Confira nesse artigo a tradução do capítulo 7 do livro STFU
Resumo do livro:
STFU é um dos Livros mais vendidos segundo o jornal New York Times; o livro é uma reflexão crítica e bem-humorada sobre os males do excesso de fala no mundo moderno — especialmente nas esferas profissional, digital e interpessoal. Dan Lyons, um autoassumido “tagarela em recuperação”, defende o poder transformador do silêncio e da escuta ativa como práticas de autoconhecimento, liderança eficaz, relacionamentos saudáveis e bem-estar emocional.
Capítulo 7:
STFU em casa
Minha filha estava surtando. Ela tinha que entregar um trabalho de inglês em dois dias e não conseguia dizer nada sobre os poemas. Estava convencida de que levaria zero, reprovaria na disciplina, arruinaria seu histórico escolar e não conseguiria entrar na faculdade. Ela tinha dezesseis anos, estava no segundo ano do ensino médio. Eu queria resolver o problema por ela. Queria dizer como fazer o trabalho. Era o que eu sempre fazia antes. E adivinha? Nunca funcionava. Quanto mais eu tentava ajudar, mais nervosa ela ficava.
Então, dessa vez, tentei algo diferente: sentei e calei a boca. Disse a mim mesmo que só ouviria e confiaria que ela resolveria sozinha. Foi agoniante. Ela estava presa na Roda da Ansiedade, e quanto mais falava, pior ficava. O falador dentro de mim estava se debatendo para sair da jaula. Mas mantive o autocontrole.
Finalmente, minha filha percebeu que eu não estava dizendo nada e perguntou:
— O que você está fazendo? Por que tá só sentado aí?
— Estou ouvindo — respondi.
— Não tá ouvindo. Tá mexendo no celular.
— Não tô, olha aqui — apontei para o celular, que tinha deixado numa mesa, fora do meu alcance.
— Você tá me ignorando.
— Se eu quisesse te ignorar, teria saído do quarto.
— Bom, você não tá me ajudando, então acho que não se importa — disse ela.
— Eu sei que você está se sentindo mal — falei.
— Ah, jura? — ela disse, e rimos juntos.
Aos poucos, ela foi se acalmando. A Roda da Ansiedade começou a desacelerar. E então ela começou a falar sobre o verdadeiro problema, que não era o trabalho de inglês. O problema real era que ela tinha dezesseis anos e a vida adulta estava chegando rápido demais. Como muitos adolescentes, ela estava com medo de não estar pronta. Ela estava prestes a fazer o SAT, se inscrever nas faculdades. Tinha medo — não só de não passar, mas de não conseguir lidar com a vida universitária.
Logo ali na frente, no horizonte, está a imensidão desconhecida da vida adulta — e isso é aterrorizante. A gente passa a infância toda dizendo que não vê a hora de ser adulto e morar sozinho. Mas aí, quando finalmente chega a hora, bate a dúvida. E é tarde demais para voltar atrás. Esteja ou não preparado, você tem que ir. E ninguém está 100% pronto.
Essas não eram coisas que eu poderia consertar. Mas ela também não queria que eu consertasse nada. Ela só precisava saber que tudo bem ter medo, e que o que quer que a vida trouxesse, ela seria capaz de lidar. E, mais importante ainda, que não estaria sozinha.
STFU: não é só sobre você
O verdadeiro superpoder de calar a boca é que, além de te ajudar, isso também ajuda os outros. Torna a vida deles melhor. Mais feliz. STFU é sobre construir relações mais saudáveis e fortes com todos à sua volta.
Você pode começar, como eu, apenas tentando controlar sua tagarelice e evitar desastres. Depois, percebe que calar a boca pode te dar vantagens: você se sai melhor em negociações, fica mais feliz, saudável, esperto. Ótimo. Mas o próximo nível é usar isso para ajudar seus filhos a crescerem e se tornarem adultos capazes de resolver seus próprios problemas, ou para acolher um amigo ou parente em dificuldade.
Encontros como o que tive com minha filha desbloqueiam uma forma mais profunda de comunicação e criam conexões mais fortes. Você não fala muito, mas não é passivo.
Está praticando o que os pesquisadores chamam de “silêncio ativo”, que às vezes comunica mais do que mil palavras.
STFU nas relações pessoais
No contexto dos relacionamentos, STFU pode ser estratégico ou tático.
Conversas estratégicas são como a que tive com minha filha: lidam com questões profundas, de longo prazo.
Conversas táticas são aquelas em que você resolve o problema imediato.
Por exemplo, às vezes seu filho realmente precisa de ajuda para fazer um trabalho. Meu filho é introvertido, como a mãe dele. Mas se faço perguntas abertas e saio do caminho — se resisto ao impulso de dizer o que fazer e apenas espelho o que ele diz, consigo fazê-lo falar.
— Em que você está trabalhando esses dias? — perguntei numa terça de manhã, enquanto o levava à escola.
Ele disse, meio murmurando, que tinha um trabalho. Já tinha feito um rascunho, mas estava horrível.
Nesse momento, o “velho eu” daria dicas de como escrever melhor. Mas o “novo eu” apenas perguntou:
— Sobre o que é?
E deixei que ele falasse.
Ele passou vinte minutos explicando a hipótese da dispersão linguística com a agricultura, uma teoria que diz que famílias linguísticas se expandiram junto com a agricultura. Fiz algumas perguntas, percebendo que ao me explicar, ele estava organizando o pensamento para escrever. Quando o deixei na escola, ele já tinha resolvido o problema.
Parece que não fiz nada — e de fato não falei quase nada. Mas o silêncio ativo exige esforço. Meu silêncio criou o espaço para que ele mesmo encontrasse a solução.
Às vezes, conversas táticas evoluem para conversas estratégicas.
Se você consegue fazer alguém falar e não atrapalhar, essa pessoa pode acabar entrando em temas mais profundos e importantes.
Resista à tentação de dar conselhos.
Se já passou por algo parecido e acha que sua experiência pode ajudar, ofereça-se para contar — mas só se pedirem. Se não pedirem, recue. Nada disso é natural para mim. A maior parte da minha vida eu fiz tudo errado.
Me envergonho vendo vídeos antigos: tudo o que vejo é um pai deixando os filhos hiperativos e ansiosos. Durante anos, fui o tipo de pai que dava sermões, contava histórias intermináveis, pulava de um assunto pro outro até se perder e perguntar:
— Espera, sobre o que estávamos falando?
Na verdade, não estávamos falando sobre nada.
A maioria de nós cai na armadilha de falar demais com os filhos; nos inclinamos quando deveríamos apenas recuar. Mas pesquisas indicam que a criação silenciosa funciona melhor. Você não precisa ter opinião sobre tudo. Mesmo que tenha, não precisa expressá-la. E, sejamos honestos: a gente não tem todas as respostas.
Desligue seu sabre de luz e se torne mais poderoso do que você jamais imaginou. Ouse usar as três palavras mais poderosas da paternidade:
“Eu não sei.”
O pai (ou mãe) STFU
Você já ouviu falar dos pais “snowplow” (ou limpa-neves), aqueles que correm para remover todos os obstáculos do caminho dos filhos. E dos pais helicóptero, que ficam rondando os filhos para garantir que nada dê errado. Depois vieram as mães tigres, que não desgrudam das crianças e as forçam a fazer a lição de casa e praticar violino 40 horas por semana.
Eu proponho um novo tipo de pai: o pai STFU.
Não faz tanto tempo assim, os pais STFU eram a norma. Pais estavam ocupados. Tinham coisas a fazer. Ou talvez só quisessem ficar sentados na sala, tomando um martíni e lendo o jornal. Ninguém se sentia obrigado a manter os filhos ocupados ou entretidos, nem a organizar suas agendas ou enchê-las de compromissos.
A palavra inglesa parenting — no sentido de “exercer a função de pai/mãe” — nem existia no dicionário até 1958, e só começou a ser usada amplamente nos anos 1970. Antes disso, pai era um substantivo, algo que você era, não algo que fazia.
Mas aí, “ser pai” virou uma tarefa. A Amazon tem mais de 60 mil livros sobre paternidade/maternidade. E agora existe algo ainda pior: a paternidade intensiva. Aulas de piano, natação, futebol, caratê, times de viagem, Kumon, Khan Academy… Em Boston, onde moro, pais completamente insanos — minha esposa e eu já fomos alguns deles — mandam os filhos para aulas noturnas da Russian School of Mathematics, ou “Matemática Russa”. É demais. Todos sabemos disso. Mas, como pais, tememos não fazer tudo. O mundo se tornou mais competitivo. A distância entre os que têm e os que não têm nunca foi tão grande. Temos pavor de que nossos filhos fiquem do lado errado dessa divisão.
Mas, ao tentar ajudar nossos filhos, estamos fazendo um desserviço. Estamos impedindo que eles desenvolvam habilidades essenciais para a vida adulta — como resolver problemas, inovar, descobrir por si mesmos. Achamos que estamos preparando-os para a vida, quando na verdade estamos enfraquecendo-os e roubando-lhes a chance de crescer e aprender por conta própria.
Também estamos prejudicando sua criatividade. Desde 1990, a criatividade das crianças americanas vem despencando, a ponto de, segundo Kyung Hee Kim, professora do College of William and Mary, estarmos vivendo uma “crise de criatividade”. Estamos esmagando nossas crianças num sistema educacional voltado apenas para o desempenho em testes padronizados — algo que, segundo Kim, “reduziu o tempo de brincadeira, sufocando a imaginação… deixando pouco espaço para pensar ou explorar conceitos em profundidade”.
E, no entanto, a criatividade é a habilidade mais importante que as crianças precisam desenvolver para as próximas décadas. É a única coisa que robôs e inteligência artificial não conseguem substituir.
A insuportável inutilidade da insistência
Podemos aprender com culturas indígenas, onde, segundo Michaeleen Doucleff, repórter de ciência da NPR, os pais mantêm uma abordagem mais “desprendida” — e os filhos são mais felizes por isso. As crianças crescem em mundos diferentes, com metas e expectativas distintas, mas Doucleff acredita que podemos aprender com famílias maias no México, famílias inuítes no Círculo Ártico e famílias hadzabe na Tanzânia — com quem ela conviveu. Essas crianças são mais felizes e comportadas. Os pais são calmos, tranquilos e eficazes. Eles não gritam, não subornam, não insistem. Evitam ao máximo dar ordens ou oferecer elogios constantes.
“Da próxima vez que seu filho se comportar mal… vire as costas e vá embora”, aconselha Doucleff no livro Hunter, Gather, Parent: What Ancient Cultures Can Teach Us About the Lost Art of Raising Happy, Helpful Little Humans. “O mesmo vale para brigas e discussões. Se começar a esquentar, feche a boca e vá embora.”
Discutir com as crianças ensina-as a gostar de discutir. Não barganhe. Não eleve o tom de voz.
“Na próxima vez que sentir vontade de ‘ensinar uma lição’, pule essa parte. Pegue uma fita adesiva e cole na boca. A boa intenção vai evaporar durante a bronca, e a criança só vai absorver a sensação de ser inútil”, escreve a educadora Vicki Hoefle em Duct Tape Parenting, seu manifesto sobre como falar menos pode ser a melhor ferramenta de criação.
O professor STFU
Segundo Mary Dickinson Bird, professora da Universidade do Maine que formava professores do ensino fundamental, “O silêncio em sala de aula ajuda os alunos a obter uma compreensão mais profunda e poderosa do conteúdo”.
Inspirada por um antigo provérbio da Nova Inglaterra — “Fale menos, diga mais” — Bird costumava dividir seus alunos em equipes de quatro pessoas e desafiá-los a resolver um problema sem falar uma palavra. Cada equipe recebia uma bacia de 10 litros com água e uma série de objetos aleatórios — rolhas, palitos, elásticos, papel alumínio, arruelas, latinhas de filme fotográfico, bolinhas de gude. O conjunto variava, mas todas recebiam uma bola de ferro de 4 cm e tinham que transportá-la de um lado da bacia até o outro, da ilha de Silência para a ilha de Flotênsia, como ela chamava.
As equipes faziam trocas de materiais, espionavam umas às outras, compartilhavam ideias — tudo sem falar. Era frustrante, mas também divertido. “Para os alunos, o exercício pode ser transformador”, escreveu Bird na revista Science and Children. Crianças tímidas têm a chance de brilhar. As falantes aprendem a calar. Todos aprendem sobre dinâmica de grupo e habilidades interpessoais.
Bird acreditava que o silêncio abre novos caminhos para o aprendizado. Seu exercício tem óbvias aplicações práticas para professores, líderes e até pais tentando lidar com crianças entediadas num dia de chuva. “Ao dizer menos, dizemos muito mais”, escreveu ela.
Deixe seus filhos brincarem
Pais podem ser jardineiros ou carpinteiros, diz Alison Gopnik, psicóloga da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Carpinteiros tentam esculpir os filhos segundo a imagem que têm deles.
Jardineiros STFU e criam espaço para que os filhos cresçam como quiserem crescer.
Acho que você já sabe qual é o melhor tipo. Nas últimas três décadas, cometemos o erro de transformar a criação dos filhos em um trabalho com metas, prazos e regras — e isso não está funcionando. Devemos dar espaço às crianças e deixá-las brincar. Deixá-las aprender a aprender, a serem criativas e inovadoras.
Fred Rogers se tornou um dos maiores educadores infantis oferecendo às crianças “silêncio em um mundo barulhento”, como escreveu seu biógrafo. Ele foi um modelo para os pais. Como escreveu Mary McNamara no Los Angeles Times:
“Ele pausava quase tanto quanto falava — muitas vezes por um longo tempo. Mas essas pausas não eram espaços vazios: eram espaços cheios de significado.”
Rogers não ensinava apenas crianças — ensinava pais também. Ele modelava um jeito calmo de se relacionar, que fazia com que as pessoas à sua volta dessem o melhor de si. Quando calamos diante dos nossos filhos, estamos ensinando pelo exemplo.
Rogers usava o silêncio como ferramenta de impacto emocional. Uma de suas técnicas era sentar com alguém em silêncio — às vezes por até sessenta segundos.
Em 1997, ao receber o Prêmio pelo Conjunto da Obra no Emmy, Rogers pediu à plateia que ficasse em silêncio por dez segundos, para pensar nas pessoas que os ajudaram a se tornar quem eram — aquelas que cuidaram de você e desejaram o seu melhor. Ao fim dos dez segundos, havia gente chorando no auditório.
Você pode assistir à cena no YouTube. Duvido que consiga sem se emocionar. Duvido ainda mais que consiga assistir com seus filhos, sem que algo profundo aconteça.
https://youtu.be/Upm9LnuCBUM?si=hf4UM_1oAcNfYwbg
O silêncio, quando bem feito, pode ser devastador.
Deixe seus filhos fracassarem
É doloroso ver seu filho lutando. É insuportável. E eles nem sempre conseguem resolver as coisas sozinhos. Às vezes, fracassam. E você se sente culpado, porque poderia ter dito o que fazer ou como evitar o problema — mas não disse. Você simplesmente ficou ali sentado.
E o que você faz depois? Liga para o professor e pede uma segunda chance na prova de matemática? Senta ao lado do seu filho como um carcereiro para garantir que ele termine a lição — ou faz a lição por ele? Liga para o técnico do time de futebol para reclamar que sua filha não está jogando o suficiente?
Não. Você continua calado. STFU.
Isso é realmente, realmente difícil. Você sabe (ou acha que sabe) o que seus filhos deveriam estar fazendo. Além disso, às vezes seus filhos querem que você resolva os problemas por eles. Pedem isso. E você poderia fazer. Mas não pode. Forçar-se a ficar em silêncio nessas situações é uma das partes mais desafiadoras de ser pai ou mãe. Eu odeio isso.
Já vi crianças chegando à escola com projetos de arte que pareciam feitos por uma equipe de criação da Madison Avenue. Já vi escoteiros levando carros para a corrida Pinewood Derby claramente construídos por homens adultos com diplomas de engenharia. Esses pais provavelmente achavam que estavam fazendo um ótimo trabalho. Estavam ajudando seus filhos a serem vencedores.
Resista à loucura. Deixe seu filho perder a corrida. Deixe tirar um F na prova.
Deixe que ele aprenda como é se sentir desconfortável, com medo, preocupado, decepcionado.
É apavorante deixar isso acontecer. Mas se não deixarmos, não estamos ajudando nossos filhos — estamos prejudicando. Estamos impedindo que desenvolvam habilidades de enfrentamento. Estamos fazendo com que se sintam impotentes — e, de certo modo, os tratamos com desrespeito.
De acordo com o neuropsicólogo William Stixrud e o educador Ned Johnson, autores de The Self-Driven Child (A Criança Autônoma), deixar que os filhos resolvam os problemas por conta própria — resistindo à tentação de corrigir, ajudar ou até mesmo elogiar demais — os torna mais confiantes e menos propensos à ansiedade e ao estresse.
Não estou sugerindo abandonar seus filhos no mundo. Como diz Diane Tavenner, cofundadora da rede de escolas Summit Public Schools, há um meio-termo entre fazer a lição por eles e mandá-los para uma ilha deserta com um canivete suíço. Tavenner incentiva os pais a deixarem os filhos falharem em pequenas coisas, como trabalhos escolares:
“Lembre-se de que errar uma tarefa ou mesmo algumas não muda a vida de ninguém.”
Ela recomenda que os pais se vejam como técnicos: em vez de dar respostas, faça perguntas. A ideia é ajudar os filhos a desenvolverem habilidades para que consigam vencer sozinhos.
Deixe seus filhos terem sucesso
O melhor de se manter em silêncio e dar espaço para seus filhos fracassarem é que, quando eles têm sucesso, a vitória é só deles. Michelle Obama diz que esse foi o melhor presente que seus pais lhe deram e ao irmão:
“Vocês nos deixaram ter nossos próprios sucessos e fracassos”, ela disse à mãe, Marian Shields Robinson, em seu podcast. Tudo começa com coisas pequenas. Marian nunca os acordava para ir à escola — isso era responsabilidade deles. Michelle acredita que isso traz benefícios duradouros:
“Se você quer que seu filho seja autônomo aos 21 anos, tem que fazê-lo praticar isso desde os cinco ou sete.”
Marian — que morou na Casa Branca e ajudou a criar Malia e Sasha — diz que parte de permitir que os filhos tenham sucesso é admitir que, às vezes, você também não sabe o que fazer:
“Os pais acham que precisam ter todas as respostas. Mas ninguém tem. Eu sempre estive à vontade para dizer: ‘Eu não sei’.” Marian era uma jardineira, não uma carpinteira. Ela sabia que sua filha era determinada, e pensava: por que tentar mudar isso?
“Esse foi o presente que ela me deu”, disse Michelle. “Meus pais viram essa chama em mim… e, em vez de apagá-la — como costumamos fazer com meninas fortes —, encontraram um jeito de mantê-la acesa. Sabiam que eu precisaria dela mais tarde.” Michelle Obama levou essa abordagem para a criação de suas filhas.
“Ser mãe é uma aula magistral sobre deixar ir”, disse ela a Meghan Markle em entrevista à British Vogue. “Ser mãe me ensinou que, na maioria das vezes, meu papel é dar espaço para que elas explorem e se desenvolvam como querem ser — não como eu quero que sejam, ou como eu gostaria de ter sido, mas como elas são por dentro.”
“Também me ensinou que não devo remover todos os obstáculos do caminho. Meu papel é ser um porto seguro e constante para quando inevitavelmente fracassarem — e mostrar, sempre, como se reerguer.”
Deixe seus filhos sentirem tédio
Lin-Manuel Miranda jura pelo tédio. Ele diz que tardes entediantes durante a infância, cheias de devaneios, ajudaram a desenvolver a imaginação que criou Hamilton, um dos maiores sucessos da Broadway.
“Não há nada melhor para estimular a criatividade do que uma folha em branco ou um quarto vazio”, disse à GQ. Segundo ele, o segredo da paternidade é fazer um pouco menos de paternidade.
Ele talvez não use esse termo, mas Miranda provavelmente é um pai STFU.
Um princípio do STFU parental é que não é nosso trabalho entreter nossos filhos.
Na verdade, o que devemos a eles é o tédio — porque o tédio faz bem. Muitas pesquisas mostram que o tédio ajuda as crianças a serem mais criativas e a regularem melhor as emoções. Quando dizem “estou entediado”, isso é ótimo. O universo lhes deu um presente. Resista à vontade de preencher o tempo vazio.
STFU e deixe que resolvam sozinhos.
O tédio é desconfortável, mas o cérebro entediado procura estímulo interno, diz Teresa Belton, professora que estuda a ligação entre tédio e criatividade. Segundo ela, crianças precisam de tempo para “parar e observar” — apenas ver o mundo ao redor e deixar a mente vagar.
Adultos também se beneficiam do tédio. Estudos mostram que pessoas que fizeram uma tarefa entediante antes de testes de criatividade se saíram melhor que as do grupo controle.
Albert Einstein adorava ficar à toa — dizia que tinha suas melhores ideias vagando num barco à vela.
Steve Jobs também era um mestre na procrastinação criativa.
Aaron Sorkin tem tantas ideias no chuveiro que às vezes toma seis banhos por dia.
Isso é insano. Mas também é insano o jeito como criamos nossos filhos hoje. Faça um favor a eles — e cale a boca – STFU.
Vamos resgatar o lábio superior rígido
Fale o que quiser da Rainha Elizabeth, mas ela sabia como ficar em silêncio. Sua velha e contida reserva britânica era sua maior força.
Talvez fosse enlouquecedor ter que limpar as confusões da família, mas você nunca a ouviu reclamar. Os Windsor são ridículos. A monarquia é ridícula. A Rainha parecia saber disso, e mesmo assim entendia que o único jeito de manter a farsa de pé era ficar quieta, não se meter em confusão, e nunca revelar o que realmente pensava. Por tudo que sabemos, a Rainha só se importava com corgis e cavalos. E isso é maravilhoso. Fantástico. Devíamos todos aprender com ela.
O mundo não precisa saber o que você sente sobre tudo — ou sobre qualquer coisa. Dizem que reprimir sentimentos é ruim, mas será mesmo? Guardar para si parece bem melhor do que vomitar seus problemas e opiniões em todo mundo.
Como a Rainha diria:
“STFU e siga em frente.”
Os finlandeses são os mais felizes. Eles conhecem o poder do STFU
Em 2022, a Finlândia foi eleita o país mais feliz do mundo pelo quinto ano consecutivo. Provavelmente há muitos motivos para isso, mas o principal é que os finlandeses sabem calar a boca. Os finlandeses estão entre as pessoas mais quietas e reservadas do mundo. São especialistas em falar pouco. Ao contrário dos americanos, que não suportam nem alguns segundos de silêncio, os finlandeses ficam perfeitamente confortáveis sentados juntos sem dizer uma palavra. Um provérbio finlandês diz:
“O silêncio é ouro, falar é prata.”
Enquanto os americanos colocam as necessidades e conquistas individuais acima de tudo, os finlandeses valorizam a harmonia e o equilíbrio. Quando vieram os confinamentos da Covid-19 e as pessoas foram obrigadas a manter dois metros de distância, a piada na Finlândia era:
“Por que não podemos manter os nossos habituais quatro metros?”
Outra piada finlandesa:
“Como saber se um finlandês gosta de você? Quando ele olha para os seus sapatos, em vez dos dele.”
A Finlândia é tão quieta que a agência nacional de turismo criou uma campanha inteira em torno da ideia de “viagem do silêncio”, voltada especialmente para turistas da China:
“Está procurando um lugar tão quieto que você consegue ouvir seus próprios pensamentos? Apresentamos as florestas silenciosas, vilarejos idílicos, locais sagrados antigos e parques nacionais da Lapônia finlandesa.”
Kimi Räikkönen, finlandês campeão da Fórmula 1, tinha o apelido de “o homem de gelo” e era famoso por suas habilidades nas pistas — mas ainda mais por quase não dizer nada fora delas. Quando se aposentou, um colega de equipe disse:
“Vou sentir falta do silêncio.”
Mais tarde, Räikkönen disse que talvez aceitasse fazer um filme sobre sua carreira, mas “somente se for um filme mudo”.
A Finlândia tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo — muito superior ao dos EUA — e é um modelo de contenção STFU. Nada de pressão. Nada de provas padronizadas. As crianças começam a escola mais tarde, têm jornadas escolares mais curtas e passam muito tempo brincando. Mesmo assim, quando comparadas academicamente a crianças de outros países, os finlandeses sempre aparecem no topo — superando os americanos por ampla margem.
Pais finlandeses são o que chamo de pais STFU e o que Alison Gopnik descreve como jardineiros, em vez de carpinteiros. A forma como eles criam os filhos não se parece em nada com a nossa. Não existem “pais-helicóptero” ou “mães-tigre”. Eles dão horas de tempo livre às crianças todos os dias, deixam-nas aprender no seu ritmo e valorizam a independência, a responsabilidade, a educação e o cuidado com os outros.
Crianças finlandesas voltam da escola, preparam o almoço e fazem o dever de casa sozinhas. Famílias constroem cabanas nos quintais chamadas leikimökki, onde os filhos brincam com os amigos e até dormem no verão.
Os finlandeses não deveriam ser felizes. O clima é terrível. No inverno, há apenas algumas horas de luz por dia, e a estação dura cem dias no sul (em Helsinque) e duzentos dias no norte. Ainda assim, eles conseguem ser felizes, e suspeito que isso se deve ao fato de que sabem como ficar quietos e respeitar o espaço dos outros. Eles não são antissociais. Adoram sentar pelados em uma sauna com os amigos. Apenas não gostam de conversa fiada — e conseguem se comunicar sem usar palavras.
Japão: a paternidade do silêncio
No Japão, a arte de comunicar sem falar tem um nome: haragei, ou “conversa do ventre”. Significa a habilidade de expressar uma opinião ou transmitir uma ideia sem dizer nada em voz alta, usando apenas expressões faciais, ombros encolhidos, olhares e outros gestos. Você fala com o ventre, não com a boca.
Isso funciona no Japão, um país considerado de “alta contextualização” — onde as pessoas se compreendem sem precisar ser explícitas, numa sociedade coletivista. Em média, conversas japonesas têm o dobro de silêncio em relação às conversas americanas.
Os japoneses também têm o conceito de ishin-denshin, que pode ser traduzido como “telepatia” — a habilidade de entender os outros sem que eles falem. E também sontaku, o que chamaríamos de “ler nas entrelinhas”. Para os japoneses, essas formas sutis e artísticas de comunicação são normais. O silêncio não os incomoda, como incomoda os americanos. Pelo contrário: é sinal de respeito e inteligência. Falar menos indica que você está pensando no que o outro acabou de dizer. No Japão, quem fala demais ou de forma muito direta é visto como imaturo ou tolo.
O silêncio também tem um papel importante na forma como os pais japoneses educam seus filhos — e ajuda a explicar por que eles se saem melhor do que nós. Estrangeiros que se mudam para o Japão se espantam ao ver crianças de dois anos sentadas tranquilamente em restaurantes ou lugares públicos. Isso porque os pais modelam esse comportamento silencioso: disciplina, autocontrole e boas maneiras.
A romancista americana Kate Lewis se mudou para o Japão com seus dois filhos pequenos e ficou constrangida com o contraste entre seus filhos barulhentos e as crianças japonesas. Ela descobriu que os pais no Japão adotam um estilo de disciplina chamado shitsuke, que significa “treinamento” ou “educação”. É uma abordagem quieta. Em vez de gritar com os filhos no shopping ou no parquinho — coisa que nós fazemos com frequência — os pais japoneses esperam e conversam em particular com a criança.
“Comecei a notar isso em todo lugar — pais agachados atrás de pilares nas estações de trem, nos cantos dos parques, tendo conversas silenciosas com os filhos”, escreveu Lewis em um artigo na Savvy Tokyo.
Mas há um detalhe importante: ao contrário dos finlandeses felizes, o Japão geralmente aparece mal colocado nos rankings mundiais de felicidade. Em 2019, entre 29 países pesquisados, ficou em 23º. No relatório da ONU de 2020, ficou em 62º.
Mas isso acontece porque a definição de felicidade dos japoneses é diferente da definição ocidental. Para nós, felicidade é empolgação, grandes conquistas, vitórias. Para os japoneses, felicidade está nas coisas silenciosas.
Além disso, o Japão tem a maior expectativa de vida do mundo. A dieta e a genética ajudam, mas também há o conceito de ikigai, que pode ser traduzido como “a felicidade de estar sempre ocupado”, mas que realmente significa ter um propósito de vida. O ikigai virou moda no Ocidente — com livros e palestras TED sobre o assunto.
Na ilha de Okinawa, um vilarejo chamado Ogimi tem a maior concentração de centenários do planeta — e o ikigai por lá é altíssimo, segundo os autores Héctor García e Francesc Miralles, que visitaram o lugar e entrevistaram seus habitantes mais velhos.
O ikigai tem muito em comum com as “conversas significativas e profundas” que o psicólogo Matthias Mehl, da Universidade do Arizona, descobriu serem essenciais para melhorar a saúde mental e fortalecer o sistema imunológico. Fale menos. Ouça mais. Evite conversa fiada. Construa conexões reais. É uma receita simples.
https://youtu.be/8zrv-sQ5hBc?si=RZuKVjYYUYtFlJZ9
STFU é altruísmo.
Traz à tona o que há de melhor nas pessoas ao seu redor. Ouvir alguém com atenção, em vez de se concentrar em si mesmo, é mágico. A mãe de Winston Churchill, Jennie Jerome, uma vez comparou a experiência de jantar com dois políticos britânicos importantes:
“Quando deixei a mesa depois de jantar ao lado de William Gladstone, achei que ele era o homem mais inteligente da Inglaterra. Mas quando saí de um jantar com Benjamin Disraeli, me senti como a mulher mais inteligente.”
Imagine causar esse efeito em todas as pessoas da sua vida. Imagine deixar seus filhos mais felizes, mais autônomos e mais preparados para o sucesso. Imagine desbloquear a criatividade deles para que possam resolver os grandes problemas do mundo. Imagine poder despertar o melhor nos seus amigos, parentes ou até nos estranhos que encontra no dia a dia. E então, imagine essa bondade se espalhando, à medida que seus filhos, amigos e parentes fizerem o mesmo com os outros.
STFU vai além de apenas falar menos e ganhar mais para si. Se mais pessoas aprendessem a calar a boca, poderíamos tornar o mundo um lugar melhor para todos.
STFU
Fonte:
Capítulo 7 do livro STFU: THE POWER OF KEEPING YOUR MOUTH SHUT IN AN ENDLESSLY NOISY WORLD, do autor Daniel Lyons