O líder do século 21 e o verdadeiro norte

Nesta entrevista, Bill George, o homem que comandou a revolução dos marca-passos na Medtronic e atual professor de Harvard, propõe um modo de liderança com base em pesquisa: a coerência do líder com seus valores e sua história de vida.

Existe outro assunto que tenha sido explorado mais exaustivamente que a liderança? Professores e estudantes, historiadores e psicólogos, “gurus” da gestão e palestrantes motivacionais, politiqueiros e estadistas –quem ainda não tem opinião formada sobre o que faz um bom líder? Mesmo nesse cenário superconcorrido, Bill George se destaca. Por quê?

Talvez por se tratar de um líder provado na prática –dirigiu a Med-tronic, empresa norte-americana que inventou o marca-passo, por mais de uma década. Talvez por ser também um professor de nível superior –já lecionou em escolas de administração na Europa e em Yale e atualmente é professor de gestão da Harvard Business School. Talvez, mais que qualquer outra coisa, por se tratar de alguém que estuda a liderança com muita seriedade.

Seu último livro, True North: Discover Your Authentic Leadership, baseia-se em entrevistas que ele e Peter Sims, co-autor da obra, realizaram com 125 líderes empresariais de destaque. O livro é o tema da entrevista a seguir, concedida à The Conference Board Review.

Bill George, como tantos outros críticos, acha que muitos dos líderes de hoje nos desapontaram. Mas ele foi além da crítica e criou uma nova forma de pensar sobre liderança –e sobre o significado do líder hoje em dia–, que parece estar mais em sintonia com os tempos atuais e com a geração futura. Se não seguir seu verdadeiro norte, seus valores, sua história de vida, o líder fracassará, diz George.

Na entrevista, George combate duramente os líderes egocentrados, como Donald Trump, elogia o estilo de gestão by walking around, celebrizado por Peter Drucker, e prega que o sucessor venha de dentro da organização, um dos grandes méritos de Jack Welch, segundo ele. Além disso, avalia alguns dos principais líderes da atualidade, de Sam Palmisano a Bob Nardelli.

Permita-me perguntar diretamente, sem rodeios: por que precisaríamos de mais um livro sobre liderança? O que torna seu livro diferente de todos os outros?

True North é um livro que trata de como as pessoas podem se tornar aquilo que eu chamo de um líder autêntico. Quando escrevi Authentic Leadership, em 2003, concentrei-me nos tipos de líderes que eu achava necessários no século 21 e falei sobre como eles se diferenciariam de minha geração de líderes. Mais ou menos na mesma época, Jim Collins escreveu Good to Great e abordou a mesma questão com outro nome, citando o “líder nível 5”. A questão pendente era como alguém podia se tornar um líder desses, autêntico ou nível 5.

A verdade é que não sabíamos, e era exatamente isso o que eu queria descobrir. Na área de recursos humanos, muito se falou nos últimos 25 anos sobre competências, estilos e características de líderes, mas francamente nenhum desses estudos comprovou nada definitivamente. Nossa idéia inicial era entrevistar 60 pessoas; acabamos entrevistando 125, com idades entre 23 e 93 anos. Os entrevistados nos disseram que o que os diferenciava eram suas histórias de vida, pois era nelas que estavam suas verdadeiras paixões, quer fossem as pessoas que tiveram influência sobre seu crescimento, os mentores ou os obstáculos enfrentados durante a vida. Era aí que estava a diferença. É o que eu chamo de experiência transformadora.

Todos os líderes passaram por essas experiências transformadoras?

Sim, é uma tendência dos líderes autênticos. E a forma de formular essas experiências –o contexto– é o que realmente faz diferença. Dan Vasella, CEO [presidente-executivo] da Novartis, de família muito pobre, passou por várias dificuldades na infância e adolescência: perdeu o pai em uma cirurgia e uma irmã, com câncer, de quem era muito próximo. Ele próprio sofreu uma série de doenças graves: asma, tuberculose, meningite. Poderia ter se transformado numa vítima do mundo, mas não. Em vez disso, reformulou suas experiências para definir o tipo de líder que queria ser. Foi isso o que fez com que sua experiência fosse transformadora.

Existe alguma experiência transformadora em sua bagagem de liderança?

Certamente. Eu escrevo sobre minha vida em meus livros como uma série de obstáculos ou experiências transformadoras. Fui criado por um pai que me disse desde meu terceiro dia de vida: “Filho, você tem de ser um líder, mas não seja como eu”. Imagine como é duro para um filho único ouvir do pai “Não seja como eu” e da mãe “Não seja como seu pai”. Como lidar com isso? Eu posso dizer que, na infância, fui um desastre como líder. Perdi sete eleições seguidas, da presidência do conselho de classe no último ano do colégio a outras seis na faculdade. Fazia esforços além da conta; meu único foco era eu.

Por que seu pai disse “Não seja como eu”?

Meu pai sentia que tinha grande potencial, mas falhou como líder –porque lhe faltava tato, porque não era paciente o suficiente, por uma série de motivos. Então, por um bom tempo essas eram características que eu sentia que me perseguiam como fantasmas, e continuava tentando não ser igual a meu pai. Percebi que eu não era muito autêntico e que tinha de me apropriar dessas características e dizer: “Ei, sabe de uma coisa? Eu sou quem sou. Sou parte de meu pai, parte de minha mãe, mas sou quem sou”.

Olhando para além de sua experiência, por que você acha que CEOs parecem tão obcecados por liderança?

Porque é isso o que são; eles são líderes. Mas na realidade há dois tipos de líderes. Há aqueles que dizem: “Eu sou o centro. Quanto dinheiro sou capaz de ganhar? Consigo fazer com que vocês todos me sigam?”. É o que chamo de visão de liderança do século 20. Esse tipo de líder afirma: “Eu vou estabelecer as regras e diretrizes aqui, terei uma grande visão, e meu trabalho é fazer com que todos vocês sigam meus passos”. Bob Nardelli, ex-CEO da Home Depot, por exemplo, tem esse conceito de liderança. E há outra vertente, que não se concentra na própria liderança, mas na capacidade de ação que confere aos outros. Esse tipo de líder diz: “Entremos em acordo quanto aos valores e à visão, entremos em acordo quanto ao contexto geral no qual a empresa está sendo gerenciada, então vamos capacitar as pessoas em nossa organização para ir um passo à frente e liderar”. Foi isso que fizemos na Medtronic; é o que Sam Palmisano está fazendo na IBM com 350 mil pessoas.

A maioria dos CEOs pensa conscientemente sobre seu estilo de liderança? Ou eles apenas exercem o papel de líderes sem pensar nisso?

Em geral, os CEOs têm muita consciência, sim. Para ser franco, acho que eles pensam demais sobre o estilo. Isso não importa. A única coisa importante é o que acontece quando você senta com um engenheiro ou com seu gerente de projetos, visita uma fábrica ou está diante de um cliente. Como você se sai? Você realmente se interessa pelo que eles fazem? De fato os escuta? Aprende com eles? Capacita-os? Hoje os bons líderes passam o tempo todo com seu pessoal. Percebem que o valor que verdadeiramente perdura em suas empresas não é criado em Wall Street nem pela mídia, mas o valor criado a partir de uma interação autêntica com seu pessoal.

Parece aquele management by walking around, a gestão andando pela empresa, de Peter Drucker…

E é. Foi o que Mark Hurd fez na Hewlett-Packard (HP) para virar o jogo. Conversou com os funcionários e logo percebeu o que havia de errado. Então, pôde capacitá-los.

No começo do livro, você menciona o fato de as pessoas estarem esperando ser capacitadas para liderar, mas, algumas páginas depois, diz que ninguém deve esperar um tapinha no ombro para assumir a liderança. Essas duas visões não são antagônicas?

Estou tentando capacitar as pessoas para que não esperem um tapinha no ombro; porém há muitos indivíduos talentosos esperando isso. Contudo, se esperarem –ou seja, se não demonstrarem ter iniciativa–, serão eles mesmo líderes? Várias organizações reprimem a iniciativa e dizem: “Eis aqui as regras do jogo”. Elas deveriam incentivar seus funcionários a colocar tudo de si no trabalho, a ir um pouco além na hora de atender o cliente. É assim que funciona na Starbucks. O verdadeiro motivo de abandonar a velha escola da liderança –a escola de hierarquia vertical, de comando e controle– é que isso não funciona atualmente. Hoje, as pessoas que trabalham são extremamente diferentes. Não querem ser dirigidas; procuram significados.

Mas, se, de um lado, você dá exemplos magníficos de líderes que capacitam futuros líderes, de outro, argumenta que a “América corporativa”, e talvez o mundo ocidental, passa por uma crise de liderança…

Sim, porque freqüentemente escolhemos os líderes errados, e as pessoas não os seguirão, ficarão desmotivadas e desinteressadas e deixarão seus empregos. E, quando você se dá conta, a empresa está implodindo, porque a velha forma de liderar não funcionou. Por que A.G. Lafley não se destacou mais na Procter & Gamble? Ele é um líder extraordinário, mas não se encaixava no modelo dos anos 90, do líder poderoso, carismático, que fazia o estilo de Wall Street. Ele se encaixa no perfil do século 21, assim como Anne Mulcahy, da Xerox.

Vamos explorar um pouco mais essa diferença. Vamos tomar Jack Welch como exemplo. Para mim, ele parece um líder da velha escola…

É. Ele foi ótimo em seu tempo.

Mas não seria ótimo hoje em dia?

Eu preferiria trabalhar para Jeff Immelt, o atual CEO da General Electric (GE).

Isso porque Welch era um líder muito ao estilo da hierarquia vertical, “siga o mestre”?

Jack realizou duas coisas ótimas: fez com que a GE voltasse a ser competitiva nos anos 80 e escolheu Immelt para seu sucessor. Construiu uma cultura de liderança e realmente se concentrou no talento. É preciso reconhecer isso.

Você também reconheceria seu mérito de ter introduzido a avaliação compulsória dos funcionários?

Eu acho que essa história foi exagerada, assim como a do 6-Sigma. A vida não é simples assim. Em qualquer organização, é necessário promover os indivíduos com melhor desempenho e rebaixar ou desligar aqueles que não se encaixam. Ao longo de minha carreira, tive de dispensar uma série de pessoas que não se encaixavam. Em alguns casos, a empresa tinha crescido demais para elas; em outros, elas não haviam crescido com o negócio. Isso não é horrível –é humano. Mas não dá para seguir uma receita rígida –em algumas organizações, é preciso se livrar dos 20% inferiores; em outras, não.

Falando de Immelt, deixe-me ler uma coisa que ele disse recentemente: “O principal relacionamento é o que se estabelece entre o CEO e os 25 principais gestores da empresa, pois essa é a equipe-chave. Pode-se debater se o CEO deve ganhar cinco, três ou duas vezes o que ganha sua equipe, mas 20 vezes é pura loucura”. Você concorda com isso?

Claro que sim. Na Medtronic, adotamos um valor de remuneração único para os três cargos mais altos. Eu enlouquecia os consultores especializados em plano de remuneração. Eles me diziam: “Esses caras ganham demais, você ganha menos do que deveria”. E eu retrucava: “Vocês não entendem. Isso é uma equipe e é assim que as coisas funcionam”. Eu também era a favor de dar mais opções de ações não só para a equipe do topo, mas para todos, para fazer com que eles se sentissem donos da empresa. Immelt tem toda a razão: “remuneração astronômica não tem nada que ver com liderança. Pouco me interessa se você vale US$ 1 bilhão; o que eu quero saber é se você se preocupa comigo”.

Você se interessa pelo que eu faço? Você é um cara normal, com quem posso tomar um café? Roy Vagelos foi um dos CEOs mais famosos do século 20, graças ao que fez para a Merck. Ele não freqüentava o restaurante dos executivos; preferia o refeitório, onde se sentava com cientistas e lhes perguntava sobre os projetos nos quais estavam trabalhando, sobre os problemas que enfrentavam. Esse é o CEO exercendo liderança real.

Isso me parece ser um princípio básico de gestão. Por que você acha que é preciso dizer coisas tão básicas assim para os candidatos à liderança? Nem na escola de administração de empresas deveria ser necessário dizer isso…

Talvez as pessoas tenham de ouvir isso na escola de administração, sim, porque se esqueceram de quem elas são como seres humanos. Seguem uma linha de pensamento que diz: “Se eu conseguir dominar essas habilidades, estarei com tudo”. E aí percebem que não conseguem liderar nem a si próprias. São princípios básicos de gestão? Sim, mas também princípios básicos de liderança, pois começam com quem você é, se você consegue ser verdadeiro para com o que realmente é.

Por que tantos líderes se fixam tanto em si mesmos? Por que se importam tanto com a própria glória?

Porque são seduzidos pelo dinheiro ou sucumbem às pressões do mundo lá fora. Eles se pegam querendo trapacear um pouquinho –e o pouquinho acaba virando um montão. Isso me lembra o escândalo de opções de ações com datas retroativas [nos Estados Unidos]. Na última contagem, já eram 130 empresas de grande porte ligadas a ele, algumas com executivos de destaque envolvidos.

Como Bill McGuire, do UnitedHealth Group, entre outros. Por que eles erraram?

A ambição tomou conta deles. Veja, não há nada de ilegal em dar opções de ações para funcionários a preços preferenciais, porém é preciso declarar isso como renda da pessoa física e despesa da empresa [houve mudança de datas para alterar os valores]. É a lei. Os aspectos técnicos das regras contábeis mudam, mas isso é o básico, sempre foi assim.

Talvez seja ingenuidade minha, mas ambição parece uma explicação insuficiente. Você fala sobre os valores de um líder; eles desaparecem quando isso convém?

Talvez os valores nunca tenham existido. Ou quem sabe não tenham sido testados sob pressão. Outra possibilidade é não estarem firmemente estabelecidos, não serem parte real de sua história de vida. Mas há líderes com valores, sim. Penso em Andrea Jung. Por que ela deixou o cargo de vice-presidente na Neiman Marcus quando tinha 35 anos sem ter outro emprego garantido? Ela não queria passar a vida numa loja de artigos de luxo para 0,1% de consumidores mais ricos dos EUA. Hoje ela está na Avon, comanda 5 milhões de pessoas no mundo e faz isso valorizando as mulheres.

Pode-se dizer que a Medtronic, empresa que você dirigiu, também gerou valor para a humanidade criando o marca-passo. Mas imaginemos que você fosse o comandante de uma organização que produzisse batatinhas fritas, cigarros, bebida alcoólica ou mesmo armas. Você sentiria a mesma satisfação e o mesmo valor com esse trabalho?

Em armamentos não, por isso saí da Honeywell. Mas eu poderia trabalhar para a Target, varejista. Ela nunca salvou nenhuma vida, porém criou um lugar empolgante para fazer compras e traz grande valor para os consumidores. Não precisa ser algo ligado a salvar vidas.

Pode ser como Dick Kovacevich que criou um banco realmente amigável a pessoas físicas em mercados de tamanho menor, ajudando-as a manter contas de poupança para poder custear o estudo dos filhos; isso é particularmente importante para Dick, que vem de uma comunidade na qual ele foi o primeiro a fazer faculdade. Trata-se de seu verdadeiro norte, de quem ele é realmente.

Na Harvard Business School você dá aulas para jovens. Será que nessa fase da vida os alunos já sabem quem são?

Essa não é uma pergunta que eles se façam, na verdade. O que eles dizem é: “Tenho medo”. Não sabem se conseguirão ser verdadeiros em relação ao que acreditam quando forem trabalhar para determinada organização. Têm medo de precisar vender sua alma à empresa. Dizem: “Vão pedir que eu faça coisas que não quero fazer”. E sentem medo. Eu não posso dizer aos alunos quais devem ser seus valores, mas posso alertá-los de que não sabemos dos próprios valores até sermos testados e pressionados.

Deixe-me levantar outra questão polêmica: raramente os executivos devolvem voluntariamente bônus que receberam por resultados que não atingiram. Perderam seu verdadeiro norte?

Sem dúvida. Mas temos de nos perguntar como chegamos a isso –e a resposta é a pressão dos investidores. Nossos números estão um pouco baixos, então vamos tomar um pouco emprestado do futuro. No ano seguinte, porém, precisamos tomar emprestado um pouco mais. E de repente a montanha de números é imensa e não conseguimos alcançá-la; aí começamos a fazer coisas completamente erradas, assinando contratos de cinco ou dez anos e contabilizando tudo no presente, embora ainda tenhamos dez anos de serviço a fornecer. Esse é o tipo de coisa que acontece quando as pessoas ficam desesperadas para manter o jogo rolando. O motivo pelo qual elas não buscam transparência é que não querem saber o que está acontecendo.

Algumas coisas são relativamente transparentes e, mesmo assim, problemáticas. Estou pensando nos contratos de empregos com salários imensos para os CEOs. Você não acha que isso tem impacto sobre o desempenho da liderança?

Certamente. Se eu, funcionário, vejo você vindo de fora –sem conhecer o negócio, com um salário gordo e bônus garantido– e sei que mesmo que você fracasse e seja demitido sairá com uma montanha de dinheiro, enquanto meu salário está achatado há dez anos, isso me incomoda; destrói a confiança. Por que vou segui-lo? Por que trazer um CEO de fora, para começar? O cerne do problema é que o conselho de administração não fez o trabalho que devia para criar um sucessor. Como eu disse, uma das melhores coisas que Jack Welch fez foi criar um sucessor de dentro da empresa.

Eu gostaria de mencionar outros CEOs geralmente identificados como bons líderes para ouvir sua opinião sobre eles. Por exemplo, o que você acha de Andy Grove, da Intel?

Líder fantástico e homem muito sábio. Coerente com seu verdadeiro norte. Ele sabe quem é, sabe de onde vem. Há uma história interessante dele. Quando Dave Patrick perdeu seu emprego na Schwab –ele também estava no conselho da Intel–, Grove lhe disse: “Dave, você é um homem tão bom hoje quanto era na semana passada, não ande por aí com a cabeça baixa. Às vezes, passamos por momentos difíceis; eu tive muitos na vida. Este é um momento difícil para você, mas estou aqui para apoiá-lo”. Esse é um líder.

O que você pensa sobre a apresentadora de TV Martha Stewart?

Eu uso o caso dela em minhas aulas em Harvard [em março de 2005, a apresentadora de TV e empresária norte-americana teve sua prisão decretada por envolvimento com fraude e possíveis crimes relacionados a investimentos na ImClone Systems, empresa dirigida por um amigo dela]. Sua queda não foi uma coisa muito grande, mas ela se meteu numa bela encrenca por não falar a verdade. E, nesta sociedade, se você não fala a verdade, tem de pagar o preço. Mas não quero condená-la totalmente. Ela pagou um preço enorme e provavelmente se arrepende muito do que fez.

Outro CEO que está sempre nos noticiários ultimamente é Hank McKinnell, da Pfizer, duramente criticado pelo generoso contrato de aposentadoria…

É um sujeito muito competente, brilhante mesmo, muito bom de governança. Talvez seja um pouco distante dos subordinados. Não conheço todos os detalhes da remuneração, mas fiquei decepcionado de saber que era tão grande, e surpreso por ele não ter tido um desempenho melhor no final de sua gestão.

Phil Purcell, do Morgan Stanley, também foi um CEO de grande destaque. Em True North, você diz que ele se perdeu. Por quê?

Acho que ele era um peixe fora d’água; não tinha muito que ver com o Morgan Stanley. Nunca se envolveu com o lado de banco de investimentos ou gestão de fundos. Veio da empresa de Dean Witter, que ele amava. Além disso, nunca se mudou para Nova York, portanto não ficava perto dos clientes, e esse negócio é centrado nos clientes. Seu sucessor, como você sabe, é John Mack, a quem eu conheço mais do que a Purcell. Mack está sempre em contato com os clientes. Purcell foi se isolando. Não ia para o pregão, não falava com as pessoas que estavam faturando, até que elas foram embora e ele sofreu uma implosão de talentos. O problema não foram os grandes nomes que saíram, mas o pessoal de 35 e 40 anos, que detinha a cultura do Morgan Stanley. E foram eles que Mack trouxe de volta.

Falando de cultura, me lembro da Carly Fiorina, que parece nunca ter se ligado muito à cultura da HP…

A HP sempre teve uma cultura descentralizada, que Carly tentou centralizar. Além disso, ela não era de sair e se misturar com os caras que estavam “dando combate”. Pode parecer uma idéia antiquada –o líder andar pela empresa–, e talvez seja mesmo, mas as pessoas esperam que assim seja. Elas querem ver o líder. E querem, também, vê-lo com o cliente. Na Medtronic, eu participei de mais de mil procedimentos médicos: eu levantava às 6h30, ia para o hospital, colocava o avental, encontrava os médicos e eles me convidavam para ver a cirurgia. Eu ajudava os médicos? Não. Eles me ajudavam? Sem dúvida. Quando você se inteira dos problemas que seus clientes enfrentam, você se inteira do próprio negócio. Mas isso tem de ser feito por você mesmo.

Essa é a essência da Starbucks, por exemplo. Howard Schultz visita umas 20 lojas por semana. Ele enterra um boné até quase cobrir os olhos, veste jeans e torce para não ser reconhecido, embora às vezes o seja. Mas ele não vai acompanhado por um séqüito de 15 executivos.

Você citou Bob Nardelli, da Home Depot. Ele também é um líder que se perdeu?

Se é que ele algum dia não esteve perdido. Se ele fez coisas boas? Sim, mas foi longe demais, porque ficou extremamente envolvido consigo mesmo.

Outro CEO, hoje aposentado, que também tinha ótima opinião sobre si mesmo era Lee Iacocca [da Chrysler]. Ele também fez muitas coisas boas, mas acabou envolvido demais com seu ego.

Falando de egos, não mencionamos o CEO que deu todo um novo significado à palavra “ego”: Donald Trump…

Ele apresenta uma visão totalmente distorcida de liderança, que não tem que ver com celebridade. Acho que muitas pessoas, mesmo as que não gostam de Trump, ainda identificam a liderança com arrogância.

Não piorou o modo como os líderes, principalmente os CEOs, pensam sobre seus legados? Larry Ellison, da Oracle, disse certa vez que queria morrer como o homem mais rico da Terra. Por quê?

Uma das coisas que faço nas aulas em Harvard é pedir aos alunos que pensem no legado que deixarão, no que terão orgulho de contar para os netos.


Saiba mais sobre Bill George:

Bill George, 63 anos, é professor de prática de gestão da Harvard Business School e autor dos livros Authentic Leadership: Rediscovering the Secrets to Creating Lasting Value e True North: Discover Your Authentic Leadership (ambos, ed. John Wiley), o último escrito em parceria com Peter Sims.

Seu diferencial é ter sido executivo sênior na prática. Começou a trabalhar na Medtronic em 1989, como presidente e principal executivo de operações (COO). Eleito presidente-executivo (CEO) em 1991, permaneceu no cargo até 2001. Sob sua gestão, o valor de mercado da empresa saltou de US$ 1,1 bilhão para US$ 60 bilhões, num ritmo de aumento médio anual de 35%. Antes disso, George foi executivo sênior da Honeywell e da Litton, ambas do setor de eletrônica.

Foi eleito, em 2001, executivo do ano pela Academy of Management dos Estados Unidos e escolhido, em 2004, uma das 25 personalidades mais influentes dos negócios dos últimos 25 anos pela Wharton School e pelo programa de TV Nightly Business Report, da PBS, rede de TV pública dos Estados Unido.


Fonte: Revista HSM Management, edição 64 – A entrevista é de A.J. Vogl, editor da The Conference Board Review.