Depois do petróleo: por que os combustíveis alternativos não são a resposta ainda

Com base em tudo o que sabemos até agora, nenhuma combinação dos chamados combustíveis alternativos ou procedimentos energéticos alternativos nos permitirá manter a vida cotidiana nos Estados Unidos da maneira a que estávamos acostumados durante a época da economia do petróleo, em pleno funcionamento pelo menos até 2018.

Nenhuma combinação de combustíveis alternativos nos permitirá manter em funcionamento uma parte substancial dos sistemas que utilizamos atualmente – desde a agricultura, transportes, indústria e até a produção de energia eléctrica, às cidades de arranha-céus, às vulgares tarefas diárias que implicam um grande número de percursos de automóvel por dia, ao funcionamento das grandes escolas centralizadas com as suas frotas de escolares amarelos.

Estamos em dificuldades.

As alternativas conhecidas ao petróleo convencional que discorrerei aqui incluem o gás natural, o carvão e as areias betuminosas, o óleo de xisto, o etanol, a energia por fissão nuclear, a energia solar, eólica, hidráulica, das marés e os hidratos de metano. Recorreremos decerto a muitas delas, e aos vários sistemas a que obrigam, mas nada compensará a diminuição das nossas reservas petrolíferas.

Na verdade, todas as fontes energéticas que se baseiam em combustíveis não-fósseis dependem, em certa medida, da economia mundial funcionar usando combustíveis fósseis. Não conseguimos fabricar turbinas metálicas para produzir energia eólica utilizando a tecnologia da energia eólica. Não conseguimos fabricar baterias de ácido e chumbo para sistemas elétricos solares utilizando os sistemas de energia solar que conhecemos.

O pseudo-combustível hidrogênio será analisado como uma categoria especial, porque a expectativa popular que ele suscita se baseia numa grande mentira. A chamada “economia do hidrogênio” centrada em torno de automóveis movidos a hidrogênio, prometida pelo presidente Bush no discurso sobre o Estado da União, proferido em 2003, é, até 2015, uma fantasia especialmente perigosa porque promove uma atitude indulgente em relação à situação que enfrentamos.

Se a “economia do hidrogênio” vier a concretizar-se alguma vez, não iremos transitar pacificamente para ela quando a economia dos combustíveis fósseis começar a vacilar. Na melhor das hipóteses, o mundo irá passar por um período de caos econômico e de tensão social entre o fim da era dos combustíveis fósseis e seja o que for que vier a seguir.

A questão que se coloca tem a ver com a duração deste intervalo: dez anos, cem anos, mil anos ou para sempre? A crença de que a “economia de mercado” nos oferecerá automaticamente um substituto para os combustíveis fósseis constitui um tipo de pensamento mágico semelhante ao culto dos cargueiros no Pacífico Sul. Esta velha tendência dos seres humanos para acreditarem na magia e para desejarem desfechos felizes tem-se agravado com os triunfos tecnológicos que a era do petróleo produziu.

A própria tecnologia tornou-se uma espécie de força sobrenatural que, na memória de muitas das pessoas que ainda estão vivas, realizou todos os tipos de milagres – desde as viagens de avião aos filmes e transplantes cardíacos. É incontestável que a tecnologia prolongou a vida, suavizou a miséria e tornou luxuosa a vida do dia-a-dia para uma minoria afortunada (os rendimentos decrescentes e as conseqüências indesejadas da tecnologia são assuntos importantes que serão analisados mais adiante.

Um público otimista, incluindo empresários e políticos importantes, encara o problema crescente da diminuição do petróleo como uma questão muito simples de caráter prático, idêntica às questões que a tecnologia e o engenho humano têm sido capazes de resolver até agora, motivo pelo qual parece razoável esperar que essa combinação volte a ser bem sucedida. No entanto, esta crença tem muitas falhas.

Uma delas reside no faceto de tendermos a confundir e a misturar energia com tecnologia. Embora andem de mãos dadas, não são exatamente o mesmo. A dádiva do petróleo foi uma ocorrência geológica extraordinária e singular, que nos permitiu usar a energia armazenada ao longo de milhões de anos de luz solar. Quando se esgotar, acaba-se de vez.

A tecnologia não é mais do que o equipamento e os programas para gerir esse combustível, não é o próprio combustível. Acresce que a tecnologia ainda está sujeita às leis da Física e da Termodinâmica, que afirmam que não conseguimos obter nada sem ser a troco de algo e que o movimento perpétuo não existe. Tudo isto para dizer que grande parte da nossa tecnologia atual não funciona sem petróleo, e que, sem a “plataforma” do petróleo, talvez não tenhamos as ferramentas de que precisamos para superar o atual nível de tecnologia baseada nos combustíveis fósseis.

Por outras palavras, dispomos de uma janela de oportunidade extremamente estreita para levar a cabo essa mudança. Entretanto, eis os problemas que os diversos combustíveis alternativos colocam, com base nos conhecimentos que temos neste momento.

Gás natural

Neste artigo, quando falo em gás natural quero dizer metano. Dos diversos gases naturais que brotam do solo, o metano (CH4 ), o mais leve, representa 75% do produto comercial utilizado na indústria, na produção de energia elétrica e no aquecimento doméstico. Os outros – propano, butano, etc. – separam-se durante o processamento e prestam-se com mais facilidade a ser liquefeitos porque são mais densos e pesados.

O gás natural é incolor e inodoro. É costume acrescentar ao gás comercial uma quantidade mínima de sulfureto de dimetilo para lhe dar um mau cheiro detectável, a fim de as pessoas notarem vazamentos (e ficarem alarmadas). É explosivo quando se mistura com o ar em concentrações de 5 a 15%.

A origem do gás natural é semelhante à do petróleo, mas as condições geológicas implicam maior calor e pressão – porque os estratos de rocha são empurrados por forças tectônicas para uma profundidade superior à da “janela” de petróleo – e os depósitos de gás costumam estar associados a campos petrolíferos.

Cerca de um terço da energia total utilizada nos Estados Unidos deriva do gás natural. O gás natural é um combustível maravilhoso. Brota do solo com facilidade, por efeito da sua própria pressão, sem necessidade de ser bombeado (também pode ser destilado do carvão, mas os custos da extração do minério, bem como a energia despendida no processo de destilação, fazem aumentar o seu preço).

É um combustível “limpo”. Durante a combustão, não produz quase nenhuma matéria, embora liberte dióxido de carbono, o mais importante gás de “estufa”. O gás natural é facilmente transportado à temperatura do ar por toda a América do Norte, em redes de gasodutos que ligam os poços e locais de armazenamento aos utilizadores finais. Não é tão versátil como a gasolina, mas desempenha muitas tarefas às maravilhas.

O gás é a matéria-prima de uma grande quantidade de produtos químicos, farmacêuticos e plásticos. Dos adubos químicos utilizados nos Estados Unidos 95% são feitos a partir de gás natural, motivo pelo qual se tornou indispensável à agricultura americana.

No início do século XX, o gás natural abundava ao ponto de ser encarado como um subproduto incômodo da indústria petrolífera e queimado nos poços.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a construção de uma vasta rede nacional de gasodutos transformou-o num bem lucrativo. Nos Estados Unidos, a produção petrolífera atingiu o pico em 1970, mas a produção de gás natural teve o seu próprio pico pouco depois, em 1973, com 22,9 mil milhões de pés cúbicos [648,46 milhões de metros cúbicos], tendo vindo a diminuir desde então.

Fornos mais eficazes, flutuações na procura e regulamentações contraditórias ajudaram a obscurecer este fato fundamental até ao século XXI.

Talvez ironicamente, o embargo petrolífero da OPEP em 1973 levou muitos proprietários de casas a mudarem das caldeiras a petróleo para as caldeiras a gás natural justamente no ano em que a produção de gás atingiu o seu máximo, embora esse pico só viesse a ser identificado retrospectivamente.

O gás era mais limpo, mais barato e produzido nos Estados Unidos. O conforto das pessoas no Inverno não estava à mercê de estrangeiros. O embargo traumático da OPEP promoveu também a ideia geral de conservação da energia, que levou a uma maior eficácia na tecnologia de combustão.

Em 1978, contudo, era evidente um declínio na produção de gás. A administração Carter integrou a queda de produção na sua política de energia, ilegalizando a utilização do gás natural ou do petróleo como combustíveis em quaisquer instalações destinadas a gerar eletricidade. A política de Carter estimulava as centrais a carvão e as centrais nucleares a satisfazerem a nova procura.

Então, em Março de 1979, a central nuclear de Three Mile Island, perto de Harrisburg, na Pensilvânia, sofreu uma fusão parcial, que suspendeu, por tempo indeterminado, o desenvolvimento da indústria nuclear americana. A legislação ambiental dos anos 70 também tornou a utilização do carvão cada vez mais problemática, devido à sua implicação na chuva ácida. Entretanto, em meados dos anos 80, o consumo do gás natural tinha diminuído 24% em comparação com os níveis alcançados na década anterior.

Os produtores de gás natural começaram a abrir falência. Para salvar a indústria, a administração Reagan inverteu as regulamentações de Carter. Em vez de proibir o gás natural nas centrais energéticas, os legisladores encorajavam a sua utilização.

O acidente em Chernobil, na Ucrânia, em Abril de 1986, foi muito mais grave que o de Three Mile Island. A horrorosa história de Chernobil liquidou praticamente quaisquer perspectivas de desenvolvimento da indústria nuclear americana, porque passou a ser impossível vencer a chamada reação NIMBY (do inglês “Not In My BackYard: no meu quintal, não).

Os Estados Unidos estavam num dilema. A nível interno, tanto o gás natural como o petróleo estavam a esgotar-se. Já estavam a ser utilizadas todas as centrais hidroelétricas mais importantes. O carvão era sujo. O combustível nuclear politicamente intocável.

Nessa altura, estávamos a importar cerca de metade do petróleo líquido que consumíamos e não queríamos passar por outra crise de chantagem em torno da energia vinda do estrangeiro.

Embora os Estados Unidos estivessem a produzir menos gás do que em anos anteriores, também estávamos a consumir menos, e, futuramente, o abastecimento proviria do Canadá, um vizinho amistoso. À falta de melhor, o gás tornou-se a opção menos desagradável para satisfazer a futura procura das centrais produtoras de energia elétrica.

Previa-se a entrada em funcionamento, em 2006, de mais de 275 centrais termoelétricas movidas a gás, em comparação com as 158 existentes em 2000, o que faria aumentar o consumo de gás em mais de 8,5 mil milhões de pés cúbicos por ano [240,69 milhões de metros cúbicos/ano]. Em 2000, apesar dos melhoramentos na tecnologia de perfuração, das deduções fiscais favoráveis e de um intenso esforço de exploração no Golfo do México, a produção americana de gás natural ainda era 10% inferior à de 1973.

A diferença entre o consumo e a produção era preenchido por um aumento nas importações de gás que nos chegava do Canadá por gasodutos e de pequenas quantidades de gás natural liquefeito (GNL), transportadas em navios.

Apesar de ser um grande produtor de petróleo, o México tornou-se um importador líquido de gás natural. Ironicamente, o NAFTA (Acordo de Comércio Livre da América do Norte) obriga os Estados Unidos a venderem gás do Texas ao México, que os Estados Unidos têm de compensar com gás importado do Canadá.

Por sua vez, o Canadá, que também já ultrapassou a sua produção máxima de gás, é obrigado, pelo NAFTA, a vender gás aos Estados Unidos aos preços de mercado. [2] Em 1999, o National Petroleum Council previu que o aumento do abastecimento de gás seria suficiente para responder a um aumento de 36% na procura, em 2010. A previsão da organização revelou-se errada, ultrapassando em muito os piores pesadelos dos especialistas.

Em 2013 a produção americana de gás natural estava diminuindo 5% ao ano, não obstante a perfuração frenética, podendo vir a registar uma redução muito mais acentuada.

Os 167 grandes poços que, em 2001, produziram 14,5% do gás total já só representam 3% em 2003 (uma queda de 82%). Quando os poços se esgotam, o gás deixa de brotar.

Ao contrário do que acontece com os poços petrolíferos, que começam por jorrar a alta pressão, mantendo, depois, um fluxo moderado durante um longo período, até começarem a gotejar lentamente (muitas vezes com o petróleo misturado com água), de uma maneira muito previsível, a produção de um poço de gás termina repentinamente, muitas vezes sem aviso.

É exatamente o que tem estado a acontecer aos poços americanos. Na última década, as taxas individuais de depleção (queda) dos campos têm vindo a aumentar acentuadamente. A única coisa que tem ajudado a manter o nível de produção de gás tem sido a perfuração de novos poços, embora os campos mais recentes estejam a esgotar-se a uma velocidade particularmente alarmante, muitos deles ao cabo de menos de um ano de exploração.

Esta situação pode ser atribuída em parte aos melhoramentos na tecnologia de perfuração e em parte ao fato de os campos mais recentes serem muito menores do que os anteriores. Entretanto, a descoberta de novos campos de gás nos Estados Unidos está a diminuir acentuadamente, tal como acontece com a descoberta de novos campos petrolíferos em todo o mundo.

A depleção dos campos de gás americanos em terra foi tão uniforme que a exploração foi praticamente interrompida. O único gás que tem sido descoberto em território americano jaz por baixo de água, nomeadamente no Golfo do México. As reservas americanas de gás eram tão diminutas em Março e Abril de 2003, depois de um Inverno particularmente agreste, que as autoridades chegaram a pensar em realizar operações de triagem para ir suspendendo o abastecimento aos utilizadores finais de uma maneira racional, que preservasse a vida e os bens. Uma decisão destas significaria a interrupção do abastecimento aos industriais, em primeiro lugar, depois às centrais de energia elétrica e, por último, aos clientes domésticos.

A teoria subjacente era de que as pessoas sofreriam menos numa casa quente, às escuras, do que a observar as canalizações congeladas a explodir, com as luzes acesas. Nunca se chegou a esse ponto, mas esteve-se suficientemente perto para aterrorizar os empresários e autoridades governamentais que assistiam, horrorizados, à situação.

A escassez de gás natural tem outras implicações interessantes e assustadoras, como, por exemplo, o medo de as reservas de gás diminuírem tanto que a pressão nas canalizações baixa perigosamente. Quando a pressão nas canalizações numa determinada cidade ou povoação desce demasiado ou começa a flutuar, as luzes-piloto apagam-se nas caldeiras domésticas.

A maioria das pessoas não sabe como funcionam as suas próprias caldeiras. Para pô-las a funcionar novamente, seria necessário um exército de técnicos. Os custos de uma operação deste tipo seriam tremendos para uma companhia de eletricidade. O que aconteceria às casas que, por alguma razão, não tivessem tido assistência? Depois do restabelecimento do serviço numa localidade, o gás que sai dos esquentadores e caldeiras que ficaram ligados durante a descida de pressão pode causar explosões quando o gás recomeça a circular.

A repressurização das canalização seria uma operação difícil e dispendiosa, mesmo depois de repostas as reservas. Durante a situação que se foi criando no fim do Inverno de 2003, o preço do gás natural duplicou, de cerca de 3 dólares por mil pés cúbicos [28,317 metros cúbicos] para 6 dólares, tendo dado origem a outra consequência: muitas empresas químicas, incluindo as fábricas que produzem adubos, decidiram mudar-se para outros países. Era óbvio para elas que a situação do gás natural nos Estados Unidos não iria melhorar, e que as perspectivas a longo prazo eram sombrias para as indústrias que usavam o gás como matéria-prima para os seus produtos. Portanto, começaram a mudar-se para a Ásia e o Médio Oriente.

Esta situação, que devia ter sido um aviso para os líderes políticos e para os meios de comunicação, foi encarada como mais uma fase aborrecida do processo de globalização. Independentemente do que possamos pensar da agricultura industrial baseada em produtos derivados dos combustíveis fósseis (discutirei mais adiante, em pormenor, a desesperada necessidade de reformar a agricultura nos Estados Unidos), a verdade é que assim produzimos o grosso dos nossos alimentos (e de alimentos destinados a muitas pessoas em outros países) e a perda de controle sobre os meios básicos de produção, antes de estarmos preparados para a mudança, pode ter repercussões catastróficas.

O essencial é que os Estados Unidos – na verdade, a América do Norte – enfrentam uma escassez crônica e crescente de gás natural que será, mais tarde ou mais cedo, descrita como uma crise.

O Canadá enfrenta dilemas complexos. Já exporta para os Estados Unidos dois terços da sua produção de gás que não pára de diminuir. Sofre uma enorme pressão política e econômica para explorar as vastas extensões de areias betuminosas, em Alberta, que conterão o equivalente a 200 bilhões de barris de petróleo (ou seja, 20% do petróleo convencional remanescente). Porém, a transformação de areias betuminosas em petróleo não é fácil nem barata.

O alcatrão não brota do solo como o petróleo. Extraí-lo assemelha-se mais a trabalhar numa mina a céu aberto, e o material pegajoso, uma vez retirado, tem de ser “lavado” com enormes quantidades de água superaquecida antes de poder passar pela fase de refinação. O processo também gera enormes quantidades de água subterrânea poluída. Tanto a extração como a lavagem requerem uma imensa quantidade de energia, e tem-se afirmado que a exploração comercial das areias betuminosas de Alberta gastaria 20% da produção total de gás natural do Canadá.

A longo prazo, talvez não valha a pena gastar energia produzida pelo gás para extrair energia das areias betuminosas. Se o petróleo extraído das areias fosse usado para processar mais areias, o retorno seria de três barris de petróleo por cada dois consumidos no processo. Acontece o mesmo com o petróleo de xisto. O custo de separar o petróleo da matriz rochosa a uma escala que valesse o esforço dificilmente justificaria a operação em termos econômicos.

Trata-se do problema clássico da economia de energia: a rentabilidade da energia, ou seja, a relação entre a energia obtida e a energia investida (ERoEI). A fórmula aplica-se, de uma maneira ou de outra, a todas as categorias de combustível e a todos os procedimentos destinados a obtê-las e a utilizá-las, e resume-se a uma lei básica, tanto da Física como da Metafísica: é impossível obter alguma coisa a troco de nada.

Nos primeiros tempos do petróleo convencional no Texas, a razão da equação do ERoEI era muito favorável, cerca de vinte para um. O petróleo jazia muito perto da superfície, em terra seca, em lugares temperados onde era fácil trabalhar, e jorrava do solo sob a sua própria pressão. A seguir, quando a pressão já não era suficiente, acabava por ter de ser extraído do solo, e o custo dessa operação reduzia um pouco a ERoEI.

A equação foi-se tornando menos favorável, à medida que os produtores tinham, ano após ano, de extrair petróleo de poços mais fundos em lugares mais inóspitos e menos acessíveis, recorrendo a métodos de perfuração mais avançados (e dispendiosos).

Obter petróleo nas plataformas offshore, no Mar do Norte frio e tempestuoso, por exemplo, é mais caro do que extraí-lo no solo plano do Texas, embora ainda seja economicamente rentável.

Contudo, acaba por chegar o momento em que talvez ainda seja teoricamente possível extrair petróleo da terra (e refiná-lo, e distribuí-lo), investindo menos energia do que a fornecida pelo recurso, embora possa tornar-se economicamente irracional para as grandes empresas darem-se ao trabalho de o fazer – e se não forem elas a fazê-lo, quem o fará?

As empresas petrolíferas globais usufruem das suas economias de escala devido à grande margem dos seus lucros. São enormes organismos que se criaram para um fim específico no âmbito de uma determinada ecologia econômica. Se algum elemento importante dessa ecologia mudar (por exemplo, a equação básica custo/lucro), os organismos podem extinguir-se, mesmo que ainda existam no mundo depósitos substanciais de petróleo, de gás e de alcatrão.

Avançando um pouco mais, as equações fundamentais que apoiam todos os gigantescos organismos econômicos globais, desde as empresas petrolíferas aos WalMart e às nações, podem já não render, e a vida humana terá de reorganizar as suas atividades numa base diferente.

Além disso, quando estes complexos sistemas e subsistemas suspenderem as suas actividades, pode ser difícil ou mesmo impossível reatá-las – trata-se da síndroma do Humpty-Dumpty (um brinquedo infantil que, tendo caído de um muro e ficado desfeita, nunca mais tem conserto).

A produção de gás natural na América do Norte poderá chegar a uma situação de inexequibilidade econômica. A depleção (queda da extração) está prestes a acelerar acentuadamente. Não há perfuração frenética e dispendiosa, em campos cada vez mais pequenos, capaz de responder à procura. Ninguém correrá o mais depressa possível para depois ficar para trás indefinidamente.

Na ordem natural das coisas, os preços em alta devido à escassez deveriam desencadear a “destruição da procura”. Porém, porque não existem recursos energéticos capazes de realizar o trabalho que o gás faz neste momento, precisamente da mesma maneira, essa “destruição da procura” traduzir-se-ia na destruição do nível de vida do povo americano.

Por exemplo, a substituição do aquecimento doméstico a gás natural por aquecimento elétrico deixaria muitas famílias americanas falidas. As implicações políticas são óbvias.

As atuais propostas de alargamento do abastecimento de gás são claramente inadequadas. Um gasoduto para a região do Delta do McKenzie, no norte do Canadá, seria dispendioso (cerca de 10 bilhões de dólares), levaria anos e talvez não produzisse gás suficiente. O mesmo se aplica ao Arctic National Wildlife Refuge (ANWR), no Alasca.

A questão essencial e central é que ou dispomos do gás que existe no continente em que habitamos ou enfrentamos um grande problema. O gás natural é distribuído pela América do Norte por meio de um vasto sistema de gasodutos.

Bombas de pequena dimensão mantêm-no em movimento com um dispêndio de energia que representa aproximadamente 0,03% do gás por cerca de 160 km. Este transporte faz-se à temperatura do ar. O gás natural proveniente de outros continentes tem de ser liquefeito e transportado em navios-tanque especiais, sob a forma de um líquido superfrio e altamente pressurizado. Tudo isto implica grandes despesas adicionais.

O gás natural liquefeito (GNL) é depois descarregado em instalações portuárias especiais, nos países de destino, regaseificado e canalizado para gasodutos. Os custos são tão elevados que este processo só se torna econômico no âmbito de contratos a longo prazo, com uma duração de vinte anos – e as perspectivas de estabilidade política internacional a longo prazo pioram todos os dias, com os países a disputarem reservas de petróleo e de gás.

As maiores reservas de gás existem justamente nos locais politicamente mais instáveis (o Médio Oriente e a Ásia), o que é o mesmo que dizer que estão nas piores mãos no que toca a contratos credíveis de longa duração.

Presentemente, as importações de GNL representam menos de 2% do gás consumido nos Estados Unidos. Entretanto, o país carece infelizmente da infra-estrutura portuária que lhe permite receber GNL, e as empresas de energia possuem um número muito reduzido dos dispendiosos navios-tanque pressurizados necessários ao transporte de gás sob esta forma.

O Departamento de Energia americano propôs a construção de, pelo menos, uma dúzia de terminais de recepção de GNL para evitar um grave estrangulamento nos abastecimentos, mas os acontecimentos sucedem-se mais rapidamente do que a burocracia federal.

Os Estados Unidos não terão uma década para resolver este problema. Vale a pena referir que os navios-tanque de GNL, altamente explosivos, dariam excelentes alvos para ataques terroristas e que, mesmo em condições normais de funcionamento, o transporte de gás liquefeito é muito mais perigoso que o transporte de petróleo. As instalações e terminais portuários são igualmente vulneráveis a ataques e sabotagens.

Por conseguinte, os problemas políticos relacionados com a instalação de terminais de GNL são consideráveis. Um terminal de GNL é um exemplo clássico capaz de provocar uma reação NIMBY.

Por último, mesmo no caso improvável de construção expedita de um enorme sistema de terminais de GNL e de navios-tanque, é razoável duvidar que o povo americano pudesse fazer face ao enorme custo que implicaria depender de GNL importado para lhe aquecer a casa e gerar eletricidade.

Como afirmou repetidas vezes o especialista em energia, Matthew Simmons, “Os Estados Unidos não têm Plano B”.

A economia do hidrogênio

A crença generalizada de que o hidrogênio irá salvar as sociedades tecnológicas do ajuste de contas iminente com o petróleo e o gás talvez seja um bom indicador de como a nossa sociedade se tornou delirante e dependente do petróleo.

A ideia é sedutora, porque o único subproduto da combustão do hidrogênio é o vapor de água, o que parecia obviar à maior parte dos inconvenientes causados pelo aquecimento global do planeta e pela poluição atmosférica.

Além disso, o hidrogênio é um elemento químico superabundante. Seria agradável, limpo e simples se todas as infra-estruturas e equipamentos da nossa sociedade que necessitam de combustível pudessem mudar para o hidrogênio, mas isso não vai acontecer.

Alguns podem funcionar a hidrogênio, mas não os automóveis e os caminhões americanos. A longo prazo, o hidrogênio não irá substituir o petróleo e o gás que perdemos.

As propostas de passagem de uma economia do petróleo e do gás para uma economia do hidrogênio estão geralmente associadas à tecnologia da pilha de combustível (fuel cell).

Uma pilha de combustível é, basicamente, uma peça de plástico entre duas placas de carbono, entaladas entre outras duas placas que atuam como eletrodos. Essas placas possuem canais que distribuem o combustível e o oxigênio. São modulares e podem ser empilhadas de modo a produzir diferentes quantidades de energia.

As pilhas de combustível podem ter uma eficácia duas a três vezes superior à de um motor de combustão interna, e não requerem partes móveis.

Numa espécie de eletrólise inversa, o hidrogênio introduzido através de uma membrana catalítica em metal combina-se com o oxigênio para produzir vapor de água e corrente elétrica, que, a seguir, faz o seu trabalho.

Os hidrocarbonetos como o petróleo e o gás natural (metano) são compostos de hidrogênio que ocorrem naturalmente, e que podem arder e libertar energia. Porque não tentar sintetizar petróleo e gás a partir de grandes quantidades de hidrogênio e carbono? Porque os procedimentos para libertar o hidrogênio e combiná-lo a seguir com o carbono também implicariam mais energia do que a produzida pelo composto resultante (sintetizar gasolina a partir do carvão é diferente, porque se trata de refinar um hidrocarboneto para obter outro, embora não deixe de ser muito dispendioso).

Os hidrocarbonetos naturais representam milênios de energia solar armazenada, recolhida por plantas e destilada por um acidente geológico. A chama que obtemos quando ateamos fogo a alguns gramas de carvão dura uns segundos, mas essa energia proveio, por exemplo, de um arbusto pré-histórico que absorveu luz solar durante nove anos (os cem anos que durou a civilização movida a petróleo não são nada quando comparados com o tempo geológico).

O petróleo e o gás não são renováveis, e as suas reservas são limitadas. Não podemos fabricá-los artificialmente a partir de hidrogênio e carbono sem despender uma energia que excederia o valor em combustível dos hidrocarbonetos assim produzidos. O dilema é esse.

No que toca à poluição, os procedimentos utilizados para sintetizar metano (CH4) a partir do carvão, e metanol (CH3OH) a partir do petróleo e da biomassa produzem mais dióxido de carbono do que o produzido se os precursores dos hidrocarbonetos ardessem por si, razão pela qual a qualidade do ar não retiraria qualquer benefício.

A água, por seu lado, não é combustível. É necessária muita energia para libertar os átomos de hidrogênio combustíveis dos átomos de oxigênio.

A eletrólise é um dos métodos. Pode fazer-se passar uma corrente elétrica por um recipiente contendo água e atrair separadamente os gases “soltos”, com base no fato de o hidrogênio ser muito mais leve do que o oxigênio (tem menos prótons, neutrons e elétrons) e se elevar no recipiente. A eletricidade necessária a este processo terá de ser gerada utilizando-se outro combustível.

Num automóvel alimentado a hidrogênio, por exemplo, a eletricidade proveniente da pilha de combustível faria funcionar o motor elétrico e poria o automóvel a andar.

Contudo, devido ao custo de produção do hidrogênio puro, a maior parte dos atuais sistemas de células de combustível para um mercado de massas propõe o uso de gás natural ou metanol como combustíveis, o que produziria dióxido de carbono como qualquer tubo de escape.

As pilhas de combustível já existem há muito tempo. Foi Sir William Robert Grove que demonstrou o processo em 1839. Em finais dos anos 50, a NASA começou a construir um gerador elétrico baseado em pilhas de combustível para ser usado em missões espaciais. Os custos não eram impeditivos.

As pilhas de combustível e o hidrogênio necessário ao seu funcionamento pesavam menos do que as baterias, um dado importante quando se lançam no espaço cargas a partir de foguetes. Mais tarde, quando as naves já transportavam homens, os astronautas também podiam beber a água produzida pelas pilhas de combustível.

Não há dúvida de que as pilhas de combustível existem e funcionam. No entanto, a economia do hidrogênio levanta enormes questões de grande complexidade. O problema é que o hidrogênio não é exatamente um combustível, mas sim um “transportador” de energia.

A produção de hidrogênio requer mais energia do que a produzida pelo próprio hidrogênio. Por conseguinte, neste momento, a produção de hidrogênio depende das outras fontes de energia que se conhecem, todas problemáticas por uma razão ou outra – nomeadamente o petróleo, o gás natural, o carvão, a energia nuclear, hidráulica, solar, da biomassa e eólica.

Em certa medida, o termo “economia do hidrogênio” é um disfarce para “economia nuclear”, porque a energia nuclear pode ser o único recurso realista das sociedades avançadas no que toca à produção de eletricidade em grande escala, pois um sistema vasto e atualizado de centrais nucleares poderia produzir grandes quantidades de hidrogênio a um custo econômico. Voltarei à questão da energia nuclear mais adiante neste capítulo.

É evidente que o hidrogênio é produzido comercialmente neste momento e tem muitos usos industriais e químicos. Porém, em comparação com o petróleo que consumimos, a quantidade de hidrogênio utilizada pela indústria é minúscula.

A utilização do hidrogênio como catalisador industrial ou ingrediente químico é uma coisa bastante diferente do seu emprego na produção de energia básica. No que se refere ao funcionamento de centenas de milhões de automóveis, o hidrogênio não se ajusta, como dizem os engenheiros.

A quantidade de hidrogênio necessária para pôr em funcionamento a frota automóvel americana seria imensa e implicaria grandes perdas de energia. Uma vez que retiramos menos energia do hidrogênio do que a energia que gastamos para produzi-lo, qual a vantagem? A fantasia da “economia do hidrogênio” também não responde à questão da substituição do petróleo e do gás no aquecimento de dezenas de milhões de casas e outros edifícios.

O hidrogênio constitui cerca de 73% de toda a matéria existente no universo, pelo menos na parte do universo que fica próxima de nós. No entanto, não se encontra naturalmente em estado livre perto do planeta Terra, onde surge sempre ligado a outros elementos, formando compostos químicos. A água, H2O, é o mais comum: dois átomos de hidrogênio ligados a um átomo de oxigênio. Os hidrocarbonetos como o petróleo e o gás natural (metano) são compostos de hidrogênio que ocorrem naturalmente, e que podem arder e libertar energia.

Porque não tentar sintetizar petróleo e gás a partir de grandes quantidades de hidrogênio e carbono? Porque os procedimentos para libertar o hidrogênio e combiná-lo a seguir com o carbono também implicariam mais energia do que a produzida pelo composto resultante (sintetizar gasolina a partir do carvão é diferente, porque se trata de refinar um hidrocarboneto para obter outro, embora não deixe de ser muito dispendioso).

Outra maneira de obter hidrogênio é superaquecer água para “lavar” o gás natural a uma pressão muito elevada, o que “arranca” os átomos de hidrogênio. Como é evidente, este processo pressupõe a existência de reservas abundantes de gás natural para serem usadas como matéria-prima, o que talvez seja pedir muito. Além de que seria necessária muita energia para superaquecer a água.

Estes processos de “libertação” de hidrogênio estão sempre associados a uma perda líquida de energia. Nestes diversos processos, a proporção mediana da ERoEI é de cerca de 1 para 1,4 – isto é, obtém-se uma unidade de energia por cada 1,4 unidades investidas. Perde-se energia com todos eles.

Comparemo-los com a ERoEI de 20 para 1 registada nos anos 30 para o petróleo texano, e logo vemos por que motivo o petróleo foi uma bênção.

Existem ainda mais problemas no que toca ao hidrogênio como substituto dos combustíveis de hidrocarbonetos que utilizamos atualmente para fazer funcionar uma civilização industrial.

Os problemas têm a ver com o armazenamento e transporte. A densidade extremamente baixa do hidrogênio, dado o seu baixo peso atômico, significa que ocupa muito espaço.

Nos automóveis, tem de ser comprimido e armazenado em tanques de alta pressão. O depósito de “combustível” ocuparia a maior parte do espaço do automóvel.

A compressão do gás também implica muita energia, um custo adicional. Para fabricar um automóvel com fuel cell da mesma gama que um automóvel a gasolina dos nossos dias, com um espaço semelhante para os passageiros, seria necessário armazenar o hidrogênio a 10 000 psi (libras por polegada quadrada) [689,48 bar] , ou seja, a uma pressão muitíssimo elevada. Pode ser feito, usando fibras de carbono ultrafortes para reforçar os depósitos.

Até é possível que um depósito desses sobrevivesse a um acidente a grande velocidade. A questão reside em saber se as tubagens mais delicadas agüentariam. Se não agüentassem, o hidrogênio – sob uma pressão extremamente elevada – escapar-se-ia rapidamente.

O hidrogênio é extremamente inflamável. As misturas de hidrogênio e ar entram em combustão numa ampla gama de concentrações que vai de 4% a 75%, e, para as detonar, basta uma pequeníssima quantidade de energia, um décimo inferior à energia necessária à ignição de uma mistura de ar e gasolina. Como o hidrogênio produz um calor considerável no momento da descompressão, poderia auto-incendiar-se num acidente, quando o gás jorrasse do depósito pelas válvulas danificadas.

Em matéria de depósitos, o hidrogênio apresenta ainda outros dois problemas. Difunde-se com facilidade, ou seja, escapa-se. Devido ao seu peso atómico extremamente baixo, pode escapar-se por orifícios muito pequenos. É muito difícil de conter. Além disso, também é extremamente corrosivo. Tende a combinar-se com outros elementos e compostos.

O interior dos depósitos, das tubagens, das válvulas e das juntas estaria sujeito a uma desintegração muito mais rápida do que no caso dos gases como o metano. Por outro lado, ao contrário da gasolina, que, à temperatura do ar, é um líquido, os gases comprimidos são difíceis de transferir de um recipiente para outro.

Retirar hidrogênio de tanques fixos de abastecimento para o depósito do automóvel implicaria um consumo adicional de energia.

Outro tipo de preocupações relaciona-se com o transporte do hidrogênio para uma infra-estrutura de postos de abastecimento de “combustível” semelhante à que os Estados Unidos desenvolveram para apoiar o seu atual sistema de condução automóvel.

A gasolina é distribuída às estações por caminhões com tanques despressurizados. O hidrogênio líquido teria de ser transportado em tanques a uma pressão elevadíssima. Um caminhão tanque de 40 toneladas destina-se a transportar cerca de 25 toneladas de gasolina. Como o hidrogênio é mais leve, um caminhão com dimensões comparáveis só poderia transportar cerca de meia tonelada de hidrogênio. A comparação entre o consumo de energia do caminhão e o valor energético da sua carga faria com que o hidrogênio não fosse rentável a nenhuma distância.

Bossel e Eliasson publicaram: Um posto de abastecimento de gasolina de média dimensão, numa auto-estrada movimentada, vende em média 25 toneladas de combustível por dia, combustível esse que pode ser transportado num caminhão-tanque de 40 toneladas.

No entanto, seriam necessários 21 caminhões de hidrogênio para fornecer a mesma quantidade de energia ao posto, isto é, para fornecer combustível a um mesmo número de carros por dia. Veículos eficazes equipados com células de combustível reduziriam estes números, mas não consideravelmente. A transferência do hidrogênio pressurizado do caminhão para o posto de abastecimento levaria muito mais tempo do que a transferência da gasolina do caminhão para um tanque subterrâneo de armazenamento.

O posto de abastecimento poderia ter de encerrar a atividade durante algumas horas por dia, por uma questão de segurança. Hoje, cerca de um em cada cem caminhões transporta gasolina ou diesel. Dos caminhões que andam na estrada, 21 entre 120 (ou seja, 17%) transportariam hidrogênio. Dos possíveis acidentes com caminhões, um entre seis envolveria um caminhão de transporte de hidrogênio. Este cenário é inaceitável por motivos políticos e sociais.

A construção de gasodutos para distribuir hidrogênio pelos Estados Unidos apresentaria mais problemas. O sistema existente, construído para o gás natural, não pode ser utilizado. É composto por tubagens que não são suficientemente largas, dada a densidade extremamente baixa do hidrogênio.

O hidrogênio corroeria as juntas e destruiria a lubrificação nas bombas que são necessárias para manter o gás em movimento nas condutas, a intervalos regulares, ao longo de centenas de quilômetros.

A sua tendência para se difundir resultaria em taxas de fugas inaceitáveis. Em suma, a rede existente de gasodutos teria de ser completamente reconstruída, em paralelo, para o hidrogênio, com um custo de milhares de milhões de dólares, partindo-se do princípio de que os outros problemas técnicos seriam ultrapassados. É improvável que tal venha a acontecer. Além disso, seria necessário adaptar as infra-estruturas de todos os postos de venda de combustíveis dos Estados Unidos.

Tudo isto aponta para a impossibilidade, em quaisquer circunstâncias plausíveis atualmente conhecidas, de substituir um sistema baseado no petróleo por um sistema de automóveis movidos a hidrogênio, bem como toda a sua infra-estrutura de apoio.

Sem postos de combustível por toda a parte e métodos de abastecimento racionais, tanto em termos econômicos como logísticos, não há bases para um sistema deste tipo. Esta afirmação sublinha a natureza muito especial do petróleo e a originalidade dos sistemas que concebemos para funcionarem com base nele.

Também possui implicações sociais poderosas. Por exemplo, se o sistema de transporte pessoal baseado no hidrogênio, e nas células de combustível, não for democraticamente acessível às grandes massas, como foi o sistema baseado no petróleo, como poderemos acalentar a expectativa de que será politicamente aceitável?

É verdade que já se demonstrou que é possível construir um automóvel com células de combustível, pelo menos um protótipo dispendioso. E se só for possível produzi-lo em massa por um preço que o inclua nos automóveis de luxo para pessoas comuns? E se esses carros não puderem ser vendidos por menos de 100 000? Isso significaria que uma parte substancial da população não poderia continuar a dirigir, colocando problemas a uma sociedade na qual os automóveis se tornaram quase obrigatórios para as atividades normais da vida quotidiana.

Quanto mais analisamos os detalhes da “economia do hidrogênio”, mais ela nos parece uma fantasia impossível. Porém, é instrutiva ao revelar os limites do nosso pensamento, como, por exemplo, a nossa cegueira em relação a outras soluções para a extrema dependência dos automóveis que atinge os Estados Unidos, na próxima crise petrolífera que se tornará permanente.

Em vez de tentar-se descobrir um novo combustível para manter os subúrbios, seria muito mais saudável e inteligente se os americanos vivessem em comunidades tradicionais servidas por transportes públicos. Contudo, a psicologia do investimento anterior, agravada pela nossa mitologia nacional do individualismo e da vida no campo, tem impedido os americanos comuns de pensarem nesta alternativa.

Investimos tanto dinheiro nos subúrbios e nos seus acessórios que não nos podemos dar ao luxo de nos imaginarmos a abdicar deles.

E o feixe paradoxal de ideias que associam a natureza libertadora das intermináveis viagens de automóvel à atração de uma casa na paisagem rural (o Sonho Americano) exerce ainda uma pressão tremenda na nossa capacidade de sonhar com outras maneiras de viver.

Os americanos que se deslocam à Europa com regularidade, e que apreciam a vida das cidades europeias onde se anda a pé e de transportes públicos, também votam regularmente contra as propostas de edifícios com grande densidade habitacional quando regressam a Minneapolis e a Nashville.

A conclusão de tudo isto é que não vai haver uma “economia do hidrogênio”. Podemos usá-lo para alguns fins, e continuar a fabricar produtos químicos com hidrogênio para comercializar. Uma infra-estrutura nuclear ampliada poderá baixar o custo da produção de hidrogênio por eletrólise.

Mas não é com hidrogênio que vamos manter cidades abastecidas de energia. Não vamos substituir a atual frota de automóveis e caminhões por veículos movidos a hidrogênio. E, na eventualidade de ocorrerem avanços tecnológicos miraculosos que alterem as leis da Termodinâmica, permitindo que se fabrique hidrogênio tão barato como o foi o petróleo texano, iremos ter, mesmo assim, uma Longa Emergência, desde o momento presente até à concretização desse futuro cor-de-rosa.

Carvão

O carvão foi o combustível que desencadeou a revolução industrial. Na Inglaterra, começou por ser retirado de poços superficiais e por ser encontrado no litoral, em sítios onde as ondas tinham arrancado veios dos penhascos. Era difícil recolhê-lo em grandes quantidades e mais fácil abater árvores, quando as pessoas as possuíam.

O carvão era mais utilizado pelos pobres sem terra, que não podiam comprar madeira. Era considerado inferior à madeira para efeitos de aquecimento e confecção de alimentos, devido a fumaça e odor que libertava. Ainda não tinham sido inventados os fogões e lareiras que permitiriam usá-lo com conforto.

Contudo, quando o abastecimento de madeira na Inglaterra começou a diminuir gravemente no século XVIII, tanto os ricos como os pobres passaram a ter menos escolha e a recorrer cada vez mais ao carvão.

As características superiores do carvão em matéria de produção de energia só começaram a ter importância quando a madeira se tornou relativamente escassa e o equipamento de queima melhorou.

À medida que o carvão se foi tornando um bem indispensável, passou a valer a pena extraí-lo do solo e comercializá-lo. Os poços de carvão transformaram-se em minas; frequentemente as minas ficavam inundadas. A necessidade de extrair água das minas de carvão não tardou a provocar o desenvolvimento de bombas movidas a vapor, utilizando o carvão como combustível, que desembocaram rapidamente nas máquinas a vapor capazes de mover barcos, locomotivas e maquinaria industrial – a Inglaterra estava impulsionada na revolução industrial, tal como os Estados Unidos, pouco depois.

O carvão era sujo e altamente poluente, mas realizava tanto trabalho que a poluição passou a ser tolerada como um custo a pagar pelas comodidades da civilização. Apesar dos “nevoeiros”, majoritariamente compostos por fumaça proveniente da queima do carvão, não houve em Londres qualquer movimento popular para pôr fim à utilização do mesmo.

No século XX, contudo, o carvão começou a ser eliminado progressivamente nos locais onde havia petróleo à disposição. O petróleo era mais fácil de extrair, sobretudo nos primeiros tempos, e muito mais versátil do que o carvão.

Na história industrial, a América liderou este capítulo, porque os Estados Unidos possuíam muito petróleo no seu território, em locais de onde era fácil extraí-lo, e desenvolveram essa indústria a uma escala gigantesca, antes de qualquer outro país.

Neste momento em que o petróleo se encaminha para a depleção (diminuição da extração) no século XXI, é provável que o carvão esteja de volta.

Presentemente, a maior parte do carvão utilizado nos Estados Unidos é consumido em centrais destinadas a gerar eletricidade. O carvão produz um quarto da eletricidade dos Estados Unidos. Em 2004, estávamos a consumir cerca de bilhões de toneladas por ano.

A melhor utilização do carvão é nas turbinas fixas, usadas nas centrais geradoras de eletricidade. Historicamente, o carvão foi o primeiro combustível empregue no moderno aquecimento central das casas americanas, e poderá ter de voltar a ser usado para o mesmo fim, embora num país acostumado a caldeiras a gás, limpas, sem problemas e praticamente automáticas, o regresso ao carvão possa significar uma marcada falta de conforto.

Na sua forma sólida normal, o carvão é, obviamente, inadequado ao outro importante sorvedouro de energia, o automóvel.

Podíamos fazer funcionar locomotivas com motores a vapor alimentados a carvão, e talvez tenhamos de recorrer a isso, mas faria mais sentido produzir eletricidade para mover os comboios, quanto mais não fosse por causa da poluição e dos resíduos sólidos.

Atualmente, grande parte da expectativa em torno do carvão emana da indústria mineira. Segundo ela, resta-nos muito carvão, o suficiente para centenas de anos – Será? Já extraímos grande parte do carvão da melhor qualidade, mais próximo da superfície e mais fácil de retirar. Grande parte do que resta pode ser tão difícil de extrair que não valerá a pena gastar energia para esse fim. Com efeito, existe uma grande disparidade de opiniões acerca da quantidade de carvão que conseguiremos realmente usar. Não duvido de que teremos, em certa medida, de recorrer ao carvão, quando os problemas relacionados com a escassez de petróleo e de gás nos baterem realmente à porta, mas não vai ser barato, a qualidade poderá não ser muito boa, não vai durar assim tanto nem vai ser tão eficaz como o gás e o petróleo.

Tudo dependerá, em parte, do que decidirmos fazer da energia nuclear. Se não for possível ultrapassar as objeções a esta forma de energia, o carvão será o candidato lógico para gerar o grosso da nossa eletricidade, pelo menos por enquanto, se queremos manter as luzes acesas.

A combustão do carvão continua a ser ainda a maior fonte de poluição atmosférica tóxica no país, constituindo, provavelmente, uma contribução significativo para o aquecimento global.

O carvão em combustão produz uma grande quantidade de resíduos sólidos, entre 5 a 20% do seu volume original. Uma única central elétrica alimentada a carvão pode produzir mais de um milhão de toneladas de resíduos sólidos por ano. O carvão é responsável por 60% das partículas emitidas (os automóveis e os caminhões produzem grande parte dos restantes 40%).

O carvão está implicado na poluição por mercúrio que, todos os anos nos Estados Unidos, causa 60 mil casos de lesões cerebrais em recém-nascidos. O carvão está associado à asma. As centrais energéticas alimentadas a carvão são as principais responsáveis pela chuva ácida. É possível que seja este o preço que os americanos estão dispostos a pagar para virem a usufruir de elevados níveis de consumo de eletricidade.

Sem dúvida que é possível limpar as emissões das centrais energéticas alimentadas a carvão, mas isso tornará a eletricidade mais dispendiosa, e o desejo político de uma indústria mais limpa pode não existir numa economia mais austera. Seja como for, mesmo que os metais pesados e as partículas sejam retirados das emissões, o carvão continuará a produzir grandes quantidades de dióxido de carbono, o principal suspeito no aquecimento global.

A administração Bush, em 2003, adotou padrões mais permissivos em matéria de poluição para a indústria da energia.

A extração do carvão também causa uma grande destruição na paisagem e nos habitats.

A exploração mineração superficial e a céu aberto, que presentemente é o método mais comum, nivela as topografias regionais e envenena os lençóis freáticos a uma velocidade alarmante. Recorrer ao carvão como principal fonte de energia seria um enorme passo atrás no progresso da humanidade. Isto não quer dizer que não venha a acontecer.

A Idade Média, uma época de trevas, também representou um retrocesso após as realizações da Roma clássica, mas ainda assim aconteceu. O que enfrentamos talvez não seja exatamente uma época de trevas, mas antes de pouca luz.

Energia de usinas hidroelétricas

A energia hidroelétrica significa eletricidade gerada pela energia hidráulica, envolvendo geralmente locais em rios onde a água em movimento pode ser dirigida para turbinas giratórias que ativam um gerador a fim de produzir eletricidade, ou em reservatórios por trás de barragens, onde a água de um rio cuja corrente é variável ou sazonal se transforma num fluxo constante e regular. Também é possível produzir energia elétrica a partir do movimento das ondas, embora seja mais difícil e dispendioso e só levado a cabo em grande escala.

A energia hidroelétrica é importante. É um dos métodos mais antigos, mais testados e mais confiáveis de produzir eletricidade. Não produz dióxido de carbono, embora a fabricação dos seus componentes (concreto, aço etc) seja poluente. A última geração de turbinas possui uma eficiência energética superior a 90%. Temos vindo a usar energia hidroelétrica nos Estados Unidos desde que se inaugurou a primeira estação geradora, no rio Fox, em Appleton (Wisconsin), em 1882.

Atualmente, 10% da eletricidade dos Estados Unidos provém da energia hidráulica, em comparação com os 40% de 1940. A energia hidráulica é bem conhecida e bastante confiável (diferente do regime de chuvas, uma variável crucial para sua geração de energia).

A escala a que pode ser utilizada varia entre um microgerador num ribeirão, que serve uma única habitação, até à barragem do Hoover, que ilumina várias cidades. A energia hidroelétrica é produzida em cerca de 2 200 locais reconhecidos pela Federal Energy Regulatory Commission.

Os Estados Unidos têm explorado todos os locais de grandes dimensões nos seus maiores rios. São problemáticos, porque o solo e outros materiais arrastados pelos rios se depositam por detrás das barragens, assoriando e acabando por torná-las inoperantes.

Quase todas as principais barragens americanas têm menos de cem anos, e todas têm problemas de sedimentação e assoreamento. Nos Estados Unidos, os grandes reservatórios perdem capacidade de armazenamento a uma média de 0,2% por ano, com variações regionais da ordem dos 0,5% por ano nos estados do Pacífico até apenas 0,1% nos reservatórios do Nordeste.

Muitos destes reservatórios ainda possuem uma vida útil de um século ou mais. Mas não estamos a construir grandes barragens novas, e a capacidade geradora total não aumentará muito.

O Departamento de Energia americano (DOE) identificou 5 677 locais nos Estados Unidos com uma capacidade por instalar de cerca de 30 000 megawatts (MW), em comparação com os 80 000 MW das centrais hidroelétricas atualmente existentes no país. Quase todos estes locais se situam em ribeiros ou riachos.

Na verdade, são boas notícias, porque, num país onde os recursos petrolíferos e de gás natural estão a diminuir, tal como o dinheiro que o governo tem para investir, os projetos futuros terão necessariamente de ser a uma escala mais pequena. Os pequenos projetos também são concebidos para servir as localidades onde se desenvolvem, o que será bom, numa sociedade que, pela força das circunstâncias, terá de ter uma orientação muito mais local.

Nem todas as regiões dos Estados Unidos são igualmente dotadas de cursos de água. As que os possuem terão sorte. A zona onde vivo, a leste da parte norte do estado de Nova Iorque, por exemplo, um terreno acidentado sulcado por ribeiros que correm velozmente, desaguando no rio Hudson, está cheia de pequenas centrais hidroelétricas desativadas. Estas instalações foram construídas na primeira metade do século XX por produtores de energia independentes para iluminar as povoações locais, e deixaram de prestar serviços depois da Segunda Guerra Mundial, quando as maiores empresas do setor se transformaram em gigantes.

As grandes empresas, como a Niagara Mohawk, não se deram ao trabalho de manter as pequenas centrais, que foram fechadas e cujo equipamento foi vendido ao desbarato.

Nos últimos anos, alguns dos edifícios vazios foram convertidos em casas de habitação. Durante a Longa Emergência, terão de ser reconvertidos em centrais hidroelétricas.

Se a estimativa do DOE estiver correta, os Estados Unidos poderiam aumentar rapidamente a sua capacidade hidroelétrica em cerca de 50% do nível atual. Como a energia hidroelétrica representa apenas 10% da eletricidade total gerada nos Estados Unidos, ganharíamos o equivalente a aproximadamente 5% do consumo total atual, se todos os locais possíveis se tornassem operacionais.

A estimativa inclui locais que poderiam ser considerados ambientalmente sensíveis, pelo que alguns nunca seriam explorados. A energia hidroelétrica é boa, mas a sua utilização ao máximo só parcialmente compensaria as iminentes perdas de gás natural. A energia hidroelétrica também coloca uma questão fundamental que discutirei mais pormenorizadamente: seremos capazes de construir as centrais e fabricar o equipamento de que necessitamos sem dispor de combustível fóssil barato?

Generalizou-se a ideia de que o nosso sistema nacional de distribuição regional interdependente está num estado perigosamente de colapso, evidenciado pelo grande “apagão” regional de 2003, que interrompeu o fornecimento de eletricidade desde Nova Iorque até Detroit.

As próprias companhias de eletricidade parecem apontar para uma grande mudança nos sistemas a que chamam “geração distribuída”, o que significa que as pessoas obterão energia mais perto de casa.

O problema está em que as grandes companhias estão longe de saber como é que essa mudança se pode concretizar. Nos anos 90, houve uma grande excitação em torno do desenvolvimento de geradores domésticos com fuel cell. Essas unidades, do tamanho de um frigorífico, iriam gerar toda a corrente elétrica de uma casa por intermédio das pilhas de combustível. As linhas de alta tensão deixariam de ser necessárias.

Um dos pontos fracos da teoria consistia no fato de as pilhas de combustível necessitarem de gás natural, um bem presentemente escasso. Outro ponto fraco era a investigação e desenvolvimento realizada por diversas empresas e liderada pela General Electric não ter sido capaz de conceber uma unidade geradora doméstica acessível em termos de preço.

Por conseguinte, a “geração distribuída” deu, para já, em nada. Em consequência, os gigantescos sistemas regionais, com as suas longas filas de torres, linhas de alta tensão e subestações, não estão a ser mantidos porque as empresas ainda estão a apostar na possibilidade de se tornarem obsoletos – e quanto mais cedo melhor. Não tardará a chegar o momento crítico em que o equipamento deixará de poder ser reparado, e, durante a Longa Emergência, não disporemos certamente de recursos financeiros para substituí-lo. Depois disso, é possível que toda a energia elétrica tenha de ser local, e algumas localidades terão mais sorte que outras.

Energia solar e eólica

Em geral, designamos por energia solar tanto as técnicas de construção passivas que permitem que os edifícios captem a luz solar sob a forma de calor ou luz, como a conversão ativa da radiação solar em eletricidade utilizável por células fotovoltaicas. Na sua acepção mais profunda, “solar” também poderia se aplicar aos combustíveis fósseis, que representam eternidades de energia solar armazenada em compostos de hidrocarbonetos, e aos combustíveis de todos os dias, como a lenha e o estrume de vaca, que devem a sua existência à luz solar. Porém, nesta análise, refiro-me às duas primeiras acepções.

A energia solar passiva é considerável. Construímos uma coisa bem e ela está sempre a recompensar-nos do investimento, devolvendo-o sob a forma de conforto. A arquitetura pré-modernista foi concebida para aproveitar a luz solar para o aquecimento e iluminação dos edifícios (e as brisas, que também são produzidas pela ação solar no ar, para o arrefecimento).

O desenvolvimento dessas técnicas tradicionais foi uma acumulação lenta e dolorosa de experiências ao longo de séculos. Foi a abundância anômala de petróleo e gás baratos na nossa época que permitiu aos construtores, e sobretudo aos arquitetos, preocupados com questões de estilo, afastarem-se das práticas tradicionais que tiravam partido da energia solar passiva.

O século XX foi a era das curtain walls em vidro nos prédios de escritórios, das janelas que não abriam (ou que não existiam), das fachadas em titânio e de outras façanhas da moda destinadas a decorar os edifícios para proclamar o gênio ousado e criativo de quem os concebia. Este comportamento narcisista só foi possível numa sociedade com uma energia barata, na qual pouco mais importava na arquitetura do que a moda e o status associados a um lugar de vanguarda.

Num museu concebido por Frank Gehry, pouco importava que entrasse ar ou luz, porque era para isso que serviam o ar condicionado e as lâmpadas. O que importava era que a cidade fosse abençoada com um objeto da moda criado por um xamã célebre. Ora, nada está mais sujeito a desvalorizar-se por deixar de estar na moda do que uma coisa que só é valorizada por ser moderna.

No que respeita às casas, o processo foi um pouco diferente, quanto mais não fosse porque as massas detestavam abertamente a arquitetura de vanguarda e continuavam a preferir casas com um aspecto tradicional. A manha estava no fato de só exteriormente parecerem tradicionais. Noutros aspectos, eram realmente muito experimentais, sobretudo no que toca aos materiais de construção e à orientação em relação aos elementos naturais.

Materiais de construção como os painéis de revestimento em poliestireno (marca Dryvit) criaram todos os tipos de problemas (condensação e apodrecimento). Os construtores não prestavam atenção às diferenças regionais. Construía-se exatamente o mesmo modelo em San Diego ou em Rochester, Nova Iorque, sem ter em conta as variações climáticas, porque a eletricidade barata compensava as diferenças.

A feiúra que invadia a paisagem nos Estados Unidos decorria de uma enorme homogeneidade que se ia tornando visível. Sobretudo nos estados do Sudeste, as casas do pós-guerra dispensaram todas as características arquitetônicas tradicionais destinadas a amenizar o desconforto do clima (varandas, tetos altos, janelas com bandeiras), e o resultado foi uma espécie de bunkers terrivelmente feios, equipados com ar condicionado, literalmente isolados dos ambientes que os cercavam.

Não temos de chegar a extremos para tirar partido da energia solar passiva. Construí uma cabana de madeira concebida para absorver a luz solar durante o dia e armazená-la numa laje de cimento. Em termos de eficiência energética, não era um sólido esforço de construção.

Contudo, era capaz de manter toda a habitação confortavelmente quente num dia de Inverno, se acendesse um pequeno fogão a lenha de manhã, que só era necessário voltar a acender à noite. A conta do aquecimento era baixíssima. A manutenção não exigia muito esforço – sete minutos por dia para cortar alguma lenha e mais cinco para acender o fogão. Há que contar ainda com uma tarde por ano, passada a empilhar lenha que me era levada por um caminhão. A casa nem sequer tinha um aspecto esquisito, como acontecia, nessa época, com as casas todas “produzidas” que aproveitavam energia solar.

Em contrapartida, em termos de utilização mínima da energia solar passiva, os modelos da indústria de construção dos últimos anos têm sido ridículos. A típica “McMansion”, ou casarão erigido num lote de 2 mil m2, com a sua “entrada de escritório de advogado” e a sua enorme sala, é um sorvedouro de energia, e é possível que muitas delas se tornem inabitáveis na era próxima de austeridade energética. Foram concebidas com base na pressuposição de que o gás natural seria sempre barato e abundante.

Com efeito, a habitação independente unifamiliar poderá ter um destino trágico nos próximos anos. Há gerações que esta maneira de viver tem sido a norma nos Estados Unidos, mas nem sempre foi assim. A habitação unifamiliar num lote dos subúrbios depende inteiramente da energia barata – e da vasta classe média que a energia barata tornou possível.

Até ao século XX, as habitações independentes em ambientes rurais eram casas de quinta, casas de campo ou casebres de camponeses. As pessoas que viviam no campo tinham um modo de vida rural, geralmente ligado à produção de alimentos. As pessoas que trabalhavam no comércio, nos serviços e na indústria viviam nas cidades, e, em comparação com os dias de hoje, existiam menos proprietários de casas e mais inquilinos.

No meu entender, iremos regressar a esse estado. A habitação unifamiliar suburbana do século XX, isolada no seu meio circundante, depressa se tornará obsoleta. Na era próxima de austeridade energética, as normas habitacionais terão de ser mais tradicionais e integradas no seu meio. Como teremos de produzir mais alimentos perto dos locais onde habitamos, a terra será valorizada mais em termos de agricultura do que de habitação para pessoas que todos os dias percorrem longas distâncias para ir trabalhar.

Esta profunda mudança de valores restabelecerá a distinção entre a vida no campo e a vida na cidade, com tipologias de construção apropriadas, que implicarão, certamente, um regresso às técnicas de construção que aproveitam a energia solar passiva.

A energia solar ativa, ou seja a utilização da luz do sol para gerar eletricidade, é outra questão. Dispomos de tecnologia comprovada. Funciona, mas não tão bem como os modos de gerar energia a partir de combustíveis fósseis.

Não estou certo de que a energia elétrica solar possa continuar a existir fora das fronteiras amistosas de uma economia baseada nos combustíveis fósseis. Sabemos produzir células fotovoltaicas com silício, plástico e metal, e sabemos fabricar baterias com plástico e chumbo, e sabemos construir aparelhos de controle de carga, inversores e outros dispositivos para regular o armazenamento e fluxo da eletricidade, mas será que seremos capazes de fabricá-los no futuro, sem petróleo, gás ou carvão? Talvez não.

Para fabricar baterias de longa duração e painéis solares, precisamos de muita energia, de muitos barris de petróleo, e para produzir em massa todos os componentes e padronizar o seu rendimento, necessitamos de uma plataforma de sistemas avançados, desde a metalurgia à indústria de plásticos. Não estou convencido de que esta energia solar ativa possa ser mais do que um substituto temporário durante a Longa Emergência que se seguirá à era dos combustíveis fósseis.

Há quatro anos que mantenho um modesto sistema elétrico solar numa casa de férias isolada, nos Adirondacks. Estamos muito longe da rede elétrica nacional, não podendo recorrer a quaisquer linhas de alta tensão dos serviços públicos. Temos quatro painéis solares de 50 watts, que alimentam uma bateria de longa duração com seis pilhas ligada a um inversor de 2400 watts, que transforma a corrente contínua proveniente das baterias na corrente alterna dos vulgares eletrodomésticos.

O sistema foi concebido para movimentar uma bomba elétrica de corrente alternada, com 1/2 cavalo-vapor, que retira água do lago para um tanque de ar comprimido. A bomba funciona durante dois a três minutos por dia. Não usamos tanta água. Além disso, o sistema fornece energia a um computador portátil, a um som estereo e a meia dúzia de lâmpadas fluorescentes (que nunca estão todas acesas ao mesmo tempo, mas que são usadas em tarefas como ler e lavar a louça).

Não temos geladeira, porque os refrigeradores costumam consumir demasiada eletricidade. Durante uns tempos, tivemos um refrigerador a gás propano, mas era antiquado e ineficaz. Neste momento, portanto, recorremos a sacos de gelo industrializado que trazemos conosco.

O sistema elétrico é jeitoso mas muito delicado. As baterias têm de ser tratadas com todo o cuidado. Tenho de verificá-las uma vez por mês com um hidrômetro manual, para me assegurar de que estão a carregar como deve ser. É uma tarefa suja e um pouco perigosa porque o líquido dentro da bateria é ácido sulfúrico. Tenho de usar óculos para proteger-me de espirros e salpicos. Durante a operação, tenho de deitar água destilada em cada pilha, se necessário.

O sistema funcionou muito bem nos dois primeiros anos. Usávamos toda a energia que queríamos dentro de certos limites, paranóicos, de não exagerar. Tínhamos muita água e tomávamos ducha quente – uma amabilidade do esquentador a gás propano – ouvíamos rock and roll e acendíamos as luzes depois de escurecer.

Contudo, no Verão de 2003, houve um período anormal de cerca de seis semanas sem um único dia completo de sol e com muitos dias de chuva. O sítio onde temos a casa está longe de ser ideal, pois fica numa colina virada a oeste, e, mesmo nos melhores dias, a luz solar direta só atinge o painel depois das 12:30 h. Portanto, em meados de Julho, depois de uma semana inteira de chuva, as baterias não tinham carga suficiente para movimentar a bomba.

O sistema manteve-se inativo durante toda a semana. Desliguei o inversor, que consome eletricidade só por estar ligado, e esperei que o sol voltasse a aparecer durante vários dias seguidos. Entretanto, passamos sem água corrente, sem eletricidade, sem rock and roll e sem computador.

O sistema custou cerca de 3 000 dólares em 2001. Se estivéssemos ligados à rede, não teríamos gasto essa quantia em eletricidade aos preços atuais em trinta verões (na verdade, durante o resto da minha vida). Não o adquirimos para poupar dinheiro. Adquirimo-lo porque era a única maneira de termos eletricidade na nossa casa de Verão.

Como disse, trata-se de um sistema muito modesto. Se tivéssemos de manter uma normal casa americana – isto é, um refrigerador, um ferro de passar roupa (outro demoníaco sorvedouro de energia), televisões, computadores, etc, necessitaríamos de uma bateria com cerca de vinte e quatro pilhas, alimentada por dezesseis painéis solares.

Só o equipamento custaria cerca de 20 000 dólares, sem contar com a instalação. O tempo necessário para verificar e manter as baterias seria obviamente maior, e as baterias estragam-se. Mesmo com uma manutenção cuidadosa, poderiam ter de ser mudadas de dez em dez anos, custando milhares de dólares. Os painéis solares durariam um pouco mais que as baterias, mas mesmo estes estão sujeitos aos raios ultravioletas e à exposição à água e ao gelo.

É evidente que, em certas regiões do país, a luz solar sazonal limitada talvez permitisse apenas uma utilização marginal deste tipo de energia, mesmo que não houvesse alternativa.

É possível que venham a ser concebidas melhores baterias e pilhas solares mais eficazes. Até ao momento, no entanto, o problema da bateria tem sido particularmente frustrante. A tecnologia não mudou assim tanto nos últimos cem anos. As pilhas líquidas de ácido e chumbo do meu sistema solar elétrico de 2001 não são substancialmente diferentes da bateria de um Oldsmobile de 1912, e, embora os pesquisadores se tenham esforçado arduamente nos últimos anos por melhorar esta tecnologia, o seu trabalho só produziu aperfeiçoamentos modestos.

As baterias de lítio (igual a dos celulares), por exemplo, funcionam bem nos portáteis e dispositivos LED, mas, até ao momento não têm sido uma opção econômica para os sistemas domésticos de energia solar. Trata-se de uma das principais razões para o fracasso dos automóveis elétricos na última década: não foi possível melhorar as baterias, tornando-as significativamente menos volumosas ou mais leves, nem aumentar a extensão do percurso entre as cargas.

Além disso, os automóveis elétricos teriam um preço de base 30% superior ao dos modelos comparáveis a gasolina, sendo que as baterias teriam de ser substituídas ao cabo de poucos anos, por muitos milhares de dólares. Estes problemas fizeram esquecer os automóveis elétricos. A verdade é que não se desenvolveram na expectativa de uma escassez de petróleo, mas sim para atenuar o problema da poluição do ar.

Em 2001, a Califórnia legislou no sentido de, em 2003, 10% de todos os carros vendidos no estado serem veículos de baixa emissão. Em 2003, tendo fracassado estrondosamente em interessar o público pela compra de automóveis elétricos, a Califórnia desistiu da lei. Entretanto, a General Motors relegou para a prateleira o projeto de desenvolvimento do outrora apregoado veículo elétrico (EV).

Em finais de 2003, tanto a Ford como a General Motors estavam a transferir a sua atenção para os automóveis com fuel cell, com a ideia de que seriam, de fato, automóveis elétricos, com motor elétrico, mas sem as incômoda baterias. Estes automóveis, porém, são problemáticos pelas razões atrás apresentadas, relacionadas com o hidrogênio e o gás natural.

Existe um conjunto de noções populares erradas sobre a possibilidade de os sistemas de energia renovável, como a energia solar, eólica, etc, substituírem o nosso sistema baseado nos combustíveis fósseis e não poluírem nem causarem problemas – as energias renováveis representariam, assim, algo de semelhante ao movimento perpétuo, uma dádiva do Sol.

O funcionamento de um sistema elétrico solar, como o que possuo num lago dos Adirondacks, não produz poluição em si, mas a produção dos seus componentes sim, certamente. As baterias, os painéis, a eletrônica, os fios e os plásticos requerem atividade extrativa e fábricas que utilizam combustíveis fósseis.

Acresce que os componentes são transportados em caminhões a diesel para um cais, vindos de muito longe, após o que são enviados por barco a motor para o seu destino. Regressamos assim à questão de saber se esses sistemas poderiam existir sem uma economia baseada no petróleo ou no carvão para os produzir.

Não creio. E, na ausência de combustíveis fósseis, que outros haveria? Não é nada claro, por exemplo, que a energia nuclear possa ser utilizada para produzir componentes solares, pois, à exceção dos fins militares, só tem sido usada para gerar eletricidade, e não em processos industriais em larga escala. E seria possível recorrer a ela para esse efeito?

A fissão nuclear pode produzir muito calor. Essa é uma das razões pelas quais os reatores podem ser tão perigosos. Porém, nunca foram usados em processos de produção diretos, exceto na produção de outros materiais radioativos.

A energia elétrica solar e eólica devem, por conseguinte, ser encaradas como acessórios da economia baseada nos combustíveis fósseis.

Eólica

Os argumentos a favor e contra a energia eólica são muito semelhantes. A energia eólica apresenta mais possibilidades que a energia solar. A energia captada por turbinas eólicas pode ser armazenada por meios que não as baterias elétricas, sobretudo nos momentos em que um parque eólico (um conjunto de moinhos de vento) produz mais energia do que a utilizada pelos consumidores.

Uma possibilidade é introduzir água nos reservatórios para mover hidroturbinas em períodos de funcionamento autônomo. Mas isso depende de uma topografia favorável, e não funcionaria no Nebrasca, por exemplo, além de que se perderia uma quantidade substancial de energia no processo de conversão. Na mesma linha, haveria a possibilidade de injetar ar comprimido, ou outros gases, em cavidades salinas ou formações aquíferas, captando a energia para movimentar equipamento gerador.

Bons locais para armazenar subterraneamente ar comprimido são um problema e, para ser eficiente, o ar comprimido tem de ser usado em parceria com o gás natural.

As turbinas de ar comprimido e gás natural são três vezes mais eficientes do que as turbinas convencionais de gás, mas o sistema implica um abastecimento fiável de gás natural, e os Estados Unidos já ultrapassaram o pico da produção, estando o gás a esgotar-se muito depressa.

É concebível que a energia eólica possa ser usada para produzir metano sintético, formando novamente dióxido de carbono na presença de um catalisador sob calor e pressão.

Porém, à semelhança de outros sistemas de combustíveis alternativos, levantam-se problemas econômicos e de escala. Poderá a infra-estrutura dos Estados Unidos, tal como existe atualmente, depender dessas energias? De modo algum. Nem sequer uma pequena parcela dessa infra-estrutura.

As questões que se colocam relativamente à energia eólica acabam por levar-nos a uma interrogação idêntica à que formulamos acerca da energia solar: poderão estas tecnologias existir sem a plataforma de combustíveis fósseis que as suporta? É verdade que é possível gerar eletricidade usando turbinas eólicas.

Sim, os países europeus investiram muito nos parques eólicos. Em 2003, 18% da eletricidade total da Dinamarca provinha da energia eólica, a percentagem mais elevada entre todos os países. A Alemanha estava a instalar mais de 10 000 megawatts, e a Espanha mais de 3 000.

Tudo isto é possível porque o mundo atingiu ou está prestes a atingir o pico histórico da produção de petróleo, o que significa que, neste milênio, a economia baseada no petróleo estava no máximo da sua força quando se criaram este parques eólicos. Graças aos combustíveis fósseis, foi possível produzir os metais de ligas especiais necessários ao fabrico das turbinas, manter fábricas capazes de produzi-los em massa e de fabricar as peças sobressalentes (porque as turbinas eólicas são reconhecidamente sensíveis e estragam-se muito) e construir as instalações e instalar o material, usando equipamento pesado movido a petróleo – retroescavaderas e o mais que foi necessário para preparar o terreno e instalar as máquinas nos seus lugares. Que acontece se não houver por trás o fantástico apoio tecnológico da economia baseada no petróleo?

As nações industriais avançadas precisam de ter todas as infra-estruturas de energia alternativa preparadas muito antes de esse apoio desaparecer. Ainda assim, iludem-se as questões sobre o que virá a passar-se para lá de um futuro a curto prazo.

As nações avançadas poderiam empenhar-se conscienciosamente no esforço de dedicar uma parte do petróleo mundial remanescente à produção de turbinas eólicas, dispositivos solares e baterias, mas não podemos contar com isso.

Os dirigentes americanos não prestaram atenção às questões energéticas desde as crises petrolíferas dos anos 70. É difícil acreditar que, de repente, iremos comportar-nos de uma maneira mais lúcida. Seja como for, grande parte do petróleo remanescente não é controlado pelos americanos. Já estamos a lutar por esse controle.

Que acontecerá quando todas pessoas estiverem envolvidas num conflito pelo petróleo restante? Uma situação dessas irá pôr à prova a relativa ordem internacional que permitiu à economia global funcionar bem, ordem essa que tomamos por certa.

Poderia dar origem a um clima internacional de conflito militar, de suspeitas mútuas e de outros mal-estares que destruiria a cooperação global nas finanças e no comércio de que passamos a depender.

Os abastecimentos poderiam ser suspensos ou interrompidos. Como obter minérios exóticos, cromo, titânio, dos poucos locais que os possuem e fazê-los chegar às fundições onde se produzem as ligas necessárias ao fabrico de turbinas eólicas? Que iremos usar nas fornalhas? Carvão?

A extracção do carvão costuma fazer-se com equipamento movido a diesel. Bom, é possível produzir diesel artificial a partir de carvão, ou reinventar escavadoras a vapor alimentadas a carvão, e outras coisas do gênero, mas seria necessário lançar toda uma gama de novas indústrias quando o petróleo escasseia.

E quando se acabar o carvão? A indústria do carvão prevê que as reservas dos Estados Unidos durem cerca de duzentos anos. Historicamente, trata-se de um período bastante curto, comparável à época entre a derrota dos Astecas por Cortez e o nascimento de Ben Franklin. E esse é o melhor cenário. O mais provável é que a ponta final das reservas seja constituída pelo carvão mais difícil de extrair, localizado nos piores locais, com a ERoEI mais baixa e, possivelmente, impossível de recuperar com as técnicas atuais de mineração.

A minha ideia é que a visão, de alta tecnologia e dirigida para engenhocas, da energia “renovável”, tal como é concebida pelos mais otimistas, assenta nas areias movediças dos rendimentos decrescentes. Parece existir uma crença paralela entre um subgrupo pragmático dos otimistas segundo a qual a táctica de usar os combustíveis fósseis remanescentes para preparar um futuro pós-combustíveis fósseis é uma questão de ganhar tempo até “eles”, os gênios, cientistas e inovadores, se saírem com uma fonte de energia nova e superior.

É possível um milagre destes. Já aconteceram coisas mais estranhas na História da Humanidade (o que teria pensado Benjamin Franklin sobre o Adobe Photoshop?).

Contudo, esta ideia de ganhar tempo até os semideuses da tecnologia realizarem um milagre é apenas uma outra maneira de descrever um culto de cargueiro.

Do ponto de vista da psicologia de grupo, coloca a espécie humana numa armadilha, a preparar-se para um exame final em que não pode dar-se ao luxo de reprovar. E, como se a situação não fosse suficientemente má, existem outras forças e circunstâncias, que passarei a analisar, como as alterações climáticas e a disseminação das doenças, que também iludem a questão de saber até que ponto a situação é má – se já excedemos (e, na verdade, violamos) a capacidade de suporte do planeta a ponto de nenhum projeto de energia alternativa nos permitirem continuar o jogo.

Embora nos possa privar de alguns tipos de tecnologia a que nos habituamos, o desaparecimento dos combustíveis fósseis talvez não implique uma perda de conhecimentos tecnológicos.

Os Romanos desenvolveram a um elevado grau de refinamento a tecnologia de construção em cimento reforçado, bem como um talento artístico para trabalhar. Após a queda do império, o conhecimento perdeu-se durante mais de mil anos.

Não obstante a sua majestade, as grandes catedrais da Europa medieval representam uma técnica muito mais primitiva – a mera ligação de pedras com argamassa – do que a construção de algo como o Panteão mil anos antes, onde, desde a base até ao topo da cúpula, se foram empregando camadas mais finas e misturas mais leves de cimento.

Esse nível de tecnologia só foi recuperado em princípios do século XX, e o processo de adquirir, perder e depois reconquistar o conhecimento teve tanto a ver com a organização social e econômica como com a posse de simples informações tecnológicas. A arquitetura romana teria sido impossível sem a complexa base socioeconômica do império. A plataforma social medieval para a vida na Europa setentrional era menos elaborada e incontestavelmente menos complexa.

Comparemos estes dois casos históricos com a complexidade da organização social e econômica que permite que o petróleo seja extraído do solo, refinado e transformado em gasolina, transportado a distâncias de mais de 9000 km e utilizado numa máquina de grande engenho e precisão chamada automóvel, que se move em auto-estradas de seis faixas.

Se a plataforma social e econômica ruir, dentro de quanto tempo desaparecerá o conhecimento de base? Será que, duzentos anos depois, alguém saberá construir ou mesmo reparar o motor de seis cilindros em V de um Chrysler de 1962? Já para não falar de uma turbina eólica Nordex 1500 kW?

Presentemente, possuímos conhecimentos suficientes para utilizar e otimizar as futuras atividades de baixa entropia ou, pelo menos, para reconhecer a futilidade da tentativa de sustentar o insustentável no nosso atual modo de vida de alta entropia.

Os conhecimentos em matéria de Física e Química básicas estão tão generalizados que é provável que venham a persistir durante bastante tempo e a fornecer bases para podermos realizar mais com menos, em comparação, por exemplo, com o que as pessoas do século XVIII foram capazes de fazer com os seus conhecimentos mais limitados.

Não estou a propor que nos limitemos a regressar a um modo de vida pré-industrial. A própria modernidade já fez com que perdêssemos muitos conhecimentos sobre maneiras de viver sustentáveis que foram seguidas durante milhares de anos.

Existem outras maneiras de utilizar o sol e o vento que não dependem de engenhocas de alta tecnologia do tipo dos painéis solares e das turbinas, e, futuramente, recorreremos cada vez mais a elas.

Um cavalo de carga é uma ferramenta agrícola movida a energia solar, capaz de se reproduzir, ou seja, auto-renovável. Implica, no entanto, um sistema de agricultura inteiramente diferente. Uma horta é uma atividade movida a energia solar que produz alimentos à escala familiar. Na nossa época, as hortas perderam importância, transformando-se quase em decoração de exteriores.

Com o fim do petróleo, teremos certamente de produzir mais alimentos perto dos locais em que habitamos, e será isso que farão aqueles de nós que possuírem alguma terra, nem que seja um quintal numa casa urbana.

A energia eólica, solar e hidráulica pode realizar muito trabalho útil, a pequena e média escala, sem recorrer aos combustíveis fósseis. Teremos certamente de recorrer mais a elas em pequena escala e a nível local, seja o que for que nos reserve o futuro.

Os combustíveis fósseis permitiram que a espécie humana criasse e mantivesse sistemas altamente complexos a escalas gigantescas. As fontes de energia renovável não são compatíveis com esses sistemas e escalas.

As energias renováveis não conseguirão ocupar o lugar do petróleo e da gasolina nesses sistemas. Teremos de renunciar aos próprios sistemas. Mesmo muitos “ecologistas” e “verdes” dos nossos dias parecem pensar que basta mudar a energia. Em vez de usarmos eletricidade gerada por petróleo ou gás para fazer funcionar os aparelhos de ar condicionado de Houston, usaremos parques eólicos ou enormes painéis solares; teremos automóveis com combustíveis super eficientes e continuaremos a circular de um lado para o outro no sistema rodoviário interestadual. Não é isso que vai acontecer.

O desejo de manter os mesmos sistemas gigantescos a escalas gigantescas, recorrendo a energias renováveis, ocupa o lugar central nas nossas ilusões sobre energia solar, eólica e hidráulica.

Petróleo sintético

O carvão pode dar origem a petróleo e gasolina sintéticos, porque é uma versão sólida da mesma substância orgânica viscosa Pré-histórica que deu origem ao petróleo. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas conseguiram fazer muita coisa com o carvão. Foram obrigados a isso, porque não possuíam praticamente petróleo nenhum. Porém, dispunham de reservas enormes de carvão.

Nos anos 30, quando já só metade da energia dos Estados Unidos provinha do carvão, na Alemanha a proporção ainda era de 90%, e só 5% provinham do petróleo. Quando Adolf Hitler chegou ao poder em 1933, tinha já garantido o apoio da enorme empresa química I. G. Farben, para um sistema destinado a produzir quantidades significativas de petróleo sintético a partir de carvão.

O processo tinha sido inventado na Alemanha em 1913 pelo químico Friedrich Bergius, que ganhou o prémio Nobel, e a I. G. Farben detinha a patente. Tratava-se de acrescentar hidrogênio ao carvão, sob temperaturas e pressões elevadas, na presença de um catalisador.

O processo consumia muita energia e era dispendioso, mas os custos não eram problema para Hitler. Em Setembro de 1939, quando se preparava para invadir a Polônia, a Alemanha possuía já catorze fábricas de hidrogenação para produzir gasolina sintética e combustível para aviação, e projetava construir mais seis.

O carvão iria fornecer cerca de metade do combustível líquido de que as forças armadas de Hitler necessitariam para a guerra mundial que se avizinhava. O equilíbrio em matéria de petróleo convencional chegou, primeiro, da Romênia e da Rússia. Mas Hitler não queria depender do petróleo dos bolcheviques que tanto desprezava. Acabou por lançar os olhos para os campos petrolíferos soviéticos em torno de Baku e, na verdade, foi por isso que rompeu, em 1941, o pacto de não-agressão que celebrara com Stalin em 1939, lançando a Operação Barbarossa, a invasão da Rússia que daria início à sua ruína.

O fracasso da campanha na Rússia e a incapacidade de controlarem os campos petrolíferos romenos deixou os alemães sem petróleo para manterem em funcionamento a máquina de guerra. De uma forma surpreendente, conseguiram, apesar dos bombardeamentos maciços dos Aliados contra a indústria alemã, continuar a produzir combustível sintético em quantidade suficiente para quase rechaçar o avanço americano nas Ardenas, em Dezembro de 1944. Contudo, na Primavera seguinte, a máquina de guerra nazista ficou literalmente sem combustível, e foi o fim.

Anos mais tarde, com a guerra, Hitler e o nazismo bem para trás, a memória dos combustíveis sintéticos persiste. O presidente Nixon falou nos combustíveis sintéticos na sequência do embargo petrolífero da OPEP em 1973 – pelo menos, a ideia seduzia-o, pois podia ser maravilhosamente embalada, para consumo político, no momento em que se afundava no pântano de Watergate.

É evidente que uma coisa era os nazistas extraírem gasolina do carvão em tempo de guerra, numa economia que recorria a muito trabalho escravo, e outra coisa bastante diferente era fazê-lo num país livre e em bases economicamente sólidas.

Apesar da paranóia tremenda e da destruição econômica induzidas pela crise petrolífera de 1973, não se construiu nenhuma fábrica para produzir combustíveis sintéticos a partir do carvão a seguir ao embargo da OPEP.

O sucessor de Nixon, Gerard Ford, propôs apoio governamental para um programa mais específico que criaria vinte fábricas destinadas a produzir um total de 1 milhão de barris de combustível sintético por dia (os Estados Unidos consomem atualmente cerca de 20 milhões de barris de petróleo por dia). A proposta de lei de Ford não passou no Congresso.

Anos mais tarde, em Julho de 1979, o presidente Carter propôs um investimento de 88 bilhões de dólares, ao longo de dez anos, para promover a produção de combustíveis sintéticos a partir de carvão e de óleos de xisto. Isso somente começou a virar realidade em 2015.

Mas voltando ao fim dos anos 1970, Carter vivia assombrado pelo problema da energia. Na sua condição de engenheiro naval experiente, conseguia distinguir as tendências futuras em matéria de energia que se desenhavam para os Estados Unidos. Tinha sido eleito para o cargo quando o país estava ainda a sofrer as sequelas do embargo da OPEP, e as suas preocupações confirmaram-se quando rebentou a segunda crise petrolífera, na sequência da queda do xá (líder) do Irã.

Infelizmente, Carter estava adiantado em relação ao povo americano, que se limitava a encarar as maquinações em torno do petróleo como atos de perfídia por parte dos Árabes ou de companhias petrolíferas gananciosas.

Carter tentou persuadir os americanos de que o problema era real, “o equivalente moral da guerra”, mas os seus esforços foram ridicularizados. Somente Bush pai e depois Bush filho, nas décadas seguintes conseguiram iniciar as guerras pelo petróleo.

O sucessor de Carter, Ronald Reagan, cancelou as iniciativas em matéria de combustíveis sintéticos porque acreditava que não havia problema energético que não pudesse ser resolvido pela desregulamentação e pela livre iniciativa. Reagan teve sorte. A meio dos seus dois mandatos, o mercado petrolífero afundou-se e os preços começaram a cair, tendência que se manteve durante quinze anos, por uma série de fatores: a produção a todo o gás de uma União Soviética fragilizada, tentando desesperadamente conseguir divisas fortes e evitar o colapso; os frutos da exploração petrolífera desenfreada que se iniciou após as crises dos anos 70, incluindo os filões do Mar do Norte para a Grã-Bretanha e a Noruega; e o desfazer da disciplina de preços da OPEP causado pela produção excessiva de países desesperados como a Nigéria e a Venezuela.

Todos estes fatores lançaram mais petróleo no mercado global, diminuindo drasticamente o preço por barril de 1986 a 2001.

Por conseguinte, o primeiro presidente George Bush pôde ignorar as questões energéticas, exceto quando se manifestavam nos assuntos internacionais: a primeira Guerra do Golfo, a seguir à invasão do Kuwait pelo Iraque, que foi causada, em parte, pelas confusões dos kuwaitianos, que realizavam perfurações horizontais fora das suas fronteiras, em campos em território iraquiano.

Entretanto, Bush não ressuscitou o programa dos combustíveis sintéticos. O seu sucessor, Bill Clinton, ocupou o cargo no auge da abundância petrolífera dos anos 90, quando os campos do Mar do Norte funcionavam a todo o gás e a produção mundial continuava a aumentar, já perto do pico histórico, e quando se vivia uma paz global relativa, ainda que frágil.

Os preços do petróleo continuaram a cair a pique depois da guerra. Clinton, o arquétipo de um yuppie suburbano, não fez nada para preparar o país para a era pós-pico e, no geral, deu-se ao luxo de ignorar as questões energéticas, enquanto o país deslocava a sua capacidade produtiva, e uma “nova” economia, baseada no investimento do mercado imobiliário destinado à expansão suburbana, que ia instalando sub-repticiamente.

George W. Bush, o segundo presidente Bush, teve o infortúnio de estar na Casa Branca quando o pico global se aproximava e os mercados petrolíferos começavam a oscilar. Bush e o seu vice-presidente, Dick Cheney, ambos ex-executivos da indústria petrolífera, só abordaram uma das suas manifestações, o terrorismo fundamentalista islâmico, empenhando-se na primeira fase da que será provavelmente uma longa guerra pelo controle e pacificação do Oriente Médio.

No início de 2005, Bush nada tinha feito de significativo em matéria de política energética em geral e de combustíveis sintéticos em particular.

Esta inação em torno dos combustíveis sintéticos nos últimos trinta anos, tanto por parte do sector público, como do sector privado, ou de uma combinação dos dois, parece iludir uma questão fundamental: será que os combustíveis sintéticos fazem sentido em circunstâncias que não sejam as do tempo de guerra? Penso que não fazem.

Os promotores da indústria do carvão afirmam que o custo do petróleo fabricado a partir do carvão desceu de cerca de 50 dólares por barril em 1973 para 30 dólares por barril em 2003, mas, quando o preço do petróleo bruto natural aumentou para 50 dólares no Outono de 2004, não houve fanfarras a anunciarem novas iniciativas por parte da indústria do carvão em matéria de petróleo sintético.

Os produtores de carvão estão a contar que, quando as reservas globais de petróleo se acabarem de vez, os americanos estejam tão desesperados que se disponham a pagar seja o que for pelos seus combustíveis líquidos derivados do carvão.

Contudo, o dinheiro tem de vir de algum lugar, e, se os americanos estão a gastar proporcionalmente mais para encher os depósitos dos seus automóveis e caminhões, essa despesa prejudicará outras áreas que definem o nosso nível de vida.

Em minha opinião, podemos afirmar muito categoricamente que uma economia sem reservas de petróleo barato confiáveis irá tornar-se muito mais débil, gerar menos atividades e criar cada vez mais pessoas economicamente derrotadas que serão incapazes de adquirir combustíveis sintéticos ou automóveis para os consumir.

Por outras palavras, o fato de ser possível produzir petróleo a partir do carvão não significa que possa substituir, economicamente, as reservas baratas e fiáveis de petróleo natural, de modo a manter em funcionamento o Sonho Americano.

Tal como o hidrogênio, o combustível sintético pode ser produzido, mas não se adequa à produção e consumo de massas.

A única aplicação plausível dos combustíveis sintéticos líquidos derivados do carvão será nas forças armadas, e mesmo esta é discutível. Se os atuais conflitos pelo controlo do Médio Oriente prosseguirem durante muito tempo, como é provável que aconteça, ou se alastrarem para outras regiões produtoras de petróleo, ou se não correrem bem os Estados Unidos podem vir a enfrentar, pouco a pouco, uma situação tão difícil como a que a Alemanha enfrentou há seis décadas.

No entanto, antes de isso acontecer, os civis seriam sujeitos a um racionamento brutal de gasolina, que tornaria muito difícil a manutenção da maneira de viver suburbana do Sonho Americano, e prejudicaria a capacidade de o país lutar pelo petróleo, a liberdade, ou qualquer outra coisa.

Nos primeiros anos do século XXI, a rara atividade em torno dos combustíveis sintéticos reduziu-se a pouco mais do que um “esquema” em matéria de deduções fiscais para empresas. O carvão “quimicamente modificado” possibilitava significativas deduções fiscais. A legislação não explicitava o que “quimicamente modificado” queria dizer exatamente.

Por conseguinte, alguns advogados astutos, associados a fanáticos das tecnologias, cozinharam uma maneira de pulverizar carvão com pequenas quantidades de diesel, resina de alcatrão vegetal e outras substâncias, e os simpáticos “patrões” do departamento federal das contribuições e impostos decretaram que o produto era um combustível sintético.

As empresas envolvidas neste “esquema” legalizado nem sequer pertencem a esse ramo de atividade – como, por exemplo, a cadeia hoteleira Marriott, que adquiriu quatro “fábricas de combustíveis sintéticos” em Outubro de 2001. Chamar-lhes “fábricas de combustíveis sintéticos”, no entanto, é um cômico exagero: tratava-se apenas de uns telheiros, munidos de tapetes rolantes, onde o carvão era pulverizado.

No ano seguinte, a Marriott ganhou 159 milhões de dólares em deduções fiscais por ter pulverizado carvão com petróleo e outras substâncias. A empresa só teve de pagar 46 milhões de dólares pelas instalações, o que quer dizer que, em apenas um ano, o “esquema” lhes rendeu um retorno de investimento de 246%, num momento em que os rendimentos decorrentes do aluguel de quartos nos seus hotéis tinham diminuído 4,8%.

Além disso, a taxa do imposto sobre o rendimento registrou uma diminuição acentuadíssima, de 36,1% em 2001 para 6,8% em 2002, “sobretudo devido ao impacte das nossas atividades em matéria de combustíveis sintéticos”, afirma o seu relatório anual.

Despolimerização termal

Na Primavera de 2003, quando a revista Discover publicou um artigo aparatoso intitulado “Anything Into Oil” [7] , houve uma grande movimentação nos círculos ligados à energia. Uma empresa chamada Changing World Technologies, com fábrica no Missuri, proclamou que era capaz de pegar em qualquer matéria-prima imaginável contendo carbono – “incluindo restos de peru, pneus, garrafas de plástico, velhos computadores, lixo municipal, maçarocas, pasta de papel, resíduos hospitalares infecciosos, resíduos de refinaria de petróleo e até armas biológicas como esporos de carbúnculo” – e convertê-la em três produtos valiosos: petróleo de elevada qualidade, gás não-poluente e minerais úteis. Chamaram-lhe “despolimerização termal”.

Tratava-se de um método de alta tecnologia para reproduzir e acelerar imenso o processo seguido pela natureza na criação de petróleo geológico a partir de resíduos orgânicos fósseis.

O artigo afirmava: “Se um homem com 80 quilos tombasse numa das extremidades da cadeia sairia pela outra sob a forma de 17 quilos de petróleo, 3 quilos de gás e 3 quilos de minerais, bem como 57 quilos de água esterilizada”. O petróleo extraído de restos de peru, por exemplo, assemelhar-se-ia quimicamente ao óleo combustível nº 2 que é usado nas fornalhas domésticas. Os engenheiros e banqueiros de investimento aplaudiram. O governo federal concedeu ao projeto um empréstimo de 12 milhões de dólares para investigação.

A maquinaria utilizada assemelha-se à das refinarias de petróleo convencionais, a uma escala muito menor. Segundo a empresa, a eficiência energética do processo era de 85% para matérias-primas como restos de peru – isto é, por cada 100 Unidades Térmicas Britânicas (BTU) [29 watts] extraídas da matéria-prima, gastar-se-iam apenas 15 BTU [4 watts].

A água nas misturas úmidas, como restos de peru, era utilizada para ajudar na primeira fase do processo, uma “cozedura” inicial a 500º F [260º C] e a uma pressão de 600 psi [41,37 bar], que convertia gorduras, proteínas e hidratos de carbono em ácido carboxílico. Quando a pressão diminuía rapidamente, cerca de 90% da água eram arrastados para fora, o que dispensava a operação de a remover por meio de aquecimento e evaporação.

Na segunda fase do processo, as cadeias de hidrocarbonetos eram decompostas, acabando por transformar-se num petróleo leve. A terceira fase assemelhava-se a uma destilaria convencional. Os hidrocarbonetos eram separados por peso molecular em querosene, gasolina, nafta, etc. O gás inflamável captado era usado como combustível no processo.

Matérias-primas secas como plástico PVC proveniente de eletrodomésticos e materiais de construção misturar-se-iam com água para produzir substâncias químicas úteis como ácido clorídrico e combustíveis contendo hidrocarbonetos. As diferentes matérias-primas requeriam diferentes “receitas” e tempos de cozedura.

A Changing World Technologies afirmava-se capaz de reciclar fosse o que fosse, à exceção de resíduos nucleares. A sua primeira fábrica à escala comercial em Carthage, no Missuri, que custou 20 milhões de dólares, foi construída ao lado de uma fábrica da ConAgra Foods Butterball Turkey.

Segundo os porta-vozes da empresa, viriam a ser capazes de produzir petróleo por este método ao preço de 10 dólares por barril, aos valores de 2003.

Qualquer coisa que pareça boa demais para ser verdadeira costuma sê-lo, e foi o que se passou com a despolimerização termal. Implicava os esquemas de movimento perpétuo herdados do século XIX. Entra lixo, sai petróleo (e lixo é coisa que sempre abundará, não é?). Com efeito, tudo se reduz a um programa de reciclagem.

A despolimerização termal pega em artigos produzidos pela nossa economia, de alta entropia, baseada no petróleo e converte-os em petróleo com, supostamente, uma modesta perda de energia de 15%, como uma afirmação da segunda lei da termodinâmica (a “lei da entropia”). O truque está no fato de ser necessária uma economia baseada no petróleo. A criação de perus em grande escala realizada pela ConAgra só é possível num sistema agrícola baseado no petróleo e gás baratos, em particular para produzir adubos que permitem obter os cereais destinados à alimentação das aves, mas também para as alojar, abater, congelar, transportar e comercializar – um gigantesco empreendimento que termina numa seção de congelados de um imenso hipermercado com mais de 13000 m2.

Sem combustíveis fósseis, a criação de perus teria de fazer-se a uma escala muito menor e numa base mais local, e a quantidade de resíduos sob a forma de penas, vísceras e fezes não constituiria matéria-prima suficiente nem sequer para uma destilaria de despolimerização termal que servisse para demonstrar o processo (e se fosse necessário andar de um lado para o outro a recolher todos os restos de peru de muitos produtores locais, para levá-los para uma fábrica de despolimerização termal centralizada, a gasolina ou o diesel gastos nesse esforço poderiam equivaler ao petróleo obtido a partir desses restos). A segunda lei da Termodinâmica não nos dá descanso.

Verifica-se o mesmo com todas as outras pretensas “matérias-primas” do processo de despolimerização termal: pneus, garrafas de plástico, velhos computadores, lixo municipal, etc. Todas estas coisas existem porque o petróleo abundante as produziu.

Sem petróleo barato, ficaremos sem matéria-prima mais tarde ou mais cedo. A despolimerização termal pode ser um método excelente e eficaz de lidar com lixo e resíduos que já existem, nas circunstâncias atuais. Mas as circunstâncias atuais são de curta duração. A nossa economia baseada no petróleo não tardará a cambalear e, nesse momento, não iremos extrair dos desperdícios, restos e lixo que por aí ficaram petróleo suficiente para manter, durante algum tempo, a nossa maneira de viver.

Se todo o lixo produzido diariamente nos Estados Unidos nas circunstâncias atuais fosse convertido em petróleo por despolimerização termal, a quantidade obtida não atingiria sequer 5% do nosso consumo diário de petróleo. Então, a conclusão que podemos tirar é a seguinte: se reduzíssemos o nosso consumo de energia em 95%, a despolimerização termal poderia funcionar, mas, se reduzíssemos assim tanto o nosso consumo de energia, não produziríamos a quantidade de lixo necessária à produção desses miseráveis 5%.

Energia a partir da biomassa

Esqueçamos a biomassa. Trata-se apenas de uma variação mais grosseira da despolimerização termal. A ideia é que suplementaríamos as nossas centrais geradoras que funcionam com combustíveis fósseis, recorrendo a materiais orgânicos como maçarocas, bagaços de cana, galhos de salgueiro e serradura.

Os sistemas assentes na biomassa baseiam-se inteiramente na existência de uma plataforma de combustíveis fósseis, sobretudo em termos de resíduos da agricultura, como maçarocas, produzidos num regime de agricultura industrial que recorre a enormes quantidades de petróleo e gás natural quer para fabricar adubos artificiais, quer para as tarefas de colheita e de transporte dos produtos agrícolas.

Isto aplica-se em particular a todos os sistemas que promovem o etanol (álcool derivado de plantas) como um aditivo “amigo do ambiente” para a gasolina. A quantidade de petróleo e de gás natural necessária para produzir os cereais de onde se fabrica o etanol anularia qualquer vantagem decorrente da utilização de um combustível pretensamente não-fóssil.

Na verdade, teremos certamente de recorrer a uma forma particular de “biomassa”, mas de modo algum a uma que se assemelhe às fantasias propostas pelos “mestres” empresariais e ambientalistas. Quer isto dizer que teremos, provavelmente, de queimar muita madeira para nos mantermos quentes no Hemisfério Norte, o que significa que muitos de nós, nas sociedades industriais avançadas, regressaremos, em alguns aspectos, a modos de vida pré-industriais.

Nesta eventualidade, poderemos esperar uma devastação bastante maciça das florestas em regiões onde elas puderam recuperar durante as muitas décadas em que o carvão, o petróleo e o gás natural imperaram no aquecimento doméstico, como o leste do Mississípi. O futuro desmatamento do que restam das matas da América do Norte (e da Europa) poderá ser tão rápida e dramática como o extermínio dos bisontes americanos nas décadas que se seguiram à Guerra da Secessão.

Hidratos de metano

Pensa-se que os sedimentos oceânicos contêm, sob a forma de hidrato gasoso, uma imensa quantidade de metano, igual a pelo menos o dobro de todos os combustíveis fósseis do planeta. Trata-se de uma espécie de “gelo” constituído por moléculas de metano, cada uma delas rodeada por uma “gaiola” de moléculas de água, cuja estabilidade só se mantém a baixas temperaturas e a pressões extremas, características das profundezas marinhas superiores a 300 metros.

Representam recursos energéticos eventualmente recuperáveis, mas com importantes reservas. Uma delas tem a ver com o fato de os hidratos de metano serem muito difíceis de recuperar: são dispendiosos, ou seja, exigem mais energia do que produzirão depois de recuperados – isto é, por outras palavras, não são rentáveis. Com efeito, ainda não foi possível recuperar comercialmente nenhum hidrato de metano.

O hidrato de metano também é perigoso. Até ao momento, as tentativas de “mineração” submarina têm provocado explosões, incluindo a destruição de plataformas de perfuração e de navios. As propriedades físicas do hidrato de metano são tais que qualquer tentativa de recuperação tende a desestabilizar o material, dissociando a água do metano.

Em seguida, o gás altamente inflamável que se liberta sobe à superfície. A perfuração em zonas onde existe metano preocupa a indústria, porque a operação pode desestabilizar as fundações das plataformas. As perturbações causadas no leito oceânico também poderão provocar afundamentos ou falhas, pondo em perigo as equipas de trabalho e o ambiente.

Além de representar um perigo para os homens que tentam extraí-lo, o metano libertado na atmosfera é um gás de estufa dez vezes mais poderoso que o dióxido de carbono. Qualquer que seja a quantidade, acelerará o problema das alterações climáticas.

As tentativas de recuperar hidratos de metano têm resultado em libertações de gás na atmosfera em quantidades muito superiores à do gás que se recupera durante o processo.

Energia de ponto zero (ZPE)

Trata-se de um processo obscuro formulado teoricamente por físicos quânticos, que tem vindo a ser chamado “a derradeira refeição grátis do quantum “. Pretende ser uma teoria sobre a exploração do potencial energético da “matéria escura” do universo. A física densa e abstrusa que cerca a ZPE parece defender que é possível aceder às forças cósmicas responsáveis pela gravidade para obter reservas ilimitadas de energia barata e não-poluente no planeta.

Estas especulações ultrapassam as competências do autor, razão pela qual me limito a apresentar apenas duas questões acerca deste assunto.

1) Segundo uma máxima muito útil em engenharia, qualquer coisa que pareça boa demais para ser verdadeira, geralmente não é verdadeira. É o que se tem verificado com os dispositivos de movimento perpétuo e outras invenções fantásticas, como os motores de combustão interna que podem funcionar a água e os carburadores especiais que permitem que um automóvel normal gaste 1,5 litros aos 100 km.

Neste momento, a ZPE parece incluir-se nesta categoria. Mas quem sabe? Em 1893, ter-se-ia podido dizer o mesmo da energia atômica.

2) Mesmo que a ZPE venha a revelar-se útil, é pouco provável que assistamos a desenvolvimentos práticos antes de o mundo enfrentar graves problemas decorrentes do esgotamento dos recursos de hidrocarbonetos. Por outro lado, também se impõe a questão de saber se, à semelhança dos outros sistemas de energia alternativa, será possível desenvolver algo como a ZPE na ausência de uma plataforma tecnológica baseada nos combustíveis fósseis.

Energia nuclear

Uma vez que as chamadas fontes de energia “alternativa” acima descritas são todas, de uma maneira ou de outra, implausíveis a longo prazo sem o apoio do petróleo, a única alternativa que se mantém de pé é a energia nuclear. Hoje, cerca de 20% da eletricidade gerada nos Estados Unidos provém de usinas movidas por reatores nucleares.

Na França, a proporção aproxima-se mais dos 70% (dos 30% restantes, grande parte é energia hidroelétrica).

Apesar de a sua utilização se ter tornado quase rotineira, a energia nuclear levanta imensos problemas a longo prazo – por razões que ultrapassam muito a mera economia energética, embora a incluam – e tem uma carga política potencialmente pesada. Porém, a curto e médio prazo, talvez seja a única energia a que poderemos recorrer.

A opção nuclear resume-se ao seguinte: se não quisermos que, na ausência de petróleo e gás natural baratos, o nível de vida nos Estados Unidos desça muito abaixo dos níveis pré-modernos, teremos de usar a fissão nuclear como método principal para gerar eletricidade durante uma parte do século XXI, enquanto lutamos para encontrar outras alternativas.

Contudo, mesmo que os Estados Unidos se empenhem numa política agressiva de construção de uma nova geração de reatores nucleares, a vida terá ainda de mudar drasticamente. Na verdade, trata-se de saber se queremos que essas mudanças ocorram enquanto estamos com a luz acesa ou apagada. O que distingue a vida moderna da vida pré-moderna é o acesso à eletricidade e a reservas abundantes e regulares dessa energia.

Teremos certamente de reformar os nossos hábitos em matéria de utilização da terra e do sistema de transportes baseado no petróleo que nos têm permitido viver no nosso ambiente suburbano dependente de automóveis.

Teremos de alterar drasticamente o nosso modo de produzir os alimentos e os locais onde os produzimos. Nas próximas décadas, a organização social poderá ser bastante diferente.

Aspectos da nossa vida contemporânea que tomávamos como certos, como a aviação comercial e as diversões “enlatadas”, poderão passar à história. Políticas adequadas ao festim dos combustíveis fósseis, que se desenvolveram tanto à direita como à esquerda, poderão transmutar-se em novas formas, padrões e valores, a ponto de deixarem de ser reconhecidas.

No entanto, se queremos que a civilização prossiga em geral, teremos de manter as luzes acesas, e a única maneira de o fazermos em meados do século XXI implicará o recurso a reatores nucleares para gerar eletricidade.

Não estou inteiramente convencido de que o possamos fazer durante muito tempo sem o apoio da plataforma de combustíveis fósseis na construção, produção, manutenção, mineração e outras atividades necessárias à criação e funcionamento dos reatores nucleares.

Porém, a energia obtida a partir da fissão nuclear é tão maior do que a gerada pela energia solar, eólica, da biomassa e por todos os outros combustíveis fósseis que um investimento de quaisquer combustíveis fósseis remanescentes no desenvolvimento da energia nuclear poderia representar uma proposta minimamente rentável, proporcionando à espécie humana mais tempo para concretizar outras soluções mais sustentáveis.

Dentro de trinta anos, poderemos ter de recorrer ao carvão para manter em funcionamento os reatores nucleares, ou talvez ao petróleo sintético derivado do carvão.

Contudo, a equação básica em matéria de energia é muito simples: um único átomo de urânio físsil produzirá uma quantidade de energia dez milhões de vezes superior à da combustão de um único átomo de carbono. Por unidade de massa, o urânio produzirá uma quantidade de energia dois milhões de vezes superior à do petróleo.

Com base na tecnologia atual, a quantidade de urânio convencional que existe na natureza é suficiente para gerar eletricidade provavelmente durante cerca de cem anos. O urânio que existe na natureza é composto por dois isótopos: U-238, na proporção de 99,3%, e U-235, na proporção de 0,7%. O U-235 é o mais físsil. Atualmente, a maior parte das centrais nucleares usa urânio enriquecido, em que a concentração de U-235 é aumentada de 0,7% para cerca de 4 ou 5%. O urânio é relativamente barato, custando cerca de 30 dólares o quilo. A quantidade de urânio necessária ao fornecimento de eletricidade a uma família de quatro pessoas durante toda a vida caberia numa lata de cerveja.

Existem 109 reatores nucleares licenciados nos Estados Unidos e 400 no mundo. Os reatores funcionam, produzindo calor a partir da fissão nuclear controlada – isto é, dos nêutrons induzidos por uma massa crítica de átomos de urânio, que bombardeiam os núcleos adjacentes e que cindem mais nêutrons, que, por sua vez, fazem o mesmo.

Com os nêutrons a andarem de um lado para o outro, o conteúdo dos átomos modifica-se, e os elementos originais transformam-se noutros elementos. O processo gera enormes quantidades de calor.

O calor é usado para criar vapor, que movimenta turbinas elétricas. Por conseguinte, à exceção do núcleo do reator, o processo não é muito diferente dos outros processos de gerar eletricidade por meio de vapor. O processo não produz quaisquer dos gases associados à poluição atmosférica – dióxido de carbono, ozônio, metano etc.

Contudo, as atividades necessárias à construção e manutenção de um reator produzem certamente muitos gases poluentes. Os próprios resíduos do reator contêm centenas de toxinas radioativas exóticas e venenosas, que não existiam na Terra antes do advento da fissão nuclear artificial.

Nos reatores mais comuns, as varetas de combustível contêm pastilhas de urânio enriquecido. A massa crítica de matéria físsil é ajustada quando se erguem e baixam essas varetas dentro do núcleo do reator. Cerca de dois em dois anos (para simplificar um pouco), as varetas de combustível de um reactor “gastam-se” e têm de ser substituídas.

Trata-se de um processo que deve ser realizado com todo o cuidado e que, frequentemente, leva muitos meses, embora métodos aperfeiçoados tenham reduzido a duração, em alguns casos para poucas semanas. As varetas de combustível gastas ainda estão muito quentes e são perigosamente radioativas.

O problema mais frustrante na gestão das centrais nucleares tem sido o destino a dar ao combustível gasto, que se tem revelado mais um problema político do que um problema verdadeiramente logístico. Ninguém pretende um depósito de lixo nuclear perto de si (é evidente que também ninguém quer viver permanentemente às escuras).

Até há pouco tempo, o local designado para acolher resíduos nucleares a nível nacional nos Estados Unidos – uma série de cavidades salinas na Montanha de Yucca, no Nevada – não podia ser usado porque se temia ofender grupos de eleitores ou vigilantes dos movimentos de defesa do ambiente.

O local situa-se por baixo do velho terreno utilizado pelos Estados Unidos para testes atômicos. Um terremoto ocorrido na região em 1996 reforçou a oposição ao uso da Montanha de Yucca, que fica a uma distância de apenas 160 quilômetros de Las Vegas.

Temia-se, em particular, que o material radioativo invadisse as águas subterrâneas e se espalhasse por toda a região. Por conseguinte, a maior parte das varetas de combustível gastas dos reatores americanos têm sido armazenadas nas próprias instalações dos reatores por todo o país, em recipientes que se assemelham a piscinas, onde o material se vai tornando menos radioativo à medida que os isótopos, mais instáveis, se desintegram e vão gerando menos calor.

Apesar de sempre ter sido considerado uma solução temporária, este método de armazenamento no próprio local tornou-se uma rotina enquanto se aguarda uma resolução de âmbito nacional em matéria de armazenamento de resíduos nucleares. As varetas de combustível gastas podem ser também recicladas de modo a que possa recuperar-se material físsil suficiente para alimentar um determinado reator durante mais um ano.

Contudo, como acabam por ter de ir para algum lado, os resíduos têm-se vindo a acumular há décadas por todo o país. Um reator produz em média 1,5 tonelada de resíduos por ano. Se são incorporados numa matriz estável de vidro, os resíduos constituem mais de 3,8 m 3 . Como a primeira central nuclear comercial começou a gerar eletricidade em 1957, os resíduos acumulados totalizam 9 000 toneladas, que caberiam à vontade no espaço equivalente ao do ginásio de uma escola secundária.

Em Julho de 2002, o presidente George W. Bush assinou uma resolução conjunta (House Joint Resolution 87) que autoriza o Departamento de Energia americano a dar o passo seguinte na criação de um local seguro de armazenamento de resíduos na Montanha de Yucca.

O departamento está a ultimar um projecto destinado a obter a autorização das autoridades competentes (Nuclear Regulatory Commission) para dar início à construção do local. Esta resolução pôs um ponto final no impasse político mas não nas questões profundas relacionadas com a segurança a longo prazo.

Com efeito, os resíduos de um reator nuclear levam quinhentos anos a decompor-se, até atingirem o ponto em que são tão pouco perigosos como o urânio que existe na natureza.

Na realidade, é possível que só a segurança relativa exista. Contudo, vale a pena ter presente que se perderam muito mais vidas na indústria do carvão do que na indústria nuclear das últimas cinco décadas. Nos últimos quarenta anos, não se registou qualquer acidente associado ao funcionamento de uma central nuclear civil nos Estados Unidos, Europa Ocidental ou Coreia do Sul.

O acidente ocorrido em 26 de Abril de 1986 na central nuclear de Chernobil, na ex-União Soviética, é outra questão. Trinta e uma pessoas morreram em consequência direta da explosão e do incêndio que se seguiu. As estimativas sobre a mortalidade por câncer relacionado com o acidente de Chernobil rondam os poucos milhares, aos quais se juntará um número desconhecido de casos que virão ainda a surgir em pessoas que eram crianças na altura da explosão.

Mais de 50 km 2 de terra deixaram de poder ser habitados durante muito tempo. No acidente ocorrido em 1979, em Three Mile Island, na Pensilvânia, não houve mortos. Escaparam-se gases radioativos, mas não há provas de esta libertação ter afetado as pessoas.

O reactor de Chernobil era um modelo RMBK de concepção russa, mal afamado pela sua falta de segurança. Concebido no espírito oportunista dos Soviéticos, destinava-se a gerar eletricidade e a produzir, ao mesmo tempo, material para bombas. O reactor não possuía um invólucro de contenção. Por outro lado, se o reactor aquecesse demasiado, a velocidade de reação, em vez de diminuir, aumentaria automaticamente.

Em resumo, era um acidente prestes a concretizar-se. Construíram-se dezesseis reatores RMBK na ex-União Soviética, muitos deles ainda em funcionamento. Os reatores americanos e ocidentais, incluindo os do Japão e da Coreia do Sul, são muito diferentes em termos de concepção.

Desde 1996 que nenhuma central nuclear nova começou a funcionar comercialmente nos Estados Unidos, e a maior parte das existentes remonta aos anos 70 e 80. Desde os anos 90 que não se constrói nenhuma central nuclear, e nenhuma das que foram propostas deu início ao difícil processo de licenciamento e de aprovação.

No essencial, depois de Three Mile Island e de Chernobil, a energia nuclear tornou-se um assunto politicamente tóxico, e o apogeu do festim dos combustíveis fósseis – que durou desde a queda dos preços em 1986 até aos ataques de 11 de Setembro de 2001 – permitiu ao povo americano e aos seus líderes não pensarem sequer na energia nuclear.

Esta situação está prestes a mudar, sobretudo quando os Estados Unidos entrarem na difícil fase de escassez de gás natural, que afetará grandemente a produção de energia elétrica.

O uso dos chamados reatores sobrerregeneradores poderá alargar o horizonte futuro da eletricidade gerada a partir da energia nuclear. Os reatores sobrerregeneradores utilizam o isótopo de urânio U-238, amplamente disponível, em conjunto com pequenas quantidades de U-235 físsil, para produzir um isótopo físsil de plutônio, Pu-239.

No entanto, o plutônio é tremendamente perigoso, quer como veneno radioativo persistente, quer como material para ao construção de bombas, motivo pelo qual as exigências de segurança para a gestão de reatores deste tipo poderão estar fora do alcance das possibilidades organizacionais da sociedade em que nos transformaremos futuramente – isto é, uma sociedade com uma autoridade central muito mais fraca, com menos força policial e com recursos financeiros reduzidos.

Talvez esta seja outra maneira de afirmar que a estabilidade social tem sido um benefício indireto proporcionado pelo petróleo barato e que, na ausência desse combustível, não seremos capazes de assegurar a complexa organização social necessária a uma utilização segura da energia nuclear.

Seja como for, os Estados Unidos fecharam o seu único protótipo de reator sobrerregenerador, não dispondo, presentemente, de investigação, desenvolvimento e demonstrações deste equipamento. Os outros países também não progrediram muito mais. Os trabalhos continuam no Japão e na Rússia, mas foram interrompidos no Reino Unido e em França.

Desde o desenvolvimento da bomba de hidrogênio que se acalentam esperanças quanto ao desenvolvimento de um processo comercial de fusão que possa ser usado para gerar energia eléctrica. Na fusão, o objetivo é combinar núcleos atômicos em vez de os partir – por outras palavras, ligar dois átomos de hidrogênio para formar hélio.

É este o processo que está presente no Sol e que produz enormes quantidades de energia. Os seres humanos replicaram este processo de fusão solar quando desenvolveram a bomba de hidrogênio.

No entanto, ao contrário do que se passou com a fissão, ainda não desenvolvemos nenhum método prático de controlar esta força tremenda. E não estamos mais perto de realizá-lo do que estávamos há trinta anos, durante a primeira crise petrolífera da OPEP, quando a fusão era um dos muitos milagres de combustíveis alternativos prometidos para um futuro sem petróleo.

Há décadas que se persegue perseverantemente, em laboratório, um processo relacionado chamado “fusão a frio”, à semelhança dos métodos de transformação do chumbo em ouro tão caros aos alquimistas de há uns séculos, e até agora com resultados idênticos.

É possível que o aspecto menos óbvio do enigma nuclear consista no seguinte: a fissão nuclear é útil para produzir eletricidade, mas a maior parte das necessidades energéticas dos Estados Unidos dizem respeito a coisas que a eletricidade não pode fazer muito bem, se é que pode. Por exemplo, não é possível mover aviões com energia elétrica proveniente de reactores nucleares.

O atual sistema de transportes americano, baseado nos caminhões, não poderia funcionar só a eletricidade. No atual modo de vida americano, só 36% da energia consumida é energia elétrica gerada por diversos meios: carvão, gás natural, energia hidráulica e nuclear.

Há décadas que esta proporção se tem mantido bastante constante. O resto da nossa energia provém da combustão de hidrocarbonetos, fato que evidencia a tremenda versatilidade do petróleo e do gás natural. Por conseguinte, é provável que, nos próximos anos, aumente a quantidade de eletricidade gerada pela energia nuclear, mas sem compensar, necessariamente, as perdas motivadas pela depleção dos combustíveis fósseis (e os conflitos dispendiosos em torno das reservas remanescentes).

Isto significa que podemos acender luzes à noite e refrigerar os nossos alimentos, mas, sem a vantagem dos adubos artificiais derivados do gás natural e da maquinaria agrícola movida a diesel para trabalhar a terra a uma escala industrial, teremos de reorganizar completamente a agricultura. Por conseguinte, é evidente que teremos de reorganizar praticamente tudo no nosso modo de viver. No entanto, é possível que a energia nuclear seja tudo o que nos resta para mantermos aquilo que identificamos como civilização, impedindo as suas alternativas.


Artigo escrito por James Howard Kunstler. Sobre o autor: J. H. Kunstler nasceu em Nova York, em 1948. Autor de The Geography of Nowhere, Home from Nowhere de The City in Mind: Notes on the Urban Condition, do ensaio A longa emergência e de nove romances. O texto acima é a transcrição do capítulo 4 de O fim do petróleo: O grande desafio do Século XXI.


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