A nuvem como paradigma

O setor de TI enfrenta uma mudança radical na administração dos centros de dados e na maneira pela qual os usuários acessam os aplicativos e as informações. Computação em nuvem, sejam elas nuvens privadas, públicas ou híbridas, são as chaves para entender a virtualização que ocorre cada vez mais rápido, como afirma o especialista Stephen Herrod nesta entrevista de 2008.

Artigo e entrevista publicado em 2008 previa a ascensão da computação em nuvem:

Nos próximos cinco anos será possível acessar aplicativos de qualquer lugar e a qualquer momento. Haverá maior liberdade para o usuário e, ao mesmo tempo, mais regulamentação para as empresas.

Quem garante isso é Stephen Herrod ao comentar as tendências em tecnologia da informação (TI). Herrod fala com conhecimento de causa, ele é o responsável pela tecnologia da VMWare, uma das empresas do Vale do Silício que mais cresceram na última década e que inclui, entre seus clientes, todas as empresas do ranking Fortune 100. “A VMWare foi criada há 12 anos com o objetivo inicial de simplificar a tecnologia da informação, porque a TI se tornou muito complexa”, diz o especialista.

De onde veio tanta complexidade? Da relação íntima entre software e hardware. Romper essa ligação é a forma de reduzir a complexidade. Segundo Herrod, a virtualização chegou para desfazer essa conexão. Em entrevista exclusiva a HSM Management, ele explica em que consiste a tecnologia da virtualização, como ela contribui para o desenvolvimento da “computação em nuvem” e as tendências mais importantes em TI.

O que é virtualização?

É o que permite que uma pessoa use múltiplas máquinas –que não estão na sua frente e, por isso, são denominadas “virtuais”– tendo um único computador, físico. Compartilham-se os recursos e se otimiza o uso de todos os micros. É como o clássico canivete suíço, só que em forma de computador, com muitos usos e vantagens.

Quais são suas vantagens?

A principal é a eficiência. A maioria dos servidores é subutilizada; em média, aproveitam-se só 10% de sua capacidade, fato que redunda em desperdício de espaço, de potência e até de energia elétrica. Diferentes máquinas virtuais podem executar diversos sistemas operacionais e aplicativos para a mesma equipe física. Dessa maneira, se obtém grande economia no custo do hardware, melhor uso do espaço no centro de dados e maior eficiência no consumo de energia elétrica.

Isso é a cloud computing, a computação em nuvem, não?

Sim, virtualização é a base da computação em nuvem. Gosto de fazer a analogia, já conhecida, com o setor de energia elétrica. No início do século 20 as empresas tinham seus geradores a diesel. Com o surgimento das companhias elétricas, ficou claro que não havia nenhuma vantagem em produzir a própria energia, já que terceiros podiam fazê-lo de modo mais eficiente.

O setor da computação está aprendendo a mesma lição: as empresas não precisam ter e administrar o próprio centro de dados; pode ser mais eficiente que outra empresa faça isso por elas. A computação em nuvem consiste em deixar nas mãos de terceiros a administração de boa parte do centro de dados de uma empresa. É uma tendência que se fortalece.

Como surgiu o termo “nuvem” nesse setor?

Não sei quem o cunhou, nem há uma definição única e clara para ele. Mas, de nosso trabalho com analistas do setor e organizações governamentais, extraímos um conjunto de características essenciais de um ambiente de “computação em nuvem”:

  1. A característica mais óbvia é que não se sabe, necessariamente, nem importa saber, onde os aplicativos rodam. O usuário de um serviço de internet, por exemplo, não sabe onde está alojada a página da web que consulta. O mesmo ocorre com a computação em nuvem e a empresa: o funcionário usa o sistema SAP ou o de CRM (gestão de relacionamento com o cliente, na sigla em inglês) sem saber onde está alojado o programa. Só se conecta através da rede.
  2. Outro aspecto incluído na computação em nuvem é a noção de “autosserviço”. A maioria dos centros de dados funciona de modo lento: quando eu peço um serviço ao departamento de TI, passam-se semanas antes de receber uma resposta, porque a solicitação deve atravessar muitas instâncias de aprovação. Já com a computação em nuvem, a pessoa se conecta a um serviço diretamente, sem precisar do departamento de TI de sua empresa e sem saber localização e detalhes, e tudo flui rápido.
  3. O terceiro ponto importante da computação em nuvem diz respeito ao espaço de armazenamento. Por exemplo, se uma empresa tiver um site dedicado a vendas online, que recebe muitos pedidos para o Natal, o desafio será criar um centro de dados com capacidade suficiente para administrar as vendas desse período, e não de outros períodos do ano. Isso, por sua vez, implica sua subutilização na maior parte do ano. Com a computação em nuvem pode-se aumentar o espaço de armazenamento nas épocas de maior demanda e diminuí- lo quando tal capacidade não for mais necessária. É a elasticidade da nuvem.

Como a virtualização os beneficiou em sua empresa?

Na VMWare, os servidores de dados individuais já eram mais eficientes desde o início. Com a virtualização, conseguimos que os aplicativos ficassem mais disponíveis. Ou seja, os aplicativos continuam funcionando mesmo que o hardware falhe e, no caso extremo de todo o datacenter entrar em colapso, é mais fácil se recuperar do desastre. A terceira fase para nossa empresa é a da computação em nuvem.

O modelo que você descreve tem algum inconveniente?

A ideia da nuvem é muito atraente: não devo me preocupar com os detalhes, só rodo os aplicativos. Entretanto, existem algumas dificuldades, sim. Uma delas é que o departamento de TI continua sendo responsável pela segurança dos dados e, se um funcionário tiver um problema, procurará tal setor e não a entidade difusa conhecida como “nuvem”. Então, o desafio do departamento de TI é proporcionar níveis de serviço, conveniência e elasticidade de computação em nuvem adequados para seu bom funcionamento na empresa. Aumenta o desafio. A grande mudança na indústria de TI é a chamada “nuvem híbrida”, que significa conseguir que os departamentos de TI das empresas pareçam nuvens.

Já parece ser mais tranquilizador para as grandes empresas… Como funciona esse modelo híbrido?

Há nuvens públicas que rodam fora da empresa e nuvens privadas que tornam os centros de dados mais elásticos e facilitam o autosserviço. O importante é que as nuvens privadas ofereçam serviços, garantam a segurança dos dados e ajudem os empregados a usar a nuvem pública. Nós acreditamos que, no futuro, haverá uma coleção de nuvens que funcionarão em conjunto. Isso é a nuvem híbrida.

Quem é o responsável no caso da nuvem pública?

Suas fornecedoras. Muitas empresas conhecidas, entre elas o Google e a Amazon, estão criando nuvens públicas. Porém cada vez mais companhias telefônicas e provedores de serviços de comunicação oferecem serviços de nuvem às empresas. São as companhias de energia elétrica do século 21. Nesses casos, são assinados contratos de “nível de serviço”, onde se estabelece o nível de desempenho e se garante que os aplicativos sempre serão executados, entre outros quesitos. O preço é decidido em função do nível de serviço.

Mas os provedores de serviços de comunicação também poderiam ter vários servidores físicos, próprios, e oferecer serviços de nuvem, sem precisar recorrer à tecnologia da virtualização, ou seja, sem usar computadores alheios espalhados por aí… Ou estou enganada?

Poderiam, mas não seria fácil mover os aplicativos de um lugar para outro. A virtualização é como um envelope que contém aplicativos. Não importa onde os aplicativos serão executados nesse envelope. Essa é a vantagem; não há vínculos diretos com o hardware. A virtualização permite pegar todos os aplicativos e levá-los facilmente a um fornecedor de nuvem. Sem ela, o provedor da nuvem levaria muito tempo para criar a combinação adequada de servidores de que o cliente precisa.

O modelo de nuvem tem alguns pontos comuns com a ideia de “thin client” (cliente magro, na lógica do cliente-servidor), que surgiu nos anos 1990, segundo a qual era melhor que os programas e os dados estivessem na rede de servidores e que os computadores dos usuários (thin clients) fossem conectados e usados remotamente, em vez de carregar tais programas e dados no disco rígido…

É um conceito semelhante, de fato. O modelo de nuvem também pode ser aplicado a microcomputadores para virtualizar o conjunto de aplicativos instalados no computador do usuário.

Porém a ideia de thin client não vingou. Por que deveríamos esperar melhores resultados agora?

Naquela época, os usuários estavam acostumados a ter as informações e os programas em seu computador. Assim, quando usavam os assim chamados “dumb terminals”, muitas vezes não conseguiam rodar o Windows e tinham de se conformar com uma tela verde e com o sistema operacional Unix. Mas o mundo moderno da computação em nuvem roda Microsoft Windows 7 ou Windows XP e tem acesso completo a qualquer aplicativo que alguém queira rodar nesses sistemas operacionais.

Hoje, a tecnologia de conectividade permite que a experiência do usuário não sofra quando a nuvem for usada. É possível ver vídeos, jogar ou utilizar aplicativos gráficos via rede. Uso a nuvem todos os dias, para trabalhar. Nem percebo que não tenho os aplicativos carregados no computador. Eu me conecto à rede através do telefone ou do netbook. Muitos usuários precisam de mais mobilidade do que antes, porque trabalham em casa, em cibercafés. Um de nossos clientes implementou a computação em nuvem diante da ameaça da pandemia de gripe, porque queria garantir que os empregados pudessem acessar seus aplicativos se tivessem de ficar em casa. O acesso a partir de qualquer lugar é um impulsionador- chave das soluções de nuvem e da virtualização.

Quais são as grandes tendências no mundo da TI, em sua visão a partir do Vale do Silício? Como o ambiente de trabalho variará nos próximos cinco anos?

Haverá acesso a aplicativos a partir de qualquer lugar e em qualquer momento. O desafio é o interessante dilema entre mais liberdade para o usuário e mais regulamentação para as empresas. Conciliar a liberdade do usuário e maior regulamentação corporativa –duas tendências aparentemente opostas– é um desafio para o setor. O modelo de nuvens privadas, com opção de usar também as públicas, será a solução para muitos casos.

Você poderia explicar com mais detalhe essa regulamentação?

Por exemplo, trabalhamos muito com empresas financeiras e com companhias de serviços de saúde. As primeiras têm aplicativos que administram números de contas; as segundas, informações sobre saúde. Esses dados, além de confidenciais, são controlados pelo governo nos Estados Unidos. Não é possível enviar dados com informações sobre a saúde das pessoas entre dois estados norte-americanos, por exemplo.

No futuro, as empresas segmentarão seus centros de dados. Haverá uma categoria de aplicativos essenciais e confidenciais que viverão numa nuvem privada e, de outro lado, aplicativos de processamento geral ou informações dos contatos de vendas, que se situarão em nuvens públicas. Os departamentos de TI serão responsáveis por gerenciar uma série de centros de dados e escolher onde colocá-los.

Em que frente a VMWare está mais trabalhando?

Estamos ajudando as empresas a criar nuvens privadas e, ao mesmo tempo, trabalhamos com fornecedores de serviços para criar nuvens públicas. No mundo híbrido, as empresas com centros de dados eficientes e que queiram contratar outros recursos disporão de grande variedade de opções. Por exemplo, haverá nuvens públicas cuja segurança estará certificada pelo governo, outras que funcionarão com energia hidrelétrica para os clientes interessados na sustentabilidade. Nosso foco é fazer crescer a nuvem, tanto no sentido privado como no público.

Você se doutorou em computação. Como foi parar na VMWare?

A ideia da VMWare surgiu entre estudantes de Stanford. É um dado importante, porque na universidade é possível fazer coisas que, na vida real, são mais difíceis –estudar história, por exemplo, que nos permite analisar o que os outros fizeram. A universidade também é o lugar onde nos empenhamos para resolver problemas extremamente complexos. Em Stanford conheci os fundadores da VM Ware e, juntos, estudamos a virtualização como era usada nos mainframes. Já naquele tempo víamos que o mundo ia para os sistemas Windows e Unix e para os servidores x86, razão pela qual pensávamos que poderíamos conseguir que a virtualização funcionasse também nessas plataformas.

Além disso, a VM Ware foi fundada no Vale do Silício, lugar propício para empresas de tecnologia. Logo que saí da faculdade, trabalhei por um tempo na Transmeta e, em 2001, ingressei na VMWare como diretor de tecnologia. Havia, então, 80 funcionários; hoje somos 7,1 mil. O ponto de partida foi um problema técnico difícil, já que as máquinas x86 não tinham sido desenhadas para fazer o que queríamos, mas fizemos.

Saiba mais sobre Stephen Herrod

Stephen Herrod, diretor de tecnologia da VMWare, é um dos 12 homens fortes do mundo da TI segundo a revista Fortune. A revista InfoWorld o escolheu como CTO do Ano em 2009, por sua vez. Herrod se doutorou em ciências da computação pela Stanford University, foi diretor- -sênior da Transmeta Corporation e, em 2001, ingressou na VMWare. Essa empresa foi fundada em 1998 e adquirida pela EMC em 2004. Atualmente conta com 7,1 mil funcionários empregados e receita anual de US$ 2 bilhões. Em 2009, recebeu o prêmio “Technology Innovation” do The Wall Street Journal.


Fontes: Revista HSM Management