Terra para estrangeiros

Em pleno funcionamento da Rio+20, em que a segurança alimentar terá destaque, o Congresso discute o complicado tema da compra de terras para estrangeiros. O assunto foi votado em 2012 na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, e de lá irá para outras comissões até chegar ao plenário.

Não é um tema fácil, porque está um pouco ideologizado, sob o conceito de alguns de que a terra do Brasil só deve pertencer a brasileiros. Como se um japonês comprasse terra aqui e ela fosse embora para o Japão, por exemplo. A terra cultivada aqui vai gerar empregos aqui e consumir  insumos produzidos aqui, vai exportar produtos que melhorarão o saldo comercial etc. É claro que, por outro lado, não se deve permitir a mera especulação imobiliária, que seria inaceitável -já existem leis e regras para impedir isso, inclusive a desapropriação das terras improdutivas para fins de reforma agrária.

Seja como for, esse problema tem de ser resolvido, e uma legislação específica é fundamental: não podemos deixar aí um vazio jurídico nem permitir que a xenofobia trave a agropecuária brasileira.

Enquanto isso, a FAO, após três anos de longos debates sobre o mesmo tema, estabeleceu, em abril passado, o que chamou de “Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável de Posse da Terra, Recursos Pesqueiros e Florestais em um Contexto de Segurança Alimentar Nacional”. Nome longo para assunto polêmico.

Foram ouvidas quase 700 pessoas de 133 países, e foi difícil obter um documento de consenso, dados os interesses divergentes entre as diversas regiões do planeta.

As diretrizes são voluntárias, e cada país as aplicará se quiser e de acordo com suas próprias legislações, e estão assim alinhadas:

1 – Princípios gerais (o Estado deve proporcionar):

  • a) Reconhecer e proteger os direitos legítimos de propriedade, mesmo em sistemas informais, inclusive contra ameaças e violações;
  • b) Promover e facilitar o exercício dos direitos de posse legítima, proporcionando o acesso à Justiça para lidar com infrações a tais direitos, e restituindo terras a pessoas que foram expulsas à força no passado.
  • c) Prevenir conflitos violentos de posse e de corrupção.

2 – Princípios essenciais de implementação da governança responsável da posse da terra:

  • a) Dignidade humana: o reconhecimento da dignidade e da igualdade de direitos humanos inerentes e inalienáveis de todos os indivíduos;
  • b) Não discriminação: ninguém deve ser objeto de discriminação de nenhum tipo;
  • c) Equidade e justiça: reconhecer as diferenças entre os indivíduos e buscar seu equilíbrio;
  • d) Igualdade de gêneros: os Estados devem assegurar que as mulheres tenham igualdade de direitos de posse e acesso à terra, independentemente de seu estado civil e conjugal;
  • e) Abordagem sustentável: adotar uma abordagem integrada e sustentável na administração dos recursos naturais e seus usos;
  • f) Consulta e participação: apoiar aqueles que, tendo direitos de posse legítima, poderiam ser afetados por decisões tomadas por terceiros interessados;
  • g) Estado de direito: enfoque baseado em regras e leis amplamente divulgadas e aplicáveis a todos;
  • h) Transparência: definição clara e ampla divulgação de políticas, leis e procedimentos aplicáveis, em formatos acessíveis a todos;
  • i) Prestação de contas: assegurar que indivíduos, agências públicas e atores/intervenientes não estatais sejam responsáveis por suas ações e decisões;
  • j) Melhoria contínua: os Estados devem melhorar os mecanismos para monitoramento e análise da governança de posse.

As orientações abrangem ampla gama de outras questões, como as desapropriações e a restituição de terras a pessoas que foram expulsas à força no passado, e os direitos das comunidades indígenas.

Todos esses temas tratados pela FAO deverão ser considerados pelo nosso Congresso, observadas, evidentemente, as condições específicas de nossa brasilidade e os interesses nacionais verdadeiros.


Fonte: Folha de S.Paulo, por Roberto Rodrigues – embaixador especial da FAO para o cooperativismo, coordenador do Centro de gronegócio da FGV e professor de Economia Rural da Unesp – Jaboticabal.