Capítulo 2 do livro STFU: Shut The Fuck Up – Aumente sua eficiência de comunicação pessoal e profissional com o simples hábito de CALAR A BOCA e ESCUTAR

Confira nesse artigo a tradução do capítulo 2 do livro STFU

Resumo do livro:

STFU é um dos Livros mais vendidos segundo o jornal New York Times; o livro é uma reflexão crítica e bem-humorada sobre os males do excesso de fala no mundo moderno — especialmente nas esferas profissional, digital e interpessoal. Dan Lyons, um autoassumido “tagarela em recuperação”, defende o poder transformador do silêncio e da escuta ativa como práticas de autoconhecimento, liderança eficaz, relacionamentos saudáveis e bem-estar emocional.

Capítulo 2:

STFU – Shut The Fuck Off (Desliga essa língua)

A internet nos deu mais maneiras de nos comunicar do que nunca — e nós usamos todas. Quantos aplicativos você tem no celular para se comunicar com outras pessoas? Quantas caixas de entrada você verifica? Provavelmente, você tem e-mail do trabalho, e-mail pessoal, mensagens de texto… e, além disso, talvez Slack, Facebook, Twitter, Instagram, LinkedIn, WhatsApp, Telegram ou Signal — e esses são só os mais populares.

Falamos com nossas TVs e controles remotos. Falamos com dispositivos na sala, com lâmpadas e termostatos, com nossos relógios, com bots, com os painéis dos carros — e alguns desses dispositivos respondem de volta.

Falamos ao celular em lugares que antes eram santuários de silêncio: no carro, na floresta. Ofegamos enquanto falamos, durante corridas ou na academia. Puxamos o celular em filmes, shows, funerais — nenhum lugar é sagrado. Os piores entre nós praticam o que chamo de “Asshole Talking”: falar alto ao celular em locais públicos (trens, restaurantes, cafés), enquanto todos ao redor bufam de raiva.

  • Dois terços das pessoas usam o celular no banheiro.
  • 20% levam o celular para o chuveiro.
  • 10% já checaram o celular durante o sexo.

Quando não estamos falando, estamos consumindo — bebendo de uma mangueira de incêndio de informações que, na maioria das vezes, é só ruído disfarçado de conteúdo.

A Netflix lançou 87 filmes em 2022, além de 40 séries e alguns especiais — cerca de 600 horas de vídeo — e gastou US\$ 17 bilhões nisso. Além disso, temos Apple TV+, Amazon Prime, Disney+, HBO, Hulu, Starz e por aí vai… E ainda os estúdios e canais tradicionais despejando sitcoms, comédias românticas e filmes de super-herói onde, toda semana, o mundo quase acaba — e é salvo por alguém em roupa colada.

Em 2022, havia 817.000 títulos diferentes disponíveis nas plataformas de streaming, e isso, segundo a Nielsen, estava gerando uma “confusão crescente”. Quase metade das pessoas se sente sobrecarregada com tantas opções. Mesmo assim, consumimos cada vez mais.

Entre março de 2021 e fevereiro de 2022, os americanos assistiram a 169,4 bilhões de minutos de streaming por semana — um aumento de 18% em relação ao ano anterior.

No total, os americanos consumiram 15 milhões de anos de vídeo em 2021.

Uma pesquisa indicou que o americano médio assistiu a 290 filmes e séries em 2022 — cerca de 437 horas, ou 18 dias inteiros.

Em 2020, os gastos com streaming eram quatro vezes maiores do que em 2015.

Vivemos imersos em poluição sonora, cercados por uma cacofonia implacável.

Nenhum espaço interno pode ficar sem música — parece ser uma lei invisível.

O volume em restaurantes e aulas de spinning já foi medido acima de 100 decibéis — o mesmo de uma britadeira.

Mas o problema não é só o volume. É o fato de que não há escapatória.

Anos atrás, foi revelado que os EUA torturavam prisioneiros em Abu Ghraib e Guantánamo com música em alto volume, em repetição infinita — incluindo, notoriamente, a música tema do personagem dinossauro roxo Barney. Se você é pai, sabe por que isso funciona.

Hoje, restaurantes, shoppings, lojas e até hospitais adotaram a mesma tática — e isso cobra um preço. Estudos mostram que escritórios com planta aberta destroem a capacidade de concentração e de produtividade. Na Áustria, funcionários do varejo fizeram greve para parar a música natalina repetitiva.

“As pessoas se sentem impotentes”, diz Nigel Rodgers, britânico que fundou o grupo Pipedown, que conseguiu fazer lojas e restaurantes no Reino Unido banirem a música ambiente.

Você vai ao médico e ele diz que sua pressão está alta. E você responde: ‘Não estava quando cheguei aqui — é essa música horrível na sala de espera!’”

Vivemos colados às telas: celulares, tablets, notebooks, TVs. Donos de Tesla jogam e assistem a filmes no painel do carro. Há telas em elevadores, esteiras de academia, geladeiras, bombas de gasolina, banheiros públicos… Até estações de esqui colocam telões nos teleféricos e tocam música nas gôndolas. Porque, claro, olhar em silêncio para montanhas cobertas de neve não é suficiente — melhor colocar Metallica. O Google tentou criar óculos que jogavam informação direto nos olhos — fracassou. Mas a Apple está fazendo algo parecido, e provavelmente vai funcionar — porque será estiloso e absurdamente caro (do jeitinho que os fãs da Apple gostam).

Não basta calar a boca. Precisamos SITFO: Shut It the Fuck Off — Desligar essa porra.

Encontramos o inimigo — e somos nós

A internet nos deu algo maravilhoso: a chance de qualquer pessoa criar e publicar conteúdo. Fácil e barato. Mas o problema é que muita gente aproveitou essa chance.

Em 2021 existiam mais de 600 milhões de blogs, gerando 29 milhões de novos posts por dia. Existem 2 milhões de podcasts (quatro vezes mais que em 2018), e quase ninguém os ouve.

Milhares de pessoas gastam milhões em conferências como a Global Speakers Federation ou a National Speakers Association, onde oradores falam sobre como ser orador para uma plateia de aspirantes a oradores. Por quê?

Graças ao TED e ao seu primo tenebroso, o TEDx, todo ano milhares de aspirantes a coachs de vida e gurus do pensamento sobem no palco com microfones ridículos para nos ensinar que:

  •  Se dobrarmos a aposta em nós mesmos,
  •  operacionalizarmos nossos valores,
  •  assumirmos nossas histórias,
  •  traçarmos conexões significativas
  •  e fizermos amizade com o estresse…

… talvez a felicidade nos encontre.

Prefiro cair numa piscina em chamas.

Aproximadamente 500 horas de vídeo são enviadas para o YouTube a cada minuto. Nesse mesmo minuto:

  •  1,8 milhão de Snaps são criados
  •  700 mil Stories são postadas no Instagram
  •  600 mil tweets são tuitados
  •  150 mil mensagens são enviadas no Slack
  •  167 milhões de vídeos assistidos no TikTok
  •  4,1 milhões de vídeos assistidos no YouTube
  •  70 mil horas de Netflix assistidas
  •  40 mil horas de música ouvidas no Spotify

A cada. Maldito. Minuto.

O comediante Bo Burnham, em seu especial Inside (disponível na Netflix), gravado durante a pandemia, pergunta:

  • “É mesmo necessário que todas as pessoas do planeta expressem todas as opiniões sobre todos os assuntos ao mesmo tempo?
  • Alguém consegue, por favor, calar a boca?
  • Uma única pessoa consegue calar a boca sobre qualquer coisa por… uma hora? Isso é possível?”

A explosão cambriana de conteúdo começou no início dos anos 2000, quando a internet ficou rápida o bastante. Mas ganhou força nos anos 2010, com a chegada dos smartphones, que permitiram carregar distrações infinitas no bolso e estar conectado o tempo todo.

Antigamente, falávamos em “entrar na internet”. Hoje, a internet está em nós. Carregamos ela no corpo. A internet é ambiente, e por isso o trabalho exige que estejamos sempre disponíveis, respondendo e-mails e sendo pingados no Slack.

Num dia útil comum, o Slack acumula mais de 1 bilhão de minutos de uso. Criado para ajudar trabalhadores remotos, virou ferramenta para os chatos virtuais que invadem seu espaço como faziam no escritório físico.

O americano médio usa 10 apps por dia, 30 por mês e olha o celular a cada 12 minutos. Viciados checam a cada 4 minutos. Um em cada cinco millennials abre mais de 50 apps por dia. Em 2010, passávamos 24 minutos por dia no celular.

Em 2021: 4 horas e 23 minutos. O TikTok tem mais de 1 bilhão de usuários, e a média de uso é de 850 minutos por mês.

Somos tão viciados em conteúdo que assistimos a vídeos e ouvimos podcasts em velocidade dobrada — para acabar logo. E isso ainda não basta: usamos várias telas ao mesmo tempo.

Assistimos a Ted Lasso enquanto rolamos Twitter, TikTok e Instagram no iPhone e checamos e-mails no notebook. 90% de nós usam um segundo dispositivo enquanto veem TV. Por quê?

Porque podemos.

O problema é: não podemos. Nosso cérebro é péssimo em multitarefa. Tentar fazer isso nos deixa mais burros — literalmente. Um estudo mostrou que a multitarefa reduz o QI ao nível de uma criança de 8 anos — ou de alguém que passou a noite fumando maconha. Você escolhe.

Pesquisadores identificaram um distúrbio chamado “amnésia digital” — a incapacidade de formar memórias de longo prazo. Numa pesquisa, 40% das pessoas não conseguiam lembrar o número dos próprios filhos ou do trabalho. Enquanto isso, o conteúdo que consumimos fica cada vez mais curto, destruindo nossa capacidade de manter o foco.

Em 2015, um estudo da Microsoft revelou que, desde o ano 2000, a atenção humana caiu de 12 para 8 segundos — menos que um peixinho dourado. E isso foi antes do TikTok. Hoje, somos bombardeados com vídeos de 15 segundos, hipnotizados diante do celular. Nosso tempo de atenção deve ter caído para… o quê? 4 segundos?

Ainda estamos acima das moscas-das-frutas, que prestam atenção por menos de 1 segundo — …mas daremos um jeito de chegar lá.

Lixo na velocidade da luz

O problema não é apenas a quantidade de conteúdo que nos bombardeia, mas o fato de que boa parte dele é lixo digital que derrete o cérebro.

O que algumas pessoas chamam de Segunda Era de Ouro da Televisão começou em 1999 com The Sopranos, seguida por Mad Men, Breaking Bad e Game of Thrones.

Você pode argumentar — e muitos argumentam — se essa era de ouro já acabou, está se esgotando ou ainda continua forte. Mas uma coisa não dá pra discutir: para cada programa bom, existem cinquenta ruins — e em breve serão cem.

Estamos cercados por um oceano de resíduos tóxicos, e o nível do mar só sobe.

Jake Paul zurrando como um burro com lesão cerebral… e tem vinte milhões de inscritos no YouTube.

Dr. Pimple Popper fuzila cravos e espinhas direto na tela… e já está na sétima temporada.

Johnny Knoxville fez cinco filmes da franquia Jackass, que basicamente são idiotas inventando novas formas de se acertar nas partes íntimas — e esses filmes já arrecadaram mais de 500 milhões de dólares.

Quanto mais barulhento o mundo fica, mais escandaloso, ofensivo e irritante você precisa ser para se destacar.

O resultado é um planeta que virou uma mistura de Jerry Springer com Idiocracia — aquele filme sobre um futuro distópico onde os humanos involuem até virar imbecis, e o programa mais assistido se chama Ow! My Balls! (Ai! Minhas Bolas!), que é exatamente o que parece.

Se existir alguma civilização alienígena superior observando a Terra de bilhões de anos-luz de distância, provavelmente ficaram animados ao ver que criamos uma rede que conecta todo o planeta. Um salto evolutivo gigantesco!

Mas, vinte anos depois, ao ver como usamos essa maravilha tecnológica, provavelmente concluíram:

PewDiePie? Alex Jones? Ok, podem desligar a antena.

Máquinas inteligentes que tornam os humanos estúpidos

Há 20 anos, muitos de nós acreditavam — ingenuamente — que a internet inauguraria uma era de prosperidade utópica: “Imagine mais 20 anos de pleno emprego… e padrão de vida crescente”, previu o fundador da Wired em 1999. Mas então meia dúzia de empresas gigantes monopolizou a internet e transformou a tecnologia em arma contra nós.

Vivemos mais mudanças tecnológicas nos últimos 20 anos do que no século anterior, e nosso cérebro não evolui rápido o suficiente para acompanhar. Estamos sendo ultrapassados e esmagados pelas máquinas. Embora quase invisível, estamos cercados de inteligência digital que supera em muito a nossa inteligência humana.

O TikTok é um app imbecil, cheio de imbecis fazendo coisas imbecis que transformam outras pessoas em… imbecis. Mas esse app idiota é movido por uma inteligência quase inimaginável. O algoritmo do TikTok causa vício com tanta eficácia que Facebook, Instagram, Snapchat e Twitter estão desesperados tentando copiá-lo.

Nos últimos 10 anos, a Inteligência Artificial se infiltrou em tudo:

  • Dos mercados financeiros aos supermercados,
  • Do frete às compras.
  • Somos contratados por máquinas. Demitidos por máquinas.
  • Monitorados, avaliados e gerenciados por algoritmos.
  • Estúdios de Hollywood usam IA para decidir quais filmes aprovar.
  • Esse livro foi traduzido paa o português pela IA do ChatGPT.

Publicitários usam IA para escolher as palavras e imagens ideais:

  • Cachorros performam melhor que gatos.
  • Fotos de médicos e bicicletas geram mais cliques.

As sugestões da Netflix, Amazon, Spotify, os anúncios no Facebook… Todos são escolhidos por IA, que coleta milhares de dados sobre você, analisa tudo em milissegundos e descobre como convencer seu cérebro de macaco a clicar em “Comprar”.

Antes, usávamos os computadores.

Agora, os computadores nos usam.

Estamos sendo submetidos a pressões e estresses nunca antes enfrentados por seres humanos, coisas que nossos avós nem conseguiriam imaginar. Consegue imaginar como seu “eu do ano 2000” ficaria chocado e deprimido ao ver no que você se tornou? Um ex-executivo do Facebook disse ao Congresso:

— “Os algoritmos dessas plataformas literalmente reconfiguraram nossos cérebros.”

Menos humanos do que os humanos

Não foi só a tecnologia que mudou. Nós mudamos. Nossos cérebros estão em curto-circuito. Não conseguimos focar. Nem lembrar. Nem aprender. Nem pensar direito.

Estamos doomscrollando, tweetando com raiva, maratonando séries, postando besteiras, fazendo lives. Estamos phubbando — ignorando as pessoas ao nosso redor para olhar o celular. Em vez de assistir nossos filhos jogando futebol ou cantando desafinados na peça da escola, filmamos com o celular.

A pessoa média tira mais de 450 selfies por ano — são 25 mil em uma vida.

Discutimos com bots e modelos de linguagens, como o Gemini e o ChatGPT, achando que são humanos. Tiramos foto da comida.

Seduzidos e confusos por tecnologias que não entendemos, pulamos de cabeça em esquemas de pirâmide e somos enganados. Investidores em cripto usam dinheiro real para comprar dinheiro falso, e perdem quase tudo. Compradores de NFTs já jogaram fora centenas de milhares (até milhões) de dólares em desenhos de “macacos entediados” que qualquer um pode copiar — e que não servem para nada, a não ser como lembrete de que alguns ricos são muito estúpidos.

Em 2021, um investidor rico (mas nada esperto) pagou US\$ 2,9 milhões por um NFT do primeiro tweet de Jack Dorsey, cofundador do Twitter. Meses depois, tentou revender. Queria US\$ 48 milhões. Recebeu US\$ 280. Quem poderia prever?

A internet não está apenas nos emburrecendo — está nos enfurecendo.

Porque, quando se trata de engajamento, a raiva funciona. Posts de raiva são mais compartilhados que postagens felizes. Imagens que expressam confusão, medo, nojo, indignação geram mais visualizações do que sorrisos.

Então é isso que as pessoas publicam. E isso vaza para a vida real. A maioria dos americanos diz que eles — e todo mundo ao redor — estão mais bravos do que antes. Tem tanta raiva que agora ficamos com raiva da raiva alheia. 

Achamos que a internet traria o melhor de nós. Ela trouxe o pior. Achamos que a internet nos uniria. Ela nos separou ainda mais.

Lembra quando as pessoas diziam online o que nunca diriam ao vivo? Agora dizem na sua cara:

  • As Karens surtam e exigem falar com o gerente.
  • Rednecks brigam em restaurante self-service.
  • Teóricos da conspiração invadem reuniões escolares gritando por “liberdade”.
  • Woke gritam contra microagressões; os microagressores gritam contra os woke.
  • O que antes era “fúria no trânsito” virou fúria em todo lugar.

Comissários de bordo estão levando soco na boca.

A FAA investigou mais de mil incidentes com passageiros agressivos em 2021 — cinco vezes mais que em qualquer outro ano. A taxa de homicídios disparou em algumas cidades americanas.

Pode até ser engraçado ver Karens e Kens surtando no Walmart, ou ver seguidores da QAnon esperando o ex presidente JFK Jr. ressuscitar em Dallas…

Mas não é engraçado quando um bando de lunáticos invade o Capitólio dos EUA para tentar enforcar o vice-presidente. Ou quando centenas de milhares morrem porque outros recusam a vacina, convencidos de que ela tem rastreador do Bill Gates e é pior que a própria Covid.

A loucura começa com o fato de que nos tornamos pessoas diferentes quando estamos online. Mesmo usando nosso nome real, não somos a mesma pessoa. O Você Online é diferente do Você Real. E muitos de nós têm várias identidades digitais, mudando de forma conforme pulamos entre plataformas. Criamos uma nova persona em cada ambiente. Viramos atores, interpretando personagens, desfilando nos palcos digitais do Discord, Facebook, Instagram, TikTok e Twitter — quase sempre sem dizer nada de relevante.

As redes sociais nos levam a desenvolver uma forma leve de transtorno dissociativo de identidade — o antigo “personalidade dividida”, base de filmes como Psicose e Sybil.

Uma mulher alemã desenvolveu o distúrbio após dois anos jogando online com múltiplas identidades. Usuários pesados da internet — viciados digitais — muitas vezes exibem sintomas dissociativos, segundo psiquiatras. Estamos vivendo uma epidemia de transtornos mentais em escala social, alimentada por um dilúvio de informação.

O mundo inteiro precisa SITFO. Desligar essa porra de língua! Língua venenosa!

A crise do cortisol venenoso

Cortisol e adrenalina são hormônios do estresse associados à resposta de luta ou fuga — aquela reação fisiológica automática que salva sua vida diante de uma ameaça, como ser atacado por um tigre ou assaltado. Quando esses hormônios entram na corrente sanguínea, eles desligam tudo que não é essencial para a sobrevivência e fazem a pressão, o ritmo cardíaco e a glicose no sangue dispararem.

Em pequenas doses, cortisol e adrenalina nos ajudam. Não conseguiríamos sobreviver sem eles. Mas a exposição crônica a essas substâncias causa estragos.

Estar online, especialmente pelo celular, provoca uma forma leve, mas constante de estresse, que faz seu corpo produzir cortisol o tempo todo. Usar o celular causa estresse. Mas não usar também causa — porque, ao deixá-lo de lado, você fica se perguntando se deveria conferir se algo aconteceu desde a última vez que olhou.

Aí, quando pega o celular, descobre que seu chefe insuportável achou mais uma forma de te encher o saco, e que, no Twitter, alguém que você nunca viu quer que você vá se matar. Boom! A represa de cortisol se rompe. Você pode não estar tão agitado quanto se um tigre pulasse do mato, mas essa dose constante de cortisol leve acaba sendo pior do que um pico intenso e breve.

Viver com níveis elevados de cortisol leva a problemas sérios:

  •  obesidade,
  •  diabetes tipo 2,
  •  infarto,
  •  Alzheimer.
  • O cortisol causa ansiedade e depressão.

Quer adivinhar por que o uso de antidepressivos e as taxas de suicídio têm aumentado tanto nos últimos 20 anos?

— “Exposição prolongada a grandes doses de cortisol vai te matar… mas devagar”, explica o endocrinologista Robert Lustig no livro The Hacking of the American Mind: The Science Behind the Corporate Takeover of Our Bodies and Brains. O cortisol causa déficit cognitivo e interfere na área do cérebro responsável pelo autocontrole e tomada de decisão — o lobo que, segundo Lustig, “nos impede de fazer besteiras”. Ele pode até danificar fisicamente o cérebro — os médicos conseguem ver as mudanças em ressonâncias magnéticas. Prejudica a memória e dificulta manter o foco.

— “Seu QI despenca. Sua criatividade, seu senso de humor — tudo isso desaparece.

Você fica burro”, diz o psiquiatra Edward Hallowell, autor de Driven to Distraction e CrazyBusy, em entrevista à Wired. E aí, você se vê largado no sofá, assistindo vídeos de espinhas sendo espremidas.

livro Driven to Distraction: Recognizing and Coping with Attention Deficit Disorder

Desligue e desconecte

A Netflix não vai produzir menos filmes. Facebook, Google e Twitter não vão se regular sozinhos. Reguladores aplicam multas — mas isso não resolve nada.

Membros do Congresso mal compreendem o básico da internet, como de onde vêm os lucros das big techs.

— “Senador, nós ganhamos com anúncios”, Zuckerberg precisou explicar ao senador Orrin Hatch, como se falasse com uma criança.

Quem não sabe a diferença entre Twitter e TikTok não tem como criar leis eficazes para controlar algoritmos de IA. Portanto, a responsabilidade é nossa. Não podemos mudar o mundo, mas podemos nos proteger dele:

  •  No nível individual, é uma questão de sanidade mental.
  •  No nível coletivo, é sobre salvar a civilização.

Há pequenos sinais de que algumas pessoas estão acordando.

Em 2022, o Facebook perdeu usuários e registrou queda de receita pela primeira vez. No mesmo ano, a Netflix perdeu assinantes — também pela primeira vez na história. Claro, ninguém vai deixar de usar a internet nem cancelar todos os streamings — e nem deveria. A internet melhorou nossas vidas de incontáveis formas, e plataformas como a Netflix produzem conteúdos excelentes.

Mas podemos nos treinar e treinar os outros a consumir menos conteúdo e usar a internet de maneira menos prejudicial, freando a Roda da Ansiedade e aplicando o SITFO.

O limite humano de conexões

O professor de estudos de mídia Ian Bogost sugere que limitemos o número de pessoas com quem nos conectamos online. Ele cita o psicólogo britânico Robin Dunbar, que propôs a ideia de que existe um limite biológico para a quantidade de conexões significativas que podemos ter: cerca de 150 pessoas. Para relações realmente íntimas, o limite é 15. E há uma relação inversa: quanto mais conexões, pior a qualidade delas.

Bogost defende que o número de Dunbar também se aplica à internet. Antes dela, a maioria de nós falava menos e com menos gente. Mas a internet nos permite operar em “megaescala”, criando milhares — até milhões — de conexões rasas. E, por causa disso, perdemos a noção da realidade e estamos rumo ao desastre.

“Viver cercado pelo lixo interminável gerado pela megaescala é insustentável”, escreveu Bogost na Atlantic, em 2022, no artigo “As pessoas não foram feitas para falar tanto assim.” A proposta dele pode ser resumida em uma ideia:

Todo mundo precisa calar a boca.

 “Já passou da hora de questionarmos um princípio básico da vida online: E se as pessoas não devessem dizer tanto, para tantos, com tanta frequência? Não seria melhor se menos gente postasse menos coisas, com menos frequência, e para um público menor?”

Seria melhor. Mas como fazer isso acontecer?

Bogost sugere que as plataformas limitem o número de pessoas que podemos alcançar.

É uma boa ideia, mas, tendo trabalhado numa rede social, posso garantir que isso jamais acontecerá. Nenhuma pessoa com quem trabalhei cogitaria limitar os usuários. Todas as conversas eram sobre atrair mais gente para a plataforma e mantê-las lá por mais tempo, roubando usuários das concorrentes. O objetivo é crescimento. Sempre. Custe o que custar.

As empresas não contratam milhares de moderadores porque se importam com segurança, elas o fazem porque conteúdo ofensivo afasta usuários, e isso afeta o negócio. Elas não estão te protegendo. Estão protegendo o próprio lucro.

Como aplicar o O SITFO

Nossos celulares são dispositivos de FOMO — o medo de ficar de fora, FOMO vem da tradução de Fear Of Missing Out. Vale notar que a primeira palavra em FOMO é “medo” (fear). A gente agarra o celular como um cobertor de segurança, achando que vai nos acalmar — mas faz exatamente o oposto. São dispositivos de agitação, pequenas máquinas de ansiedade movidas a bateria.

E vale lembrar: a palavra “FOMO” nem existia antes dos smartphones. No passado, perdíamos eventos o tempo todo — e isso não nos assustava. Quando nos sentíamos tristes ou ansiosos, comprávamos coisas: sapatos, carros, barcos, mais sapatos, casas. Escolhemos um vício. A cultura do consumismo é movida pela crença de que, se comprarmos o suficiente, podemos preencher o vazio existencial interno.

Mas nada preenche esse buraco de desespero e carência. E, em vez de desistirmos, voltamos a buscar mais terapia de consumo. Hoje tentamos aliviar a ansiedade consumindo não só coisas inúteis, mas também informações inúteis.

Enchemos o cérebro de porcaria, vendo três coisas ao mesmo tempo, em velocidade dobrada, até começar a vazar pela cabeça. O barulho nos distrai, nos impede de encarar aquilo que mais nos assusta — como a morte.

  • Preocupado com o trabalho?
  • Triste com o fim de um relacionamento?
  • Entediado, ansioso, inquieto, nervoso?

Desconecte e vá ver TikTok.

Ironicamente, muitas pessoas vão ao TikTok buscar ajuda para a saúde mental —

mesmo enquanto o app destrói a saúde mental delas. Assim como comprar sapatos ou carros não resolve seus problemas, devorar informações também não. Apenas piora tudo. A Roda da Ansiedade continua girando.

Todo mundo quer ser feliz. Mas nos comportamos de formas garantidas para nos deixar infelizes. Falamos da internet e da sobrecarga de informação como se não tivéssemos escolha — como se isso acontecesse com a gente, não por nossa escolha.

Mas o consumo é uma escolha — e podemos parar de fazê-la. A internet nunca será um lugar silencioso, assim como um estádio ou a Times Square nunca serão silenciosos.

O ruído não vai desaparecer. Mas nós podemos. Pelo bem da nossa saúde física e mental, nós devemos.

STFU


Fonte:

Capítulo 2 do livro STFU: THE POWER OF KEEPING YOUR MOUTH SHUT IN AN ENDLESSLY NOISY WORLD, do autor Daniel Lyons

Tradução: ChatGPT