O criador de líderes

Nessa entrevista, Bill Conaty, célebre CPO (Chief People Officer ou Principal Executivo de Pessoas) da General Electric durante mais de uma década, discute as melhores práticas para desenvolver talentos e fala da experiência de Crotonville, o centro de formação para altos executivos da gigantesca corporação.

Jeff Immelt, presidente-executivo de General Electric (GE), descreve Bill Conaty de maneira retumbante: “Ele encarna tudo que tem de ser um grande líder de recursos humanos: alguém capaz de atrair e reter as melhores pessoas do mundo. É o mais brilhante que conheço”. Algo parecido pensava Jack Welch, antecessor de Immelt: “Não acredito que exista no mundo outro líder de RH tão bom quanto Conaty. Tem uma conexão incrível com as pessoas de todos os níveis da organização: desde os funcionários das fábricas até os executivos que respondem diretamente ao CEO. Os dirigentes sindicais o respeitam tanto como nossos gerentes seniores. Todos confiam nele e ele merece, porque conquistou isso”.

Em 2003, depois de uma greve de dois dias de 25 mil trabalhadores em protesto contra o aumento no custo das coberturas médicas, Conaty assinou um acordo de quatro anos com os 14 sindicatos que os representavam e conseguiu que ambas as partes assumissem o acordo.

O episódio é boa mostra de sua principal contribuição como diretor de RH da GE durante mais de uma década: transformar o departamento em peça-chave da empresa. Em vez do papel secundário que tem em muitas companhias, o responsável por atrair talentos e desenvolver lideranças na GE é tão importante quanto o diretor da área de finanças ou de planejamento estratégico.

Nesta entrevista, Conaty descreve os programas de desenvolvimento da GE, seus sistemas de prêmios e recompensas, e opina sobre os principais desafios que vão enfrentar os responsáveis por RH nos próximos anos:


A GE é famosa por sua capacidade de produzir líderes cobiçados por outras empresas. Como vocês encontram talentos e de que forma os desenvolvem?

A maioria das pessoas que contratamos é recém-graduada da universidade; não é habitual procurarmos executivos no mercado externo, preferimos formá-los internamente. Escolhemos os estudantes que obtiveram as melhores qualificações e, durante dois anos, os capacitamos em produção industrial, finanças e recursos humanos, entre outras áreas.

Uma peça central em nosso programa de desenvolvimento de talentos é o que chamamos de Sessão C, um processo de avaliação dos recursos humanos que se realiza uma vez por ano. Primeiro, cada profissional descreve seus pontos fortes, suas necessidades de desenvolvimento, suas conquistas no ano que passou e suas expectativas, ou para onde ele acha que sua carreira se dirige. Depois, essa descrição é analisada por seu chefe imediato e pelo gerente deste, de forma que cada indivíduo recebe feedback sobre o lugar que ocupa na organização e descobre se seu chefe concorda com ele sobre seus pontos fortes e as habilidades a desenvolver.

De que maneira a área de RH participa na Sessão C?

O departamento de RH é o facilitador de todo o processo. Ele garante que as avaliações se façam em tempo e da maneira correta, que haja franqueza e honestidade nas respostas; é o árbitro nos casos de desacordo entre o avaliado e seu chefe.

O sr. afirmou que poucas vezes vocês procuram executivos no mercado externo. Quando o fazem?

Quando uma posição exige um conjunto de habilidades que nenhum de nossos funcionários cobre. Nesses casos, procuramos os melhores profissionais e os entrevistamos extensamente antes de contratá-los.

O sr. se lembra de algum caso?

Faz alguns anos, nossa divisão de cuidados da saúde ocupava o quarto lugar no negócio de ultra-som. Embora tivéssemos trazido sucessivamente vários executivos de outras divisões para que se encarregassem dos produtos e serviços desse negócio, não conseguíamos melhorar nossa posição.

Então, tomamos a decisão de procurar e contratar um especialista em ultra-som. Pouco tempo depois, passamos do quarto lugar para o primeiro. Esse profissional tinha paixão pelo assunto e possuía grande experiência na área. Nem o melhor treinamento e a melhor liderança da GE haviam sido suficientes para obter o que ele conseguiu, com profundo conhecimento técnico.

Quais são as melhores práticas no desenvolvimento de talentos? Planos de carreira, feedback, prêmios?

Pode-se falar muito de reconhecimento e de prêmios, mas o mais importante é oferecer uma tarefa significativa, um cargo no qual a pessoa possa aprender, desenvolver-se e melhorar seu desempenho. Também somos partidários da diferenciação, ou seja, distinguir os melhores e recompensá- los, de um lado, e dizer com franqueza para os menos eficientes, de outro, que seu rendimento está longe de ser o esperado pela empresa e que suas expectativas de crescimento na organização não são realistas.

As novas tecnologias e as mudanças nas preferências dos consumidores podem fazer com que o conhecimento adquirido durante anos perca valor. Como vocês lidam com o problema da obsolescência do conhecimento de seu pessoal, levando em conta que os ciclos de vida dos produtos são cada vez mais curtos? Quando é conveniente “retreinar” alguém?

A gama de setores dos quais participamos é tão ampla –desde entretenimento, com filmes e programas de TV na NBC e na Universal, até o consumo de massa, com produtos como lâmpadas e eletrodomésticos– que os conhecimentos que deixam de ser aplicados em um setor com freqüência servem em outro. Temos a oportunidade de movimentar pessoas entre diferentes divisões e fazemos isso como rotina. De outro lado, também investimos muito em treinamento e atualização de nosso pessoal; destinamos cerca de US$ 1 bilhão por ano para o desenvolvimento de pessoas.

O sr. poderia descrever as diferentes modalidades dos cursos de treinamento?

Há programas para aqueles que entram na empresa, os recém-formados nas universidades, de dois anos de duração. Nesse período, eles desempenham várias tarefas dentro de uma área –finanças ou recursos humanos, por exemplo– e participam de cursos específicos e de palestras, o que lhes dá a oportunidade de se relacionar com outros funcionários e construir redes de contatos. Temos também um tipo de universidade corporativa, nosso centro de educação para altos executivos em Crotonville. Ela abriu suas portas em 1956 e foi a primeira escola de administração de empresas criada com o objetivo de formar gestores. Aliás, a maior parte do US$ 1 bilhão que investimos em treinamento é consumida ali. Os executivos mais brilhantes assistem aos cursos de alto nível ministrados em Crotonville; durante três semanas aperfeiçoam suas habilidades de liderança e se relacionam com colegas de diferentes unidades de negócios da GE.

O corpo docente de Crotonville é permanente ou são contratados professores temporários?

Com o passar dos anos, fomos evoluindo. No início, tínhamos um corpo permanente de executivos da GE para treinar outros. A partir da década de 1980, durante a era Jack Welch, contratamos professores externos, em geral das melhores escolas de administração do mundo. E durante os últimos dez anos aplicamos um enfoque misto: cerca de 30% são especialistas externos e 70% líderes da GE. Estes últimos são, na maioria, executivos em exercício, chefes de unidades de negócios ou de departamentos que viajam para Crotonville para desenvolver, durante meio dia, um grupo de pessoas. Eu, por exemplo, participava de todos os cursos ministrados, dedicando quatro horas para cada um: três para as aulas e a quarta para atividades sociais externas. Welch, quando era presidenteexecutivo, também passava várias horas na frente de cada curso. Há forte compromisso de nossos executivos seniores com o desenvolvimento de talentos; de fato, capacitar outros faz parte do trabalho cotidiano dos líderes da GE.

Os conteúdos dos programas de desenvolvimento foram modificados nos últimos anos? O que vocês vão ensinar à nova geração de executivos?

Houve várias mudanças. Em primeiro lugar, os cursos têm enfoque mais mundial. Hoje, metade dos funcionários da GE está fora dos Estados Unidos, algo que não acontecia há dez ou 15 anos. Portanto, os assuntos, as discussões e os estudos de caso precisam ter, necessariamente, alcance mais global. Outra das mudanças decorreu do fato de que, na última década, boa parte de nosso crescimento veio de aquisições de empresas, e com elas incorporamos distintas culturas. Em conseqüência, também temos de nos esforçar para integrar essas culturas em uma única cultura GE.

A contratação de funcionários temporários é, segundo alguns especialistas, uma tendência em crescimento, especialmente para reduzir custos. O que o sr. pensa a esse respeito?

Nas empresas que atravessam ciclos ou aumentos sazonais de trabalho, contratar funcionários temporários é boa medida, mas não acredito que seja a adequada para conseguir o crescimento no longo prazo. Se essa é a meta, são necessários funcionários leais, dedicados e com energia, pessoas que se sintam parte da empresa e que não sejam uma força de trabalho nômade.

Que qualidades pessoais o sr. acionou como diretor de RH?

Eu acho que a mais importante foi a capacidade de inspirar confiança e ter credibilidade. Em segundo lugar, o conhecimento das tarefas de RH –desde as óbvias até o planejamento da sucessão do presidente-executivo, passando pela negociação de contratos de trabalho. Ao longo de minha carreira ocupei quase todos os cargos no departamento de RH; além disso, como eu tinha experiência operacional, pude combinar o ponto de vista do profissional de RH e o de operações na hora de tomar cada decisão. Diria, então, que acionei habilidades técnicas, experiência em várias unidades de negócios da GE, flexibilidade para me adaptar em diferentes contextos e capacidade de aprendizado. Esta última é chave, porque é o fator que determina o triunfo ou o fracasso de muitos executivos. O jogo muda constantemente, o mundo evolui e a responsabilidade aumenta, de forma que, se não tentarmos melhorar nosso desempenho e nos aperfeiçoarmos, o trabalho nos ultrapassará. Por último, trabalhar com CEOs e diretores exige coragem, convicção e segurança, para poder manter a própria opinião, mesmo quando ela for contrária à deles. É essencial conseguir que o presidente-executivo, os líderes das divisões e seus colegas de outras funções confiem no diretor de RH e o considerem responsável por suas decisões.

Quais são os principais desafios que os diretores de RH vão enfrentar nos próximos anos?

O desafio de atrair talentos, desenvolvêlos e retê-los sempre vai se manter. Outro desafio, sobretudo nas empresas que atravessam processos de fusão ou aquisição, será o de integrar diferentes culturas, inspirar o compromisso dos funcionários, ganhar seu coração além de sua mente. O terceiro tem a ver com o desenho dos sistemas de prêmios e recompensas. Conseguir que as pessoas se sintam reconhecidas por suas contribuições cotidianas é difícil, especialmente em economias de baixo crescimento, mas constitui parte fundamental do trabalho do diretor de RH.

A sucessão mais desafiadora da história

Ao nomear Bill Conaty o principal executivo de pessoas (chief people officer ou CPO) da gigantesca General Electric, Jack Welch o encarregou de uma missão especial: encontrar seu sucessor. Era 1993, e o então presidente-executivo estava perto de completar 58 anos. “Com Jack fizemos uma descrição do cargo que chamamos ‘o CEO ideal’”, lembra Conaty. “Entre as especificações havia várias relativas à personalidade. Queríamos alguém com muita força, capaz de infundir energia nos outros, com firmeza e determinação para tomar decisões difíceis. Alguém que sentisse paixão pela empresa, que a conhecesse profundamente e pudesse antecipar em quais negócios deveria entrar e quais deveria abandonar. Alguém com carisma e alma de líder, mas também com domínio de questões técnicas e operacionais. Uma pessoa capaz de impulsionar o crescimento da empresa e, ao mesmo tempo, gerenciá-la do ponto de vista operacional.”

Além disso, tinha de ser suficientemente jovem para exercer o cargo durante pelo menos uma década, porque “alguém com menos tempo poderia estar tentado a cometer atos um tanto loucos para deixar sua marca na empresa”, escreveu Welch em seu livro Jack Definitivo (ed. Campus/Elsevier). Ele e Conaty escolheram 23 executivos que reuniam as condições do “CEO ideal”.

Em junho de 1994, a lista foi formalmente apresentada ao conselho de administração, e a questão da sucessão entrou na pauta das reuniões que se realizavam em junho e dezembro. Para que os conselheiros pudessem observar os executivos selecionados em outro contexto, foram programados jogos de golfe em abril e julho. Nas comemorações de Natal (das quais também participaram as esposas), Welch e sua secretária supervisionaram até os lugares que ocupariam os candidatos nas mesas, para garantir que os membros da diretoria estivessem em contato com cada um deles.

Em 1998, havia oito executivos na corrida pela sucessão e no final do ano só restavam três: Jeff Immelt, da divisão de sistemas médicos, Bob Nardelli, de sistemas de energia, e Jim McNerney, de motores aeronáuticos.

No início, Welch e Conaty pretendiam reter na empresa os dois que não chegariam à final. No entanto, quando perceberam que era muito mais provável que migrassem para outras empresas, pediram para todos os três escolherem seus sucessores para a função que então ocupavam.

Em outubro de 2000, a escolha foi Immelt, e o conselho de administração o aprovou por unanimidade. Pouco depois, McNerney foi nomeado CEO da 3M e Nardelli, da Home Depot. Dos 23 executivos que fizeram parte da lista original de possíveis sucessores, sete se tornaram CEOs de outras companhias. “A transição foi muito boa”, analisa Conaty. “Immelt é produto do sistema GE, conhece a empresa e sua gente, entende os sistemas e os processos e está deixando sua marca.”

Saiba mais sobre Bill Conaty

Depois de se formar em administração de empresas, William “Bill” Conaty ingressou na General Electric, onde durante 40 anos desempenhou os mais diversos cargos. Foi responsável pela gestão de funcionários e relações de trabalho nas unidades de transporte e aeroespacial, gerente da fábrica de motores a diesel no estado norte-americano da Pensilvânia, chefe de operações do departamento de RH da unidade aeroespacial, gerente de RH da divisão de motores aeronáuticos e, posteriormente, diretor desse departamento. Em 1993 foi nomeado diretor de RH de toda a corporação, que tem mais de 350 mil funcionários, e ali permaneceu até o final de 2007, quando se aposentou.

Considerado um dos mais brilhantes líderes de recursos humanos da última década, foi eleito o melhor do ano pela revista Human Resource Executive em 2004. É o atual presidente da Academia Nacional de Recursos Humanos dos Estados Unidos.


Fonte: A entrevista é de Viviana Alonso, foi publicada na revista HSM Management