O CEO pensador e por que a reflexão compensa

O estado “sempre ocupado” traz um custo cognitivo; três fatores podem ajudar quem quer começar a se dedicar mais ao pensar e colher os benefícios dessa mudança.

Muitos presidentes de empresas vivem como se estivessem em uma esteira ergométrica permanentemente ligada. Em constante pressão por desempenho, estão no foco das mídias sociais 24 horas por dia, sete dias por semana, e precisam lidar com uma enorme quantidade de informações.

Além disso, as organizações se tornaram mais complexas do que nunca. O índice de “complicação” das principais companhias do mundo vem aumentando cerca de 7% ao ano nos últimos 50 anos, conforme mensuração do Boston Consulting Group (BCG).

Nesse cenário de pressão e risco, as primeiras vítimas são os pensamentos profundos e a reflexão, principalmente quando os CEOs pulam de um evento para outro, de uma reunião para outra e, portanto, de uma decisão para outra. Qualquer parada no meio do caminho é vista como perda de tempo.

No entanto, os presidentes que reservam algum tempo para a reflexão dizem que esse investimento dá retorno, e nosso estudo sobre o sucesso da liderança valida essa visão. A reflexão leva a uma visão melhor sobre inovação, estratégia e execução. Também contribui para entregas melhores e para maior nível de credibilidade do conselho de administração da empresa, assim como do corpo executivo, dos colaboradores em geral e até mesmo de outras partes interessadas.

Um dos executivos que mais se destacam quando se trata de pensamento reflexivo é Warren Buffett, que diz reservar cerca de seis horas por dia para leituras – o que se mistura com reflexão. “Ele dedica muito tempo a pensar”, confirma seu sócio Charlie Munger. “Além disso, quando aparece na agenda dele ‘terça, dia de cortar o cabelo’, significa que terça é dia de pensar.”

A maioria dos CEOs não consegue reservar um dia na agenda semanal para se dedicar à reflexão. Porém, com disciplina, prática e estrutura, talvez possam dedicar mais tempo a essa atividade do que fazem hoje.

PENSAMENTO REFLEXIVO VS. PENSAMENTO CRÍTICO

Por definição, o pensamento reflexivo é voltado para dentro. Nele, a pessoa examina suas premissas, suas crenças e seu conhecimento sobre determinado assunto. Portanto, diferentemente do pensamento crítico, que busca resolver um problema e alcançar certo resultado, o pensamento reflexivo envolve delimitação do problema, busca de sentido e identificação de padrões. Pode-se dizer que o pensamento reflexivo e o pensamento crítico são como os lados opostos de um interruptor: quando um está ligado, o outro fica desligado.

Mary Helen Immordino-Yang, especialista das áreas de educação, psicologia e neurociência da University of Southern California, observa que o papel da “reflexão interna construtiva” é “construir significado com base em novas informações e gerar associações criativas e emocionalmente relevantes entre ideias complexas”.

Em termos fisiológicos, o pensamento reflexivo utiliza o córtex médio pré-frontal, a parte do cérebro envolvida em atividades mentais relacionadas com a gestão dos processos cognitivos, incluindo o raciocínio e a resolução de problemas. As lideranças empresariais precisam se dedicar aos dois tipos de pensamento. À medida que a complexidade nas organizações e o ritmo das mudanças aumentam, os CEOs devem utilizar o pensamento crítico para resolver os desafios imediatos e o pensamento reflexivo para ter clareza sobre o cenário e vislumbrar novas oportunidades.

O CAMINHO PARA REFLETIR

O mundo dos negócios é geralmente visto como o lugar da ação. Os líderes estão voltados sempre para o desempenho e para a entrega de resultados.

Inegavelmente, as ações fazem o mundo seguir em frente. É importante, porém, não confundir movimento com efetividade. O cientista da computação Cal Newport costuma dizer que muitas pessoas têm a visão equivocada de que estar ocupado equivale a ser produtivo.

Um estudo de 2011 da Harvard Business School mostrou que os CEOs gastam 60% de seu tempo em reuniões e 25% ao telefone ou em eventos públicos, deixando 15% para todo o restante, incluindo viagens, e-mails, leituras e reflexões.

O estado “sempre ocupado” traz um custo cognitivo. O cérebro humano possui limites naturais em sua capacidade de prestar atenção, lembrar e processar informação. O comportamento “multitarefas” pressiona esses limites mais rapidamente.

Um dos maiores desafios para os CEOs é conseguir escapar de suas muitas tarefas para que possam refletir. Eles não vão levar uma vida monástica, é claro, mas são capazes de aprender a se organizar e se disciplinar para cultivar o pensamento reflexivo, mais profundo. A boa notícia é que, para quem a pratica, a reflexão tende a se tornar uma rotina.

AS TRÊS REGRAS

Como as pessoas ocupadas encontram tempo para refletir e obter o máximo benefício desse investimento? Nosso trabalho de consultoria com lideranças tem indicado que três fatores facilitam esse processo:

Estrutura e programação.

O pensamento crítico – desestruturado e aleatório – tende a se concentrar nas preocupações mais imediatas e não nas questões fundamentais; serve para resolver os problemas prementes. O pensamento reflexivo cria o cenário para o sucesso de longo prazo.

O tempo para reflexão deve ser algo regular, e protegido, na agenda do CEO. Com disciplina, é possível aprender a refletir sozinho. Para ajudar o CEO a estabelecer as fundações desse processo, algumas questões sobre estratégia, organização, liderança e visão pessoal podem direcioná-lo. Apresentamos a seguir alguns exemplos:

• Há padrões em sua empresa ou em seu setor de atividade que raramente vêm à tona?

• Quais são seus palpites sobre potenciais fontes de criação de valor?

• Quais novos modelos de negócio, de fora de seu setor de atividade, mais o intrigam?

• Se pudesse começar do zero, como descreveria a cultura ideal para sua organização? Como você a compararia à cultura atual?

• Qual a concepção de sucesso e o estilo de liderança que gostaria de transmitir?

• Que ambições e sonhos ainda não bem definidos, tanto no campo pessoal como no profissional, você gostaria de realizar?

Interlocutor-chave confiável.

Um presidente de empresa precisa manter um “personagem”. Na frente das pessoas, deve projetar confiança, otimismo e comando. Em público, e mesmo com quem se reporta a ele diretamente, raras vezes pode apresentar sinais de dúvida, admitir a incerteza ou questionar crenças. Hoje, o olhar das mídias sociais só amplifica essa tendência.

A reflexão, em contrapartida, requer a introspecção e a sinceridade, algo difícil para os CEOs em suas atividades cotidianas. Por terem passado a carreira batendo metas e exibindo outros sinais exteriores de sucesso, muitos deles podem se sentir desconfortáveis com a ideia da reflexão.

Nesse sentido, o presidente pode se beneficiar de conversas com um parceiro confiável que tenha um conhecimento profundo no setor de atividade da empresa e com quem fique confortável para um diálogo aberto e franco.

Se a relação deles é forte, esse parceiro pode levar ao CEO questões, observações e desafios. Um companheiro de diálogo eficaz precisa, ao mesmo tempo, ter a habilidade de um conselheiro e o conhecimento do setor e do contexto organizacional. Em outras palavras, seus conselhos devem ter base na situação específica vivida pelo líder.

A combinação de conteúdo e aconselhamento é o que faz com que a reflexão gere valor no final do dia. Um CEO definiu bem o interlocutor-chave ideal: “Ele deve saber reunir empatia e orientação descompromissada. Sua experiência no setor tem de aparecer, de fato, em nossas discussões”.

Conversa catalítica.

Muitos executivos e outros stakeholders que se reúnem com o presidente da empresa querem manter o foco em uma pauta definida – a própria ou a do CEO. Essas conversas são parte essencial da vida corporativa, mas raramente levam a um pensamento reflexivo.

O CEO precisa de conversas sem pauta, que tragam um novo conjunto de conteúdos – informações novas e sem viés –, capazes de catalisar seu pensamento reflexivo. Podem incluir estudos de caso sobre inovações disruptivas, cenários e conceitos que desafiam o pensamento convencional, entre outros exemplos.

Por sua postura independente, os interlocutores-chave podem oferecer esses conteúdos, assim como novas perspectivas que, de outra maneira, dificilmente seriam aventadas.

MAIS AÇÃO, MAIS SOLIDEZ, MAIS TEMPO

Ao contrário do que muitos acreditam, a reflexão não é nada passiva. Leva a percepções concretas, à ação, ao engajamento e ao compromisso emocional. Os CEOs que ouvimos confirmam que o tempo que passam refletindo sobre seu negócio e sua organização produz resultados positivos. Especificamente, em nosso trabalho com essas lideranças, observamos que as ideias que surgem do pensamento reflexivo formam as bases para o planejamento anual.

Os CEOs também afirmam que reflexões estruturadas os ajudam a dar passos mais sólidos, evitam crises e estabelecem a sequência e o ritmo da geração de mais valor. “Eu me sinto confortável com o caminho seguido pela companhia porque, de verdade, pensei muito sobre ele”, observa o presidente de uma empresa.

Os CEOs relatam que a reflexão estruturada ainda contribui para a gestão eficaz das demandas da posição, uma vez que eles aprendem a alocar o tempo e a energia de modo mais inteligente. “No passado, eu era mais focado no operacional. O papel de CEO me deu a oportunidade de ser mais estratégico e visionário, mas, para promover as mudanças necessárias, entendi que preciso pensar de modo diferente”, diz um de nossos entrevistados.

Para onde quer que se olhe, o CEO pensador é uma liderança mais produtiva do que a média – capaz de imaginar e de executar estratégias mais recompensadoras.


Fonte: Revista HSM Management, e o estudo é de autoria de Roselinde Torres (sócia sênior e diretoragerente do escritório de Nova York do BCG), em conjunto com os sócios seniores Martin Reeves (Nova York), Peter Tollman (Boston) e Christian Veith (responsável pela operação na Europa Central e Oriental, Oriente Médio e África).