (veja o texto “O Jogo da Estatística”.). Estudos mostram, contudo, que o ser humano é capaz de formar um juízo rápido e incrivelmente certeiro da personalidade e do caráter de alguém com base em simples observações. Para o líder de mente analítica, portanto, o desafio é saber quando apostar nos fatos e quando apostar no instinto.

O Jogo da Estatística

O debate análise versus instinto, popular entre comentaristas políticos nas duas ultimas eleições presidenciais nos Estados Unidos, vem causando furor no esporte profissional graças a uma leva de livros comentadíssimos e a vitórias impressionantes em campo. Por ora, a vantagem é da análise. A estatística virou parte importante da seleção e escalação de jogadores. Em Moneyball, Michael Lewis relata o uso da análise na seleção de jogadores do time de beisebol Oakland A’s – que gasta pouco e ganha muito. O New England Patriots, que dá muita atenção a estatística, venceu três dos últimos quatro Super Bowls, a final do torneio de futebol americano – e seu gasto com salários ocupa hoje o 24° lugar do ranking da liga. O Boston Red Sox é devoto da “sabermetrics” (aplicação da análise ao beisebol), chegando ao ponto de contratar Bill James, famoso estatístico do esporte que popularizou o termo. Estratégias analíticas de RH já chegaram ao futebol europeu também. O clube italiano Milan usa modelos de projeção criados em seu laboratório de pesquisa para prevenir lesões por meio de análise de dados fisiológicos, ortopédicos e psicológicos de uma serie de fontes distintas. Um time inglês em rápida ascensão, o Bolton Wanderers, é notório pelo uso disseminado de dados pelos técnicos pra avaliar o desempenho de jogadores.

Mas, assim como no mundo empresarial, é raro o dirigente ou técnico que se guie só pela análise ou pelo instinto. Tony La Russa, técnico da equipe de beisebol St. Louis Cardinals combina com brilhantismo a intuição e a análise na hora de substituir um jogador ou contratar um atleta cheio de energia para motivar os demais. Num livro recente, Three Nights in August, Buzz Bissinger descreve esse equilíbrio: “La Russa gostou da informação gerada pelo computador (…). Mas sabia, também, que sua utilidade no beisebol era limitada – e que podia até confundir, pelo excesso de análise. Até seu ver, não havia como qualificar o desejo. E aqueles números disseram exatamente o que ele precisava saber quando somados a 24 anos de experiência em campo”.

Essa ultima observação diz tudo. Ao analisar o histórico de desempenho de alguém ou registrar a expressão de um subordinado no instante e que algo lhe passou pela cabeça, o líder consulta sua própria experiência para entender a “evidência” em todas as suas formas.

Gente contratada pela perícia em números ou treinada para reconhecer sua importância é armada com as melhores evidências e as melhores ferramentas quantitativas. Com isso, tomas as melhores decisões.

Fontes de força

Uma empresa analítica é mais que uma mera máquina de processar dados. É verdade que aplica a tecnologia – com um misto de força bruta e sutileza – a vários problemas, mas também canaliza sua energia para a busca do foco certo, do cultivo da cultura certa e da contratação de gente certa para fazer um uso ótimo dos dados que continuamente digere. No final, a força dessas organizações vem tanto do pessoal e da estratégia quanto da tecnologia da informação. O foco certo. Embora priorize decisões universais, fundadas em fatos, uma empresa analítica tem de decidir para onde orientar campanhas que consomem altos recursos. Em geral, acaba optando por atividades ou iniciativas que, no todo, contemplam uma estratégia maior. Na Harrah’s, por exemplo, boa parte da atividade analítica é voltada à fidelização e ao atendimento do cliente e a áreas correlatas como definição de preços e promoções. A UPS ampliou o foco – da logística para a clientela – para prestar um serviço superior. Embora estratégias do gênero, multifacetadas, seja um traço característico de empresas analíticas, executivos que entrevistamos alertaram para o risco de iniciativas difusas demais, sem uma noção clara do propósito comercial em sua raiz.

Outro fator a considerar na hora de alocar recursos é a adequação de certas atividades as análises profundas. A atividade analítica tem pelo menos sete alvos comuns (veja o texto Conte com Isso), sendo que cada setor pode ter outros, só seus. Modelos e algoritmos estatísticos que sugerem a possibilidade de saltos e desempenho tornam certos cenários especialmente tentadores. Por exemplo, sempre foi difícil quantificar o marketing, dadas suas raízes na psicologia. Mas hoje uma empresa de bens de consumo pode burilar a pesquisa de mercado graças à teoria da utilidade multriatributo, que serve para decifrar e projetar o comportamento e as decisões do consumidor. Na mesma veia, a indústria publicitária está adotando a econometria, série de técnicas estatísticas para medir o impulso, ou lift, gerado por determinados anúncios e promoções ao longo do tempo.

Os grandes expoentes da abordagem analítica não se limitam a examinar o próprio umbigo, mas ajudam clientes e distribuidores a analisar o deles.

A WalMart, por exemplo, faz questão que os fornecedores usem um sistema seu, o Rentail Link, para monitorar o movimento dos produtos em cada loja, planejar promoções e disposição de artigos nas prateleiras e reduzir a falta de mercadorias. A E.&J. Gallo repassa a distribuidores dados e análises sobre custos e preços do varejo para poderem calcular a rentabilidade por garrafa de cada um dos 95 vinhos da Gallo. Esses distribuidores usam a informação para ajudar o comércio a otimizar o sortimento e convencer o varejista a deixar mais espaço para os produtos da Gallo.

A Procter & Gamble também fornece dados e análises ao varejo, como parte do programa Joint Value Creation, e aos fornecedores pra melhorar a capacidade de resposta e reduzir custos. Fornecedora de artigos hospitalares, a Owens & MInor presta serviços similares, permitindo a clientes e fornecedores consultar e analisar dados de compra e venda, monitorar pedidos em busca de oportunidades de consolidação e transferir compras avulsas para contratos maiores que incluam produtos distribuídos pela Owens & Minor e até por rivais. A empresa pode mostrar aos executivos de um grupo hospitalar, por exemplo, quanto seria possível poupar com a consolidação das compras de vários hospitais ou explicitar os prós e contras de ter uma freqüência de entregas maior e de manter estoques.

Em empresas tradicionais, a atividade analítica é em geral tocada por departamentos – que escolhem as próprias ferramentas e treinam o próprio pessoal. Só que isso gera caos.

A cultura certa

Cultura é um conceito abstrato. Análise é uma disciplina concreta. Em empresas analíticas, é preciso incutir em todos o respeito pela medição, pelo teste, pela avaliação de indícios quantitativos. Todos são instalados e decidir com base em fatos. E sabem que o desempenho de cada um também é medido assim. Numa empresa dessas, o setor de recursos humanos é rigoroso no uso de parâmetros de remuneração e gratificação.

Na Harrah’s, houve uma mudança radical na cultura, antes fundada no paternalismo e na estabilidade no emprego, e hoje fincada em critérios de desempenho meticulosamente registrados, como resultados financeiros e de atendimento a clientes. Além disso, altos executivos se empenham em dar o exemplo, mostrando apetite por fatos e fé na análise. Um belo exemplo é dado por Bechara, do Sara Lee Bakery Group, apelidado pelo pessoal de “caça-dados” por exigir que toda hipótese sugerida venha acompanhada de dados que a sustentem.

Não surpreende, portanto, que numa cultura analítica possa haver certa tensão entre o impulso inovador ou empreendedor e a exigência de dados concretos. Certas empresas não priorizam muito o desenvolvimento desregrado, a aposta de engenheiros e projetistas no lampejo de um visionário. Nelas, a P&D, assim como outras atividades, é estritamente movida e métricas.

Na Yahoo, na Progressive e na Capital One, mudanças em processos e produtos são testadas em pequena escala e adotadas somente se aprovadas. Essa abordagem, já estabelecida em várias disciplinas acadêmicas e administrativas (engenharia, gestão de qualidade, psicologia), é aplicável à maioria dos processos de uma empresa, inclusive a alvos menos óbvios como recursos humanos e atendimento ao cliente.

O RH poderia, por exemplo, montar um perfil com traços de personalidade para definir os traços mais importantes para tocar um projeto atrasado, digamos, ou contribuir para assimilação de uma nova equipe.

Há, contudo, ocasiões em que a decisão de alterar algo ou lançar uma novidade precisa ser tomada com uma rapidez que impede a análise exaustiva, ou quando é impossível obter dados antemão. Foi o que ocorreu na Amazon.

Embora Jeff Bezos prefira quantificar rigorosamente a reação de usuários antes de lançar um recurso novo, era impossível testar a função de busca dentro dos livros sem aplicá-la a uma massa critica de obras (120 mil, para começar). Além disso, custaria caro criar o recurso, o que aumentava os riscos. Nesse caso, Bezos apostou no instinto e se arriscou. No final, a novidade teve grande aceitação.

A gente certa

Empresas analíticas contratam gente analítica – e como toda empresa que aposta no talento do pessoal para competir, querem os melhores. Quando buscava alguém para chefiar a cadeia de suprimentos global, a Amazon optou por Gang Yu, professor de ciência administrativa e empresário do software que é uma das grandes autoridades mundiais na análise para otimização. O modelo de negócios da Amazon exige a gestão de um fluxo constante de novos produtos, fornecedores, clientes e promoções, e a entrega de pedidos nos prazos prometidos. Desde sua chegada, Gang Yu e equipe vêm montando sistemas sofisticados de suprimento para otimizar isso tudo. E, embora solte expressões do gênero “processos estocásticos não-estacionários”, Gang Yu também é capaz de explicar novas abordagens a executivos da empresa num linguajar de negócios compreensível.

Empresas analíticas estabelecidas, como a Capital One, empregam exércitos de analistas para conduzir experimentos quantitativos e, de posse dos resultados, projetar uma série de serviços financeiros. Tal tarefa exige uma capacitação especializada, como fica claro na seguinte descrição de cargo (típica de uma analista de Capital One): Alta capacidade de resolução de problemas conceituais e análise quantitativa (…). Experiência profissional/formação em engenharia, finanças, consultoria e/ou outras áreas da análise quantitativa. Rápida familiarização com o uso de software. Experiência com modelos de Excel. Pós-graduação (MBA, por exemplo) preferível, mas não indispensável. De preferência com alguma experiência em metodologias de gestão de projetos, ferramentas de aprimoramento de processos (produção enxuta, Six Sigma) ou estatística.

Outras empresas também contratam gente analítica, mas nas ases da análise há um volume muito maior desses profissionais. Hoje, a Capital One busca três vezes mais analistas do que pessoal de operações – o que não é típico para um banco. “Somos uma empresa de analistas, essa é a verdade”, observa um executivo. “É a principal função da empresa.”

Um bom analista deve, ainda, ser capaz de expressar idéias complexas de modo simples e ter o traquejo interpessoal para interagir bem com tomadores de decisão. Um fabricante de bens de consumo com uma equipe de 30 analistas busca “PhDs. com personalidade” – ou seja, gente tarimbada em matemática, estatística e análise de dados que também saiba falar a língua dos negócios e ajude a vender seu trabalho para o público interno e, quem sabe, externo.

O chefe de uma equipe de análise de clientes da Wachovia Bank descreve do seguinte modo a relação que seu pessoal tenta ter com os demais: “Queremos fazer de nosso pessoal parte da equipe de negócios”, explica. “Queremos que tenha voz na empresa, que discuta quais são as questões de maior peso, que determine que informação o pessoal de negócios exige, que sugira medidas ao pessoal da área de negócios. Queremos que [nossa equipe] seja mais que uma prestadora de serviço geral, que seja parte ativa e critica do sucesso da divisão de negócios”.

Naturalmente, nem sempre é fácil achar essa mescla de habilidades analíticas, administrativas e de relacionamento. Quando sabe que vai precisar de um especialista em aplicativos de negócios arrojados como construção de modelos preditivos ou partição recursiva (forma de análise de árvore de decisão aplicada a dados muito complexos), a fabricante de software SAS (patrocinadora, com a Intel, dessa pesquisa) inicia a busca até 18 meses antes da data em que terá de preencher a vaga.

Aliás, o talento analítico pode ser, para o principio da atual década, o que o talento de programação foi para o fim da década de 1990. Infelizmente para EUA e Europa, seu mercado de trabalho não é exatamente farto de candidatos do nível exigido. Para certas organizações, a saída é transferir a tarefa para países como a Índia, sede de um vasto contingente de especialistas em estatística. Pode até funcionar quando o analista estrangeiro trata de problemas isolados. Já se exigido um debate interativo com tomadores de decisão no lado comercial, a distância pode ser um grande obstáculo.

A tecnologia certa

Recorrer à análise para competir significa recorrer à tecnologia. Além de estar sempre atentas às ultimas novidades em modelos estatísticos e de tomada de decisão, as empresas mais sérias dessa arena monitoram e aplicam sem parar a fronteira de TI. A equipe analítica de uma empresa de bens de consumo chegou ao ponto de montar seu próprio supercomputador, por julgar que os modelos à venda no mercado não cumpriram os requisitos. Um feito homérico desses em geral é dispensável, mas a análise séria requer, sim, o seguinte:

  • Estratégia de Dados:

Milhões de dólares foram investidos em sistemas que coletam dados de toda fonte imaginável. Enterprise resource planning (ERP), gestão de relações com cliente (CRM), pontos-de-venda e outros sistemas garantem que nenhuma transação ou interação relevante ocorra sem deixar rastros. Mas, para serem usados pela empresa para competir, esses dados devem ser padronizados, integrados, armazenados numa central e disponibilizados a todo e qualquer interessado. E é preciso muita informação. Uma empresa pode levar, por exemplo, anos para coletar dados de distintas táticas de marketing até reunir um volume suficiente para analisar a eficácia de uma campanha publicitária.

A Dell contratou a DDB Matrix, braço da agência DDB Worldwide, para criar, ao longo de sete anos, um banco de dados que inclui 1,5 milhão de registros sobre todos os anúncios da fabricante de computadores em mídia impressa, radio e TV, além de dados sobre as vendas da Dell para cada região na qual os anúncios foram veiculados (antes e depois da veiculação). Com isso, a Dell pode ajustar com exatidão cada promoção, para cada veículo, em cada região.

  • Software de business intelligence.

O termo business intelligence, surgiu em fins da década de 1980, engloba uma série de processos e programas usados para coletar, analisar e disseminar dados – tudo com a finalidade de gerar decisões melhores. Uma ferramenta dessas permite ao pessoal extrair, transformar e inserir dados para análise e, depois, tornar tal análise disponível em relatórios, alertas e scorecards. A popularidade da competição analítica é, em parte, a resposta ao surgimento de pacotes integrados de ferramenta do gênero.

  • Hardware de computação.

O volume de dados exigido por aplicativos analíticos pode sobrecarregar computadores e servidores menos sofisticados. Várias empresas analíticas estão migrando, no hardware, para processadores de 64 bits que digerem altos volumes de dados com rapidez.

Sua empresa analisa para competir quando:

  1. Aplica sistemas de informação sofisticados e análise rigorosa não só à atividade que a define, mas a uma série de outras operações, com marketing e recursos humanos.
  2. Sua alta equipe executiva não só reconhece a importância de recursos analíticos, mas faz de seu desenvolvimento e manutenção uma prioridade.
  3. Trata a tomada de decisão fundada em fatos não só como uma melhor prática, mas como parte de uma cultura constantemente endossada e divulgada por altos executivos.
  4. Contrata não só gente com formação analítica, mas muitos indivíduos com a melhor formação analítica do mercado – e considera todos cruciais para o sucesso.
  5. Não só emprega a análise em quase toda atividade e departamento, mas considera o processo tão estrategicamente importante que sua gestão está a cargo da cúpula, na matriz.
  6. Não só é perita no processamento de dados, mas inventa métricas exclusivas para uso em processamento vitais de negócios.
  7. Não só usa rios de dados e conduz a análise internamente, mas divide essas informações com clientes e fornecedores.
  8. Não só é voraz consumidora de dados, mas agarra toda e qualquer oportunidade de gerar dados, criando uma cultura de “testes e aprendizado” fundada num sem-fim de pequenos experimentos.
  9. Não só se comprometeu a analisar para competir, mas vem desenvolvendo sua capacidade nesse sentido há anos.
  10. Não só ressalta a importância da análise internamente como faz da capacidade quantitativa parte de sua história, algo a figurar no relatório anual e em conversas com analistas de mercado.

Os grandes expoentes da abordagem analítica não se limitam a examinar o próprio umbigo, mas ajudam clientes e distribuidores a analisar o deles.

Um longo caminho a percorrer

Na maioria dos setores, em geral há boas razões para investir em estratégias fundadas na análise. Entre as organizações que consideramos expoentes da abordagem analítica, praticamente todas são líderes incontestes em sua arena, e atribuem muito desse sucesso à perícia na exploração de dados. A crescente competição em escala mundial acentua a necessidade dessa tarimba. Empresas de países desenvolvidos incapazes de bater adversárias da Índia ou China no custo de produção, por exemplo, podem buscar uma vantagem em processos de negócios otimizados.

Empresas que só agora embarcam nessa estratégia terão contudo, de esperar alguns anos para colher os frutos Segundo organizações em nosso estudo, é uma jornada longa, às vezes árdua. O braço de cartões de crédito ao consumidor do Barclay Bank, no Reino Unido, levou cinco anos para executar um plano de aplicação da análise ao marketing de cartões de crédito e outros produtos financeiros. Foi preciso alterar processos em quase todo aspecto da divisão: subscrição de risco, definição de limites de crédito, atendimento às contas, controle de fraudes, venda cruzada e por aí vai.

No lado técnico, o banco teve de integrar dados de dez milhões de titulares do cartão Barclaycard, melhorar a qualidade dos dados e montar sistemas novos para turbinar a coleta e a análise de dados. A empresa embarcou ainda numa longa série de pequenos testes para aprender a conquistar e reter os melhores clientes ao menos custo possível. E, naturalmente, teve de contratar mais gente com formação quantitativa de primeira.

Boa parte do tempo que a empresa dedica – e da despesa que tem – para passar a competir pela análise irá para atividades tecnológicas: azeitar sistemas que geram dados sobre transações, tornar dados disponíveis em centrais de armazenagem, escolher e instalar o software analítico e montar o ambiente de hardware comunicação.

Uma vez que quem não registra a história não aprende com o passado, empresas que reuniram pouca informação – ou a informação errada – terão de coletar um volume suficiente de dados para poder fazer projeções confiáveis. “Começamos a juntar dados há seis ou sete anos, mas só nos últimos dois ou três anos foi possível usar essa informação, já que precisávamos de tempo e experiência para comprovar as conclusões tiradas com base nos dados”, observou um gerente de análise de dados de clientes da UPS.

E, é obvio, estreantes na análise terão de injetar talento novo em seus quadros (quando assumiu a direção operacional, e mais tarde a presidência, dos cassinos Harrah’s Garry Loveman contratou uma equipe de ases da estatística capaz de projetar e executar campanhas de marketing e programas de fidelização da base quantitativa). Já o pessoal existente terá de passar por um vasto treinamento.

Vai precisar aprender quais os dados a seu dispor e todo modo possível de analisar uma informação – e a reconhecer peculiaridades e falhas como falta ou repetição de dados, além de problemas de qualidade. Um executivo de mentalidade analítica na Procter & Gamble sugeriu que seria bom começar a manter um gerente no posto por períodos maiores, devido ao tempo exigido para dominar a abordagem quantitativa na empresa.

Segundo uma declaração célebre do patologista alemão Rudolph Virchow, a função da ciência é “demarcar os limites do conhecível”. Uma empresa analítica tem uma meta similar, embora o universo que deseja conhecer seja mais circunscrito – comportamento do cliente, movimento de produtos, desempenho de funcionários, reações financeiras. Todo dia, avanços na tecnologia e novas técnicas dão a empresa um manejo cada vez mais firme dos detalhes críticos da operação.

O time Oakland A’s não é o único que usa a análise para vencer. Hoje, empresas de toda e qualquer filiação querem jogar nesse campo.


Fonte: Revista Harvard Business Review, por Thomas H. Davenport